Isto por que, feliz que estava ao chegar da festa, onde dançara, comera, bebera e conversara, sendo após levada para casa pelo noivo, estava nas nuvens...
Mas mesmo empolgada e com muito esforço, tratou de ir dormir.
Para tanto, tirou o vestido e colocou uma camisola.
Deitou-se na cama, e então, dormiu com os anjos.
Durante o período em dormia, sonhou com a festa, com os beijos de Flávio, e com uma praia paradisíaca.
Esta parte do sonho, lhe pareceu incompreensível.
O que não esperava, era ser despertada ainda de madrugada pela ligação de uma Olívia desesperada, que solicitava sua presença no hospital.
Assustada, depois de ser abruptamente despertada por Karina, e informada que Olívia estava aflita no telefone, Letícia ao atendê-la, perguntou o que estava acontecendo.
Surpresa, foi informada que Flávio havia sofrido um acidente.
Aflita, a moça pediu mais informações, mas Olívia respondeu que não podia dizer mais nada.
Com dificuldade, Olívia lhe passou o endereço do hospital.
Karina preocupada, perguntou a filha o que estava acontecendo.
Letícia aturdida, respondeu que não sabia direito. Desorientada, conseguiu apenas dizer que Flávio havia sofrido um acidente e que ela, precisava se dirigir a um hospital.
A mulher vendo o estado da filha, prontificou-se a acompanhá-la no hospital.
Vendo que a moça estava perdida, aconselhou-a tomar um banho.
Karina por sua vez, comentou que também iria se arrumar.
Letícia então tomou um banho apressado, e vestiu-se.
Karina que já aguardava, chamou um táxi.
Letícia então entregou-lhe o papel com o endereço do hospital.
Assim não fosse, a moça não teria conseguido chegar ao hospital.
A moça chorou o percurso inteiro até o local.
Karina, percebendo o estado de Letícia, encostou a cabeça da filha no ombro.
Gilberto por sua vez, ao perceber o jeito como Olívia havia dado a notícia para Letícia, censurou a mulher.
Olívia chorando, respondeu que não conseguiria dizer mais nada ao telefone.
Gilberto retrucou, porém. Dizendo que ela deveria ter dito que Flávio sofrera um acidente, mas que estava sendo devidamente cuidado pelos médicos.
Contudo, dizendo que o que estava feito, estava feito, resolveu deixar aquilo de lado.
Nisto, ao chegar ao hospital, Letícia tomou conhecimento da dura notícia.
Ao ver toda família do rapaz, Letícia ficou tensa.
Karina também parecia apreensiva.
Olívia então aproximou-se das duas, e comentou que Flávio fora operado e que estava na UTI. Conversando sobre a gravidade do acidente, não escondeu nada nem de Letícia, nem de Karina.
A cada palavra que ouvia sobre o estado do rapaz, a moça chorava.
Karina, ao perceber isto, dizia:
- Não chora! Coragem! Vai acabar tudo bem!
Olívia triste com a notícia, não conseguia dizer palavras de encorajamento.
Cecília e Gilberto, percebendo sua tristeza, abraçaram-na.
Foi então que Olívia comentou quase chorando:
- Com esta corrente de positividade, eu acho difícil o Flávio não se recuperar.
Transtornada, Letícia só ficava pensando na situação de Flávio. Em quanto o rapaz devia estar sofrendo. Acreditava que mesmo inconsciente o rapaz tinha conhecimento do que acontecia a sua volta.
Neste momento estava sendo amparada por sua mãe, Karina.
A mãe, que ficou o tempo todo ao lado da filha, só fazia consolá-la.
Tentando confortá-la, dizia a todo momento, que tudo iria ficar bem, que Flávio era um homem forte. Que iria se recuperar. Abraçava a moça e passava de leve a mão por sobre a cabeça de Letícia.
Mas estava chocada.
E Letícia só fazia chorar.
A moça não podia acreditar que a pessoa com quem acabara de compartilhar momentos felizes, ao dançarem juntos em uma festa, estava entre a vida e a morte.
