Poesias

terça-feira, 30 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO V

Com o tempo a moça casou-se. O jovem objeto de seus afetos chamava-se Mário.
Com ele, teve uma filha de nome Mirtes.
Durante longo tempo viveram na capital.
Maria Rosa passou a gozar de um bom conceito junto aos moradores do local.
A jovem professorinha havia se casado com um dos melhores partidos da cidade.
Com o casamento, realizado com todo o cerimonial necessário a um casamento com uma pessoa ilustre, a moça deixou de lecionar, dedicando-se exclusivamente ao lar, aos afazeres domésticos.
Passou a viver em um palacete, vestindo-se com os melhores tecidos, roupas bem cortadas, sapatos.
Para adornar os cabelos cuidadosamente presos, sofisticados chapéus.
Cumpre salientar que o casal se conheceu na saída de uma das inúmeras celebrações eucarísticas acompanhadas por ela, conduzidas por Padre Josias.
Mário, adorava o jeito com que Maria Rosa se abanava com seu leque.
O jovem considerava um charme, o modo como a jovem abria e fechava o leque, golpeando delicadamente o ar. Achava-a parecida com uma borboleta sobranceira e misteriosa.
Quando soube se tratar da suposta filha de uma famosa cortesã da cidade, admirou-se. Espantou-se com a origem de sua mãe, com o fato de ter a moça se apresentado com filha de Carina, e com o fato da famosa cortesã ter abandonado uma vida de luxos e desregramentos e passado a viver uma vida discreta.
Admirou-se com a sinceridade da moça.
E assim, em que pese a oposição de seus parentes e familiares, o jovem mancebo pediu a moça em casamento.
Ofereceu-lhe um imponente anel de brilhantes, o qual foi assunto por mais de uma semana na cidade.
Tereza e Roberto diziam-lhe que era uma moça de sorte.
Outros moradores da cidade diziam-lhe o mesmo, quando a viam saindo da igreja.
Desta feita a moça casou-se.
A cerimônia realizou-se na matriz da cidade.
Maria Rosa trajava um exuberante vestido branco, todo bordado, várias anáguas, um longo véu. Cabelos presos, envoltos em flores de laranjeiras. Nas mãos, um buquê de flores.
Mário trajava calça, paletó, tendo na lapela um cravo.
No imenso salão da fazenda, um bolo imenso, bonito, decorado. Doces, bebidas como vinhos e licores.
Um lauto jantar seria servido para os convidados.
Na igreja, empresários, industriais, cafeicultores. Figuras ilustres da sociedade.
A cerimônia foi celebrada pelo sacerdote de escolha de Maria Rosa.
A moça escolheu seu confessor e conselheiro, Padre Josias.
Ester e seus filhos, acompanharam a cerimônia.
Durante o tempo em que a moça lecionou, os meninos tiveram aulas ministradas pela jovem.
Após a cerimônia, na saída da igreja, a moça foi cumprimentada pelos convidados e familiares de Mário.
Para muitos, tratava-se de uma jovem valorosa, de origem espúria, a qual alcançara sua redenção vivendo de forma digna.
Maria Rosa por sua vez, fazia questão de ressaltar que sua mãe também alcançara sua redenção, dedicando-se a ações de caridade, as quais dizia que daria continuidade.
Com efeito, os próprios familiares de Mário, com o passar do tempo reconheceram o valor da moça.
Seus pais diziam que Maria Rosa era uma jovem de valor.
Ao descobrirem que a moça se sustentava e que possuía um pecúlio em seu nome, herança de sua suposta mãe Carina, o casal percebeu que não se tratava de uma interesseira.
Como Mário também trabalhasse e tivesse seu próprio patrimônio, Dona Alaíde e Seu Antenor não tiveram como se opor ao casamento.
O jovem mancebo, empregando dinheiro de seu pai, investiu certa quantia, em uma fábrica de porcelanas.
Como o rapaz tivesse talento e tino comercial, a empreitada prosperou, e o moço se tornou proprietário da fábrica, ampliando-a.
E assim, quando se enamorou da jovem, possuía patrimônio próprio. Quais sejam: dois palacetes na capital, a fábrica, e uma fazenda no interior da província.
Percebendo que não poderiam controlar o filho ameaçando-o deserdá-lo, Antenor decidiu não mais fazer oposição direta ao relacionamento.
Aceitou o casamento do filho.
Maria Rosa era a princesa do coração de Mário.
O casamento, conforme já mencionado, foi uma festa de raro esplendor.
Muita música tocada por uma orquestra devidamente contratada para a celebração. Muitas valsas.
