No dia seguinte, logo cedo, Ludmila estava de pé.
Lúcio também acordara cedo.
Sem jeito, atravessou o corredor.
Ludmila, ao vê-lo passar, convidou-o para tomar um café.
Lúcio recusou.
A fazendeira então, intimou-o.
Disse que saco vazio não parava em pé, e que deveria comer algo, ou não agüentaria trabalhar o dia inteiro. Ludmila respondeu que o dia seria cheio, e que ele teria muito o que fazer.
Lúcio então sentou-se e comeu.
Mais tarde, ao fazer menção de ir trabalhar, Ludmila disse que conversaria com um dos colonos e que ele teria um pouso certo.
Lúcio agradeceu.
Com isto, a mulher perguntou-lhe se não possuía família, se não gostaria de trazer os parentes para viverem junto dele.
Lúcio respondeu que não.
Agradeceu a gentileza, mas agradeceu, dizendo que não era necessário.
Nisto, levantou-se da mesa, colocou seu chapéu e se dirigiu as cocheiras.
Ludmila recomendou-lhe que se encaminhasse para lá.
Nisto o moço passou a trabalhar.
Deu banho nos cavalos, alimentou os animais.
Quando o moço comentou que pousara na sede da fazenda, os empregados ficaram curiosos.
Julgaram que Lúcio gozava de prestígio junto à Ludmila.
Na boca de pessoas maldosas, virou insinuação de algo mais.
Afinal de contas a mulher era jovem, e Lúcio não era desprezível.
Durante o dia, Ludmila chamou alguns colonos em sua casa e perguntou-lhes se haveria problema em hospedar um moço que havia acabado de chegar, e estava começando a trabalhar na fazenda.
Alguns homens relutaram em oferecer hospedagem a Lúcio.
Diziam ter filhas moças em casa, e que isto poderia não ser visto com bons olhos.
Nisto, Ludmila se voltou aos que haviam se calado.
Alguns concordaram em oferecer estada para o moço por algum tempo.
A fazendeira agradeceu.
Com isto, após algumas conversas, ficou ajustado que Lúcio ficaria algum tempo na casa de Valdomiro.
Mais tarde, ao término do expediente, o moço se encaminhou com seus pertences para a casa do colono.
Lá, foi apresentado aos familiares do homem.
Como não havia cama para ele, Lúcio armou uma rede na varanda da casa e se abrigou da chuva.
Depois de jantar a comida de Leocádia, o moço deitou na rede e ficou contemplando a noite.
O céu estava estrelado como na noite anterior.
Valdomiro, percebendo que o moço estava acomodado, despediu-se.
Alegou que precisaria se levantar muito cedo no dia seguinte.
Lúcio desejou-lhe uma boa noite.
Cruzou os braços abaixo da cabeça e ficou contemplando a noite.
Até que cansado, adormeceu.
Lúcio era sempre útil.
Quando precisavam de alguém com habilidade para cuidar dos animais mais ariscos, o chamavam.
Houve um tempo em que precisaram de braços na lavoura e lá foi ele cuidar das plantações.
Em dado momento, teve uma festividade na vila.
Conforme o costume, era organizada uma festividade anual em homenagem aos santos de junho.
A região inteira se mobilizava para a comemoração.
Havia mastro com a bandeira do santo, bandeirolas coloridas enfeitando toda a vila.
Na festa havia cantadores, violeiros.
Comidas, barracas.
A igreja angariava fundos para obras de benemerência.
Havia missa, e depois começava a festa.
Muitos aproveitavam para dançar, flertar com as moças.
Ludmila também participava da festa.
Mas depois da viuvez, raramente dançava.
Certa vez, Emerson convidou-a para dançar, mas Ludmila gentilmente recusou.
Lúcio também compareceu.
Para ajudar na festa, ofereceu uma montaria.
O padre, ao receber o objeto, resolveu leiloá-lo.
O objeto foi a atração da festa.
Todos os fazendeiros da região, ofereceram lances.
Por fim, quem arrematou o produto, foi o capataz de Ludmila, o Emerson.
O homem foi aplaudido por todos pela aquisição feita.
Todos comeram, se divertiram.