- Não, não, é possível! – dizia entre lágrimas.
Olívia então aproximou-se da moça, e abraçando-a, começaram a chorar juntas.
Tanto ela quanto a mãe do rapaz, padeceram ao saber que Flávio estava muito mal.
Choraram copiosamente.
Letícia, permaneceu por horas, com a cabeça no colo de sua mãe.
Karina, começou então, a cantar para ela, uma canção de Luis Guedes e Tomas Roth:
“Tenho uns olhos de criança
Nos cabelos raios de luar
O mistério da sereias
Me levou pro fundo do mar
Tenho um toque de princesa
Na cabeça brinca um sonho azul
Na magia das estrelas
Ilumina o céu de norte a sul
Você é chuva de vento
Rodamoinho, carrossel
Viaja em meu pensamento
Feito uma pipa de papel jornal
Pois a cigana, bola de cristal ...”
Letícia se emocionou ao ouvir a música. A canção fazia com que ela se transportasse para seu tempo de infância. Por um instante esqueceu do drama que estava vivendo.
Recordou-se de seu tempo de criança, de suas brincadeiras de roda, de pular amarelinha, de brincar de boneca. Quando poderia imaginar, que passaria por tanto sofrimento?
Agora, só sabia chorar...
Nisto, durante semanas, em virtude da gravidade do acidente, o rapaz permaneceu em coma.
Doutor Sílvio comentou que o coma era uma forma do rapaz poupar energias, e que acreditava que ele se recuperaria, em que pese não poder dar certeza de nada.
A família de Flávio ficou feliz pela primeira vez, em ouvir as palavras do médico.
Letícia, por sua vez, conhecedora da situação do moço, sempre que podia, visitava Flávio no hospital, e chorando, contava sobre o tempo em que foram amigos, em que namoraram, e do quanto foi feliz ao lado dele.
Lembrou-se do dia em que fizeram pequenique juntos no Parque do Ibirapuera.
Lá, caminharam em volta do lago, apreciaram a beleza das árvores, se depararam com pessoas correndo, caminhando.
À certa altura, arrumando um cantinho para descansar, estenderam uma toalha na grama, e tirando comes e bebes de uma cesta, Flávio começou a preparar uma espécie de ceia. Havia sucos, pães, frios.
O casal comeu. Pão com frios, suco.
Contemplaram um horizonte estranhamente límpido da cidade de São Paulo.
Letícia usava um vestido florido e levemente rodado, Flávio, estava trajado de camisa pólo e calça jeans.
Flávio, aproveitando a oportunidade de ficar a sós com Letícia, recostou sua cabeça no colo da moça. Comentou que eles precisavam fazer mais passeios como aquele. Sem pressa, sem correria. Só curtindo o momento.
Letícia passou as mãos nos cabelos de Flávio.
Depois de um certo tempo, foi Letícia quem se refestelou, esticando-se gostosamente na toalha estendida na grama.
Ficou com a cabeça apoiada no colo de Flávio. Naquela posição ficou a admirar a beleza do parque, com suas muitas árvores, o céu, as nuvens. Como uma criança, ficou alguns minutos analisando com o que elas se pareciam.
Flávio brincou com ela dizendo que alguém havia voltado a ser criança.
Letícia parece não ter gostado muito da brincadeira.
O rapaz, percebendo isto, comentou que estava brincando. Afinal de contas não fora sua intenção chateá-la.
Diante disto, Flávio pegou um livro de poesias, e começou a declamar uma delas para Letícia:
“Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada...”
Ou então: “Presença bela, angélica figura,
Em quem, quanto o céu tinha, nos tem dado;
Gesto alegre, de rosas semeado,
Entre as quais se está rindo a formosura ...”
Letícia se interessou por aquelas palavras.
- Camões!
Dizendo isto, retirou o livro das mãos de Flávio, e procurando aleatoriamente uma poesia para ler, encontrou esta:
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste ...”
