Poesias

quarta-feira, 31 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 5

Lúcio por sua vez, segurou seu chapéu nas mãos e feliz, jogou-o para o alto.
Depois de alguns minutos, retornou a casa de Valdomiro.
O homem ao ver o amigo com um sorriso nos lábios, perguntou-lhe se o encontro havia sido bom.
Lúcio sorriu para ele.
Valdomiro comentou que ele não precisava dizer nada, seus olhos diziam tudo.
Curioso, perguntou-lhe se estava com fome.
Foi neste momento que o moço percebeu que a tarde caía e que já era hora do jantar.
Lúcio respondeu que sim.
Indiscreto, Valdomiro comentou:
- Vejo que o amor não diminuiu seu apetite.
Com isto, o homem jantou.
Conversou com Leocádia, com Luzia, e com os outros filhos do casal.
Mais tarde, recolheu-se em sua rede.
A noite lhe pareceu especialmente diferente.
As estrelas pareciam brilhar mais, o luar estava mais bonito.
O moço adormeceu sorrindo.
Sonhou com Ludmila observando-o dormir.
Animado, comentou com Valdomiro, haver sentido a presença da mulher junto dele.
O colono falou sobre a sintonia que havia entre eles.
Brincando, disse que estava vendo um casamento acontecer, com toda a pompa e circunstância.
Lúcio sorriu.
Disse que no momento, estavam apenas se conhecendo.
Ao ouvir isto, Valdomiro se aborreceu.
Argumentou que Ludmila era uma mulher séria. Não era pessoa para apenas um conhecimento.
Lúcio concordou.
Razão pela qual mencionou que estavam namorando.
- Bem melhor! Muito embora ela se preocupe com nóis como uma mãe, eu vejo nela uma filha. – redargüiu Valdomiro.
Lúcio disse que Ludmila era uma pessoa muito especial.
Valdomiro concordou com o ponto de vista do amigo.
Lúcio então, respondeu que não relutaria em casar-se com ela, se fosse de sua vontade. Argumentou apenas, que era cedo para pensar nisto.
Valdomiro entendeu.
Com isto, jantaram.
Mais tarde, todos se recolheram.
Muito cedo, se levantaram para mais um dia de trabalho.
Lúcio, se preparou para mais um dia de trabalho.
Cuidou dos bois e dos cavalos, marcou os animais recém adquiridos com o emblema da fazenda.
Almoçou sua marmita e retomou seu trabalho.
Os homens trabalharam até o sol começar a se pôr.
Era assim, começava a trabalhar na alvorada, e seguiam jornada afora até o pôr-do-sol.
Por fim, Lúcio voltou para casa, junto a seus companheiros.
Cavalgando, brincavam entre si.
Era uma convivência saudável.
Ao chegar na casa de Valdomiro, o moço cumprimentou Leocádia e suas filhas.
Mais tarde, tomou um banho, nos fundos da residência de Valdomiro.
Em seguida, os filhos do colono se banharam.
Jantaram juntos.
Conversaram.
Falaram sobre a lida na roça, e Leocádia comentou sobre a necessidade de comprar víveres.
Valdomiro respondeu-lhe que poderia ir até a venda e comprar apenas o indispensável.
Mais tarde um dos filhos de Valdomiro pegou um violão e ficou cantando modas de viola.
Lúcio ao ouvi-lo, comentou que ele cantava muito bem.
O rapaz agradeceu o elogio.
Com efeito, a distração de muitos colonos, era ouvir o rádio, e ouvir as canções falando do campo, das dificuldades, alegrias e tristezas daquela vida.
Também adoravam os bailes realizados com certa regularidade na vila.
Os casais aproveitavam para dançar um pouco.
Os jovens lançavam olhares para as moças.
Todos dançavam.
Conversavam. Contavam as novidades.
Os homens bebiam juntos. Falavam das criações de animais, das colheitas.
Os moços conversavam sobre a beleza das moças, as músicas que gostavam.
Ludmila também aproveitava para de vez em quando, ir ao baile.
Viúva, sua presença era sempre comentada.
Muitas mulheres diziam que ela deveria guardar luto e não ficar freqüentando festas.
Lúcio invariavelmente, a convidava para dançar.
Certa vez, ao ver a patroa dançando com o peão, Emerson resolveu inquiri-la.
Indagou-lhe se estava acontecendo alguma coisa.