Em dado momento, a noiva, envolta em seu vestido branco, sentou-se diante de um piano e começou a tocar algumas músicas, modinhas, para deleite dos convivas.
Foi uma surpresa geral, afinal de contas, nem mesmo Mário conhecia os pendores musicais da moça.
Maria Rosa teve ímpetos de contar que desenvolvera tal talento, instigada por sua saudosa mãe, a inesquecível Carina. Mas ciente do poder que tais palavras teriam, resolveu se calar, demostrando apenas um sorriso.
A moça valsou ao lado do então marido.
Durante a cerimônia, diante de Padre Josias, prometeu fidelidade.
Roberto e Tereza parabenizaram a moça.
Segredaram-lhe no ouvido que Carina devia estar muito feliz.
Maria Rosa emocionou-se com o comentário.
Tanto que precisou pedir licença ao então marido, para se dirigir ao toalete.
Lá, sentada em uma cadeira confortável, começou a lacrimar.
Recordou-se dos poucos momentos em que pode desfrutar de alguma convivência com sua mãe.
Carina, engravidara de um de seus inúmeros clientes, para desespero de Leonor, que sempre lhe recomendara cuidado, quanto ao risco de engravidar.
Ainda assim, a moça, ao se descobrir grávida, a despeito dos conselhos de Madame Leonor e de Violeta, para que abortasse, decidiu levar a gravidez adiante.
Chegou até a se encaminhar a casa de uma mulher, denominada Lucrécia, com vistas a realização do fatídico ato, mas arrependida, desistiu em meio a muitas lágrimas.
Desculpando-se com Madame Leonor, disse que não poderia cometer tamanho crime contra a vida.
A mulher, percebendo o desespero da moça, conduziu-a de volta ao castelo.
Violeta estava inconformada.
Leonor então, pedindo para ficar a sós com Carina, encaminhou-a para uma sala reservada.
Aborrecida, comentou que aquela gravidez poderia atrapalhar sua vida, e que ela ainda não reunia condições de se manter sozinha, nem tampouco de sustentar uma criança.
Chorando, Carina pediu, implorou para que a mulher não a obrigasse a cometer tal pecado.
Disse que tinha consciência de que tão cedo não poderia abandonar aquela vida, mas que ainda assim, não poderia ceifar uma vida que não havia pedido para nascer.
E assim, Leonor, condoída com o desespero da jovem, acabou auxiliando-a.
Violeta ao tomar conhecimento de que Carina ficaria algumas meses afastada da casa, ficou furiosa. Enciumada, comentou que nenhuma das meninas teve direito a este privilégio.
Foi o bastante para a mulher puxá-la pelo braço e dizer-lhe que estava se excedendo. Argumentou que tratava-se de uma situação excepcional, e que para situações como aquela, as regras seriam outras.
Violeta ao ouvir isto, comentou que ela estava abrindo um precedente muito grave, estimulando que as outras moças a fazerem o mesmo.
Ao ouvir isto, Madame Leonor respondeu:
- Mas isto é que não! Isto é uma casa de tolerância não um educandário, tampouco a Roda da Santa Casa.
Violeta sorriu, irônica.
Com isto, Carina foi levada para a fazenda de um amigo da mulher.
Por lá ficou durante alguns meses.
Durante sua estada na fazenda, a moça passeou de charrete, caminhou por entre as plantações de café. Sempre acompanhada pelo dono da propriedade que lhe contava causos divertidos.
A moça deu a luz uma criança, a qual dedicou o nome de Maria Rosa.
Leonor, sempre dedicada a moça, acompanhou-a durante o parto, realizado com a ajuda de uma parteira da região.
Curiosa, depois da criança ser limpa e de Carina se recompor do parto, a mulher perguntou-lhe o porquê do nome.
Carina respondeu:
- Era o nome de minha falecida mãe.
Neste momento, Madame Leonor perguntou-lhe se ainda tinha mágoa de seus tios.
Carina respondeu então, e que diante da situação que estava vivenciando, sentia-se capaz de entender um pouco o gesto dos tios, os quais não reuniam condições financeiras para cuidar dela.
Pensando um pouco, Carina respondeu que sim, já tivera muita mágoa deles, mas, ciente de que deveria proceder de forma parecida com sua filha, comentou que sim, os entendia um pouco.
Com isto, a jovem passou a cuidar da filha.
A brincar com ela, a embalá-la para dormir.
Conforme os dias se passavam, mais apegada ficava a filha.
Leonor, ao se aperceber disto, ficou preocupada.