Conhecidos se cumprimentaram e comentaram as novidades.
Adultos subiram no pau de sebo, mas somente um ganhou o prêmio.
Um chapéu todo branco.
As crianças ficaram alvoroçadas com as prendas e os jogos.
A certa altura da cantoria, alguns casais começaram a se formar.
Pessoas começaram a dançar.
Lúcio, que havia conversado com alguns colonos, ao perceber Ludmila conversando com conhecidos, pediu licença aos presentes, e perguntou-lhe se poderia convidá-la para uma dança.
Surpresa, Ludmila perguntou-lhe se não gostaria de dançar com uma das moças solteiras da região.
Lúcio respondeu que todas as moças eram muito encantadoras, mas que ela não havia respondido sua pergunta.
Ludmila retrucou perguntando se estava sendo intimada.
Lúcio respondeu que sim, era uma intimação, e brincando, alegou que não aceitava recusas.
Ludmila aproximou-se. Segurou a mão estendida do moço.
Lúcio a conduziu.
Dançaram.
Sob olhares curiosos, invejosos, aprovadores e desaprovadores.
Jurema, ao observar a patroa com o peão, comentou com uma colega, que eles juntos faziam um bonito par.
Foi o bastante para ser censurada.
Muitos diziam que ela era viúva e que deveria guardar luto.
Quando Jurema ouvia estas palavras, ria muito.
Dizia que Dona Ludmila era muito jovem para se enterrar na vida como muitos queriam.
A mulher dizia que Ludmila não tivera sequer a oportunidade de ter filhos com o falecido marido.
Recordou-se que Ludmila guardou luto por muito pouco tempo, o que ocasionou a reprovação de muitos. Todos consideravam que ela deveria se vestir sempre de preto dali para frente.
Ludmila porém, poucos dias após o falecimento do marido, foi tomando pé da situação da fazenda.
Para muitos que achavam que a mulher venderia tudo e se mudaria dali, mas Ludmila surpreendeu ao começar a vestir calças, botas, chapéu.
Muitos diziam que ela estava se portando como homem e envergonhando as mulheres.
Pais de família argumentavam que ela era um péssimo exemplo para suas filhas.
Ludmila por sua vez, sempre que ouvia este tipo de comentário, dava de ombros, dizia:
- O que esperavam que eu fizesse? Que bancasse a coitadinha para ser enganada pelo primeiro pilantra que aparecesse, e vendesse minhas terras a preço de banana? Pois que fiquem esperando, não gosto de agradar as pessoas, prefiro ser feliz. E não vou jogar fora o legado de Antenor. Este foi o maior tesouro que ele deixou pra mim, depois de partir. Não posso fazer pouco disto. E tenho dito.
Jurema a admirava.
Considerava-a uma mulher de fibra.
Não gostava de ouvir as pessoas falando mal de sua patroa.
Por isto, ao ouvir o comentário preconceituoso de que a patroa deveria guardar luto eterno, comentou que ela não era mais casada, e que não havia impedimento para que viesse a se casar novamente.
Jurema estava noiva de um colono da fazenda.
Seu casamento se realizaria em poucos meses.
Quando Ludmila soube do fato, presenteou a criada com toalhas de linho, roupas de cama, e um jogo de porcelana.
Com efeito, em que pesem os detratores, havia quem reconhecida o valor da mulher.
Emerson admirava a coragem de uma mulher criada na cidade, que assumiu as rédeas de uma atividade tão bruta quanto a vida na fazenda. Argumentava que ela era uma mulher dos livros, de gestos e feições delicadas.
No começo, a considerou delicada demais para assumir a função de dona das terras e fazendeira.
Mas Ludmila surpreendeu. Era determinada e tinha fibra.
Tanto que conseguiu comprar a parte da fazenda pertencente aos filhos de Antenor, e manter a propriedade com as dimensões originais.
Muitos na fazenda gostavam dela, em que pese seu jeito enérgico.
Ludmila apesar de inflexível em alguns pontos, era gentil e amistosa com todos.
Sempre cumprimentava a todos, mesmo quando não conhecia a pessoa de nome.
Freqüentemente os colonos acorriam para pedir auxílio.
