Letícia, igualmente triste, ao chegar em sua casa após as idas ao hospital, ficava a contemplar uma orquídea que recebera de presente de Flávio, no dia em que ficara noiva do rapaz.
Isto por que, Flávio usando de um expediente para iludir a moça, ofereceu-lhe a planta.
Mal sabia ela, que escondido no caule da planta, havia uma caixinha com um anel de noivado.
Flávio não era rico, mas havia comprado uma jóia para ela.
E assim, durante o almoço em um restaurante, Flávio começou a fazer um discurso, dizendo que havia convidado a moça para celebrar um momento especial em sua vida.
Letícia ficou curiosa.
Flávio então, comentando que agora que poderia fazer parte do quadro societário do escritório, disse que teria ganhos melhores com a profissão, e que estaria em condições de usufruir de um melhor padrão de vida. Fato este que o fazia ter interesse em dar maiores saltos em sua vida.
Letícia ficou intrigada.
Flávio então comentou que estava vivendo muito bem até então, mas que as coisas poderiam melhorar muito mais. Depois disso, sem mais delongas, ofereceu a orquídea para a moça, dizendo que estava ofertando muito mais que uma flor.
Letícia não compreendeu o que ele queria dizer.
Ainda assim, recebeu a orquídea dizendo que era linda.
Flávio então pediu para que ela tocasse a planta.
Letícia tocou a flor cuidadosamente. Ao tocar o caule, percebeu que havia um objeto estranho escondido. Ao ver que se tratava de uma caixinha, pegou-a.
Abrindo-a, verificou que se tratava de um anel de noivado.
A moça ficou surpresa.
Ao perceber isto, Flávio perguntou:
- E aí! Gostou da surpresa?
Letícia ficou muda por alguns instantes. Percebendo que precisava dizer alguma coisa, respondeu que sim.
Flávio insistiu:
- Gostou! Que bom! Não sei se você sabe, mas este é um anel de noivado. Portanto ... você aceita se casar comigo?
- Não ... sei ... - respondeu Letícia, hesitante.
- Como assim, não sei? – indagou Flávio, decepcionado com a resposta. – Não gostou do pedido?
Letícia, argumentou então que havia adorado o presente, mas que precisava pensar, já que casamento é um passo importante na vida de qualquer pessoa.
Tenso, Flávio entendeu que o pedido era razoável, e mesmo visivelmente desapontado, concordou.
Letícia tentou consolá-lo dizendo que não estava desfazendo do pedido.
Dias depois, a moça retomou o assunto dizendo que concordava em se casar, mas que não deixaria o emprego.
O homem ficou deveras contente com o aceite.
Com efeito, a mãe de Letícia, plantou a orquídea.
E assim, sempre que voltava do trabalho e do hospital, a moça ficava a contemplar a planta, como se a mesma lhe trouxesse notícias do estado de Flávio.
Isto por que, quando o rapaz se acidentou, a planta que andava viçosa, começou a perder força. Parecia que ia morrer.
Houve um dia porém, em que inesperadamente a planta tornou revigorada, apresentando inclusive botões.
Letícia e sua mãe se encheram de esperanças.
Neste dia, ao chegar ao hospital, Letícia soube que o rapaz saíra do estado de coma, encontrando-se em um quarto do hospital.
No entanto, as notícias não eram animadoras.
Isto por que, em que pese a melhora no estado clínico do rapaz, o mesmo permanecia inconsciente.
Letícia ficou desapontada ao perceber que Flávio permanecia inerte.
Mesmo com a insistência de Olívia em contar para Flávio fatos de sua vida, o rapaz não dava sinais de melhora.
Ainda assim, Olívia recomendou que todos sem exceção, contassem sobre fatos ocorridos com Flávio.
Os colegas de escritório às vezes apareciam no hospital onde o moço estava internado.
Relembravam fatos ocorridos no escritório.
Certa vez Carlos, lembrando-se de uma cliente sem noção que apareceu no escritório, comentou que a pessoa queria promover uma ação questionando o que entendia ser uma má prestação de serviço. Argumentava que havia se submetido a um procedimento cirúrgico, e que o resultado não havia sido satisfatório.
Intrigado, comentou que Flávio havia perguntado qual o procedimento cirúrgico foi realizado.
