Poesias

sexta-feira, 30 de julho de 2021

SOCIEDADE ALTERNATIVA - CAPÍTULO 1

"Viva, viva, viva a sociedade alternativa
Viva, viva, viva a sociedade alternativa...

Se eu quero e você quer
Tomar banho de chapéu
Ou esperar papai noel
Ou discutir Carlos Gardel

Então vá
Faz o que tu queres
Pois é tudo da lei, da lei

Viva, viva, viva a sociedade alternativa
Viva, viva, viva a sociedade alternativa ..."

(Sociedade Alternativa – Raul Seixas/Paulo Coelho)

Dez e meia.
Hora do intervalo da turma da universidade.
Durante os próximos quinze minutos, poderiam conversar com os colegas, trocar idéias e até tomar um café.
No pátio da faculdade, boa parte dos alunos estavam reunidos.
Nessas horas, quando todo mundo se aproximava para conversar, é que se formava uma barulheira que se podia ouvir de longe.
Era 1952. Rodrigo, Maurício e Lindolfo, em plena quarta-feira, já traçavam planos para o fim de semana. Os três já estavam na cidade há quase dois meses. No entanto ainda não conheciam muita gente. Por serem novos na faculdade, estavam passando por uma certa dificuldade de adaptação, mas confiantes, sabiam que poderiam superar esta fase.
Para tanto, precisavam aproveitar as folgas para passearem e curtirem um pouco a praia da cidade. Lá poderiam conhecer gente nova e quem sabe, encontrar com alguém que estudasse na universidade com eles.
Nisso, enquanto aproveitavam o intervalo, bateu o sinal indicando que já era hora de, entrar novamente na classe e assistir o restante das aulas. E assim, todas as turmas entraram em suas salas e a universidade retornou ao silêncio costumeiro.
Depois das aulas, novamente o burburinho.
Nessa hora, todos os alunos da universidade, ou pelo menos a grande maioria deles, se reuniam em frente ao portão principal, e lá ficavam conversando.
Alguns ficavam esperando uma carona para voltarem para casa, já que alguns deles eram realmente moradores do lugar. Outros aguardavam os amigos saírem de suas classes para voltarem de carona com eles, posto que moravam a uma certa distância dali.
Alguns afortunados, moravam a poucas quadras da instituição, em um conjunto habitacional construído especialmente para os estudantes que vinham de fora. Chamava-se Conjunto Residencial Arco Verde, uma clara referência ao nome da cidade.
Pois então, os poucos afortunados que lá moravam, conseguiam, com uma caminhada de cerca de quinze minutos chegar em suas casas. Não dependiam de qualquer sistema de transporte para irem até a universidade. Sortudos.
Nesse rol de privilegiados, se encontravam os três rapazes que dividiam um pequeno apartamento neste residencial. Apartamento este que consistia em dois quartos, uma cozinha conjugada com uma área de serviço que ficava ao fundo, uma pequena copa, uma sala e um banheiro. E, apesar de só morarem homens no lugar, tratava-se de uma residência limpa e arrumada. Não possuía o requinte de uma decoração bem feita, mas nem por isso, parecia um pardieiro.
Aliás, nesse quesito, Maurício, Rodrigo e Lindolfo, eram bastante cuidadosos. Apesar da preguiça dos três em cuidar da casa, sempre tiveram o cuidado de deixá-la limpa. Assim, desde que chegaram em Arco Verde, passaram boas tardes limpando o apartamento e mobiliando-o com os móveis comprados em sua cidade natal. Visto que combinaram juntos a ida para a cidade.
Assim, conforme o exposto, pode-se concluir realmente, que os três rapazes eram privilegiados. Podiam se quisessem, acordar mais tarde. Como moravam perto da universidade, não precisavam madrugar para estudar de manhã, único horário em que a instituição funcionava.
No entanto, nem sempre, podiam se dar o luxo de acordar um pouco mais tarde.
Isso por que, toda manhã, um deles ía até a padaria comprar os pães para o café. Enquanto isso, outro preparava a mesa e depois, o último deles, que não havia feito nada, lavava a louça.
