Poesias

quarta-feira, 31 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 1

Paralelo a isto, Ludmila administrava com mão de ferro, a fazenda que herdara do marido, recentemente falecido.
Casou-se cedo, com um homem mais velho.
Desde então, passou a viver na referida fazenda, cuidando dos afazeres domésticos.
Lavava as roupas dela e do marido, as toalhas, em um riacho existente nos fundos da casa sede.
Deixava as roupas ao sol para quarar.
Realizava o trabalho acompanhada de duas empregadas. Duas mocinhas que batiam as peças na pedra.
Enquanto trabalhavam, cantavam.
Ludmila também lavava algumas roupas.
Andava a cavalo, sendo uma exímia amazona.
Todos os funcionários da fazenda a respeitavam.
O capataz, braço direito de Antenor, chamava-a de Dona Ludmila.
Sutil, sempre que Antenor tinha alguma dificuldade, algum impasse, oferecia um conselho.
Normalista, fora professora, antes de se casar.
Durante algum tempo, o dinheiro, o ordenado ganho nas atividades docentes, auxiliaram na mantença do casal, nas despesas mais urgentes, já que Antenor estava com todo o seu dinheiro imobilizado na fazenda. Comprara reses, animais, e insumos para a fazenda.
Antenor tinha plantações, um belo cafezal, frutas e gado.
Nos primeiros anos de casada, Ludmila lecionou para as crianças na fazenda.
Rigorosa, exigia uma caligrafia caprichada e dedicação aos estudos.
Ensinava a tabuada, as primeiras letras, noções de civismo, os hinos pátrios, noções de história, ciência, geografia.
E apesar do ar severo, as crianças a adoravam.
Os empregados, os camponeses, todos eram gratos a dedicação da mulher.
Quando Ludmila deixou de lecionar, todos lamentaram.
Antenor, com o passar do tempo, decidiu contratar alguém de fora para ensinar as crianças.
Argumentava que a mulher era mais útil dentro de casa.
Primeiramente, a jovem lecionava na escola da vila perto dali.
Deste trabalho saía seu ordenado, e foi saindo da escola, após um dia de trabalho, que Antenor viu a moça, com cadernos e livros debaixo do braço.
Percebendo o fardo que a jovem carregava, ofereceu-se para ajudá-la.
Ludmila, que estava cheia de livros e cadernos para corrigir, agradeceu o oferecimento.
O homem, fazendeiro do lugar, perguntou-lhe o nome.
- Ludmila. – respondeu.
- Nome interessante! Gosto do som. – disse o homem.
A jovem comentou que nunca havia ouvido que seu nome era interessante. Alegou que era comum ouvir que tinha um nome esquisito, ou de onde haviam inventado aquele nome.
Antenor, ao ouvir as palavras da moça, caiu na risada.
Apresentou-se. Disse que morava em uma fazenda da região.
Com isto, perguntou se fazia muito tempo que estava ali, se era professora há muito tempo.
Ludmila respondeu que se formara a pouco tempo, e que estava lecionando na vila há cerca de dois meses.
Enquanto conversavam, caminhavam.
Quando finalmente chegaram na hospedaria, a moça disse-lhe que estava instalada ali.
Agradeceu a gentileza e adentrou as dependências do estabelecimento.
Antenor acenou se despedindo.
Retornou a fazenda depois de entregar algumas sacas de café e outros víveres na venda da vila.
Na Casa da Lavoura da região, adquiriu sementes para realizar novas plantações.
Frequentemente o homem se dirigia a vila para a venda parte de sua produção.
O excedente, vendia em outra cidade.
Com isto, tempos depois, lá estava Antenor novamente na porta da escola.
Ajudou novamente a jovem a carregar os materiais.
A dona da hospedaria, ao perceber que o fazendeiro estava interessado na moça, recomendou-lhe que tomasse cuidado com os galanteios de Antenor.
Curiosa, Ludmila perguntou:
- Por que deveria tomar cuidado?
Rindo, a mulher respondeu:
- Este homem é terrível! Foi com estes modos gentis e cavalheirescos que ele conquistou sua primeira esposa.
Ao ouvir isto, a moça perguntou se ele era casado.
No que a mulher respondeu que não.
Era viúvo. Fora casado há muito tempo com uma mulher. Com ela teve filhos, todos moços e morando na capital.
Dolores comentou que fazia muito tempo que ele estava só. Indiscreta, comentou que o homem estava abrindo seu coração para viver um novo amor.
Ao ouvir isto, Ludmila caiu na risada.
Dizia:
- Que bobagem!