Ludmila nunca se recusou em atender os funcionários.
Quando não podia auxiliá-los, explicava-se e procurava uma solução alternativa.
Já chegou a levar colono doente em seu carro para a cidade mais próxima, em busca de atendimento médico.
Lúcio admirava estas qualidades na patroa.
Razão pela qual enquanto conduzia a mulher, comentava que todos os observavam, admirados de um peão ter a ousadia de convidar a própria patroa para dançar.
Ludmila redargüiu dizendo que era bobagem. Argumentou que não fazia distinção entre as pessoas.
Lúcio, ao perceber que a dança estava terminando, perguntou-lhe se poderiam continuar dançando.
A mulher perguntou-lhe se não gostaria de dançar com outra pessoa.
Lúcio respondeu que gostava de conversar com ela e argumentou que não havia demonstrado toda a sua habilidade como dançarino.
Ludmila sorrindo, concordou.
Dançaram juntos algumas músicas.
A certa altura, Ludmila comentou que as moças não estavam gostando muito de vê-los dançando juntos. Comentou que elas estavam enciumadas do monopólio.
Lúcio achou graça. Argumentou que tudo bem, a deixaria livre de sua presença incomoda.
Ludmila agradeceu as danças. Disse-lhe que dançava muito bem.
O moço realizando um gestual cerimonioso, inclinou-se tirando o chapéu e lhe disse:
- Sempre as ordens!
Nisto, se afastou olhando-a nos olhos.
Ao término das danças, Ludmila percebeu alguns cochichos e comentários do tipo:
- Mas ela é viúva!
- Isto não está certo!
Diante disto, a mulher começou a rir.
Permaneceu na festa por mais algum tempo, sendo convidada a dançar por alguns fazendeiros.
Mais tarde a moça retornou a fazenda dirigindo seu carro.
Adentrou a sede da propriedade.
Sentou-se em um sofá que havia na varanda e ficou contemplando a noite.
Pensou que no dia seguinte o sol brilharia novamente naquelas matas, e com isto, se iniciaria um novo dia com coisas novas, novos desafios.
Sorriu.
Recordou-se de Antenor.
Dos momentos alegres.
Da viagem que fizeram juntos para a capital.
Ludmila lhe mostrou a imponente cidade.
Antenor intimidado, tinha medo de subir nas escadas rolantes. Dizia que iria cair daquele troço.
Com efeito, ao levar o marido ao cinema, o homem achou que as personagens iriam sair da tela e invadir a sala de cinema.
Na fazenda não havia televisor.
Ludmila por sua vez, comentou que quando morava na cidade, gostava de assistir alguns seriados. Dizia-se apaixonada pela série “Vigilante Rodoviário”, “Alô Doçura”. Animada, comentou que adorava o ator Jonh Herbert, e que quando era mais nova, assistiu muitas chanchadas pela tevê.
Antenor contudo, não gostava do aparelho.
Dizia que não entendia como uma pessoa que estava a quilômetros de distância dele, poderia também estar na televisão. Achava uma invenção esquisitíssima.
Com efeito, quando visitava algum conhecido na vila, ao ver o aparelho ligado, comentava que assistir televisão era perda de tempo.
Ludmila achava graça no comportamento ressabiado do marido.
Com efeito, ao viver na fazenda, teve que se desfazer dos hábitos televisivos.
Ao se mudar para a vila, não via tevê.
A moça comentou com o marido certa vez, que seu pai era engenheiro e que conseguiu comprar um aparelho a prestação.
Antenor por sua vez ressalvou que o aparelho era caro, e que nem todos tinham acesso a ele.
Ludmila se entretinha com o rádio de válvulas que havia na sede da fazenda.
As pilhas imensas, quando davam mostras de estarem no fim, eram aquecidas e novamente colocadas no imenso rádio de madeira que havia na sala.
Ludmila ouvia muita moda de viola, guaranhas, música de raiz.
Comentou que adorava as músicas da dupla Tonico e Tinoco.
Antenor sorria dizendo que também eram seus favoritos.
A mulher se ocupava em bordar, preparar as refeições, receber as visitas do marido, em ajudar a lavar e passar as roupas.