Feito isso, os três rapazes tratavam de pegar seus respectivos materiais e sair. Não se esquecendo de fechar a porta. E caminhar os tais quinze minutos até a faculdade.
Ao chegarem lá, ficavam ainda conversando por alguns minutos até bater o sinal anunciando o início das aulas e aí, eles então, tinham que se separar.
Maurício e Rodrigo faziam o curso de direito. Já Lindolfo, freqüentava o curso de engenharia.
Por isso, dada situação deles, pretendiam fazer novos amigos. Quanto a isso, gostariam de fazer logo novas amizades, para que assim, pudessem conviver bem com os outros universitários.
Com isso, finalmente, depois de alguns meses, os rapazes conseguiram formar uma turma para ir no já comentado passeio que eles pretendiam fazer no fim de semana. Tanto na turma de Lindolfo, quanto na turma de Maurício e Rodrigo, apareceram interessados.
Como inesperadamente, apareceram muitos interessados, inclusive de outras turmas e cursos, os três rapazes, pensaram então, em fazer uma festa, uma espécie de pequenique na praia. Então, durante o resto da semana, os três combinaram com os demais interessados sobre quem levaria as bebidas, as comidas, e organizaria decoração da festa.
Depois da divisão de tarefas feita, ficou ajustado que, alguns dos rapazes levariam as bebidas, outros levariam as comidas juntamente com algumas mulheres, e ainda entre as mulheres, as que não se habilitaram em levar a comida, estas se comprometeram em organizar o que fosse levado.
Com isso, em menos de um dia, praticamente, foi organizada uma confraternização com os jovens estudantes do lugar.
Ademais, no dia marcado, todos apareceram em peso na praia. Consigo levavam os comes e bebes, bem como outros apetrechos de praia, como bronzeadores, cadeiras de praia, guarda-sol, toalhas, etc. Alguns levaram ainda, umas mesas improvisadas para guardar as comidas.
O mar estava calmo, o dia estava quente, e as pessoas pareciam animadas para curtir a praia.
Todos procuraram se sentar próximos uns dos outros. Conversaram entre si sobre diversos assuntos.
Maurício e Rodrigo comentaram sobre o fascínio que sentiam pelo curso de direito. Já Lindolfo, mais prático, disse que escolheu o curso de engenharia, para poder trabalhar com o que realmente importava, segundo seu ponto de vista.
Nesse ponto, tanto Maurício quanto Rodrigo discordaram do amigo dizendo que o direito também visava coisas concretas. Que este poderia ser usado até para se acabarem com injustiças.
No que Lindolfo, severamente os retaliou. Para ele, as injustiças continuariam existindo enquanto houvesse um homem na face da terra. Por isso, por causa do homem, é que não tinha como se acabar com elas.
Diante de tão duros argumentos, Maurício e Rodrigo passaram a criticá-lo.
Como os diálogos ía se tornando cada vez mais acalorados, a turma do deixa-disso, tratou de amenizar as coisas. Disseram que a discussão não levaria a nada. Por isso, passaram a falar de outros assuntos. Reclamaram dos professores, das aulas. Falaram da sensação que tinham em estar tão longe de casa. Mas, pelo que se podia perceber, a grande maioria deles, estava gostando de viver longe dos pais. Estavam curtindo a recém conquistada liberdade.
Muitos preocupados, já pensavam em uma forma de se manterem por lá, pois não queriam voltar para a casa dos pais.
Preocupação esta, em muitos casos, salutar, posto que, muitos dos que ali estavam, em menos de dois anos, já estariam formados.
Mas é claro, que, diante do sol convidativo, eles deixaram de lado suas preocupações e caíram no mar.
As mulheres, além de se banharem no mar, aproveitando o belo dia de sol, trataram de se deitar em suas toalhas de praia, e assim, se bronzear.
Mais tarde, quando sentiram fome, abriram suas cestas com comidas e organizando tudo em pequenas mesinhas de madeira, expuseram a comida para assim todos pudessem se servir.