O tempo porém, demonstraria o contrário.
Com o decorrer dos meses, as conversas esporádicas passaram a ser freqüentes.
Como a jovem não possuía família na região, Dolores se incumbiu de auxiliar a moça a preparar um enxoval.
Ajudou-a a bordar peças.
Antenor presenteou-a com peças de linho.
Dizia para quem quisesse ouvir, que Ludmila teria sempre do bom e do melhor.
Para o casamento, o homem mandou abater um boi e a festa durou dois dias.
Pediu a mão da moça para a dona da pensão.
Ludmila contudo, conviveu pouco tempo com os filhos do fazendeiro.
Com o casamento, o homem realizou a partilha de todos os seus bens.
Seus filhos receberam parte das terras.
Contudo, como viviam na cidade, não tiveram interesse em tomar posse das terras.
Com isto, Antenor continuou a cuidar das terras.
De fato, Ludmila continuou a lecionar na escola da vila.
Antenor a levava e buscava todos os dias em uma caminhonete.
Dolores apreciava a cena de longe.
Admirava a dedicação de Antenor a Ludmila.
Quando o homem faleceu, todos na vila foram até a fazenda acompanhar o velório.
Antenor era muito querido na região.
Seus filhos, ao tomarem conhecimento da morte do pai, através do um telegrama, se dirigiram a fazenda.
Glaucio e Lopes, ao conhecerem a madrasta, não foram nem um pouco amistosos.
Disseram-lhe que ela não tinha direito a nada, e que vieram buscar o que lhes era de direito.
Ludmila, fragilizada pela morte do companheiro, respondeu-lhes que aquele não era o momento para se falar de herança.
Os rapazes tentaram argumentar, mas Ludmila irritada, disse que exigia respeito no que tocante a memória de Antenor. Alegou que estavam em um funeral, e que deveriam guardar luto. Depois poderiam conversar, discutir se preciso fosse. Mas aquele momento era sagrado.
Glaucio e Lopes tiveram que se calar.
Envergonhados, perceberam que todos olhavam para eles.
Empregados da fazenda, conhecidos, amigos de Antenor. Todos os fitavam com ar de reprovação.
Durante o velório, foram providenciadas flores.
Ludmila cuidou do corpo do marido.
Antenor faleceu em virtude de um ataque cardíaco.
Estava em cima de um cavalo.
Foi trazido para a sede por empregados da fazenda.
Na sala da fazenda, carpideiras choravam e entoavam canções, homenageando o morto.
Todos estava pesarosos.
Comentários sobre as virtudes do falecido, vinham de todos os recantos.
Todos davam condolências a jovem viúva.
Mais tarde, saiu um cortejo da fazenda.
O corpo foi enterrado no cemitério da propriedade.
Um padre fez algumas orações.
Ludmila jogou flores no caixão.
No dia seguinte ao enterro, Glauco e Lopes indagaram a respeito da herança.
Ludmila, com toda a segurança, disse que antes de se casarem, Antenor providenciou a partilha de parte dos bens, e que eles nunca se interessaram em cuidar do próprio patrimônio.
Ao ouvir isto, os moços tencionaram discutir, mas Ludmila argumentou que as terras continuavam lá. Mencionou que Antenor, mesmo decepcionado com o pouco caso dos filhos, continuou a cuidar das terras, como se ainda lhe pertencesse. Alegou que todos os rendimentos das terras foram repassados a eles, e que Antenor somente ficava com o valor necessário para se recompor das despesas.
Glauco comentou que ele não fizera mais do que a obrigação.
Ludmila irritou-se ao ouvir isto. Disse que ele não tinha obrigação alguma de cuidar de algo que não mais lhe pertencia. Comentou que estava surpresa com a falta de coragem e de iniciativa deles.
Nisto, argumentou que havia contatado o advogado de confiança do marido, e que ele lhe informara que a primeira partilha se tratava do patrimônio concernente a mãe deles. A meação.
Mencionou também que em razão da idade de Antenor, menos de sessenta anos, não havia necessidade de nenhuma providência legal com relação a outra metade da herança.
Ludmila comentou que Antenor falhara em não partilhar os bens, logo que a esposa falecera.
Lopes respondeu-lhe que era menor quando sua mãe faleceu.
Ludmila falou então, que eles não precisavam se preocupar. Relatou que o causídico estava cuidando da legítima.
Como os moços tivessem um ar interrogativo, a mulher explicou que se tratava da parte que lhes competia na herança.
Lopes e Glauco indagaram Ludmila, perguntaram como poderiam ter certeza de que todas as providências necessárias estavam sendo tomadas.