A certa altura Flávio comentou que estava ficando tarde.
Letícia e Flávio começaram a recolher os copos, as jarras, e todos os utensílios que guarneceram o repasto. Guardaram também, o que sobrou de comida.
Antes que conseguissem chegar no estacionamento, desabou uma forte chuva.
Quando finalmente entraram no carro. Estavam ensopados.
Ao se verem molhados, começaram a rir.
E assim, em meio a forte chuva, de dentro do carro, avistaram o Obelisco. Passaram por shoppings.
Ao deixar Letícia em casa, Flávio ofereceu seu casaco, para que a moça colocasse sobre a cabeça e entrasse correndo em sua casa.
Com isto, a moça saiu apressadamente do carro, e tratou logo de abrir o portão de sua casa.
Ao adentrar o quintal, saiu correndo até chegar a porta da casa.
Foi então que a porta abriu-se.
Karina, ao vê-la toda molhada, questionou:
- Deus do céu! Onde é que vocês estavam? Olha só como você está! Toda molhada!
Foi então que Flávio saiu do carro.
Karina, ao perceber que o moço estava todo molhado, sugeriu que ele entrasse para se enxugar.
Flávio respondeu que não era necessário, já que havia passado ali apenas para deixar Letícia em casa.
Karina porém insistiu. Comentou que precisava para se enxugar antes de voltar para casa.
- Não, não, não! – respondeu Flávio.
Karina porém, não se fez de rogada, pegou um guarda-chuva e foi até o portão.
Abriu-o e exigiu que Flávio entrasse.
Diante do gesto de Karina, o rapaz não teve alternativa. Adentrou o quintal e entrou na casa.
Karina ofereceu-lhe uma toalha.
Flávio tentou de forma desajeitada, se enxugar.
Karina perguntou-lhe se estava com fome.
O rapaz então comentou que precisava voltar para casa. Dizendo que estava molhado e que precisa trocar de roupa, insistiu que precisava voltar para casa. Argumentou que já havia incomodado demais.
Karina respondeu que não era incomodo, mas concordou que o rapaz devia vestir uma roupa seca. Olhando pela janela, comentou que a chuva havia diminuído.
Flávio despediu-se de Letícia, que ainda estava molhada, e de Karina. Antes de sair, recomendou que a moça trocasse de roupa.
O moço por sua vez, ao chegar em casa, tratou logo de tirar sua roupa molhada.
Tratou de trocar a roupa molhada por roupas secas.
Depois ligou para Letícia para dizer que já havia chegado em casa.
Comentou que na região onde morava, a chuva ainda estava forte, mas que fora possível chegar em casa com tranqüilidade.
A moça respondeu que havia tomado um banho e vestido uma roupa seca. Comentou que estava tudo bem.
Flávio comentou que adorou o passeio, e o pequeno recital.
Letícia perguntou se o livro ficara molhado.
O moço respondeu que não, mas que a cesta ficou encharcada e que ele iria deixar na cozinha enxugando.
Nisto, depois de desejar que a moça dormisse com os anjos, Flávio despediu-se.
E assim, Letícia desligou o telefone.
Lembrou-se também, dos dias de verão, em que passou férias com o namorado na praia.
Dos pores-do-sol. Da lua tingida de vermelho, refletindo nas águas.
As múltiplas cores do lusco-fusco. Uma hora laranja, outra, rosa, azulado.
O sol despejando seus últimos raios no horizonte, luxuriante, refletindo-se nas águas.
O ir e vir das vagas, as areias molhadas, formando desenhos ondulados com vários tons. A espuma das ondas se contrapondo as cores do horizonte.
As caminhadas contemplativas, admirando esta dádiva da natureza.
A cidade ao longe, as casinhas pequeninas, as luzes, pálidas.
Um lindo e deslumbrante cenário!
Encantada, Letícia em uma dessas oportunidades, aproveitou para tirar fotos. Em outras, preocupou-se única e exclusivamente em usufruir do momento.