Ludmila, a sós, respondeu que no momento não estava acontecendo coisa alguma.
Sorrindo, colocou a mão em seu ombro e recomendou-lhe que fosse se divertir.
Lúcio, que havia se afastado para pegar um ponche para a fazendeira, ao se aproximar e ver o administrador da fazenda conversando com ela, perguntou se estava tudo bem.
Ludmila respondeu que sim, estava tudo bem.
Emerson contrariado, pediu licença e retirou-se esbarrando em Lúcio, que não gostou do encontrão.
Foi o suficiente para que o copo com ponche, fosse vertido na camisa do moço.
Ludmila ao ver o acidente, pegou um lenço e emprestou-lhe.
Lúcio tentou limpar a roupa, em vão.
Ludmila então, comentou penalizada que a bebida manchara a roupa.
Nisto, uma mulher surgiu.
Dona Aparecida disse-lhe que pegaria emprestada uma camisa de seu marido.
Sugeriu-lhe então, que fosse até o banheiro para trocar a camisa.
Belchior o levou até sua casa.
Lá, Lúcio trocou de camisa.
Curioso, o homem perguntou que nunca vira Emerson tão agitado. Belchior comentou que ele estava há muito tempo sozinho, e que precisava encontrar uma mulher. Disse que não era bom um homem ficar muito tempo sem ninguém.
Lúcio perguntou se Emerson não era casado.
Belchior comentou que ele era viúvo, vindo a perder a esposa muito cedo. Comentou que o homem não chegou a ter filhos com a esposa.
Lúcio surpreso, disse que a história era parecida com a de Ludmila.
O homem concordou.
Indiscreto, chegou a dizer ter acreditado durante algum tempo, que ele estava interessado na fazendeira, mas que depois, ao ver Ludmila acompanhada, deixou de ter esta impressão.
Ao ouvir as palavras do homem, Lúcio perguntou quem fora companhia da mulher.
Belchior achou graça nas palavras enciumadas do moço.
Rindo, comentou que a companhia de Ludmila era ele.
Lúcio ficou envergonhado.
Constrangido, perguntou onde ficava o banheiro.
Belchior lhe indicou o caminhou.
Ofereceu-lhe uma camisa.
Lúcio encaminhou-se para o banheiro.
Lá, tirou a camisa manchada e trocou pela camisa limpa do homem.
Como a camisa fosse um pouco grande, o moço procurou ajeitar a roupa da melhor maneira possível.
Ao sair, agradeceu a Belchior.
Prometeu que devolveria a roupa devidamente lavada e limpa.
Belchior respondeu dizendo que não fora nada.
Nisto, o jovem voltou ao baile.
Ludmila dançava com Valdomiro.
Lúcio ao ver a dupla, pediu licença ao amigo e comentou que preferia que o término da dança fosse com ele.
Valdomiro agradeceu e se retirou.
Ficou ao lado da esposa, Leocádia.
Sorrindo, cumprimentou alguns passantes.
Disse a mulher que Lúcio e Ludmila faziam um belo par.
A mulher comentou que eles deveriam se casar logo.
Valdomiro concordou.
Mencionou que o relacionamento deles não era visto com bons olhos por muitas pessoas, e que um casamento para sacramentar a relação, faria todos se calarem e cessarem as maledicências.
Ludmila, com as mãos no ombro de Lúcio, e o rapaz segurando-a pelas costas, foram a atração do salão.
Dançaram juntos, boa parte da noite.
Foi justamente num desses bailes que o moço pediu a mulher em casamento.
Diante de todos os conhecidos de Ludmila, o rapaz sugeriu partilharem uma vida a dois pelo resto de suas existências.
Nervoso, bebeu um pouco de aguardente e ofereceu-lhe uma bonita jóia. Era um anel simples, somente para formalizar o compromisso.
Surpresa, Ludmila perguntou-lhe onde havia conseguido dinheiro para tanto.
Lúcio respondeu-lhe que se tratava de uma jóia da família, que havia servido de anel de noivado de sua mãe.
Emocionado, o moço comentou que no pouco tempo em que viveram juntos, seus pais foram muito felizes.
Brincando, disse apenas que gostaria de apenas, de poder viver muitos anos ao seu lado.
Ludmila, de posse da caixinha com a jóia, em suas mãos, agradeceu o presente.
Disse que fora uma das coisas mais singelas que alguém fizera por ela.
