Poesias

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Para se Viver um Grande Amor - Capítulo 15

Otávio por sua vez, ocupado com seu namoro com Letícia, nem sequer imaginava que Flávio havia despertado de seu estado de torpor.
Isto por que, sempre que os rapazes faziam menção de comentar algo sobre Flávio, Otávio incomodado, interrompia a conversa falando de assuntos correlatos ao escritório. Perguntava sobre a contabilidade do escritório, de cálculos atuariais sobre alguns processos que em estava trabalhando, sobre como os processos do escritório estavam caminhando, etc.
Não deixava os moços falarem.
Parecia ter medo de descobrir o que se passava com o ex-colega de escritório.
Otávio estava obcecado com o trabalho e com Letícia.
Percebendo que era censurado por Carlos, Vicente, Francisco, Cleide, Bruno, Leandro, e até por Margarida – a secretária do escritório, Otávio parou de comentar seus progressos na relação com Letícia.
Os mesmos nunca criticaram diretamente o moço, mas não demonstravam interesse em seus relatos.
Fato este que deixava Otávio deveras irritado. Por sua vez, sempre que os colegas tentavam fazer algum comentário a respeito de Flávio, fazia questão de interromper a conversa.
Diante desta resistência a ouvir falar no colega, Cleide comentou:
- Parece que é bruxo! Muito conveniente não querer ouvir o que temos para falar sobre Flávio.

Por sua vez, o que mais afligia Flávio, era saber que escondiam dele informações sobre Letícia. Afinal de contas, por que ela não o visitava mais?
O moço sofreu um grande baque ao saber que havia ficado inconsciente por tanto tempo.
Ao perceber que havia perdido tanto tempo de sua vida, ficou deprimido.
Questionava-se o tempo todo. Como pude ficar tanto tempo inconsciente? Aflito queria saber tudo o que havia ocorrido durante o tempo em que ficou ‘ausente’. Ansioso, perguntava a todo o momento sobre Letícia.
Com isto, Olívia não contou que Letícia estava namorando outro rapaz. Sabia porém, que não poderia sonegar esta informação de Flávio por muito tempo.
O moço estava impaciente e ansiava por informações.
Relembrando os tempos em permaneceu inconsciente, Flávio comentou que inúmeras vezes se viu andando em um lugar repleto de verde, de flores. Repetiu que em um de seus sonhos aparecia chorando, e Letícia perguntava-lhe por que estava chorando.
Contou que sonhou que estava de mãos dadas com sua irmã, ainda menino, caminhando pelo lugar. Por este lugar de sonhos.
Lá, brincava e corria com Cecília, por todos os lugares.
Não conseguia entender o por quê disto.
Foi então que rememorando suas pesquisas, bem como o fato de que muito do que acreditava ser um sonho, era na verdade uma viagem astral, ficou intrigado. Tentando descobrir de onde conhecia aquele lugar, passou a descrevê-lo para Alessandro e Cecília, que se comprometeram em localizar o lugar e levá-lo para visitá-lo.
Isto por que Flávio acreditava que aquele lugar existia.
Cecília porém comentou que não se lembrava de haver brincado em nenhum lugar como aquele descrito por seu irmão.
Ainda assim, prometeu auxiliá-lo em sua busca.
Flávio, com o passar do tempo se tornou mais falante.
Certo dia, mais uma vez relembrando de seu estado letárgico, contou que sonhou diversas vezes em que, caminhando nesse mesmo lugar, vestido de branco, se deparou com Letícia.
Porém, para seu espanto, a moça chorava. Chegava a soluçar.
Percebendo o pranto, Flávio se aproximou da moça, tocou em seu rosto e disse:
- Não chore, eu venho te buscar!
O rapaz revelou que o sonho tinha variáveis.
Ora abraçava a moça após prometer buscá-la, ora se afastava lentamente.
Muito embora não quisesse ficar longe de Letícia, sentia como se estivesse se afastando.
Descrevendo a moça, dizia que Letícia aparecia com seus cabelos longos, vestida de forma vaporosa.
- Linda como sempre! – dizia ele.
Olívia ouviu estas palavras com um nó na garganta.
Como dizer ao rapaz que Letícia havia encontrado outro rapaz?
A mulher estava angustiada. Tanto que nas conversas ao telefone com Cecília, dizia que não sabia como contar ao filho por que Letícia não o visitava mais.
Ao ouvir tais palavras, Cecília respondia que ela não conseguiria esconder a verdade por muito tempo e que cedo ou tarde, Flávio descobriria o que de fato acontecera.
E assim foi. Dito e feito.
