Carina então, passou a desfilar sua beleza pelo ambiente.
Quando os freqüentadores da casa a notaram, passaram a perguntar a Leonor quem era aquele anjo, de pele pálida e cabelos negros.
Leonor dizia que era uma menina nova, que passara a viver sob sua proteção.
Contava que a moça estava recebendo a melhor instrução com que poderia esperar. Literatura, conhecimentos gerais. Relatou que a menina sabia ler e escrever, que recitava poemas e cantava modinhas com primor.
Adotando um tom confidente, mencionou que a moça sabia cozinhar com ninguém.
Leonor afirmou que se tratava de uma princesa, alguém para ser tratada como uma flor.
Um dos freqüentadores do lugar, comentou que por uma mulher igual aquela, ele seria capaz de montar uma casa, e cobri-la de jóias e presentes.
Em uma das aparições da moça, um freguês afoito, tentou puxá-la para junto de si, no que foi controlado por Leonor, que disse que Carina ainda não estava a disposição dos freqüentadores. Comentou que no momento oportuno, ele poderia privar da companhia da moça.
Mais tarde, aflita, a moça pediu insistentemente a Leonor que não a obrigasse a servir o tal freguês.
Leonor tentou acalmá-la.
Prometeu a ela, que iria servir um cliente de fino trato. Disse-lhe que se tratava de um jovem belo, rico e fascinado por belas mulheres.
E assim, se fez.
Deodoro, o jovem mancebo, admirado por muitas mulheres, assíduo freqüentador da casa, encantou-se com a beleza da jovem.
Leonor, encarregou-se de ressaltar ainda mais a beleza da moça, com um rico vestido, anáguas, bordados coloridos. Para compor o visual cândido, cabelos presos por tranças, poucas e delicadas jóias, e um lenço de cambraia.
O moço ao ver a moça tão singelamente trajada, em contraste com os exuberantes vestidos, e com modos quase tímidos, a caminhar pelo salão como se não estivesse ali, ficou encantado.
Leonor, ao perceber o interesse do ilustre freqüentador, providenciou logo a aproximação de ambos.
Carina, tímida, tentou se desvencilhar do encontro, mas Leonor exigiu que ela conversasse com o moço. Argumentou que ela tinha a opção de não trabalhar na casa e viver na miséria, morando nas ruas e podendo ser abusada por qualquer homem que a visse só e abandonada; ou então, abrir mãos de certos escrúpulos e cuidar para viver poucos anos naquele ambiente, e depois construir uma vida convencional em qualquer lugar distante daquelas paragens.
Ao ouvir estas palavras de advertência, a moça engoliu em seco, e enchendo-se de coragem, foi se apresentar ao moço.
Deodoro, gentil, atencioso, conversou com a moça como se conversasse com alguém que conhecesse há muito tempo.
O moço contou-lhe sobre suas brincadeiras de criança, de como adorava atormentar sua irmã.
Tentando chamar a atenção da moça, o rapaz disse-lhe que parecia conhecê-la de algum lugar.
Foi o primeiro cliente de Carina.
Orientada por Leonor, a moça levou o jovem para sua alcova.
Momento difícil, no qual foi auxiliada pelo cliente.
Com o tempo, a moça conseguiu conquistar bons clientes da casa.
Violeta e outras moças por sua vez, ficaram indignadas.
Reclamaram com Madame Leonor, que Carina estava lhes tirando clientes.
No que a cafetina argumentou que os fregueses preferiam a jovem. Tentando amenizar os ânimos, comentou que Carina era novidade e que com o tempo, as coisas iriam se normalizar.
O tempo passou, e o frisson pela moça não diminuiu.
Carina continuou angariando bons clientes.
Também passou a sofrer ameaças.
Quando Leonor adentrou seu quarto para conversar sobre as ameaças que vinha sofrendo, Carina já vivia há alguns anos no lugar.
A mulher comentou que Carina se tornou uma mulher refinada, de gosto requintado. Disse-lhe que dali há alguns poucos anos, poderia abandonar aquela vida e se esquecer de tudo.