Lúcio retirou a jóia da caixinha e colocou o anel no dedo da moça.
Nisto, o moço perguntou a jovem se ela aceitava se casar com ele.
Ludmila respondeu trêmula, que sim.
Os convivas aplaudiram.
A fazendeira abraçou o moço.
Tempos depois, Ludmila e Lúcio casaram-se na igreja da vila.
Valdomiro conduziu a mulher até o altar.
A bela jovem trajava um vestido colorido.
Lúcio vestia um terno cinza, com uma flor na lapela.
Muitos criticaram o enlace.
Inclusive uma das filhas de Valdomiro.
O homem, ao saber disto, comentou que não estava interessado em ouvir maledicência. Argumentou que Ludmila era a patroa deles e que se Lúcio a pedira em casamento, era por que tinha amor nela e ninguém tinha o direito de fazer críticas.
As moças calaram-se então.
Com efeito, a cerimônia simples e bonita, encantou a muitos, que ficaram emocionados com a união do casal.
Jurema, ao lado do marido, acompanhou a cerimônia emocionada.
Foram muitos bailes, até acontecer o pedido de casamento.
Por diversas vezes, Lúcio buscou ponche para a moça.
Dançaram muito juntos.
Ludmila era só sorrisos na presença do moço.
Eles também se encontraram muito, a beira do rio.
Conversavam.
Abraços, beijos, brincadeiras.
Lúcio pescava.
Certa vez, assou um peixe para ela as margens do rio.
Lúcio e Ludmila caminhavam juntos, conversavam.
Cavalgavam. Apostavam corridas.
Gentil, Lúcio sempre a deixava ganhar as corridas.
Lúcio adorava beijá-la.
Ludmila agora, estava mais acostumada com o jeito impetuoso do moço.
Lúcio gostava de provocá-la, dizendo que ela voltaria a ser uma dona de casa.
Ludmila, sempre que ouvia estas palavras, dizia que jamais deixaria de cuidar das terras que tanto amava.
O moço ria.
Lúcio admirava Ludmila.
Conversando com a moça, respondeu-lhe que jamais a impediria de continuar de trabalhar com algo que amava tanto.
Ao ouvir isto, a jovem tranqüilizou-se.
Temia que ele colocasse obstáculos.
Por diversas vezes, chegou a dizer que nunca abandonaria a fazenda.
Lúcio comentou que também gostava daquele lugar.
Acrescentou que não tinha a menor intenção de transformá-la em uma rainha do lar.
Ludmila, ao ouvir estas palavras, comentou que às vezes ele parecia demasiado evoluído para aquelas terras e para aquele tempo.
Lúcio retrucava dizendo que tudo não passava de bobagem.
Constrangido, o moço foi abraçado por Ludmila, que dizia admirá-lo muito.
Lúcio ficou vermelho.
Ludmila achava graça quando o moço ficava encabulado.
Quando o rapaz visitava Ludmila na casa grande, levava flores para ela.
Jurema e Valdomiro permaneciam na sala, quando das visitas.
Diziam que a moça era livre, mas não ficava bem eles permanecerem a sós.
Lúcio por seu turno, tentava ficar a sós com a moça, chamava-a para um canto, mas Valdomiro sempre se aproximava e perguntava se estava tudo bem.
Desta forma, o casal só conseguia permanecer a sós, quando se encontravam na beira do rio.
Ninguém sabia dos encontros.
Juntos, compartilhavam da companhia um do outro, conversavam, dividiam sonhos, admiravam de forma contemplativa a paisagem.
O verde das paragens, o azul das águas do rio, as árvores, o canto dos pássaros.
Lúcio assobiava imitando o som dos bichos.
Ludmila ficava encantada com a habilidade do moço.
Em dado momento, ao conversarem sobre política, o jovem deixou escapar, que as pessoas no campo, costumavam ser muito exploradas e que já era tempo de se mudar as coisas. Comentou que havia uma revolução acontecendo na cidade grande, e que isto precisava se espalhar pelo campo.
Lúcio comentou que havia ligas camponesas, e campesinos empenhados em melhorar as condições de vida no campo.
Ludmila, ao ouvir isto, perguntou-lhe se achava que ela explorava seus empregados.
Lúcio respondeu que os camponeses eram obrigados a adquirir víveres na venda da fazenda.