Cansado das respostas evasivas de Olívia no que diz respeito à ausência de Letícia, Flávio estava cada mais impaciente com a ausência da moça.
Irritado, passou a dizer que Olívia estava escondendo alguma coisa.
Flávio continuava a fazer fisioterapia. Aos poucos voltou a andar. Primeiramente, precisou andar de muletas. Depois, ganhando mais confiança, começou a andar se apoiando nas paredes, nos móveis.
Cansado de permanecer trancado em seu apartamento, ou se deslocando de casa para o hospital, pediu a Olívia para visitar Letícia.
A mulher porém, resistiu a idéia. Argumentando que não era aconselhável o rapaz se deslocar até lá, comentou que assim que a moça se desembaraçasse de seus compromissos, que ela viria visitá-lo.
Flávio porém, retrucou. Dizendo que estava cansado de mentiras, insistiu para que sua mãe dissesse o que estava acontecendo. Aflito, pediu para a mãe não lhe escondesse nada.
Angustiado, perguntou se a moça estava doente.
Olívia continuava em silêncio.
Flávio implorou:
- Mãe, por favor! Me conte o que está acontecendo. É grave? O que está acontecendo? Letícia está bem?
Ao perceber que não poderia mais continuar escondendo a verdade do filho, Olívia revelou que a moça havia desfeito o compromisso com ele.
Flávio ficou perplexo.
- Como assim?
Olívia passando a mão no cabelo de Flávio, respondeu:
- Ah meu filho, por que você não é mais aquele menino? Por que tinha que crescer e passar por tudo isto? Não foi o bastante, me deixar com cabelos brancos?
O moço, percebendo a gravidade da situação, insistiu para que sua mãe não lhe escondesse nada.
Olívia disse então que Letícia estava namorando outro rapaz.
Flávio insistiu para saber quem era o rapaz. Se era alguém conhecido.
- Que importa isto? – respondeu Olívia aflita.
Flávio nervoso, insistiu na pergunta.
Brigou com Olívia até obter uma resposta.
Sem alternativa, Olívia acabou confessando que o tal rapaz era Otávio.
Flávio ficou perplexo.
Pensou: “Seria o mesmo Otávio, seu colega de trabalho? O mesmo que lhe dera a oportunidade de ser sócio no escritório?”
Olívia, para seu desespero, confirmou que o ele temia.
- Sim era ele.
Flávio começou então a chorar.
Olívia, abraçando, tentou confortá-lo.
Em vão.
Por dias o rapaz não quis saber de sair de casa, mal comia.
Isolado, Flávio ficou pensando na vida. Em como sua vida havia mudado. Que agora precisaria partir do zero. No trabalho e no amor.
Conversando com Olívia, descobriu que o período de internação fora coberto por seu plano de saúde, e que as despesas com o apartamento, entre elas conta de água, luz, telefone, condomínio, foram pagos pelo escritório.
Descobriu que o supermercado, entre outras despesas eram cobertas pelo escritório.
Flávio foi informado ainda, que seu carro ficara totalmente destruído, sem ter como ser consertado.
No tocante a isto, Olívia comentou que Cecília orientou-o acionar a seguradora para obter a devida indenização pelo sinistro. Com isto, procuraram todos os documentos relativos ao carro, inclusive o contrato.
Comentou que conseguiram obter o ressarcimento parcial do prejuízo, não sem antes ameaçar ingressar com uma ação no judiciário.
Olívia comentou ainda, que para conseguir levantar o valor do seguro, precisou entrar com um processo de interdição de Flávio, para que com isto pudesse administrar seus bens e assim, receber a indenização do seguro, entre outras coisas. A mulher explicava tais fatos ao moço, sempre ressaltando que Cecília e seus patrões – Flora e Euclides, foram de grande ajuda.
Com efeito, Flávio descobriu que durante muito tempo, todas as suas despesas eram cobertas pelo escritório.
Olívia contou haver descoberto que Flávio havia feito um seguro no qual eram cobertos acidentes pessoais e morte. Razão pela qual a família teve que novamente se mobilizar e providenciar toda a documentação relativa ao mesmo. Com isto, a mulher destacou que somente quando o seguro pagou a referida indenização, é que suas despesas passaram a ser cobertas por outra fonte pagadora.
Porém o convênio médico continuava a ser pago pelo escritório.
Olívia contou que ao saber do acidente, seus colegas prometeram que continuariam pagando o salário de Flávio enquanto fosse necessário. O moço ficou surpreso com o fato.
Flávio embora triste, admirou-se com as atitudes proativas de Cecília. Chegou a comentar que ela estava amadurecendo.
