Poesias

quarta-feira, 21 de julho de 2021

DELICADO - CAPÍTULO 16

Nos dias que se seguiram, Jacinto consultou um amigo advogado, que comentou que seria difícil comprovar a ocorrência de estupro. Disse também que Roberto poderia exigir o exame de DNA para comprovar a paternidade.
Jacinto não gostou do que ouviu.
O advogado comentou que se Cláudia não concordasse em realizar o exame de forma amigável, isto poderia ser realizado por via judicial.
Percebendo o desapontamento do amigo, Onofre explicou que Roberto poderia reconhecer a paternidade do garoto em sendo o pai, mesmo contra a vontade de Cláudia. Mencionou inclusive, que seria necessário que ela também fizesse o exame de DNA para comprovar a maternidade.
O causídico relatou que o que ele e a esposa fizeram era o que se costuma chamar de adoção a brasileira, tratando-se de fraude, podendo se configurar como crime, existindo no código penal um tipo específico para este tipo de conduta.
Quando Jacinto ouviu as palavras crime e código penal, o homem empalideceu.
Onofre, percebendo isto, pediu a secretária que providenciasse um copo com água.
Tentando a acalmar o homem, comentou que ele não precisava se preocupar. Argumentou que situação era grave mas nem tanto.
Jacinto, já um pouco melhor, reagiu:
- Mas como não é grave doutor! Quando a verdade vier a tona, vai ser um escândalo! Sem contar que eu e minha mulher estamos prestes a sermos presos. Meu Deus do céu! O que foi que a gente fez! – segurando a gravata do amigo, acrescentou – Doutor, eu juro que não sabia que isto era crime. Se eu soubesse disto, juro que não teria compactuado com toda esta loucura. E agora, o que eu faço!
Dizia apertando cada vez mais a gravata de Onofre.
O homem, procurando se desvencilhar, disse:
- Acalme-se homem, ou vai acabar tendo um ataque. Calma. Como eu disse, a situação é grave mas não é o fim do mundo. É quase.
Jacinto se irritou:
- Como o senhor consegue fazer piada num momento como este?
Onofre explicou-lhe então que num caso como o de Jacinto e Ana que estavam, ainda que de forma equivocada tentando proteger a filha, havia a possibilidade de ser aplicado o perdão judicial.
Jacinto ficou curioso para saber do que se tratava.
O advogado explicou-lhe que em determinados casos, quando não havia intenção criminosa, verificando as circunstâncias, os antecedentes dos envolvidos, ou seja o histórico de vida, se não havia envolvimento em outros crimes, etecetera, o juiz poderia deixar de aplicar a pena. Ou seja, não haveria implicação criminal.
- Então não seremos presos? – perguntou um Jacinto já quase aliviado.
- Não meu caro. É claro que eu não posso garantir isto. Mas é quase certo que o juiz iria fazê-lo. Os senhores possuem conduta ilibada, não cometeram outros crimes, e fizeram isto por amor a Cláudia, pois não queriam ver a filha na boca do povo, sendo alvo das fofocas de todos os vizinhos.
Ao ouvir isto, Jacinto concordou.
Disse que amava a filha demais para vê-la sendo apontada na rua e exposta comentários maldosos.
Onofre, percebendo a tristeza do amigo, respondeu-lhe que entendia seu sofrimento, mas ficou intrigado por ele não haver tomado medidas legais com relação ao suposto pai de Lúcio, anos atrás.
Jacinto respondeu-lhe que Cláudia nunca lhes contou o que realmente havia acontecido. Chorando, disse que provavelmente a filha tinha vergonha do ocorrido. O homem respondeu que somente agora que o menino descobriu a verdade, é que soube de todo o acontecido. Argumentou que Cláudia pouco se lembra de detalhes.
Onofre, ouvindo o relato do amigo, comentou que ela provavelmente ingeriu alguma droga, e por isto, acabou perdendo a consciência e por esta razão, não se recordava do ocorrido.
Analisando a situação, comentou que este homem devia estar bem instruído, pois sabia que não teria como ser provada a posse sexual mediante fraude, e mais, poderia exigir o reconhecimento da paternidade. Intrigado, comentou que apenas um detalhe não estava bem explicado.
Jacinto perguntou-lhe qual.
O homem perguntou-lhe:
- Qual o interesse deste homem em mexer em uma história tão bem guardada? Qual o intuito de se expor desta maneira, relevando a todos o mal que fizera a Cláudia? O que ele teria a ganhar com isto? Humilhar a moça?
Onofre não conseguia entender.
Jacinto tampouco.
Com isto, os amigos conversaram durante mais algum tempo. Depois se despediram.
Onofre recomendou-lhe que agendasse uma consulta. Disse que precisava conversar com Ana.
Jacinto, agradeceu a atenção dispensada.
Agendou uma consulta com a secretária do advogado.
Quando Jacinto fez menção de pagar a consulta, a secretária disse que havia sido orientada a não aceitar qualquer tipo de pagamento.
O homem questionou a secretaria, mas a mulher sorrindo, orientou-o a conversar com o doutor Onofre.
Jacinto acabou concordando, mas argumentou com a secretária, que ele poderia cobrar, não havendo problemas. Relatou que amigos amigos, negócios a parte.