Tanto que por diversas vezes conversou com a moça, dizendo-lhe que sua profissão era incompatível com as funções de mãe.
Isto era o bastante para que Carina se debulhasse em lágrimas.
Com ar comovido, a jovem cortesã, acabou por convencer a mulher a não entregar a criança para adoção.
E assim, a menina foi criada na fazenda, onde era esporadicamente visitada por Carina.
No castelo, poucos sabiam da gravidez de Carina, e assim, a existência de Maria Rosa, foi mantida em segredo.
Somente Violeta sabia da gravidez de Carina.
Não sabia porém, do paradeiro da criança, embora desconfiasse, em razão dos sumiços de Carina, que esta iria se encontrar com a criança.
Era o bastante para se desentender com Madame Leonor, por achar que ela protegia demais a moça.
Violeta no entanto, era pessoa de confiança de Leonor, a qual, sempre que precisava ausentar-se, ficava a cuidar da casa.
Em dado momento chegou a dizer que quando faltasse, o castelo ficaria em boas mãos.
Ao ouvir isto, Violeta se emocionou. Chorando, chegou a agradecer a confiança.
Madame Leonor respondeu-lhe então que às vezes era dura com ela, por sabê-la suficientemente forte para agüentar os trancos que a vida tantas vezes lhe dera. Disse-lhe que era uma mulher de fibra, em que pese ser um pouco dura demais, para com as pessoas que faziam parte de sua vida.
Violeta ao ouvir tais comentários, tentou retrucar, no que foi impedida por Leonor, que respondeu-lhe que não estava lhe criticando, apenas lhe dando um conselho.
Disse-lhe que para substituí-la na direção da casa, deveria agir com docilidade.
Ressaltou que em sua longa vida de cortesã, conseguiu obter mais coisas com doçura que com azedume. Argumentava que o vinagre afasta as abelhas, ao passo que o mel as atraí.
E assim, de vez em quando, Carina se ausentava.
Ia visitar a pequena Maria Rosa.
Visitando-a, ouvi-a chamar-lhe de mãe, ajudava-a a andar.
Viu a criança engatinhar.
Carina lamentava não poder acompanhar todos os passos da filha.
Contudo, ao sabê-la bem cuidada, se acalmou.
A menina teve uma educação esmerada.
A própria Carina ensinou Maria Rosa a dedilhar as teclas de um piano de cauda existente na fazenda.
A criança adorava o jeito misterioso da mulher, que adorava se abanar com um bonito leque, e estava sempre tão bem arrumada e composta.
Dizia que ela parecia uma sinhazinha.
Seu Eustáquio – o dono da fazenda – achava graça.
Cumpre destacar que nesta época, a menina acreditava que era filha do ilustre fazendeiro e de sua falecida esposa, a qual concordara em manter o segredo quando Carina surgiu grávida na fazenda.
Somente quando Carina se despediu daquela vida desregrada, é que ela confessou a menina que ela era sua mãe.
Foi o bastante para Maria Rosa, chocada, recusar-se a receber visitas da mulher.
A criança chamava-lhe de mentirosa.
Argumentava que sua mãe se chamava Ana Carolina, e que ela não devia dizer mentiras.
Carina ficou magoada com a atitude da filha, mas compreendeu-a.
Enquanto isto, passou a viver uma vida casta e discreta. Angariou a simpatia e confiança de todos.
Meses antes de Carina ser morta, Maria Rosa estava se entendendo com a mulher.
Já havia aceitado-a como mãe.
Mas as circunstâncias não permitiram que elas passassem a viver juntas em outra cidade.
Isto por que, quando Carina passou a fazer planos neste sentido, foi assassinada, interrompendo peremptoriamente uma relação que estava apenas começando.
Com efeito, em que pese a morte da mãe, a menina permaneceu na fazenda.
Carina tinha perfeita consciência de que Eustáquio continuaria cuidando de sua filha, como sempre fizera.
E assim, Maria Rosa freqüentou um colégio interno na capital da província.
Mais tarde retornaria ao local, para se anunciar como filha da famosa cortesã, e causar comoção na cidade.
Desejava ardentemente ser aceita.
Para tanto, não poderia esconder a verdade, ou revelar apenas meia verdade.
Tal fato encantou Mário.
O moço dizia que nunca havia visto uma pessoa tão honesta e sincera. Argumentava que nunca conhecera ninguém parecido com ela, nem mesmo homem.
Mas voltando a festa, depois de chorar e se recordar emocionada de sua vida, Maria Rosa enxugou as lágrimas e recompondo-se, retornou ao salão.
Sorrindo, cumprimentou os convidados.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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