Em casa, aproveitou para contemplar os luzeiros do céu. As lindas estrelas.
No litoral era possível apreciar a beleza da lua, as estrelas.
Animada, Letícia lembrou-se de uma marchinha, e começou a cantar a música “A Lua é dos Namorados”:
“Todos eles estão errados
A lua é dos namorados
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua, oh lua
Lua, oh lua
Querem te passar pra trás
Lua, oh lua
Querem te roubar a paz
Lua, oh lua
Não deixa ninguém te pisar
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua, oh lua
Não deixa ninguém te pisar ..."
(Composição: Armando Cavalcanti / Klecius Caldas / Brasinha)
Ao ouvir a voz melodiosa de Letícia entoando a música, Flávio perguntou:
- Ah é?
Letícia riu. Comentou que era apenas a letra de uma música.
Foi então que se lembrou de outra marchinha cujo titulo é “Se a Lua Contasse”. Empolgada, começou a cantá-la:
“Se a lua contasse
Tudo o que vê
De mim e de você
Muito teria o que contar
Contaria que nos viu brigando
E viu você chorando
Me pedindo pra voltar
Somente a lua foi testemunha
Daquele beijo sensacional
Nesse momento foi tal o enlevo
Que a própria lua sentiu-se mal
Só as estrelas que cintilavam
Hoje dão conta do que se viu
Contam que a lua foi desmaiando
Caiu nas ondas, boiou... sumiu.
(Autoria: Custódio Mesquita.)”
Flávio então puxou-a pelo braço, e beijou-lhe.
Momento de encantamento, inspiração.
Durante a manhã, quando o sol ainda não havia dado o ar de sua graça, a moça dormiu abraçada ao namorado.
Depois, despertando, Letícia chamou-o para um passeio pela beira do mar.
Flávio resmungou dizendo que ainda era muito cedo.
Letícia respondeu sairia para caminhar com ele ou sem ele.
O homem virou-se para o lado e continuou dormindo.
Letícia então foi tomar um banho.
Lavou a cabeça, ensaboou-se.
Após, enrolada numa toalha, pegou um biquini e vestiu.
Ao voltar para o quarto, Flávio continuava dormindo.
Letícia impaciente, puxou o lençol. Percebendo que ele se encolheu, começou a chacoalhá-lo. Dizendo que ele precisava se levantar, comentou que o dia estava amanhecendo e que estava prometendo uma linda alvorada para o dia que começava.
Mas o homem continuava dormindo.
Letícia, então disse:
- Eu não acredito que você vai perder um espetáculo lindo como este!
Flávio, esticou suas pernas.
Utilizando como último argumento o esplendor do espetáculo, disse:
- Eu não acredito que você vai desperdiçar a oportunidade, rara oportunidade, de apreciar um espetáculo desses, que Deus criou só para nós!
Flávio abriu então os olhos. Aquelas palavras despertaram seu interesse. Pareceu-lhe que Letícia estava querendo dizer que o espetáculo da alvorada, era somente para eles.
Com isto, levantou-se da cama e postou-se de pé.
Letícia se surpreendeu com a velocidade do movimento.
Flávio pediu então que ela esperasse só uns minutinhos para ele tomar um banho rápido.
A moça respondeu que esperaria só dez minutos. Se ele não se arrumasse rapidamente, ela caminharia sozinha.
Flávio tratou logo de ir para o chuveiro.
O moço tomou um banho rápido, e voltando para o quarto, perguntou a Letícia que roupa usar.
Ela sugeriu usar uma bermuda e uma regata.
Flávio concordou. Dirigiu-se novamente ao banheiro para se vestir.
Letícia lembrou-se então, de que faltava algo.
- Ei! Não se esqueceu de nada não?
Flávio ficou olhando para ela.
Letícia respondeu:
- Seu calção de banho.
Pegando uma roupa de banho, entregou o calção para ele.
Após, o casal foi caminhar na beira da praia, acompanhando o ir e vir das ondas, os movimentos do mar.
