Poesias

terça-feira, 30 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO IX

Quando o circo finalmente se apresentou, o garoto já havia lavado o chão do picadeiro, ajeitado os bancos para as pessoas sentarem. Acompanhado por Mirtes fazia a propaganda do circo dizendo:
- Venham conhecer o maior espetáculo da terra! O circo chegou.
Curioso, perguntava a Mirtes sobre o valor do ingresso, quantas entradas deveriam ser vendidas para que um espetáculo pudesse ser considerado um sucesso, etc.
Fez tantas perguntas, que a certa altura, Mirtes pediu para que ele se calasse.
Felipe atendeu prontamente.
Quando o espetáculo circense estava prestes a começar, o som de uma trombeta ecoou invadindo toda a lona.
Os palhaços Feliz, Alegre e Contente, disseram que o espetáculo iria começar.
Com isto, o som da trombeta foi substituído por uma buzina que fazia um ruído muito engraçado, mais parecido com uma flatulência.
Todos riram.
O espetáculo foi belo.
Mas para Felipe, o mais inesquecível momento, foi quando Miriam surgiu em um bonito colant apresentando seu número de trapézio.
A moça dava piruetas no ar, antes de ser amparada por Olegário.
Felipe chegava a se deitar em sua cama, e de olhos abertos se recordar de cada detalhe do número.
Miriam havia se tornado uma amiga.
Com o tempo, o menino passou a fazer pequenos truques de mágica.
Truques ensinados por Alencar em sua maioria.
Alguns porém, foram passados por Miriam que contou-lhe que durante algum tempo, foi assistente de Alencar.
Tal fato causou admiração no garoto.
Felipe adorava ouvir as histórias de Miriam, a qual sempre tinha algo interessante para contar.
Mirtes também se afeiçoara ao garoto, cuidando do menino como se fora um filho.
Enquanto isto, Fátima e Fábio desesperados, não sabiam o que fazer.
Já haviam acionado a polícia da região, que estava realizando buscas.
Como Felipe não aparecia, a procura diminuiu, muito embora a angústia dos pais não tenha diminuído nem um pouco.
Fátima não parava de chorar, aflita.
A mulher, chegou até a realizar uma promessa.
Caso a criança aparecesse, acenderia uma vela do tamanho do garoto, e distribuiria alimentos por um ano, para famílias carentes do lugar.
Fábio por sua vez, estava arrasado.
Sentia-se culpado pelo sumiço de Felipe.
O garoto por sua vez, também sentia saudades de casa, mas feliz por trabalhar no circo, alegrava-se com os números de mágica que realizava.
Odair, também simpatizava com o garoto, dizendo-lhe que era muito esperto e original.
Felipe ficava todo prosa com os comentários.
E assim, aprendia lições que eram tomadas por Miriam, que insistia em corrigir sua caligrafia horrível.
A tarde, o garoto ensaiava números de mágica, além de observar os ensaios da jovem.
A noite, nas apresentações, exibia suas habilidades de mágico.
Tirava pombas e coelhos da cartola, fazia objetos sumirem, outros objetos apareciam. Números de adivinhação.
Felipe estava irremediavelmente fascinado pelo mundo do circo.
Quando começaram novas incursões pelo interior do estado, o menino conheceu novas cidades.
Para o garoto, era um encantamento.
O coreto das praças, as igrejinhas, os moradores do lugar.
Em algumas cidades havia cinema, e Felipe pode ver algumas fitas.
Adorava filmes de aventura, como os de Tarzan, os quais já acompanhava em sua cidade.
No entanto agora, ia ao cinema acompanhado de Miriam, a melhor companhia que poderia ter.
Felipe adorava passear perto dos garotos e mostrar que estava ao lado de uma bela moça.
Nisto, um estranho, ciente do sumiço de uma criança da região, ao observar o garoto ao lado da moça, verificou que o mesmo se assemelhava a descrição física feita por policiais.
Acreditando se tratar de uma simples coincidência, o moço deixou a suspeita de lado.
Dias mais tarde, ao ouvir uma conversa da dupla, percebeu que o menino se chamava Felipe e que Miriam tentava descobrir onde estavam seus pais.
Foi o bastante para o homem contatar a polícia e relatar o ocorrido.
Na mesma tarde, policiais se dirigiram ao circo, onde conversaram com Odair.
Perplexo, o homem respondeu que há alguns meses, surgira um menino com ar assustadiço, encontrado no circo.
Com isto, Odair explicou a história do garoto, a qual lhe pareceu relativamente crível.
Só não pode esconder o ar de perplexidade ao perceber que fora enganado.
Chegou a dizer que Felipe era um excelente contador de histórias, e que seu talento, bem direcionado, poderia encaminhá-lo para a literatura.
Custava a crer que um menino de aparência tão ingênua, poderia enganar adultos experimentados como eles.
Quando Mirtes tomou conhecimento do fato, ficou chocada.
Desapontada, disse a Felipe que ele a decepcionou muito.
Ao ouvir isto, o garoto chorou.
Tentando explicar-se, disse que mentira por que seu sonho era trabalhar no circo. Contou que sempre sonhou em ser um grande domador, e que ao ver o circo novamente em sua cidade, percebeu que se tratava de uma grande oportunidade.
Os policiais disseram-lhe que ele vivera uma grande aventura.