E assim, todos se dirigiram as mesinhas improvisadas e esbaldaram com os comes e bebes trazidos.
Depois do almoço improvisado, algumas moças foram caminhar na beira do mar. Enquanto caminhavam, apreciavam a paisagem. E mais ainda, faziam a alegria de alguns dos rapazes que por lá ficaram admirando-as.
Dentre as moças que estavam na passeio, se encontrava Lizandra. Morena clara, cabelos lisos, alta. Por seu porte elegante, chamou a atenção de Lindolfo, que logo quis conhecê-la.
Por esta razão, durante a semana seguinte, Lindolfo perguntou a todo mundo que reconheceu por estar no passeio, quem era aquela morena alta, que caminhou na beira da praia junto a outras colegas.
No entanto, em virtude da grande quantidade de pessoas no passeio, poucos conseguiram se lembrar de quem se tratava. Somente no final da semana, é que finalmente Lindolfo conseguiu alguma informação sobre a garota que lhe chamou a atenção.
Foi quando descobriu que ela se chamava Lizandra e que cursava o primeiro ano do curso de letras.
Ao descobrir isso, Lindolfo agradeceu a informação e se dirigiu até o campus onde ficava o curso de letras. No entanto, não logrou êxito. A jovem havia faltado naquele dia.
Ademais, por estar terminando o horário do intervalo, teve que se apressar para poder chegar em tempo na classe, sob pena de não poder assistir a aula. Se perdesse essa aula, teria que ficar escondido no banheiro, pois se o inspetor de alunos o visse fora da classe, o encaminharia para a direção, e que por isso, poderia sofrer uma pena de suspensão.
Então, tratou logo de entrar na sala e sentar em sua carteira. Conforme a aula começou, não conseguiu se concentrar e prestar atenção nas explicações do professor. Só pensava na morena andando na beira da praia com seu maiô branco e chapéu de palha enfeitado com um lenço de poás. Para ele, a combinação perfeita de beleza e elegância.
E nisso, o tempo foi passando, até que veio o sinal avisar que as aulas do dia, haviam terminado.
Novamente, o burburinho.
A confusão de alunos saindo dos campus da faculdade.
Sexta-feira, um fim de semana inteiro pela frente. Todos pareciam cheios de planos para os dois dias vindouros.
Para os três rapazes seria a oportunidade perfeita de curtirem uma praia. Principalmente para Lindolfo, que esperava que a moça novamente aparecesse por lá.
Como de costume, prepararam os apetrechos para curtir a praia. Só que desta vez, não havia a multidão de antes. Só iriam os três para a praia.
Ao lá chegar, encontraram alguns conhecidos da festa da semana anterior, que simpáticos, foram logo puxando assunto.
-- Que beleza de festa, a da semana passada.
-- É verdade, praticamente todo mundo que está na universidade estava presente. Até eu que estudo aqui há quase três anos, conheci muita gente nova.
-- É impressionante como a gente conhece pouco o lugar onde mora.
-- Concordo. – disse Lindolfo.
-- E, vocês, estão gostando da cidade? – perguntou um deles, para Maurício e Rodrigo.
-- Estamos nos adaptando. – respondeu Rodrigo.
-- Mas já deu pra perceber que é uma bela cidade. – emendou Maurício.
-- É uma típica cidade do interior, apesar da universidade.
-- Essa cidade tem também uma escola, não tem? – perguntou Rodrigo.
-- Tem sim, é uma bela escola. Tem pré-escola, curso primário, ginásio e colegial.
-- Interessante. Quer dizer então, que tem muita gente que mora aqui que acaba estudando na universidade. Legal. – disse Rodrigo.
-- Sim, sem contar que é uma ótima instituição de ensino, segundo ouvi falar.
E assim, ficaram conversando ainda durante algum tempo. Depois todos caíram no mar e passaram toda a tarde ali, se divertindo.
Ao retornarem para casa, notaram que Lindolfo estava um pouco aborrecido.
Tentaram conversar com ele, mas não adiantou. Não quis dizer o que o irritou. Os amigos insistiram em saber. Insistiram muito. Tanto que irritado, Lindolfo se trancou num dos quartos da casa, para não ter mais que dar satisfações.