O sol ainda não havia dado o ar de sua graça, o dia estava frio e escuro. Mas já era possível ver a mata, a montanha verde, os quiosques ao longe, as belas construções.
A areia e água do mar, frias.
Aos poucos o sol começou a mostrar sua majestade.
Encoberto por nuvens, começou a despontar seus primeiros raios. Timidamente.
Aparecia por partes, sempre coberto por nuvens, quase não se deixando ver.
A certa altura, começou a aparecer mais, assim como seus raios de luz surgiram mais intensos. Refletia seu ouro sobre as águas do mar, que por sua vez refletiam este fulgor para o ambiente, que ficou mais claro.
Letícia ficou encantada com a beleza do espetáculo.
Flávio aproveitava para abraçar a moça.
Em dado momento, em contraste com o remanescente de escuridão da madrugada, o rei sol proporcionou um bonito espetáculo para o casal.
Isto porque, surgindo em todo o seu esplendor, formou um halo de luz branca e dourada em volta de si, irradiando esta luz para o ambiente, refletindo-se na água do mar. Parecia uma linda coluna de luz. Lindo espetáculo!
O casal ficou um longo tempo, com água até o tornozelo, contemplando a cena.
Depois continuaram caminhando.
A certa altura, o sol ficou encoberto pelas nuvens.
Com isto, parte da luminosidade perdeu-se.
Mais tarde, o sol tornou a dar o ar de sua graça.
Flávio e Letícia, caminhavam.
Também pararam diversas vezes para contemplar o espetáculo do rei sol.
Ora caminhavam de braços dados, abraçados. Ora viravam crianças e ficavam um jogando água no outro.
Em um desses passeios, os dois começaram a correr na areia.
Tropeçando, Flávio acabou caindo sentado na areia.
Letícia ao ver a cena, primeiramente preocupou-se. Tanto que perguntou se ele havia se machucado.
Como Flávio havia dito que não, ela começou a rir.
O moço, percebendo isto, tratou de puxá-la para perto de si.
Letícia então abaixou-se. Mas sem se dar por vencida, empurrou-o na areia, e encostando seu braço no peito de Flávio, perguntou:
- Você realmente acha que vai levar a melhor? Meu querido, você já perdeu!
Flávio ergue-se um pouco e deu um beijo no rosto de Letícia.
A moça ficou contrariada.
- Não vale! – respondeu.
O moço respondeu então, que não tinha intenção de competir com ela, já que ela o havia vencido no embate mais importante que tiveram. Argumentou que qualquer disputa posterior era perfumaria.
Letícia, sem compreender o que ele dizia, em dado momento perguntou:
- Do que você está falando?
E ficou aguardando uma resposta.
Flávio respondeu com outra pergunta:
- Você não sabe do que eu estou falando?
Letícia balançou a cabeça negativamente.
Flávio respirando fundo, respondeu que estava falando do relacionamento dos dois, de como havia lutado por aqueles momentos que estavam juntos, do quanto demorou para que tudo aquilo acontecesse. Reclamou dizendo que ela havia judiado muito dele.
Letícia contrariada, argumentou que nunca maltratou ninguém.
Flávio respondeu então, que às vezes, mesmo sem termos a intenção, podemos magoar alguém. E que a indefinição, a incerteza de saber se o objeto de sua afeição, se a garota que admirava, iria ou não corresponder a este sentimento, o fizera sofrer por um longo tempo.
Ao ouvir tais palavras, Letícia argumentou que nunca soubera disto.
Flávio respondeu:
- Nunca soubeste por que todas ás vezes em que tentei falar abertamente sobre isto, aconteceu alguma coisa para atrapalhar.
Letícia respondeu nunca tivera a intenção de magoar quem quer que fosse.
Flávio abraçou-a.
Letícia então, aproveitando-se de um momento de distração de Flávio, empurrou-o na areia.
O moço fez menção de reclamar do gesto brusco de Letícia, mas ela não lhe deu tempo para esboçar qualquer palavra.