Quando chegou em casa, o homem contou um pouco a mulher sobre o que havia conversado com o amigo.
Ana curiosa e ansiosa, perguntou por detalhes.
Jacinto disse que o advogado lhe explicaria tudo, pois tinha agendado uma consulta.
O homem disse que Onofre lhe havia advertido que nada poderiam fazer com relação ao possível estupro.
Ana ao ouvir isto, ficou indignada.
- Como não pode fazer nada? E o Lúcio, não prova nada?
Jacinto tentando acalmar o ânimo da esposa, argumentou que com o passar dos anos, não seria fácil comprovar a materialidade do fato.
Ana não entendeu o termo técnico. Afirmou que o marido estava usando termos muito difíceis, só para confundi-la.
Jacinto disse que para comprovar o crime, Cláudia teria que ter realizado um exame de corpo de delito logo após o sucedido.
Ana concordou. Acrescentou que não ficaria nada bem, exporem a filha e o menino após tantos anos do ocorrido.
Jacinto concordou.
- Pois é. Se a cabeça do garoto já está confusa, imagine se ele for envolvido num processo de estupro? Como vai ficar a cabeça deste garoto ao ser exposto desta maneira?
Ana concordou que o melhor seria deixar a história de lado.
Percebendo porém, que havia mais detalhes, perguntou se Roberto poderia obrigar Cláudia e Lúcio a fazerem um exame de DNA.
Jacinto respondeu-lhe que infelizmente, o homem poderia ingressar com uma ação judicial para obrigar a filha e o neto a fazerem o exame.
Ana ficou perplexa. Argumentou que Cláudia era a mãe, portanto não precisava comprovar o fato.
- Pois bem, minha velha, é aí, que você se engana.
Ana não gostou nada de ser chamada de velha.
Jacinto comentou então, que como o menino estava registrado no nome dos dois, Cláudia precisaria fazer o exame para comprovar de fato que era a mãe do garoto.
Quando Ana se preparou para fazer novas perguntas, o homem pediu licença, e argumentou que no dia agendado, ela o acompanharia na consulta.
Ana ainda insistiu mais um pouco, mas não obteve êxito.

Mais tarde, Jacinto conversou com Cláudia.
A mulher ao saber que teria que realizar um exame de DNA, ficou perplexa.
Conversando reservadamente com Cláudia, o homem confessou que estava um pouco preocupado com o que iria acontecer dali para frente.
Relatou sobre o risco do casal ser implicado em um processo crime, e que Roberto poderia obrigá-los a realizar o exame.