Ludmila respondeu que eles também poderiam constituir um advogado e ingressar com uma ação judicial, caso tivessem interesse.
Foi o bastante para a dupla calar-se.
Nisto, tempos depois, as terras foram novamente divididas.
Ludmila contatou-os.
Exigiu que comparecessem a fazenda.
Quando os rapazes chegaram, Ludmila chamou-os para uma conversa.
Havia contatado seu advogado de confiança.
Na frente do causídico, a mulher respondeu-lhes que providenciaria a demarcação de sua parte nas terras, e que, ao contrário do marido, não continuaria a cuidar das terras deles. Argumentou que necessitava de uma contrapartida, já que eles possuíam a maior parte do latifúndio original.
Ao ouvir isto, Lopes e Glauco protestaram. Argumentaram que não sabiam administrar uma fazenda. Não sabiam o que fazer com as terras.
A mulher, ao ouvir as palavras dos moços, comentou que já era hora deles aprenderem a cuidar de suas terras.
Glauco, tentando negociar, sugeriu que ela comprasse as terras deles.
Comentou que com dinheiro sabia lidar, mas com terras não.
Ludmila respondeu que não tinha dinheiro suficiente para adquirir três quartos, do que fora a fazenda original.
Lopes chegou a propor um parcelamento.
Ludmila poderia continuar cuidando das terras, como se fora uma meação.
Parte do investimento ficaria com eles, e outra parte ficaria com ela, para se recompor das despesas e para juntar dinheiro para comprar a parte deles.
Ludmila, ao tomar conhecimento da proposta, não a julgou interessante. Argumentou que estava se inteirando dos negócios do marido. Mencionou que fazia poucos meses que estava administrando a fazenda. Não sabia se conseguiria juntar dinheiro suficiente para tanto.
Glauco respondeu-lhe que durante todo aquele tempo, ela estava dando continuidade ao trabalho de Antenor, e que não tinha senões a fazer. Comentou que confiava em sua competência, e que tudo daria certo.
Curiosa, Ludmila perguntou em quanto tempo, e quantas parcelas precisariam serem pagas.
Com isto, foi firmado um contrato de venda e compra, com clausulas estipulando as condições da venda, os encargos de Ludmila.
Mais tarde, após assinarem o contrato, os moços pediram para caminhar pela fazenda.
Ludmila autorizou-os. Disse-lhes que eram donos de boa parte daquelas terras.
E assim, calçando botas, os rapazes passearam pelas cocheiras, viram cavalos, bovinos.
Cavalgaram.
Recordaram-se da infância ao lado de Antenor e Melissa.
Glauco e Lopes, avistaram a escola onde aprenderam as primeiras letras.
Neste momento, se depararam com Ludmila, que ao vê-los, apeou do cavalo.
Perguntou-lhes se estavam se recordando do passado.
Os moços disseram que estudaram na escola da fazenda.
Ludmila respondeu que já lecionou naquela escola.
Os jovens ao ouvirem a palavra da mulher, ficaram surpresos.
Ludmila respondeu-lhe que fora normalista, e que chegou a exercer a função. Comentou que foi como professora que Antenor a conheceu, e que seu dinheiro como professora primária, pagou muitas despesas domésticas.
Lopes argumentou que nunca imaginou que ela pudesse ter sido uma professorinha.
Glauco completou dizendo que quem a via percorrendo as terras a cavalo, não imaginava que ela poderia ter uma formação tão citadina. Comentou que ela parecia ter nascido daquela terra.
Ludmila falou que aprendeu a gostar daquela terra.
Conversou com os moços. Respondeu que fora muito feliz ao lado de Antenor, vivendo como uma autentica dona de casa.
Porém, com sua morte, precisava cuidar da fazenda.
Incumbida da função de administradora dos interesses dos moços, mais tarde, Ludmila mostrou as terras dos moços, explicou-lhe sobre as culturas que estavam sendo realizadas no local, os animais que estavam sendo criados.
Glauco e Lopes, se impressionaram com o cuidado da moça.
Ludmila providenciou instalações independentes.
Tudo funcionava de forma independente.
A mulher argumentou que tomou este cuidado, no caso dos moços resolverem tomar a frente administração das terras. Mencionou que apenas não havia casa, mas que caso tivessem interesse, isto poderia ser providenciado. Relatou apenas, que não poderia garantir instalações de luxo. Mas que teriam uma casa segura.
A propósito, a sede da fazenda é uma construção colonial, com móveis antigos. Erguida com muito luxo e requinte.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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