A mulher respondeu que havia realizado uma cirurgia plástica, e que o médico havia prometido que ela ficaria a cara da Maria Fernanda Cândido.
Irritada, perguntou:
- Eu estou a cara dela?
Sem jeito, Flávio respondeu que não. Tentando convencer a mulher de que não havia possibilidade de mover uma ação com base naquele argumento, comentou que a cirurgia fora bem feita.
A mulher insistiu que não havia alcançado o resultado esperado.
Flávio perguntou se o médico havia realmente prometido aquele resultado.
A mulher demorou para responder. Gaguejando, comentou que não exatamente, mas que o médico havia lhe mostrado o resultado via computador. Argumentou que uma cliente do médico comentou que ele poderia fazê-la se parecer com qualquer atriz de novela.
Flávio comentou então:
- Pois então! Eu não tenho como mover uma ação com base no argumento de outra cliente. Processo judicial é coisa séria.
- Como não? A lei não diz que tudo pode ser objeto de ação?
Flávio explicou:
- Não é bem assim! Algumas situações não tem possibilidade de virarem processos, por que configuram lide temerária. Se eu movesse esta ação, ou o juiz indeferiria a inicial por falta de causa de pedir, ou então a lide seria considerada temerária, passível até de ser configurada com lide de má. Se o juiz determinar que houve litigância de má-fé, a senhora poderá até pagar multa.
A mulher então mudou o discurso. Dizendo que havia mudado de idéia, despediu-se apressadamente, retirando-se do escritório.
Carlos comentou que quando Flávio contou a história no escritório, todos caíram na risada.
Vicente e Otávio comentaram:
- Cada um que aparece!
- Um pior que o outro!
Mas Flávio não esboçava reação.
Outro dia, visitaram o rapaz, Francisco e Bruno.
Conversaram com Olívia. Dizendo palavras de incentivo, comentaram que acreditavam sim que Flávio iria se recuperar.
Francisco disse que Flávio era um rapaz determinado. Dedicado, sempre estudava os processos com cuidado, pesquisava para elaborar as peças processuais.
Bruno comentou que o moço estava conseguindo angariar uma boa carteira de clientes, e que por esta razão acabaria com o tempo, se tornando sócio no escritório.
De fato Flávio era dedicado ao trabalho.
A própria Letícia comentou que ele era um dos primeiros a chegar no escritório e geralmente um dos últimos a sair.
Olívia sentia um misto de orgulho e tristeza ao ouvir tais palavras.
Como acreditar que um rapaz cheio de sonhos, projetos, com iniciativa se encontrava inerte em uma cama?
Pensava: “Será que ele realmente não escuta o que dizemos?”
Seria mesmo certo o que os médicos diziam que ele não ouvia, que não estava ali, que apenas seu corpo jazia sobre a cama?
Um dia observando Flávio com mais atenção, chegou a se iludir acreditando que ele havia se mexido.
Cecília que sempre que podia acompanhava a mãe no hospital, ao vê-la alvoroçada, comentou que estava atenta que e não percebeu nenhum movimento.
Olívia tentou argumentar, mas sabia que Cecília estava certa.
Desiludida, aproximou-se do rapaz, e dizendo baixinho, pediu para que Flávio reagisse.
Cecília ficou penalizada.
Chegou a comentar que a mãe precisava de ajuda.
Quando Olívia decidiu levar Flávio para o apartamento onde morava, Gilberto decidiu por sua vez, contratar os serviços de Jair – enfermeiro que já vinha acompanhando o rapaz no hospital.
Isto depois de Flávio receber alta do hospital.
Dizendo que ter um enfermeiro ao lado de Flávio era mais produtivo, do que ficar procurando terapias alternativas, Gilberto acabou convencendo a mulher.
Flávio permaneceu por meses hospitalizado.
Letícia, por sua vez, também acreditava que Flávio iria se recuperar.
Quase todos os dias, após um longo de dia de trabalho, aproveitava para visitar o moço.
Sempre que podia lia histórias para o rapaz. Contos, poesias, romances. Tudo que pudesse lembrar os momentos que passaram juntos.
Tamanha dedicação, despertou a atenção de Gilberto e Olívia.
