Poesias

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Para se Viver um Grande Amor - Capítulo 16

Mas voltando ao encontro inesperado, ao pedir uma cerveja, Flávio se deparou com Letícia acompanhada de Otávio, o qual estava tentando puxá-la para dançar.
Distraído o moço acabou trombando nela.
Sem jeito desculpou-se, sem saber de quem se tratava.
Ao perceber que era Letícia, Flávio ficou sem palavras.
Quem não gostou da aproximação foi Otávio, que tratou de puxar a moça pelo braço, levando-a para o meio das passistas. Começou a lhe ensinar a sambar.
Flávio ficou desconcertado.
Só não foi embora, para não desapontar Cecília e Alessandro que não viram o casal.
Depois de algum tempo sambando com Cecília, Alessandro foi conversar com Flávio. Entusiasmado, Alessandro comentou que não via a hora de colocar os pés na avenida, na passarela do samba.
Flávio perguntou então do casamento.
Alessandro riu. Comentou que seria depois do carnaval.
Flávio sugeriu a quarta-feira de cinzas.
Os dois caíram na risada...

Certa vez, ao combinar um encontro com Cecília em um barzinho na esquina mais famosa de São Paulo, Alessandro começou a batucar “Saudosa Maloca”, de Adoniram Barbosa.
Enquanto batucava, Sandro e Cléber, seus companheiros de noitada, começaram a cantar:

“Se o senhor não tá lembrado,
Dá licença de contar
Ali onde agora está,
Neste adifício alto,
Era uma casa velha, um palacete assobradado

Foi ali seu moço, que eu Matogrosso e o Joca,
Construímos nossa maloca
Mais um dia, eu nem quero me alembrá
Veio os home co’as ferramenta
O dono mando derrubar

Peguemos todas as coisas, e fumos pro meio da rua apreciá a demolição
Que tristeza, que nóis sentia
Cada taubua que caía, doía no coração

Matogrosso quis gritar,
Mais encima eu falei,
Os home tá co’a razão, nóis arranja outro lugar
Só se conformemo, foi quando o Joca falou
Deus dá o frio, conforme o cobertô

E hoje nóis pega as paia da grama do jardim
E pra esquecê, nós cantemos assim
Saudosa maloca, maloca querida
Dim dim dom, onde nóis passemos dias feliz de nossas vida...”

Um dos rapazes foi acompanhado de uma moça de nome Júlia.
Animados os rapazes prosseguiram com a cantoria.
Cantaram e beberam.
Júlia comentou com Cecília, que Cléber e seu amigo Sandro só pensavam em samba.
E assim continuaram a roda de samba.

“Silêncio
O sambista está dormindo
Ele foi mas foi sorrindo
A notícia chegou quando anoiteceu

Escolas
Eu peço silêncio de um minuto
O Bixiga está de luto
O apito de Pato N'água emudeceu

Partiu
Não tem placa de bronze
Não fica na história
Sambista de rua morre sem glória
Depois de tanta alegria que ele nos deu

Assim
Um fato repete de novo
Sambista de rua, artista do povo
E é mais um que foi sem dizer adeus

Silêncio...

Silêncio No Bixiga
Compositor: Geraldo Filme”

A certa altura Sandro, já um tanto alcoolizado, levantou-se e gritou:
- Viva Geraldo Filme, sambista esquecido por muitos, mas adorado por outros! Abençoado Largo da Banana!
Depois, caiu sentado em cima da cadeira.
Cléber e Júlia caíram na risada.
Cecília assustou-se com a queda de Sandro. Pensou que ele havia se machucado.
Porém, quando o rapaz se levantou novamente sugerindo um brinde, começou a rir também.
Depois de um tempo, Sandro precisou ser conduzido por Cléber para casa.
Júlia seguiu seu caminho, e Alessandro levou Cecília até a casa onde a moça morava.
Com efeito, o quarteto vivia se esbarrando nos ensaios na quadra da escola de samba.
Foi lá que Cecília conheceu-os.
Enquanto ensaiava seus passos como passista, e Alessandro ensaiava seus batuques como componente de bateria, os três amigos, também ocupavam seus lugares como componentes de alas da escola.
As vésperas do carnaval, os ensaios se intensificavam.
Ensaiavam na rua, debaixo de chuva até.
Cecília era um encanto rodopiando.