Depois, Maurício e Rodrigo, que ficaram arrumando os apetrechos da praia e cuidando da cozinha, preparando o jantar, finalmente se deram conta do que era.
Como o amigo ficara a semana toda tentando descobrir quem era a tal moça da praia, chegaram a conclusão seguinte. Ele esperava encontrá-la na praia. Daí a insistência em sair um pouco mais tarde. Talvez ele tenha pensado que, se ela saiu para caminhar na praia, já ao final da tarde, era porque talvez tivesse o hábito de fazê-lo sempre.
No entanto, não foi isso que aconteceu. A moça não apareceu.
Diante desta conclusão portanto, pararam de comentar o assunto. Às sete horas, trataram de chamá-lo para jantar.
Assim, enquanto comiam o jantar, Maurício e Rodrigo comentavam sobre como tinha sido a semana. E que no dia seguinte, começariam a fazer um trabalho que seria entregue dali a poucos dias.
Nisso, Lindolfo, nem abriu a boca. Ele que era tão falante, permaneceu durante todo o jantar em silêncio. Ao terminar o jantar, como era sua vez de lavar a louça, simplesmente se levantou e foi até a cozinha. Lavou toda a louça do jantar e depois, novamente, trancou-se em seu quarto.
Preocupados, os dois amigos, o convidaram para sair. No que ele secamente respondeu:
-- Não estou com vontade.
Diante da resposta, os dois não insistiram mais. Simplesmente se arrumaram e foram dar uma volta pelo Conjunto Residencial. Como não tinham o que fazer, foram matar o tempo com um passeio até chegar a hora de irem dormir.
Andaram, andaram. Passaram por quase todos os prédios do residencial. O curioso é que cada um deles era de um cor diferente. Eram prédios de no máximo cinco andares com seis apartamentos por andar. Também possuíam, diferentes estilos arquitetônicos. Mas ainda, assim, possuíam uma certa unidade. Muito embora o estilo de cada um, tornasse o local pitoresco e agradável. Havia algumas plantas por entre as construções. Muitas jardineiras floridas nas janelas dos apartamentos, e em alguns lugares, perto dos estacionamentos, roseirais, enfeitavam a área externa do local.
No centro do residencial, havia uma espécie de praça, com uma pequena fonte, onde um leão de pedra, entalhado em azulejos portugueses azuis, esguichava água. Nesse lugar havia ainda, mais flores, e dois bancos de praça, pintados de branco. Tudo para lembrar um pouco, antigas construções européias.
E exatamente neste local, se encontravam os rapazes neste momento. Como queriam conhecer melhor o Residencial, caminharam mais um pouco. Antes de chegar na portaria em estilo neo-clássico, em frente do imenso portão de entrada que se abria em duas colunas gregas, passaram ao lado do play-ground das crianças.
Na hora de voltar, descobriram onde ficava a entrada da garagem. Lá também havia uma portaria, mas nenhum funcionário para abrir os portões para os motoristas. Enfim, nem tudo é perfeito.
No meio do caminho, foram interrompidos por dois rapazes que foram cumprimentá-los. Disseram que os conheciam da festa e, por conta dela, puxaram assunto:
-- Maurício e Rodrigo, quando vocês pretendem organizar outra reunião daquelas?
-- A hora que vocês quiserem, é só combinar. – respondeu Maurício.
-- Então, está bem. Durante a semana, nós combinamos tudo. Está certo?
-- Pra nós, está ótimo. – respondeu novamente Maurício.
-- Sem problemas. – reforçou Rodrigo.
-- Então. A gente se vê depois. Até logo.
-- Até logo. – responderam Maurício e Rodrigo.
E assim, os dois rapazes retornaram para o apartamento. Quando chegaram, comentaram com Lindolfo, que dois conhecidos perguntaram se haveria mais festas. Foi então que Lindolfo disse que eles podiam combinar tudo com os rapazes. Espantados com a resposta, perguntaram:
-- E você? Não vai?
-- Mas é claro que vou.
Diante da resposta, os dois sentiram-se aliviados.

Luciana Celestino dos Santos
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