Usava um ferro pesado a carvão, o qual tinha que ser utilizado com muito cuidado, ou então, ao invés de passar as roupas, as deixava coberta das cinzas do carvão.
Para ficarem brancas, as roupas, depois de lavadas, eram estendidas na grama para quarar.
Antenor elogiava o cuidado da esposa com os afazeres domésticos.
Ludmila recordava-se com carinho de sua relação com o marido.
Sorrindo, a mulher se recordou da festa, dos momentos divertidos que passara ao lado dos amigos e dos conhecidos. Das danças, da conversa que tivera com Lúcio.
O moço por sua vez, durante a festa, dançou com Jurema, e outras duas senhoras.
As moças ficaram contrariadas quando o belo rapaz moreno dançou com Jurema e as senhoras.
Aborrecidas, comentavam que ele deveria dançar com mulheres mais jovens e desimpedidas, e não com mulheres comprometidas.
O noivo de Jurema, por sua vez, estava de viagem.
Lúcio, percebendo que a moça estava sozinha e ensaiando passos na cadeira em que estava sentada, convidou-a para dançar.
Com isto, o jovem ganhou fama de esnobe.
Lúcio contudo, não se importava com isto.
Ao voltar para casa a cavalo, ficou a contemplar o céu.
Recordou-se do dia em que ceou na casa da patroa.
Em dado momento, chegou a apear do cavalo para contemplar a noite.
Após algum tempo, retomou a cavalgada.
Ao chegar em casa de Valdomiro, armou sua rede e deitou-se.
Permaneceu durante alguns minutos contemplando a paisagem, a noite estrelada, a lua cheia, as flores, as árvores.
O silêncio da noite.
Dormiu.
Sonhando, sorriu.
Quando despertou, percebeu que Valdomiro o observava.
Curioso, o homem comentou que ele devia estar sonhando com alguma coisa muito boa para sorrir daquela maneira.
Lúcio, constrangido, comentou que não era nada.
Valdomiro comentou com ironia:
- Sei, sei! Faz de conta que eu acredito.
Nisto Lúcio sentou-se na rede.
Passou a mão no cabelo.
Valdomiro entregou-lhe uma xícara esmaltada com café.
O moço tomou a bebida.
Em seguida, a esposa de Valdomiro trouxe num prato um pedaço de bolo e frutas.
Comeu.
Nisto, encaminhou-se para o interior da casa, lavou o rosto e as mãos em uma bacia.
Penteou os cabelos.
Trocou de roupa.
Como era dia de domingo, o moço pediu licença a todos.
Passeou a cavalo pela fazenda.
Em dado momento, resolveu descansar em frente a um riacho.
Sentou-se a sombra de uma árvore. Começou a pescar.
Horas depois, voltou para casa.
Ofereceu os peixes que havia pescado a Leocádia.
A mulher agradeceu o oferecimento.
Comentou que iria prepará-los para o almoço.
Com isto, a família almoçou peixes preparados por Leocádia e suas filhas.
Refeição preparada num fogão a lenha.
Nisto, enquanto as mulheres preparavam a comida, Lúcio, Valdomiro e os filhos conversavam sobre a festa.
Os rapazes comentaram animados sobre a beleza das moças que estavam no lugar.
Os três moços – filhos de Valdomiro – , já tinham suas pretendentes e haviam dançado com elas durante a festa.
Estavam deveras animados.
Mais tarde, o moço foi jogar bola com os colonos.
No dia seguinte, voltou a trabalhar.
Ludmila percorreu a fazenda, acompanhou o trabalho dos colonos na plantação, no ensacamento dos grãos de café. Na separação. Na colheita.
Acompanhou o trabalho dos peões no dia seguinte.
Lúcio ao vê-la, cumprimentou-a.
Ludmila perguntou a um dos colonos, o que achava do trabalho de Lúcio.
Valdomiro respondeu que o moço era uma das pessoas mais competentes com quem trabalhou. Pau pra toda obra, executava qualquer trabalho. Acrescentando, mencionou que o rapaz era um bom moço, e um ótimo partido.
Ludmila fingiu não ouvir as últimas palavras do homem.
Apenas agradeceu e se afastou.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
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