A mulher certa vez, ao ver que a moça comparecia quase todos os dias no hospital, comentou que Letícia precisava descansar.
Olívia às vezes lhe dizia que ela poderia ficar em casa, e que havendo novidades, ela entraria em contato com a moça.
Letícia porém, recusava a gentileza. Dizendo que precisava estar ao lado de Flávio nos momentos bons e ruins, insistia em ir sempre visitá-lo.
Gilberto sempre comentava que Letícia era uma moça de muito valor. Dizendo que muitas outras desapareceriam depois de algum tempo, comentou que ela gostava de verdade de seu filho.
Cecília também considerava Letícia uma grande pessoa.
Sempre que as duas se encontravam no hospital, conversavam sobre as esperanças que ambas tinham na recuperação de Flávio.
Cecília conversou com a moça sobre seu estágio no escritório de advocacia, sobre o seu trabalho. Comentou que freqüentava a Junta Comercial realizando registros de empresas, e que estava trabalhando na elaboração de minutas, e de contratos.
Letícia procurou demonstrar interesse.
Cecília que percebia desânimo no olhar de Letícia, comentou que Flávio iria se recuperar, e que ela precisava dar continuidade a sua vida.
A moça insistiu para que Letícia contasse sobre seu trabalho.
Letícia comentou que estava realizando palestras, realizando pesquisas. Enfim, coisas relacionadas ao trabalho.
Cecília perguntou então, o que estava lendo para Flávio, já que ela segurava um livro nas mãos.
Letícia mostrou o livro. Comentou que se tratava de uma história de amor trágica, ambientada na Idade Média, a qual transformou-se em clássico universal, intitulada “Tristão e Isolda”.
Comentou que Flávio costumava ler trechos do livro para ela.
Alessandro também costumava aparecer por lá. Certa vez chegou a convidar Letícia para participar de um ensaio em uma escola de samba.
Cecília criticou o moço, mas Alessandro, dizendo que seria algo que ela deveria conhecer, comentou que se distrair faria bem a ela.
Letícia agradeceu o convite mas gentilmente o recusou.
Com efeito, a universitária também visitava Flávio com bastante freqüência.
De manhã Cecília cursava a faculdade de direito, estudava, e a tarde fazia um estágio de meio período em um escritório de advocacia de Flora e Euclides.
Era um escritório especializado em contratos, tanto na área cível quanto na área comercial.
Animada com o trabalho, Cecília perdeu as contas de quantas vezes precisou se dirigir a Junta Comercial de São Paulo, na Barra Funda para realizar o registro de empresas, ou solicitar Certidões de Breve Relato, entre outros documentos.
No caminho, sempre aproveitava para admirar o Memorial da América Latina.
Também comparecia em Cartórios de Registro Civis de Pessoas Jurídicas para realizar registro de Sociedades Simples.
Doutora Flora e Doutor Euclides, como ela costumava chamá-los, estavam satisfeitos com seu trabalho.
Depois de algum tempo no escritório, começou a auxiliá-los na elaboração de contratos.
Olívia sempre ouvia com atenção os relatos da filha sobre o trabalho. Mesmo após o acidente ocorrido com Flávio.
Mas Cecília estava mais comedida. Preocupada com Olívia, evitava falar de seu trabalho, ou de seus problemas.
Mesmo assim, Alessandro percebia que a moça estava sofrendo com a situação pela qual a família estava passando.
Atencioso, sempre ouvia o que Cecília tinha a dizer. Insistia até para que ela lhe falasse o que estava se passando.
A moça porém, pedia às vezes para que ele a deixasse quieta.
Alessandro por sua vez, sempre dizia que acreditava piamente na cura de Flávio. Dizia que quando menos se esperasse, ele despertaria e sairia andando por aí. Comentava que não demoraria, chegaria o dia em que eles poderiam se casar, tendo o irmão de Cecília como padrinho e Letícia como madrinha de casamento dos dois. Respondeu que seria uma festa de casamento bonita, repleta de convidados, e que certamente Flávio e Letícia seriam os próximos a se casarem.
Cecília começou a chorar.
Alessandro a abraçou dizendo que um dia aquelas lágrimas seriam de alegria.
Cecília queria muito acreditar naquelas palavras. Abraçou Alessandro.
Luciana Celestino dos Santos
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