Todavia, dizendo-lhe que não estava em condições de abandonar tudo, repetiu o discurso que dissera quando Carina titubeou em se apresentar ao seu primeiro cliente. Comentou que estava em suas mãos, garantir um futuro tranqüilo e sem sobressaltos; ou viver o restante de sua vida de forma obscura e na miséria. Argumentou que ela já havia ido muito longe para desistir de tudo de uma hora para outra. Disse-lhe que compreendia sua aflição, mas que isto não deveria afastá-la de seu objetivo.
Segurando suas mãos, Leonor falou-lhe que ela fora o seu melhor projeto, e que era seu maior orgulho. Argumentou que ela era uma verdadeira ladie. Discreta, refinada, bonita, inteligente. Ressalvou que ela teria um futuro brilhante. Argumentou que ela poderia ser ainda maior que Domitila de Castro.
A moça porém, ameaçada por um freguês raivoso, estava com medo.
Dona Leonor não fez por menos.
Salientou que o ensandecido, não teria mais coragem de aproximar e importuná-la. Argumentou que possuía meios para afastar clientes inoportunos.
Carina por sua vez, depois da longa conversa, concordou em se apresentar, ainda aquela noite.
Com isto, a jovem prosseguiu sua rotina.
Encontros amorosos a noite, e durante o dia, alguns passeios pela cidade.
O fato de ser alvo de olhares constantes, a incomodava.
Leonor a ensinou a ignorar os olhares cobiçosos e invejosos de uns e outros.
Dizia que nenhum ser humano seria capaz de agradar a todos.
Carina conversava com os clientes, recitava trechos de poesias. Lia obras em francês.
Leonor, pessoa instruída que era, ensinou-a a ler, escrever, bordar, costurar, tocar piano, falar francês.
Carina era a mais refinada cortesã do estabelecimento.
Em um sarau organizado por Madame Leonor, a moça mostrou seus dotes artísticos, entoando uma modinha.
Também dançou com freqüentadores da casa.
Violeta e as demais cortesãs da casa, ficavam enciumadas. Diziam que ela iria roubar todos os freqüentadores da casa para ela.
Leonor, quando ouvia os comentários, recomendava que as moças fossem passear pelo salão.
Quando Carina tocou piano, as moças aproveitaram para dançar com os clientes.
Leonor recitou alguns poemas.
Nisto, um dos freqüentadores pediu a palavra, e recitou um belo poema de Álvares de Azevedo.
Foi aplaudido entusiasticamente.
Mais tarde, Carina recolheu-se ao quarto com um freguês.
Quando saía da casa, devidamente acompanhada por Leonor e outras meninas, a jovem chamava a atenção de todos.
Muitos passantes paravam para admirar o bonito préstito de mulheres seguindo pelas ruas da capital da província.
Alguns homens, tiravam o chapéu para as bonitas mulheres.
E até mesmo Leonor, do alto de seus cinqüenta anos, atraía a admiração de alguns freqüentadores da casa.
Muitos galantes lhe diziam que era uma mulher belíssima. Com a pele de um pêssego e o frescor e a vivacidade de uma jovem moçoila.
Madame Leonor soube fazer bom uso de sua beleza, amealhou fortuna. Diziam suas pupilas, as cortesãs, de sua famosa casa – sempre festiva e alegre.
Leonor fazia questão de decorar a casa com mastros e bandeiras durante o tempo das festividades juninas. Adorava os saberes populares.
Para suas meninas, providenciou roupas confeccionadas com estampas florais.
Já para Carina, sempre Carina – como reclamavam as outras moças – Leonor providenciou um vestido branco, todo ornado de fitas coloridas.
Violeta chegou a argumentar que o vestido de Carina era mais belo que o seu.
Leonor ao ouvir isto, repreendeu-a seriamente.