Um dia, ao levar Cecília de volta para casa, Alessandro, que já estava um pouco alto, ao deixá-la em frente ao portão de sua casa, começou a cantar esta célebre música de Luiz Melodia Estácio, Hollida
y Estácio:

“Se alguém quer matar-me de amor
Que me mate no Estácio
Bem no compasso, bem junto ao passo
Do passista da escola de samba
Do Largo do Estácio

O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço
Trago não traço, faço não caço
O amor da morena maldita do Largo do Estácio
Fico manso, amanso a dor
Holliday é um dia de paz
Solto o ódio, mato o amor

Holliday eu já não penso mais...”

Como estava bêbado, a voz de Alessandro soou trêmula.
Cecília porém, achou graça.
Quem não gostou da cantoria na porta da casa, foi sua mãe Olívia.
Dizendo que ela estava voltando muito tarde para casa, comentou que ao ouvir a cantoria de um bêbado, tratou logo de ir ver o que estava acontecendo.
Estava aguardando-a.
Quando Cecília entrou em casa, a mulher logo quis saber quem era o sujeito.
Cecília respondeu que não era ninguém, apenas um amigo.
Olívia por sua vez, não foi nem um pouco com as fuças do rapaz.
Cecília porém, nem ligou. Achou Alessandro bacana.
Tanto que continuou saindo com o rapaz.
Com o passar do tempo, passaram a namorar.
O convívio ultrapassou os encontros no galpão, na quadra da escola.
O casal passou a freqüentar rodas de samba. Animados, chegaram até a acompanhar apresentações do samba de vela, onde rola improvisação e muito samba, até a vela se findar.
Animados, Cecília e Alessandro iam de carro até Santo Amaro, local onde aconteciam os encontros. Sandro, Cléber e Júlia também seguiam para o local.
Era uma grande diversão. Lá eles diziam que estavam tendo aulas de samba. Descobriam mais sobre sambistas de raiz, sobre os bons sambas. Ficavam ouvindo a roda de sambista até a vela se apagar.
Olívia ficava por conta com isto.
Dizendo que a moça tinha que cuidar da vida e não ficar vivendo de ilusão, comentou que ela estava sempre voltando muito tarde para casa.
Cecília dizia que estava somente se divertindo.
Olívia contudo, não gostava nem um pouco daquela convivência.
A mulher não gostava do temperamento boêmio do moço, e tampouco de seu gosto pela bebida.
Cecília não se importava com isto. Dizendo que ele só bebia com seus amigos, comentou que houve vezes em que os dois saíram juntos, e sem a companhia da turma de Alessandro, ele não bebia.
Olívia sugeriu então, que ele não saísse mais com os amigos.
Cecília se irritou com a mãe. Dizendo que era normal os rapazes beberem, discutiu com Olívia.
A briga só não se tornou maior por que Gilberto interveio.
Flávio cansou de presenciar os desentendimentos entre Olívia e Cecília.
Com o passar do tempo, porém, a mulher acabou aceitando o rapaz.
Na época em que Flávio sofrera o acidente e durante todo o período em que o rapaz guardou leito, Alessandro foi muito presente. Sempre solícito, ofereceu ajuda, auxiliou no transporte do rapaz até o apartamento, conduzindo o enfermeiro. Ajeitou o rapaz na cama, fez companhia a Olívia visitando o rapaz. Ajudou Olívia a dar banho em Flávio, e até fez-lhe companhia quando ela precisou se ausentar e ele podia ficar ali, cuidando do moço.
A mulher então percebeu que a despeito do jeito fanfarrão de Alessandro, o moço era um bom rapaz.
Certo dia, ao notar a dedicação de Alessandro com Flávio, ao vê-lo conversar com um rapaz inconsciente, convidando-o para uma balada, e instigando o amigo a se manifestar, Olívia percebeu o seu valor.
Chegou a conclusão de que não se deve julgar as pessoas superficialmente.
Atenciosa, agradeceu ao empenho do rapaz. Mesmo assim, preocupada com suas bebedeiras, comentou que ele devia diminuir um pouco a bebida.
Alessandro achou graça na preocupação de Olívia, mas não se ofendeu.
Cecília porém, ficava muito brava quando ela dizia que Alessandro bebia muito.
Olívia aceitou Alessandro. Tanto que não se opôs a idéia do casal ir morar junto.