Ao descobrir porém, que Letícia estava de namoro com Otávio, Flávio percebeu que aquela situação, que aquela sensação de amargura não poderia continuar.
Precisava retomar sua vida e arrumar um novo trabalho.
Olívia estava preocupada.
O rapaz parecia indiferente a tudo.
Ora chorava, ora ficava furioso. Acreditando que se não tivesse ficado tanto tempo ausente não teria perdido Letícia, começou a se culpar.
Olívia ficava mortificada com isto.
Dizendo que fora uma fatalidade, sua mãe comentou que embora parecesse que aquele sofrimento não teria fim, um dia a dor acabaria e ele conseguiria enxergar as coisas com mais clareza.
Flávio contudo, parecia não acreditar nas palavras da mãe.
Olívia porém, não deixou Flávio se entregar a tristeza.
Insistia para que o moço comesse, que não deixasse a fisioterapia de lado, que saísse de casa. Dizia que ele precisava espairecer e esquecer todo o sofrimento pelo qual havia passado.
Flávio porém, estava triste demais para levar aquelas palavras a sério.
Contudo, toda tristeza um dia chega ao fim.
Com isto, com o tempo, recuperado, Flávio passou a procurar trabalho.
Encontrar uma ocupação porém, não estava nada fácil.
Isto por que, havia permanecido por dois anos ausente. Ausente da vida, e do mercado de trabalho. Como explicar este tempo ausente?
Magoado com Otávio, Flávio não queria voltar ao escritório onde trabalhava.
Olívia argumentou porém, que ele precisaria retornar ao lugar, para ser dada baixa em sua carteira de trabalho.
Flávio mesmo contrariado, concordou. Sabia que sem esta providência, ficaria ainda mais difícil arrumar um trabalho.
Com isto, um mês depois de muito procurar trabalho, Flávio decidiu voltar ao escritório onde trabalhou.
O que ele não esperava porém, era depois de cerca de meia hora dentro do lugar, após passar pelo departamento de Recursos Humanos solicitando providências no tocante a carteira de trabalho, deparar-se com Otávio e Letícia juntos. Rindo.
A moça ao ver Flávio diante dela, consciente, andando, ficou chocada. Tentou dizer alguma coisa mas não conseguiu.
Nervosa, começou a tremer. Empalideceu.
Otávio também ficou perplexo com a novidade.
Também ficou sem palavras.
Seu espanto só não foi maior do que o de Letícia.
A moça sem conseguir controlar seu estado emocional, perdeu os sentidos, vindo a desfalecer. Flávio, ao perceber que a moça desmaiara, ficou aturdido.
Aflito, aproximou-se da moça, e tocando em seu rosto, começou a chamá-la:
- Letícia! Letícia! Acorde!
Percebendo que a moça não acordava, sugeriu que alguém trouxesse um pouco de água.
Margarida, a secretária, atendeu prontamente o pedido.
Flávio então, espirrando um pouco de água no rosto da moça, conseguiu fazer com que ela despertasse.
Ao despertar, Letícia deparou-se com um Flávio preocupado.
Nervosa, perguntou o que estava acontecendo.
Flávio então respondeu:
- Espantoso, não é mesmo? Depois de um longo tempo ausente, praticamente um morto, o morto retornou a vida. Impressionante! Mais impressionante seria se você estivesse acompanhando tudo. Mas você não estava lá, não é mesmo?
Letícia não gostou do tom, mas sentindo-se culpada, não disse nada.
Flávio continuou:
- Pois é! O homem desencantou. Despertou. E agora eu vou aproveitar cada minuto da minha vida. Não vou mais perder tempo. Não é mesmo Otávio?
Otávio então se defendeu:
- Flávio! Não fale assim! Letícia nunca te abandonou e eu tampouco me aproveitei da situação... Acontece que acabamos nos apaixonando. Isso acontece.
Flávio fitou Letícia.
Dos olhos da moça vertiam lágrimas.
Com tremor na voz, perguntou:
- Por que ninguém me contou? Se eu soubesse, juro que teria ido visitá-lo.
Flávio retrucou com ironia:
- Ah, é mesmo? Iria me visitar? Como se faz com um parente distante? Eu não quero que façam algo por mim como se fosse uma obrigação!
O moço, ao terminar a frase, estava com a voz tremula, quase chorando.
Transtornado, o rapaz procurou sair do local, o mais rapidamente possível.
Não queria prolongar ainda mais o seu sofrimento.
Porém, ao contrário do que sua mãe esperava, o moço não foi diretamente para seu apartamento.