A certa altura, chegou a mencionar que estava cansada das críticas de Violeta. Mencionou que nunca estabeleceu preferências. Ressaltou ainda, que Carina sempre mostrou mais interesse em aprender suas lições.
Depois da conversa tensa com Leonor, Violeta ameaçou Carina, dizendo-lhe que ela iria se arrepender de havê-la humilhado. Disse que estava cansada de ser eternamente comparada com ela, a queridinha de Madame Leonor, a princesinha do castelo.
Como Carina não gostasse da ironia, Violeta ressaltou que era desta forma que ela era conhecida na cidade. Contou que todos os clientes que freqüentava a casa da madame diziam que ela era amorosa como poucas mulheres, e que diante de todos se portava como uma grande dama.
Irritada, Violeta dizia que antes dela aparecer, ela era a preferida da madame, e que nenhuma das meninas da casa se comparavam a ela. Acusou Carina de ser a usurpadora de seu posto de preferida dos clientes.
Como Carina ouvisse as acusações calada, Violeta continuou a instigar a moça, que por sua vez, não aceitou as provocações.
E assim, deixou Violeta a vociferar, indo recolher-se em seu quarto.
Por fim, Violeta gritou furibunda, que ela iria se arrepender de fazer pouco caso de suas ameaças.
Com isto, Carina foi amealhando fortuna – dinheiro, jóias e bens, deixados por clientes fascinados. Também amealhou amores.
Por diversas vezes, recebeu proposta para abandonar a casa de Madame Leonor e viver como amante de ricos senhores.
Certa vez, recebeu proposta de casamento.
Educadamente, recusou a gentileza da oferta, dizendo que não poderia casar-se com tão distinto cavalheiro, posto que já se encontrava comprometida com uma vida que não era apropriada a uma moça que estava disposta a casar-se. Firme, disse que não havia retorno para ela, e que por mais que gostasse da gentil proposta, não poderia casar-se com ele e comprometê-lo para sempre com seu passado. Argumentou que desta forma, estaria destruindo a vida de alguém, não seria feliz.
Por último, finalizou argumentando que por mais que parecesse contraditório, ali possuía a proteção de Madame Leonor, com a qual não poderia mais contar quando saísse dali. Comentou que não seria aceita por nenhum dos amigos, familiares e conhecidos do rapaz, e que com o tempo, o amor, seria substituído pela vergonha.
O jovem, desapontado, tentou argumentar, mas Leonor aparteando, disse que Carina não poderia se casar com ele, em razão de uma série de convenções sociais. Reiterou os argumentos da jovem, salientando que ele não estava em condições de enfrentar a família para sustentá-la.
Relatou que em pouco tempo, a jovem teria que trabalhar para sustentar a família.
Ao ouvir isto, o moço protestou. Alegou que ela jamais trabalharia fora.
Leonor então, argumentou que Carina não poderia aceitar a proposta.
Deixou o moço entender que a moça já tinha um protetor, e que se ele se intrometesse na relação de Carina e o tal homem, poderia ter problemas.
O jovem, temeroso, deu-se por vencido.
Desistiu da proposta de casamento.
Contudo, passou a seguir a moça por algum tempo, até desistir de assediar Carina.
Carina costumava dar esmola as pedintes, e adjutórios aos necessitados.
Violeta e as outras meninas, ao notarem o costume da moça, de reservar parte do dinheiro que recebia dos clientes, para esmolas, a criticaram. Diziam-lhe que estava louca em reservar tão elevada quantia para esta finalidade.
Violeta respondeu-lhe que ela poderia utilizar valores módicos para tal intento.
Carina sorria dizendo que sabia o que estava fazendo.
Com isto, quando os necessitados recebiam as esmolas, agradeciam-na efusivamente.
Em outubro, Leonor, Carina e as meninas, organizavam uma festa para os garotos pobres da região.
Festa esta em que os meninos comiam regaladamente.
Carina gostava de conversar com os meninos, saber com era sua vida...
Luciana Celestino dos Santos
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Poesias
sexta-feira, 19 de março de 2021
CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO II
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