Nisto, conforme dito antes, Flávio foi acompanhar o casal em um ensaio para o desfile.
Cecília não cabia em si de contente. Animada, comentava com Flávio e com os amigos Júlia, Cléber e Sandro, que não via a hora em entrar na avenida.
Flávio, percebendo o entusiasmo de Cecília, perguntou:
- Mas não é sempre a mesma coisa?
Cecília respondeu que não. Disse que a cada ano era uma emoção diferente. Diante disto, perguntou a Flávio se ao estar por anos ao lado das pessoas a quem amamos, se mudava o sentimento em relação a elas.
Cecília então recebeu a resposta triste de Flávio, dizendo que não.
O moço disse então, que entendia agora, por que ela ainda tinha tanto entusiasmo.
Cecília ao olhar para Flávio, deu-se conta de que havia falado demais. Tentando se desculpar, comentou que não dissera aquilo para magoá-lo, e sim para demonstrar o quanto aquilo era importante para ela.
Flávio respondeu que ela não precisava se preocupar, pois estava tudo bem.
Preocupada com o irmão, foi preciso que ele insistisse com ela, para que a moça fosse ensaiar seus passos.
Alessandro interveio dizendo:
- Vamos! O ensaio já vai começar!
E assim, pegou a moça pelo braço.
Flávio então se encantou com o samba no pé dos passistas, com o desfile da comunidade.
Como é lindo ver a majestade dos casais de mestre-sala e porta bandeira, os rodopios, a elegante exibição do pavilhão da escola.
As venerandas senhoras, integrantes da ala das baianas, carregando a história do samba de São Paulo em suas cabecinhas ornadas de branco. Cabeças coroadas onde está impregnada a memória de uma cidade que já foi conhecida como a Terra da Garoa.
Flávio se encantou com toda aquela atmosfera.
Para variar, em tempos de verão, choveu.
Choveu forte.
E mesmo assim, o povo continuou sambando.
Resultado. Chegaram todos encharcados em casa.
Mas Flávio se divertiu.
Cecília ficou satisfeita em ver o irmão aproveitando o momento, como há tempos não fazia.

Ao saber que Letícia estava namorando Otávio, Flávio ficou muito triste.
Para complicar, estava tendo dificuldades para encontrar trabalho.
Otávio por sua vez, mesmo ciente do pedido de demissão de Flávio, recusou-se a assinar sua carteira de trabalho. Argumentando que ele era um ótimo funcionário, respondeu que não aceitaria seu pedido de demissão.
Flávio ficou furioso. Dizendo que ele não tinha o direito de fazer o que estava fazendo com ele, comentou que ele poderia perfeitamente pleitear judicialmente a rescisão do contrato de trabalho.
Otávio concordou.
Porém, pediu para o rapaz pensar melhor. Pediu para não agir precipitadamente. Argumentou que em razão do fato do rapaz ter permanecido tanto tempo sem trabalhar, teria dificuldades em arrumar trabalho. Que precisava se a atualizar. Dizendo que ele poderia fazer uma experiência voltando a trabalhar no escritório e se atualizando, comentou que ao se sentir melhor preparado, se ainda quisesse sair do escritório, poderia fazê-lo.
Flávio argumentou que aquilo que Otávio estava fazendo com ele era uma covardia.
Porém, sem alternativa, e passado alguns meses sem conseguir trabalho, Flávio acabou aceitando a proposta.
Voltou a trabalhar no escritório.
Mas a convivência com Otávio não era nada fácil.
Isto por que, apesar do rapaz ter imposto sua permanência no escritório, Otávio não lhe dava oportunidade de crescer profissionalmente.
Só lhe passava casos complicados e com pouco retorno financeiro.
Quanto a proposta de ser sócio, Otávio comentou que somente poderia retomar o assunto quando Flávio se inteirasse novamente dos assuntos do escritório.
Quando Francisco, Vicente, Carlos, Cleide, Bruno e Leandro tomaram conhecimento disto, questionaram a atitude Otávio.
Dizendo que ele estava sendo inflexível com Flávio, comentaram que o moço já havia dado mostras mais do que suficientes de sua competência.
Otávio argumentou porém que o moço ficara afastado por dois anos do mercado de trabalho. Que as coisas haviam mudado e que ele precisava se atualizar. Depois disto, se se mostrasse apto para a atribuição, poderia até, se tornar sócio.
Os rapazes ficaram inconformados. Mesmo quem não era sócio, ficou inconformado com a posição de Otávio.
Vicente e Carlos chegaram a comentar que aquilo estava mais parecendo vingança.
Flávio porém, comentou que não se importava com isto. Dizendo que não pretendia permanecer muito tempo no escritório, respondeu que só ficaria ali para organizar sua vida. Após, arrumaria outro emprego.
Vicente e Francisco comentaram que era o melhor que ele poderia fazer por ele mesmo.

Luciana Celestino dos Santos
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