O cortejo acompanha o caixão em passadas lentas e muitas orações.
São pessoas simples que acompanharam os últimos passos da jovem, que outrora cortesã, tornou-se segundo eles, mulher de bem.
Carina era uma jovem bela, de longos cabelos e olhar doce.
Com sua voz suave, cativava a todos.
Como cortesã, encantou a muitos homens, ocasionando a fúria de esposas e moças casadoiras.
Elegantemente trajada, perfumada, bem penteada, discreta.
Sempre impressionava a todos com sua elegância.
A mulher, acompanhada de uma senhora mais velha, de nome Leonor, saía para fazer compras nas ruas de comércio da cidade. Também compravam víveres, aves, alimentos.
O leite era entregue na porta do estabelecimento da cafetina.
A fama do bordel era tamanha, que extrapolava os limites da cidade.
Os homens ficavam encantados com a beleza da moça.
Contudo, não ousavam se aproximar. Diziam que Carina parecia uma pintura de tão bela.
Algumas mulheres, também observavam as duas mulheres ricamente adornadas, cheias de donaires e de jóias.
Muitas admiravam o talhe e a elegância de Carina. Comentavam entre si, que muitas mulheres de fino trato não eram portadoras de tão belos e delicados modos.
Outras mulheres por sua vez, retrucavam dizendo que aquilo era bobagem. Que nenhuma mulher de estirpe, ficaria em desvantagem em relação a duas marafonas.
Os moleques pobres do lugar, gostavam das gorjetas que Leonor lhes dava para carregarem sacolas.
Também gostavam das sobras de comida oferecidas por Carina.
Diziam a moça, que sua bondade a fazia se parecer com uma santa.
Desta forma, a jovem seguia com sua triste vida.
A noite, era sorridente e solícita para os homens que podiam pagar uma pequena fortuna para tê-la nos braços.
Muitos se apaixonaram por sua beleza, seus modos gentis. Confundiram sua gentileza com afeto.
Com relação a estes amantes insistentes, Leonor se encarregou de afugentá-los.
Mandava os homens embora.
Como esporadicamente apareciam estes inconvenientes apaixonados, a mulher ameaçava denunciá-los a suas famílias e até a surrá-los, se voltassem a importunar sua mais valiosa pupila.
A certa altura, ao se depararem com os escravos bem vestidos, altos e alinhados, os amantes se afastavam.
Até que se cansarem de serem rechaçados.
Um deles chegou a ameaçar a moça. Disse-lhe que iria se vingar.
Argumentou que nenhuma mulher o havia rejeitado, e que não seria Carina quem abriria precedentes. Jurou vingança.
Ao ouvir as imprecações do moço, Leonor recomendou a Carina que se acautelasse.
Por algum tempo, a moça ficou temerosa. Evitava sair do bordel.
Temia se deparar com o moço.
Leonor, ao perceber o retraimento da jovem, que chegou até a pedir para não trabalhar, resolveu conversar com ela.
Carina, permanecia trancada em seu quarto.
Quando Leonor foi conversar com ela, a moça observava a janela, observava a rua através da gelosia.
Ao vê-la tão absorta, a cafetina chamou-a docemente.
Carina, entretida que estava em seus pensamentos, assustou-se.
A mulher, ao perceber que a moça se assustou, pediu desculpas. Contudo, insistiu para conversar.
Carina tentou argumentar dizendo que precisava ficar algum tempo sozinha, mas Leonor interrompeu-a dizendo que precisavam conversar ... e muito.
Tentando tranqüilizá-la, a mulher argumentou que ela não precisava esconder-lhe nada.
Recordou-se do tempo em que a recolheu em sua casa, quando a moça não tinha a quem recorrer, tampouco para onde ir. Comentou que Carina parecia um bicho acuado.
Assustada e maltratada, ainda assim, deixava entrever a beleza nascente, o encanto de mulher que se tornaria com o passar dos anos.
Leonor atenciosa, dedicou toda sua atenção e cuidados, àquela menina de cerca de treze anos, que segurava uma colher, desconhecendo outros talheres, como faca, garfo.
A cafetina, ensinou-lhe tudo o que sabia.
Boas maneiras, a maneira de cumprimentar os fregueses, a segurar os talheres, a segurar os copos, de se portar. Ensinou-lhe também a ler, e estimulou a moça a ler Machado de Assis, Joaquim Manoel de Macedo, Victor Hugo, entre outros autores da época.
Dizia a moça que ela deveria seduzir os homens, não apenas com sua beleza, mas também sua inteligência e cultura. Argumentava que estes eram os maiores capitais que ela poderia almejar, posto que se tratava de uma riqueza que ninguém poderia lhe tomar, ao contrário de quaisquer bens materiais, porventura alcançados. Ressalvava porém, que nem por isto, deveria recusar bons presentes, dinheiro, jóias, propriedades.
Argumentava que a beleza era um dom efêmero, e que ela deveria amealhar um patrimônio. Assegurar uma velhice tranqüila.
Rindo, dizia que Carina devia achá-la louca, por aconselhá-la a pensar em uma eventual velhice.
Sorrindo ainda, completava dizendo que o tempo lhe mostraria que estava correta.
Carina tentava entender aquelas palavras.
Inicialmente auxiliava nos serviços domésticos.
Auxiliava a preparar as refeições, a lavar a louça, cuidava das roupas das cortesãs que trabalhavam na casa.
Cautelosa, Leonor evitava que a menina adentrasse o salão, no horário de funcionamento do estabelecimento.
E assim, Carina ficava a fazer faxina.
Por ciúmes, algumas cortesãs diziam que a menina era protegida de Madame Leonor.
Com o tempo, a moça foi percebendo qual era o trabalho das meninas.
A certa altura, mais crescida, Leonor providenciou-lhe vestidos bonitos, perfumes. Passou a sugerir que ela circulasse pelo salão.
Carina, por sua vez, se recusava.
Leonor paciente, dizia que ela decidiria o momento em que iria começar a trabalhar. Contudo, sugeriu-lhe que não se demorasse nesta decisão, ou ela não poderia mais contar com sua proteção.
As outras meninas, ao tomarem conhecimento deste fato, começaram a provocá-la dizendo que ela era a queridinha de Madame Leonor.
Enciumadas, hostilizavam Carina, dizendo que desde que ela chegara a casa, só tivera privilégios.
Leonor, ao tomar conhecimento deste fato, repreendeu as moças. Argumentou que todas elas tiveram oportunidade de aprendizagem, e que se prepararam para a nova vida.
Violeta, ao ouvir isto, retrucou dizendo que Carina estava ali há anos.
No que a mulher respondeu que todas tiveram o tempo que precisaram para desabrocharem. Carina também tivera seu tempo.
E assim, ainda que contrariada, a moça passou a circular pelo salão.
Luciana Celestino dos Santos
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Poesias
sexta-feira, 19 de março de 2021
CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO I
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