Era uma bonita morada. Seu pórtico de entrada com dois anjos entrelaçados, colunas gregas. Outrora fora templo de felicidade e alegria. Agora jaz abandonada, obscurecida pelo tempo e apagada pelo descaso.
Quantas festas, quantas celebrações. Comemorações.
Neste momento, retrato do abandono, pintura descascada, umidade, manchas, bolor.
O lindo jardim de outrora, agora se apresenta sem flores, árvores envelhecidas. Matagal.
De lindo templo de felicidade, a causar mais espanto do que encantamento.
Quantas histórias se descortinaram diante daquelas paredes? Quantas alegrias, quantos dramas?
Será que os habitantes daquela antiga morada foram felizes? Foram ditosos?
Curiosamente, a imagem presente nos causa a impressão do contrário. A construção mais parece saída de um conto de horror.
Imaginação...
Angélica, delicada moça de cabelos longos, cuidadosamente presos em desenhos que disfarçam seu cumprimento. Vestido longo, largo.
Por imposição paterna, não usava maquiagem, apenas um pouco de rouge.
A moça aplicava o pó vermelho nas maçãs do rosto, sem o conhecimento de seu pai.
Vaidosa, adorava perfumes, experimentar aromas.
Era uma moça alegre.
Adorava dançar, sair.
Sua maior alegria, era a saída todas as semanas para ir ao cinematografo, acompanhar as películas, ou fitas de filmes mudos. Adorava os filmes de Rodolfo Valentino, Charles Chaplin, Theda Bara, entre outros.
Quanto ao famoso Valentino, Angélica só conseguia assistir as fitas mediante autorização de sua mãe, Angela.
Francelino, proibia a filha de assistir os filmes: “daquele ator imoral”.
Desta forma, somente depois de muito insistir com sua mãe, e chorando, conseguiu autorização para assistir aos filmes do “latin lover”. Ainda assim, com o compromisso de que não iria ao cinema sozinha, e sim acompanhada de Lúcia e Cláudia.
Com isto, devidamente acompanhada das amigas, lá se ia Angélia, seguida das amigas. Impecavelmente vestida com seus vestidos de tecidos finos, luvas brancas, chapéu de abas curtas, sapatos de salto, rouge no rosto.
Como seria de se imaginar, as três moças ficavam extasiadas com o clima de sedução e encantamento envolvendo os filmes do jovem moço.
Trancada em seu quarto, Angélica adorava imitar o ar sedutor de Theda Bara, um dos primeiros símbolos sexuais do cinema americano.
Quanto Francelino viu a filha imitando os modos provocantes da atriz, ficou tomado de profunda indignação.
Irritado, disse a Angélica que aqueles não eram modos de uma moça de família. Que aquele gestual era típico de mulheres vulgares.
Nervoso, gritou com a filha, dizendo que não a estava criando para ser uma qualquer.
Quanto Angela viu a cena, pediu ao marido para que parasse com aquilo. Comentou que ele estava sendo grosseiro e que ele devia pensar bem no que estava dizendo, pois mais tarde poderia se arrepender.
Naquele instante, Francelino discutiu com a mulher. Disse que ela não devia se intrometer.
Angélica por sua vez, ficou chorando, sendo após, consolada por sua mãe, que dizia que todo aquele furor iria passar com o tempo.
Angélica contudo, temia que seu pai a proibisse de ir ao cinema.
Ângela, tentando acalmar a filha, disse-lhe que iria conversar com calma com o marido, e que com jeito, o demoveria de tal idéia.
E assim, foi. Em que pese nas primeiras semanas após o ocorrido, Angélica não ter podido ir ao cinema, com o tempo, o homem acabou retrocedendo.
Não sem antes haverem muitas cenas de choro e lamúrias por parte da moça, que triste, se lamentava de não poder ir ao cinematografo e se distrair um pouco. Lacrimosa, dizia ao pai, que ele estava lhe tirando uma das poucas alegrias que ela tinha.
Francelino por sua vez, parecia irredutível.
Não fosse Angela convencê-lo, dizendo que tudo que era proibido se tornava mais interessante, e argumentando que impedir Angélica de ir ao cinema só iria estimulá-la a desobedecê-lo, o homem resolveu pensar melhor.
Com efeito, inicialmente, ao ouvir isto, Francelino ficou furioso.
- Ela que ouse me desobedecer. Ficará trancada em seu quarto.
- Francelino! Deixe de bobagem! É claro que Angélica não irá desobedecê-lo. É uma moça muito bem criada e educada. Mas ela convive com outras moças. Por mais que se fique atenta aos que fazem, elas precisam de um pouco de privacidade, e conversando entre elas, pode surgir uma idéia deste tipo. E ... você sabe ... idéias começam pequenas e ganham proporções. Vamos ... deixe de bobagem! Sua filha não irá se transformar em uma vamp somente por que assistiu a uma fita de cinema. Estes são apenas ardores da mocidade. Os jovens precisam de algo para sonhar.
- Bobagem digo eu! Eu nunca fiquei sonhando como vamp’s sedutoras!
Ângela começou a rir.
Nervoso, Francelino perguntou do que ela estava rindo.
Ângela respondeu calmamente:
- Nada demais! Estou rindo do que o senhor disse. Quer dizer então que nunca sonhaste com uma vamp? Naquele tempo não havia cinema não?
Irritado, Francelino insistiu para que ela parasse de rir.
A mulher respondeu que não estava muito convencida daquelas palavras. Argumentou que quando era mais nova, tinha seus amores, seus príncipes encantados, os quais escondia de seus pais, assim, como sua filha tentava fazer.
O homem ficou intrigado.
Ângela respondeu então, que ele não era o único amor de sua vida. Que já sonhara com príncipes encantados. Que enquanto lia seus folhetins, seus livros, seus romances, ficava a imaginar mil histórias, relações amorosas.
Ao notar que Francelino ficara incomodado com suas palavras, disse que estes amores, estas paixonites, iam e vinham com o tempo. Que da mesma forma que surgiam, desapareciam.
Sorrindo, disse que quando moça, teve mil namorados diferentes.
Nisto, Francelino perguntou:
- Mil namorados diferentes?
- Sim, em sonho tudo é possível. Até que nos deparamos com a realidade, e esquecermos das fantasias. A realidade é bem mais interessante.
- É mesmo? – perguntou Francelino.
Ângela assentiu com a cabeça.
Mais calmo, o homem aproximou-se da mulher e a beijou.
Mais tarde, Francelino foi conversar com a filha. Dizendo que ela estava livre das proibições, recomendou para que ela evitasse os trejeitos daquelas atrizes, sob o argumento de que aqueles não eram modos de uma moça de família. Comentou que não estava criando sua filha para ser uma atriz e sim uma pessoa íntegra e correta.
Angélica tencionou contraditar o pai, mas Ângela recomendou que não o fizesse, gesticulando um não.
A moça então, calou-se.
Nisto, Lúcia e Cláudia, voltaram a acompanhar Angélica em suas idas ao cinematografo.
Animada, a moça comprava revistas e acompanhava todas as novidades relativas aos artistas, aos cantores.
Ângela não via nada de mal nisto. Considerava isto muito natural.
Francelino contudo, parecia preocupado com o que considerava excesso de liberdade.
Nisto, a moça se ocupava de seus estudos, de seus livros, de seus filmes. De suas amigas.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário