Poesias

quarta-feira, 31 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 2

Com o tempo, Glauco e Lopes perceberam que Ludmila não tinha interesse em ludibriá-los.
No jantar, chegaram a comentar que quando o pai enviou um telegrama informando que iria se casar, pensaram que se tratava de uma oportunista.
Ludmila riu.
Nisto os irmãos ficaram constrangidos.
Pediram desculpas pelas palavras.
Ludmila respondeu que não havia problema.
Comentou que muita gente na vila, pensava da mesma forma.
Com efeito, cerca de três anos depois, a moça havia quitado as parcelas do contrato firmado, e se tornara dona de todas as terras.
Não tivera filhos com Antenor.
Certo dia, Glauco e Lopes lhe perguntaram sobre isto.
Ludmila respondeu melancólica que viveram juntos por pouco tempo, e que os filhos não vieram.
Após adquirir a propriedade das terras, Ludmila perdeu o contato com os moços.
Passou a saber de suas vidas, através de notícias esparsas.
Descobriu que haviam se casado, e investido o dinheiro das terras em atividades comerciais.
Quando soube destas noticias, Ludmila desejou que fossem verdadeiras.
Comentou com seu capataz, que desejava sorte aos filhos de Antenor.
Ludmila gostava da vida na fazenda. Gostava de lidar como os animais, percorrer as plantações, ver as criações.
Gostava de ficar observando o riacho nos fundos da casa sede.
Conversava muito com o administrador da fazenda.
Fazia questão de dirigir o caminhão que levava parte da produção até a venda da vila.
Quanto ao restante da produção, os próprios compradores se encarregavam de buscar as mercadorias na fazenda.
Por lá, havia terreiros de café, locais para armazenagem das mercadorias.
Os colonos moravam em casas na fazenda.
As crianças continuavam a ter aulas na escola da fazenda.
Ludmila aproveitava para conversar com os colonos, saber de seus problemas.
Na fazenda havia uma venda, onde faziam suas despesas.

Emerson, gostava de sair para pescar aos domingos.
Ludmila aproveitava para freqüentar a missa na igreja da vila.
Conforme o tempo passava, todos especulavam se a jovem e bela mulher, se casaria novamente.
A jovem fazendeira cuidava da propriedade.
Possuía detratores e admiradores.
Cuidava da contabilidade da fazenda juntamente com o administrador, Emerson.
Também gostava de passear a cavalo pela fazenda.
Quando apeava do cavalo, geralmente a beira de um riacho, sentava-se perto de uma árvore, e ficava a pensar na vida.
Na convivência com Antenor, seus tempos de professora.
Certa vez, entretida em pensamentos, começou a jogar pequenas pedrinhas no rio.
Estava tão absorta em seus pensamentos, que não percebeu a aproximação de um estranho, que vendo-a tão entretida na tarefa, começou a jogar pedrinhas também.
Distraída, Ludmila não percebeu a aproximação e o barulho das pedrinhas.
Com o olhar perdido, a mulher estava longe dali.
Seus olhos eram tristes.
Em dado momento, o estranho a ficou observando.
Ao dar-se conta de que havia deixado de jogar pedrinhas no rio, o moço retomou sua tarefa.
Ludmila por sua vez, recostou-se na árvore.
Ficou a observar o firmamento, as nuvens, o sol que brilhava intensamente.
Quando se apercebeu que havia um estranho jogando pedrinhas no riacho, assustou-se.
Num átimo levantou-se e perguntou o que ele estava fazendo ali.
Sem graça, o moço parou de jogar pedras.
Levantou-se, pediu desculpas e perguntou se ela era a fazendeira, proprietária da fazenda.
Ludmila ressabiada, perguntou por que ele queria saber.
Comentou que ele era um estranho naquelas paragens.
Nisto o moço respondeu que se chamava Lúcio, e que estava a procura de emprego. Desta forma, reiterou a pergunta inicial.
Ludmila respondeu que sim, era a fazendeira.
Intrigada, perguntou se alguém o havia visto ultrapassar a porteira, e se havia conversado com algum empregado da fazenda.
Lúcio sorrindo respondeu que não havia conversado com ninguém, e havia sido informado na vila próxima, que estavam precisando de mão de obra na região.
Ludmila argumentou que não era costume, as pessoas chegarem a fazenda sem nenhuma referência, e sem terem sido convidadas.
Ao ouvir isto, Lúcio pediu desculpas.
Disse que precisava muito de trabalho, e que não estava em condições de aguardar o surgimento de uma proposta de emprego. Mencionou que vinha de longe, e que aceitava qualquer tipo de trabalho.
Ludmila respondeu que não poderia garantir que haveria acomodação para ele.
Lúcio respondeu-lhe que se ajeitaria em qualquer lugar. Falou-lhe que ela não precisava se incomodar.
Ludmila montou então em seu cavalo.
Recomendou ao moço que a acompanhasse.
Lúcio montou um eqüino e acompanhou-a.
A fazendeira levou-a até o pasto, onde estavam os animais.
Disse que se mostrasse habilidade em cuidar dos animais, poderia trabalhar ali.
Nisto a mulher chamou dois peões.
Pediu aos empregados que explicassem o trabalho ao moço.
Lúcio agradeceu.
Ludmila respondeu dizendo que se trabalhasse bem, poderia ficar com o emprego.
Olhando-o nos olhos, disse-lhe que se decidisse ficar, que fosse contatá-la no final do dia, para se definir onde ficaria.
Lúcio concordou.
Nisto a mulher se afastou.
Retornou a sede da fazenda.
Sentou-se em sua sala.
Chamou uma das empregadas da casa.
Perguntou se estava tudo em ordem.
A criada respondeu que as roupas estavam lavadas, passadas a ferro e engomadas.
Ludmila dirigiu-se a cozinha.
Era um lugar amplo, com forno a lenha, muitas panelas.
De vez em quando a fazendeira gostava de cuidar das refeições.
Passava horas entretida em fazer arroz, feijão, preparar um carne.
Recordava-se do tempo em que era casada com Antenor, e se ocupava desta tarefa.
Lembrava-se que o marido gostava de sua comida, elogiava seu tempero.
Rememorava as festas da igreja na vila, em que providenciava frangos assados.
Por conta disto, ficava dias na cozinha, junto as empregadas da fazenda, limpando frangos, e assando-os.
Estas ocasiões eram momentos de confraternização.
As mulheres contavam as novidades de casa, falavam do trabalho dos maridos, dos filhos.
Riam muito.
Quando era chegada a festa, Ludmila usava seus melhores trajes e seguia orgulhosa de carro, ao lado do marido.
Antenor era feliz ao lado da jovem e prendada esposa.
Ludmila relembrou-se dos bordados que fizera, a casa estava repleta de toalhas bordadas por ela.
Antenor dizia que era uma feiticeira. Em tudo o que colocava as mãos, deixava perfeito e lindo.
A mulher recordou do baile na vila em que dançou junto com o marido.
Enquanto mexia na panela com feijão, os olhos da jovem encheram-se d'água.
Jurema, ao vê-la absorta, chamou-lhe a atenção.
Perguntou-lhe se estava tudo bem.
Ludmila, enxugando os olhos, disse que estava tudo bem.
Nisto, continuou mexendo a panela.
Mais tarde, após uma tarde exaustiva de trabalho, onde teve até que segurar um touro bravo, Lúcio se dirigiu a sede da fazenda, a procura de Ludmila.
Jurema foi quem recebeu o moço.
Espantou-se quando o homem perguntou de Ludmila.
Dizia ter um assunto importante para falar com ela.
Curiosa, a mulher perguntou do que se tratava.
Lúcio respondeu que era um assunto particular.
Nisto, tirou seu chapéu, e brincando, disse que as pessoas ali, eram bastante desconfiadas.
Desta feita, comentou que a própria Ludmila pediu para que fosse até lá.
Com isto, Jurema pediu licença ao moço. Não sem antes o olhar de alto a baixo.
Dentro da casa, passou a chamar a patroa.
Ludmila, que estava na cozinha preparando o jantar, assustou-se com os gritos da serviçal.
Havia se esquecido do que havia combinado com o moço. Razão pela qual espantou-se quando soube que Lúcio estava a sua procura.
A mulher precisou de algum tempo para se recordar do combinado.
Depois de alguns minutos, a mulher dirigiu-se a varanda da sede.
Lúcio a aguardava segurando o chapéu nas mãos.
Ludmila perguntou se havia sobrevivido ao primeiro dia de trabalho.
O homem riu.
Ludmila comentou que precisava pensar onde ele passaria a noite.
Disse que havia se esquecido deste detalhe.
Motivo pelo qual não sabia onde ele poderia pousar.
Lúcio respondeu se havia celeiro na fazenda.
Ludmila respondeu que sim.
Lúcio então disse que poderia dormir por lá. Contou que iria reviver a vida dos antigos tropeiros.
Ao ouvir isto, a mulher perguntou-lhe se ele tinha conhecimento sobre a história dos tropeiros.
Lúcio respondeu que sim. Mencionou ser neto de tropeiros.
Ludmila achou interessante.
Percebendo que não havia convidado o moço para entrar, chamou-o para adentrar a casa grande.
Ao entrar na construção, passaram pela varanda, e Ludmila conduziu-o até a sala.
Quando o moço sentou-se, perguntou-lhe se gostaria de beber algo.
Lúcio agradeceu, mas disse que ela não precisava se incomodar.
Ludmila respondeu que havia uma boa aguardente guardada em sua cozinha, e que se ele quisesse, poderiam experimentar.
Nisto, pediu a Jurema que trouxesse a bebida e dois pequenos copos.
Jurema abriu a garrafa e encheu os copos.
Espantado, Lúcio perguntou se ela beberia a aguardente.
A mulher respondeu que sim.
Disse que de vez em quando gostava de beber algo mais forte.
Com isto, sorveu a bebida em um só gole.
Lúcio ficou perplexo.
Ludmila, ao ver que o moço não sorvera a bebida, perguntou-lhe se não iria beber.
Perguntou-lhe se não gostava de aguardente. Sugeriu um licor.
Sorrindo, o moço virou o copo.
Elogiou a bebida.
Comentou que nunca imaginaria que uma mulher delicada seria capaz de beber algo tão forte.
Ludmila contou adorava uma aguardente. Relatou que ajudava a aquecer a alma.
Lúcio concordou. Disse que ajudava a dormir e a sonhar com um dia melhor.
Ludmila relatou que não poderia deixar que pousasse no celeiro, posto que aquele era lugar de pouso para animais.
Lúcio comentou que entendia, mas argumentou que precisava se abrigar da chuva.
Ludmila levantou-se então. Observou pela janela. Viu um céu cheio de estrelas e uma lua cheia.
Comentou que não parecia que iria chover. Argumentou que o céu estava limpo.
Lúcio aproximou-se e também viu o céu pela janela.
Brincando, respondeu que preferia não se arriscar.
Ludmila resolveu sentar-se novamente no sofá.
Comentou que ele iria dormir em um dos quartos de hospedes. Perguntou-se estava com fome.
Lúcio respondeu que estava faminto.
O moço curioso com a imponência da construção, perguntou se era uma construção colonial.
Ludmila respondeu que era uma casa antiga, pertencente a família há quase cem anos. Contou que fora o avô de Antenor quem construíra o palacete, decorando com móveis de madeira de lei, como jacarandá, lustres importados, esculturas.
Lúcio perguntou como alguém que vivia na roça poderia ter tanto gosto para construir algo tão bonito.
Ludmila disse que na roça não havia só gente sem estudo. Pessoas saíam do campo para estudar, se instruíam e voltavam para dividir o que aprendera com os outros.
Lúcio respondeu que não tivera oportunidade de ir além do primário.
Comentou que gostaria de ter estudado mais, mas que seus pais não tinham condições de mantê-lo estudando em um colégio interno.
Ludmila falou que todos deveriam ter oportunidade de estudar pelo menos até o primário, mas que seria bom que todos pudessem estudar mais tempo. Adquirir uma profissão.
Ao ouvir isto, Lúcio relatou que tinha uma profissão. Não tinha um diploma, mas trabalhava no campo.
Ludmila, relatou que quando disse aquelas palavras, queria dizer adquirir conhecimentos técnicos. Ressaltou que o trabalho no campo também exigia conhecimento, e que uma forma de multiplicá-lo, seria profissionalizá-lo.
Ao término da explicação, percebendo o ar de interrogação do moço, respondeu que havia cursos de agronomia.
Lúcio redargüiu dizendo que havia entendido o que ela queria dizer. Ressaltou porém que era xucro demais para fazer uma faculdade. Dizia que não queria abandonar a vida no campo.
Ludmila comentou que de fato, poucos lugares ofereciam o curso.
Com isto, perguntou se Lúcio de fato, era neto de tropeiros.
Lúcio respondeu que sim.