Felipe perguntou então, onde estavam seus pais.
Os policiais explicaram a todos, que o garoto seria levado para a cidadezinha onde morava.
Miriam, perguntou a Felipe, por que havia deixado os pais tão preocupados.
Chorando, Felipe comentou que precisa fugir, ou não conseguiria realizar seu sonho. Argumentou que seus pais não entenderiam seu gesto.
Odair, ao ver o garoto triste, pagou o ordenado pelo período em que trabalhou no circo. Disse-lhe que aquele dinheiro era dele e poderia utilizá-lo como bem entendesse.
Felipe agradeceu e tentou desculpar-se pela confusão que havia causado.
Mais tarde, ao encontrar os pais, abraçou-os e pediu-lhe desculpas por haver fugido de casa.
Contou que durante o tempo em que ficou fora de casa, viveu em meio a gente honesta.
Para Fábio, contou que começou a trabalhar como mágico do circo, que se deparou com leões, tigres e elefantes.
Sorrindo, comentou que se sentia como Livingstone. Um desbravador da selva africana.
Fátima ao vê-lo depois de meses de ausência, abraçou-o chorando e pediu-lhe para que não mais fugisse de casa.
Com o tempo o garoto retomou suas atividades.
Voltou a freqüentar a escola.
Para surpresa de Fátima e dos professores, Felipe conseguiu acompanhar as aulas, mesmo depois de meses.
Felipe contou a mãe, que Miriam tomava-lhe as lições diariamente.
O garoto contou-lhe que a moça descreveu inúmeros lugares, e disse-lhe que o mundo era muito maior do que ele imaginava.
Sorrindo, o garoto contou que gostaria de conhecer os lugares que a moça descreveu.
Exibido, mencionou que precisava ampliar seus horizontes.
Fátima percebeu uma melhora em seu vocabulário.
Tempos mais tarde Fábio recebeu uma correspondência, na qual era informado que sua tia Irina, encontrava-se muito doente, e que ele precisava fazer-lhe uma última visita.
Na correspondência, estava indicado o endereço onde a senhora residia.
Surpreso, Fábio comentou que não conhecia ninguém com o nome de Irina.
Ao observar o endereço indicado na carta, constatou que se tratava da cidade de São Paulo.
Acreditando se tratar de um equívoco, o homem cogitou desfazer-se da missiva.
No que foi impedido por Fátima que argumentou sobre a possibilidade de se tratar de um parente distante.
Dias depois, o moço recebeu um telegrama de um seu parente, orientando a visitá-la.
Telegrama assinado por um tio de Fábio.
Epaminondas era um velho conhecido de Fábio.
O moço recordou-se que adorava brincar com os primos, filhos do tal tio.
Com isto, ao término da semana, de malas prontas, a família foi visitar a tal tia.
Irina era uma velha avarenta, somente preocupada em amealhar bens.
Andava pelas ruas de São Paulo com roupas puídas, e era sempre rude com todos os que se aproximavam.
A velha avara, possuía vários animais entre cães e gatos.
Para eles, oferecia todo o seu afeto.
Não confiava nas pessoas.
Para ela, todos se aproximam por causa de seu dinheiro.
Adolfo, seu sobrinho, adorava adulá-la.
Era o bastante para atiçar a ira de Irina, que ficava incomodada com tanta bajulação.
Adolfo estava sempre por perto, procurando chamar sua atenção.
Ajeitava sua almofada para melhor se acomodar.
Servia-lhe chás e pães.
Adolfo não a deixava sozinha por muito tempo. Isto era o bastante para irritar a mulher.
Irina costumava chamá-lo de bajulador. Argumentava que não lhe daria dinheiro algum.
Reclamava que era muito pobre e que não agüentava mais ser explorada pelas pessoas. Dizia que iria por fogo em tudo, para que ninguém ficasse com nada.
Irascível, certa vez, chegou a enxotar o sobrinho com uma vassoura.
A vizinhança não a suportava.
Consideravam-na esquisita e louca.
Diziam que fora casada com um homem de posses, vindo a ficar viúva, pouco tempo depois de casada.
Fato este não confirmado, mas que atraiu a atenção de Adolfo, que acreditava que a velha avara possuía um rico patrimônio escondido.
Todavia, os modos austeros de Irina, demonstravam justamente o contrário.
Seca no trato com as pessoas, só saia de casa para passear com seus cães, e comprar comida.
Era alvo de escárnio das crianças, contra as quais vociferava e rogava pragas.
Irina era irascível.
Mas Adolfo estava sempre por perto.
Oferecia-se para ministrar-lhe remédios, fazer compras.
Quando ele se ofereceu para arrumar a casa, Irina não se fez de rogada.
Deixou-o fazê-lo, para desespero de Adolfo.
Certa vez, o moço deixou escapar que detestava aquela velha miserável.
Diante de Irina porém, Adolfo era sempre afetuoso e gentil.
Mesmo quando a velha o ofendia, chamando-lhe de mandrião e dizendo que a arrumação da casa não havia sido bem feita, que a casa não estava limpa.
Irina por sua vez, fazia questão de esfregar o dedo em algum móvel para mostrar que este permanecia coberto de poeira. Dizia-lhe que se era para fazer o serviço mal feito, era melhor não fazer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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