Ao ouvir isto, a mulher respondeu que se fossem adquirir bens na venda existente na vila, teriam dificuldades de acesso ao local, e que não vinculava o salário dos trabalhadores a compra em sua venda.
Lúcio ao ouvir as palavras da fazendeira, concordou.
Mencionou que algumas pessoas faziam compras na vila.
Acrescentou contudo, que nem todos os fazendeiros faziam o mesmo. Relatou que as condições de vida no campo eram difíceis, e que os homens e mulheres que ali viviam, não deveriam viver como escravos.
Ludmila, ao perceber o gesto exaltado do moço, pediu para que ele se contivesse.
Recomendou-lhe que não comentasse aquele ponto de vista com ninguém. Disse que aqueles eram tempos difíceis, e que qualquer palavra mal colocada, poderia colocá-lo em uma situação delicada.
Nervosa, Ludmila perguntou-lhe se havia comentado com alguém sobre aquele ponto.
Lúcio respondeu-lhe que não.
Preocupada, a mulher perguntou-lhe se ele estava envolvido em alguma atividade política subversiva.
O moço, surpreso com a pergunta, respondeu-lhe que não.
Ludmila, colocando as mãos na boca do moço, disse:
- Você não pode dizer o que disse para mim, nem para sua sombra. Isto é muito perigoso! Tenha cuidado, não se envolva com isto.
Lúcio prometeu não se envolver com este tipo de atividade.
Com isto, o jovem procurou dissipar as preocupações da moça.
Começou a assobiar o campo das aves. Dizia que eram canoras.
Ludmila ficava a procurar a ave. De onde vinha o som que o moço imitava?
Com o tempo, o casal resolveu se casar.
Antes, o moço convidou Ludmila para um almoço.
Um almoço que foi preparado para Lúcio e a família que acolhera o rapaz.
No tocante ao enlace, haviam também insinuações veladas para o fato do moço ser um simples peão, e ela uma rica fazendeira.
Valdomiro e Leocádia, ficavam contrariados com a maledicência.
Lúcio por sua vez, não gostava das insinuações.
Por diversas vezes ameaçou brigar.
Não fosse impedido por Valdomiro, teria brigado com outros peões.
Com efeito, este era o único fato que aborrecia o moço.
Irritado, dizia a Valdomiro que não estava se casando por interesse.
Afirmava que Ludmila era uma mulher muito especial.
Com isto, depois da cerimônia de casamento, Lúcio pediu licença ao cocheiro que conduzira Ludmila até a vila. Disse que ele mesmo conduziria o animal.
O homem concordou. Seguiria dali de carro, acompanhado de moradores da fazenda.
Nisto o recém casado, conduziu a esposa de charrete.
A certa altura do caminho, o moço resolveu parar.
Ludmila, vestida de noiva, não compreendeu o que estava acontecendo.
Curiosa, perguntou por que haviam parado.
Lúcio aproximou-se da jovem e segurando sua mão, auxiliou-a descer da charrete.
Ludmila estava deslumbrante em seu vestido de noiva florido.
O moço também estava impecável.
Ludmila ao ser conduzida a um riacho, perguntou ao então marido, para onde ele a estava levando.
Lúcio disse que logo logo ela descobriria.
Caminhando, Ludmila mencionou que usava salto e que não conseguiria andar por aquelas paragens por muito tempo.
O jovem, percebendo o desconforto da moça, aproximou-se e segurou-a nos braços.
Ludmila, argumentou que não era necessário.
Lúcio respondeu que sim, era preciso.
Após alguns minutos, o moço apresentou-lhe o magnífico cenário.
Era o mesmo local onde se encontraram pela primeira vez, e que se reencontraram por diversas vezes.
Lúcio disse que aquele era o paraíso dos dois.
O lugar para onde poderiam correr sempre que quisessem reviver boas lembranças, e também onde viveriam outras ainda mais belas.
Sorridente, o moço comentou que fora muito feliz naquele lugar, e que gostaria de ser ainda mais feliz por ali. Comentou que era um homem de sorte por havê-la conhecido.
Foi então que Ludmila abriu um enorme sorriso.
Emocionada, chegou a chorar.
Por um momento temeu tanta felicidade.
Neste momento, o sorriso sumiu de seu rosto.
Ludmila comentou que sempre que estava vivendo um momento muito feliz em sua vida, acontecia algo para lhe tirar a felicidade.