Deitando seu corpo ao lado do lado, beijou-o.
Flávio abraçou Letícia.
A tarde, aproveitavam cochilar na rede.
Às vezes ficavam abraçados, juntos na mesma rede.
Aproveitavam para ler.
Juntos liam poesias.
Flávio recitava Camões:
“O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.
Deseja ter a vida prolongada,
Chorando do viver a despedida
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assim, senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,
Com mais suave canto e harmonia
Decantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa Fe, y el amor mio.”
Letícia adorava as declamações de Flávio. Às vezes aproveitava para ler algo também.
Pegou o obra “Rubáiyát”, de “Omar Khayyám”, e começou a ler uma poesia que tratava dos homens, considerados simples joguetes nas mãos do destino. Declamou:
“Somos joguetes
Nas mãos do Destino.
Simples brinquedos,
À nossa custa
Diverte-se o Universo.
Joguetes
Que vivem redemoinhando
Ao sabor dos ventos.
Não se trata de metáfora,
Nem há exagero no que eu digo:
Esta é a realidade.
No passado,
Ingenuamente brincávamos
No tablado da vida.
Seremos hoje,
Uns após outros,
Carregados
No féretro do não-ser.”
Algumas vezes, passavam horas lendo poesias.
Um dia adormeceram na rede.
Dormiram abraçados e mal viram a noite chegar.
Certa vez a noite aproveitavam para apreciar o lusco-fusco vespertino. Também aproveitavam para contemplar as estrelas.
Lindo céu escuro, repleto de estrelas. Brilhantes, traziam luminosidade ao firmamento.
Rico contraste com a cidade mal iluminada.
Fizeram isto, juntos várias vezes, ela e Flávio.
Ficavam um bom tempo em atitude contemplativa em silêncio. Para não perturbarem as estrelas.
De dia, mergulharam muitas vezes nas águas do mar.
Coletaram algumas conchas.
Bronzearam-se. O casal moreno, ficou dourado.
Juntos aproveitaram para cozinharem juntos.
Nada de especial, apenas pratos triviais, já que nenhum dos dois era hábil na cozinha.
Nisto, quando Letícia contou para sua mãe que pretendia viajar para o litoral, comentou que precisava aprender a fazer alguma coisa na cozinha, já que as pessoas que viajariam com ela, também era não eram boas de cozinha.
Karina ensinou-lhe então algumas coisas.
Mais tarde, quando soube que a filha havia mentido para ela, ficou aborrecida.
Letícia precisou conversar muito com sua mãe, para que ela a desculpasse.
Argumentava que ela não entenderia o fato dela precisar viajar com Flávio. Dizia que não sabia como explicar que iria viajar com o moço.
Karina porém com o tempo, acabou desculpando-a. Dizendo que também havia aprontado das suas quando era mais nova, perguntou indiscreta:
- Pelo menos, valeu a pena?
Letícia, sem jeito, respondeu que sim. Depois curiosa, perguntou a mãe, o que ela havia aprontado.
Karina desconversou.
Nisto a moça voltou seus olhos para Flávio, o qual jazia inerte sobre a cama.
Ao dizer que queria continuar aquela história, seus olhos se encheram de lágrimas, e ela não conseguiu dizer mais nada.
Flávio permanecia inerte, sem esboçar reação alguma.
Ao voltar para casa, Letícia ficou pensando em suas lembranças.
Pensando nelas, Letícia acreditou que se lesse aquelas poesias para Flávio, poderia auxiliá-lo.
Por isto, prometeu que no dia seguinte levaria um livro de poesias para ler para Flávio.
E assim o fez. Ao chegar em casa, tratou logo de escolher uma obra para ler para o moço.
No dia seguinte, pegou o metrô para ir ao trabalho. Condução lotada. Precisou se esgueirar para conseguir um lugarzinho para ficar no corredor.