Comentou que seu avô possuía uma capa impermeável, a qual usava em suas tropeadas juntamente com outros companheiros. Cavalgavam longas distâncias, rasgando o Brasil. Dormiam em qualquer pouso. Muitas vezes até ao relento. Protegiam-se da chuva com a aludida capa, que não deixava a água penetrar o corpo.
Levavam embornais com comidas e faziam as próprias refeições.
Aqueciam-se ao redor de fogueiras. Conversavam, contavam causos.
Tangiam bois, os quais levavam para os seus compradores.
Viviam em viagens que duravam meses.
Lúcio comentou que adorava as histórias das viagens, os perigos pelos quais passavam, as fazendas que visitavam, as pessoas que conheciam.
Lúcio comentou que seu avô conheceu a esposa, em uma de suas muitas viagens pelo Brasil afora.
O moço contou que a moça era filha de um dos colonos de uma das fazendas onde costumava pousar durante suas viagens.
Conheceram-se em uma festa promovida no vilarejo.
O homem pediu licença ao pai da moça e a convidou para dançar.
Bandeirinhas coloridas enfeitavam os céus da fazenda.
Uma fogueira complementava o cenário.
Um dos colonos tocava uma viola.
Algumas pessoas dançavam.
Com o tempo, o moço aproveitou para se encontrar com a jovem.
Daí para o casamento foi um passo.
Depois do casamento, o avô levou a esposa para longe dali.
O homem continuou as tropeadas.
O filho, seguiu os seus passos.
Com o tempo, a necessidade de grandes deslocamentos diminuiu, e a vida de tropeiros igualmente diminuiu de importância.
Desta forma, Lúcio relatou que não pode seguir a tradição da família.
Nisto o moço comentou que não iria abandonar a vida na roça, gostava do campo e não abandonaria aquelas matas, os rios e toda aquela natureza, por nada neste mundo.
Ludmila sorriu para ele, comentou que entendia toda aquela devoção.
Contou que até se casar, nunca vivera no campo, mas que ao precisar se adaptar a aquele modo de vida, percebeu que aquilo era a essência da felicidade. Revelou que se tivesse que voltar a viver na cidade, não seria mais a mesma coisa.
Lúcio rindo, disse que ela estava bem adaptada àquela vida.
Depois de alguns minutos, Jurema avisou que o jantar seria servido logo.
Ludmila agradeceu.
Com isto, alguns minutos depois, Ludmila e Lúcio se encaminharam para a sala de jantar.
Quando o moço se deparou com a imponência do lugar, ficou intimidado.
Logo perguntou se iria jantar no local.
Ludmila perguntou se havia algum problema.
Lúcio respondeu que poderia perfeitamente jantar com os outros empregados.
Ao ouvir isto, a mulher disse:
- Deixe de cerimônias. Sente-se logo que iremos jantar. Aposto que nunca comeste algo tão saboroso.
Lúcio tentou argumentar.
No que Ludmila respondeu:
- Sente-se aí! Ande, não se faça de rogado. Eu não sou de cerimônia.
Lúcio sentou-se a mesa.
Ludmila percebendo o constrangimento do moço, chamou Jurema para ocupar a mesa.
A serviçal ao ouvir o convite, não entendeu de inicio.
Tanto que pediu perdão, argumentou que não entendeu as palavras de Ludmila.
No que a fazendeira reiterou o pedido:
- Ande mulher! Sente-se, vamos jantar.
Jurema atendeu a solicitação.
E assim o trio jantou.
Comeram arroz, feijão, salada, carne.
Rindo, Lúcio comentou que fazia tempo que não comia carne.
Ao término do jantar, disse que a comida estava muito boa, e que fazia tempo em que não comia tão bem. Alegou que carne era um artigo de luxo na mesa de muitos trabalhadores, que só comiam algo assim, de vez em quando.
Ao término da ceia, Ludmila e Lúcio se encaminharam para a sala.
A fazendeira passou a se ocupar de um bordado.
Fato este que causou espanto em Lúcio.
O moço comentou que Ludmila era surpreendente.
A mulher riu.
Ludmila respondeu que não nasceu fazendeira.
Nisto a mulher ligou o rádio.
Ouviram modas de violas, canções de raiz.
Mais tarde se recolheram.
Jurema arrumou o quarto de hospedes para Lúcio.
O moço ficou em um quarto grande, espaçoso.
Ao se ver cercado de tanto luxo, Lúcio estranhou.
Demorou para pegar no sono.
Não estava acostumado com aquele modo de vida.
Ludmila por sua vez, recolheu-se para seu quarto.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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