Lúcio a esta altura, já havia conversado com Cláudia.
A mulher resolveu lhe contar sobre como conhecera Roberto. Descreveu suas leituras, o encontro nos intervalos das aulas.
Tentando evitar detalhes sobre a festa, respondeu as perguntas do menino, sobre a noite em que ficou com Roberto.
Lúcio fez várias perguntas embaraçosas.
Chegou a questionar se Lucindo não poderia ser seu pai, já que foi ele quem a encontrou e levou para casa.
Cláudia respondeu-lhe que não.
O garoto comentou que gostaria de ter um pai como Lucindo. Disse que o moço sempre foi bacana com ele.
Cláudia olhou-o com ternura.
Perguntou-lhe se podia abraçá-lo.
O garoto concordou.
Cláudia então pediu-lhe desculpas.
Disse que nunca fora sua intenção enganá-lo e tampouco magoá-lo. Argumentou que sentia muito por não ter podido lhe dar um pai melhor.
Nisto, Lúcio perguntou mais detalhes de Roberto.
Cláudia acabou por contar que na época, descobriu que ele era casado.
Lúcio ficou chocado.
A moça então relatou que não se lembra de muitos detalhes do ocorrido. Justificou que fazia muito tempo que os fatos haviam ocorrido. Assim, não conseguia se lembrar de tudo com muitos detalhes.
Lúcio, ao olhar para Cláudia, percebeu que ela estava com os olhos marejados.
Não conseguia entender direito o que havia se passado entre ela e Roberto, mas percebia, que o homem lhe fizera muito mal.
Lúcio, lembrou-se dos seus passeios com a mulher que acreditava ser apenas sua irmã. Recordou-se das viagens. Das praias que conheceu no litoral do estado de São Paulo. Muitas vezes, passeios rápidos, que duravam um fim de semana.
Fora ela quem o ensinou a nadar, quando tinha cerca de sete anos.
Lúcio brincava no mar de boia e Cláudia começou a ensiná-lo a boiar. Segurando suas costas, deitou o menino na água, e pediu para ele sentir o balanço do mar.
No inicio Lúcio sentiu medo, mas depois se deixou levar. Passou a confiar em Cláudia.
Ana ficava apreensiva, mas Jacinto dizia para ela deixar Cláudia ficar um pouco com Lúcio. Dizia que eles tinham direito a esta convivência.
E assim, Cláudia ficou segurando o menino.
Depois, ensinou-o a bater as perninhas. Em seguida, mostrou-lhe como mexer os braços. Prometeu matriculá-lo em uma escolinha de natação.
O que cumpriu.
Quando regressou a São Paulo, Cláudia matriculou o garoto em uma escola de natação.
Lúcio frequentava as aulas duas vezes por semana.
E assim, em questão de meses, acabou por aprender a nadar.
Orgulhoso, fazia questão de mostrar os progressos para a irmã, que ficava toda prosa.
Dizia que ele estava de parabéns.
Lúcio ficava batendo os pés e as pernas. Cláudia o auxiliava segurando-o.
O garoto gostava de ficar na água.
Ana costumava dizer que se deixasse, ele ficaria o dia todo dentro da água.
Jacinto emendava falando que ele parecia um peixe.
Lúcio adorava água.
E quando Cláudia o levava para passar o final de semana, ou mesmo parte das férias na praia, ficava bastante feliz.
Animado, contava sobre o passeio para os coleguinhas da escola, que também falavam sobre suas viagens e passeios.
Alguns amigos lhe diziam que tinha sorte em ter uma irmã legal que levava ele e os pais para passear junto a ela.
Lúcio agora entendia o porquê.
Cláudia estava sempre por perto, sempre presente. Atenta.
De fato, quando finalmente aprendeu a nadar, foi a ela quem primeiramente contou a novidade.
Cláudia o levou para o litoral de São Paulo e o garoto mostrou a família, que já havia aprendido a nadar.
Quando Ana e Jacinto viram o menino nadando, ficaram orgulhosos.
Elogiaram-no.
Lúcio também lembrou-se das viagens para o nordeste.
As praias de areias claras e águas cristalinas. Quentes. Paisagens paradisíacas. Relembrou-se das paisagens, dos passeios de bugue, das dunas, das pedras, dos fortes, das construções históricas. Dos passeios de jangadas, dos peixes e frutos do mar que comeu.
Lembrou-se que em algumas viagens era acompanhado por Ana e Jacinto. Outras vezes, viajava com Cláudia somente.
Recordou-se das fotos tiradas e postadas nas redes sociais.
Lembrou-se que Cláudia pagava sua escola.
Ana contava dos tempos em que era um bebê, e Cláudia o embalava, colocava para dormir.
Agora entendia tudo.

Percebeu que Cláudia sofria muito com tudo aquilo.
E assim, pela primeira vez, abraçou-a.
Não como das outras vezes. Das vezes que era criança, ou estava agradecido por algo. Até por que as coisas haviam mudado.
Murmurou chamando-a de mãe.
Neste abraço, recordou-se de outros abraços, e das vezes em ela o ajudou.
Cláudia ficou feliz com abraço. Disse que iria encontrar um jeito para resolver as coisas.
Com efeito, depois do abraço, o garoto perguntou como deveria chamá-la.
Cláudia sem rodeios respondeu:
- Mãe! Não precisa esconder isto de mais ninguém. Quanto aos problemas que isto vai trazer, pode deixar que eu vou resolvê-los.
Lúcio fitou-a.
Cláudia sorriu-lhe pediu licença.
Deixou Lúcio a sós em seu quarto.

Luciana Celestino dos Santos
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