Trabalhou o dia inteiro. Continuava elaborando pesquisas. Com efeito, participou de uma palestra em uma escola sobre educação ambiental. Orientou os estudantes a repassarem as informações para sua comunidade, para que todos pudessem colaborar com uma mudança em seus modos de vida. Tudo visando o desenvolvimento sustentável.
Comentou que os interesses econômicos teriam que se casar com os interesses ambientais, senão seriam os seres humanos quem pereceriam. Argumentando que o mundo sofrerá revezes pela má atitude dos homens, comentou que mesmo assim, a natureza se recupera. Mas a humanidade perecerá.
Falou sobre o aquecimento global. Sobre as teorias de que o mesmo seria resultado das ações humanas, da intervenção excessiva do homem na natureza. Também comentou que havia teorias de que este seria um processo sem qualquer relação com a intervenção humana.
Terminada a apresentação, retornou a repartição realizando rotinas internas.
Mais tarde, passou em sua casa, jantou rapidamente, e depois foi ao encontro de Flávio.
Levava consigo um livro de poesias.
Ao chegar no hospital, antes de entrar no quarto de Flávio, perguntou a Olívia se ela se importava se ela lesse algumas poesias para o moço. Dizendo que eles costumavam ler poesias juntos, comentou que talvez isto ajudasse neste processo de recuperação.
Olívia autorizou-a. Disse que isto certamente auxiliaria na recuperação de seu filho.
Letícia então abriu o livro, e escolheu aleatoriamente uma poesia. Começou a ler em voz alta:
“Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
Cora Coralina (Outubro, 1981) “ 1
Olívia ao ouvir o poema, só conseguia dizer:
- Que coisa mais linda! – e aproximando-se de Flávio, emendou – Meu Flávio, que sensibilidade! Está ouvindo? Que privilégio poder ouvir uma coisa sublime assim!
Encantada, Olívia estava deslumbrada.
- Continue, minha querida! – respondeu para Letícia.
A moça começou então, a ler outra poesia:
“MEUS OITO ANOS - Casimiro de Abreu
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Coletaram algumas conchas.
Bronzearam-se. O casal moreno, ficou dourado.
Juntos aproveitaram para cozinharem juntos.
Nada de especial, apenas pratos triviais, já que nenhum dos dois era hábil na cozinha.
Nisto, quando Letícia contou para sua mãe que pretendia viajar para o litoral, comentou que precisava aprender a fazer alguma coisa na cozinha, já que as pessoas que viajariam com ela, também era não eram boas de cozinha.
Karina ensinou-lhe então algumas coisas.
Mais tarde, quando soube que a filha havia mentido para ela, ficou aborrecida.
Letícia precisou conversar muito com sua mãe, para que ela a desculpasse.
Argumentava que ela não entenderia o fato dela precisar viajar com Flávio. Dizia que não sabia como explicar que iria viajar com o moço.
Karina porém com o tempo, acabou desculpando-a. Dizendo que também havia aprontado das suas quando era mais nova, perguntou indiscreta:
- Pelo menos, valeu a pena?
Letícia, sem jeito, respondeu que sim. Depois curiosa, perguntou a mãe, o que ela havia aprontado.
Karina desconversou.
Nisto a moça voltou seus olhos para Flávio, o qual jazia inerte sobre a cama.
Ao dizer que queria continuar aquela história, seus olhos se encheram de lágrimas, e ela não conseguiu dizer mais nada.
Flávio permanecia inerte, sem esboçar reação alguma.
Ao voltar para casa, Letícia ficou pensando em suas lembranças.
Pensando nelas, Letícia acreditou que se lesse aquelas poesias para Flávio, poderia auxiliá-lo.
Por isto, prometeu que no dia seguinte levaria um livro de poesias para ler para Flávio.
E assim o fez. Ao chegar em casa, tratou logo de escolher uma obra para ler para o moço.
No dia seguinte, pegou o metrô para ir ao trabalho. Condução lotada. Precisou se esgueirar para conseguir um lugarzinho para ficar no corredor.