Embora não tivesse ido de carro para o escritório, como aconselhara sua mãe, o moço rumou para outro lugar.
Passeando pelo Trianon, o rapaz ficou a se lembrar do encontro ocorrido momentos antes. Também lembrou-se de quando começou a namorar Letícia. De quando passearam a noite pela cidade, aproveitando as bonitas decorações natalinas. Prédios decorados, pontes. Chegaram até a apreciar uma apresentação de coral.
Sozinho, Flávio ficou com os olhos marejados.
Não podia acreditar no que estava acontecendo.
“Por que eu?” Chegou a se perguntar.
No cair da tarde, quando chegou em casa, encontrou Cecília, Alessandro, Olívia e Gilberto, aflitos com sua demora.
Flávio ficou surpreso com a presença de todos em sua casa.
Olívia argumentou que havia ficado preocupada com sua demora.
Flávio porém, contemporizou dizendo que apenas havia se distraído com seus amigos.
Durante dias ficou remoendo que havia acontecido no escritório.
Mesmo assim, procurou retomar sua vida e continuou a procurar emprego, enquanto aguardava a baixa e formalização da rescisão de seu contrato de trabalho.
De vez em quando saía. Às vezes com seus ex-colegas de trabalho. Carlos, Francisco, Vicente, Cleide, Bruno e Leandro, viviam convidando-a para tomar um chope, ir ao cinema, jantar, enfim, dar uma saída.
De quando em vez saía com sua irmã e Alessandro. Aproveitava para vê-los ensaiar numa quadra de escola de samba.
Enfim, seguia, ou tentava seguir sua vida.
O que ele não contava era encontrar novamente Letícia em uma quadra de escola de samba.
Acompanhado de Cecília e Alessandro, que iriam participar de um desfile de carnaval, o moço foi acompanhá-los nos ensaios.
O evento foi realizado em um galpão, o qual estava repleto de gente.
Cecília e Alessandra iriam desfilar juntos. Há anos freqüentavam a comunidade e participavam dos desfiles.
Antes do acidente, sua irmã chegou a lhe sugerir algumas vezes que desfilasse. Dizendo que não havia emoção maior do que sentir a energia de uma escola de samba, o ritmo de uma bateria, comentou que esta era uma das maiores alegrias de sua vida.
Cecília dizia que o samba lhe proporcionou as melhores coisas de sua vida.
 
Inclusive foi num ensaio que a moça conheceu seu companheiro Alessandro.
Cecília empunhava a bandeira da escola. Embora fosse passista, naquele dia estava cobrindo a falta da porta-bandeira, para que o parceiro, o mestre-sala, pudesse ensaiar.
Alessandro ficou encantado com aquela moça, de saia longa vaporosa, e blusa frente única, com muito samba no pé e gingado.
A desenvoltura da moça em apresentar o pavilhão da escola, sem enrolar em nenhum momento a bandeira no mastro, os rodopios, as mesuras. Cecília gentilmente apresentava a escola.
O mestre sala também tinha samba no pé, rodopiava e numa atitude de reverência, quase se ajoelhava aos pés da porta-bandeira.
Alessandro porém, só tinha olhos para ela.
E foi assim, depois de um ensaio, que eles se conheceram.
Ele então se aproximou, e puxando papo, perguntou se ela estava sempre por ali.
Cecília respondeu que sim.
Alessandro então comentou:
- E como eu nunca te vi por aqui?
A moça respondeu que era passista, e que naquele dia estava cobrindo a falta de uma colega.
Alessandro comentou então que adorava carnaval e que também estava sempre ali. Dizendo ser um exímio dançarino, comentou que desfilava.
A moça perguntou então em que ala ele sambava.
Ele então respondeu que há dois anos saía na bateria da escola de samba.
E assim, começaram uma animada conversa.
Alessandro começou a falar de sambas antigos, e do quanto gostava do carnaval. Que a bateria era o coração de uma escola de samba, e que adorava sentir o ritmo da escola. Comentou que adorava as escolas de samba tradicionais de São Paulo, mas também gostava de algumas novatas, não sabendo se decidir sobre qual era a preferida.
Cecília começou a rir do rapaz, dizendo que ele era muito volúvel.
Alessandro, um pouco incomodado com o comentário, disse apenas que era um adorador do samba paulista, e que ao contrário do que dissera Vinícius de Morais, São Paulo não é o túmulo do samba. É apenas um lugar onde o samba nascera de um jeito diferente, imortalizado pelo inesquecível Adoniram Barbosa, entre outros.

Luciana Celestino dos Santos
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