Trabalhou o dia inteiro. Continuava elaborando pesquisas. Com efeito, participou de uma palestra em uma escola sobre educação ambiental. Orientou os estudantes a repassarem as informações para sua comunidade, para que todos pudessem colaborar com uma mudança em seus modos de vida. Tudo visando o desenvolvimento sustentável.
Comentou que os interesses econômicos teriam que se casar com os interesses ambientais, senão seriam os seres humanos quem pereceriam. Argumentando que o mundo sofrerá revezes pela má atitude dos homens, comentou que mesmo assim, a natureza se recupera. Mas a humanidade perecerá.
Falou sobre o aquecimento global. Sobre as teorias de que o mesmo seria resultado das ações humanas, da intervenção excessiva do homem na natureza. Também comentou que havia teorias de que este seria um processo sem qualquer relação com a intervenção humana.
Terminada a apresentação, retornou a repartição realizando rotinas internas.
Mais tarde, passou em sua casa, jantou rapidamente, e depois foi ao encontro de Flávio.
Levava consigo um livro de poesias.
Ao chegar no hospital, antes de entrar no quarto de Flávio, perguntou a Olívia se ela se importava se ela lesse algumas poesias para o moço. Dizendo que eles costumavam ler poesias juntos, comentou que talvez isto ajudasse neste processo de recuperação.
Olívia autorizou-a. Disse que isto certamente auxiliaria na recuperação de seu filho.
Letícia então abriu o livro, e escolheu aleatoriamente uma poesia. Começou a ler em voz alta:
“Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
Cora Coralina (Outubro, 1981) “ 1
Olívia ao ouvir o poema, só conseguia dizer:
- Que coisa mais linda! – e aproximando-se de Flávio, emendou – Meu Flávio, que sensibilidade! Está ouvindo? Que privilégio poder ouvir uma coisa sublime assim!
Encantada, Olívia estava deslumbrada.
- Continue, minha querida! – respondeu para Letícia.
A moça começou então, a ler outra poesia:
“MEUS OITO ANOS - Casimiro de Abreu
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Como são belos os dias
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!
Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh dias de minha infância,
Oh meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delicias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha, irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!
Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh dias de minha infância,
Oh meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delicias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha, irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas
Brincava beira do mar!
Rezava as Ave Marias,
Achava o céu sempre lindo
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da, minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!”
Ao término do pequeno recital, Olívia aplaudiu.
Flávio contudo, não dava sinal de vida.
Letícia se entristeceu com a inércia do rapaz.
Olívia por sua vez, só dirigia palavras de ânimo para a moça. Dizendo que Flávio não despertaria num passe de mágica, argumentou que ela deveria ter paciência que ele iria se recuperar.
A moça concordou.
Mesmo assim, Letícia estava decepcionada.
Na volta para a casa, ficou pensando se todo aquele esforço valia mesmo a pena.
Desconsolada, apoiou sua cabeça na janela do metrô. Estava muito triste.
Quando voltou para casa, adentrou o imóvel, sem dizer palavra alguma para sua mãe, entrou em seu quarto, deitou-se na cama e começou a chorar.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas
Brincava beira do mar!
Rezava as Ave Marias,
Achava o céu sempre lindo
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da, minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!”
Ao término do pequeno recital, Olívia aplaudiu.
Flávio contudo, não dava sinal de vida.
Letícia se entristeceu com a inércia do rapaz.
Olívia por sua vez, só dirigia palavras de ânimo para a moça. Dizendo que Flávio não despertaria num passe de mágica, argumentou que ela deveria ter paciência que ele iria se recuperar.
A moça concordou.
Mesmo assim, Letícia estava decepcionada.
Na volta para a casa, ficou pensando se todo aquele esforço valia mesmo a pena.
Desconsolada, apoiou sua cabeça na janela do metrô. Estava muito triste.
Quando voltou para casa, adentrou o imóvel, sem dizer palavra alguma para sua mãe, entrou em seu quarto, deitou-se na cama e começou a chorar.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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