Olhando para o moço com certa melancolia, disse-lhe que talvez não agüentasse sofrer uma segunda perda. Comentou que preferia ir embora primeiro, a ser viúva novamente.
Lúcio, ao ouvir estas palavras, retrucou dizendo:
- Deixa de bobagem! Ninguém aqui vai morrer tão cedo!
Nisto o moço aproximou-se da moça e a abraçou.
Lúcio cantou-lhe uma moda que ouvira no rádio.
Lá, dançaram ao ouvir do marulhar das águas, o gorjeio dos pássaros, o balançar das folhas no vento.
Antes de rumarem para a fazenda, receberam os convidados no salão paroquial da vila.
Cumprimentaram os convidados, que já os haviam felicitado na porta da igreja.
Dançaram juntos, cortaram o bolo de casamento.
Partiram.
Enquanto isto, os convidados dançaram, conversavam entre si.
Valdomiro comentou que os recém-casados estavam muito felizes.
Lúcio e Ludmila caminharam às margens do rio.
O moço recostou-se a beira de uma árvore.
Com isto, convidou a moça aproximar-se.
Ludmila, impecavelmente vestida e utilizando um salto, argumentou que não seria possível sentar-se na relva, usando um vestido de festa.
Ao ouvir isto, Lúcio levantou-se, e auxiliou a moça a retirar os sapatos.
Sem alternativa, só restou a moça, sentar-se.
Ludmila acomodou-se nos braços do moço.
Lúcio então, começou a fazer planos.
Disse que gostaria de ter muitos filhos. Que os ensinaria a gostar da vida no campo.
Ludmila ficava ouvindo.
Ouvindo e achando graça.
Depois, o moço carregou a moça nos braços até a charrete.
Ajudou-a a subir.
Antes de partir, colocou os sapatos nos pés da moça.
Em seguida, rumaram para casa.
Percorreram a estrada de terra, com muitas árvores, muito verde.
O caminho parecia aos dois, mais bonito do que de costume.
Ao chegarem a sede da fazenda, o moço perguntou a ela sorrindo:
- Está tudo diferente ou é só impressão? Parece que a casa está mais bonita, o caminho estava diferente!
Ludmila respondeu que a alegria fazia tudo ficar diferente.
Com isto, a beira da escadaria, o moço carregou a moça novamente nos braços.
A moça protestando, disse que não era necessário.
Lúcio argumentou que isto era necessário por que trazia sorte.
- Que remédio! – respondeu a moça.
O peão subiu então as escadarias da entrada da casa, levando-a nos braços.
Percorreu a varanda.
Adentrou as dependências do imóvel.
Passou pela sala, atravessou o corredor.
Enquanto caminhava, perguntou a moça se poderia levá-la para o quarto.
Ludmila pediu para colocá-la no chão.
Lúcio recusou-se. Disse que a levaria até o quarto. Razão pela qual perguntou onde ficava.
A mulher só restou dizer onde se localizava.
O rapaz a conduziu até o lugar.
Ao entrar no cômodo, deixou-a em frente a uma penteadeira.
Lúcio ficou encantado com a arrumação do lugar.
Embevecido, respondeu que nunca havia visto um quarto tão grande.
Curioso, perguntou se podia tocar na cama.
Ludmila respondeu que sim.
Tímido, o rapaz se aproximou, tocou o colchão, o qual considerou muito macio, e sentou-se na cama.
Rindo, comentou que estava afundando.
Nisto, deitou-se na cama.
Ao ver Ludmila de pé diante dele, perguntou se ela não iria se aproximar.
Ludmila estava encantada com o entusiasmo do moço.
Recordou-se que o moço há tempos, não sabia o que era uma cama.
Sorriu para ele.
Lúcio, sentou-se novamente. Começou então a pular na cama.
Ludmila comentou:
- Então estou diante de uma criança! Veja só, um homem feito desses, brincando como se fosse um menino!
Ao ouvir isto, o moço parou de pular.
A fazendeira, percebendo o constrangimento do moço, começou a rir.
Lúcio levantou-se e aproximando-se da mulher, segurou-a pelo braço.
Conduziu-a até a cama.
Ludmila ao ver-se ao lado de Lúcio, por um momento, ficou sem saber o que dizer e o que fazer.
O moço também ficou momentaneamente constrangido.
Entreolharam-se.
Em dado momento, o jovem rapaz comentou, rindo:
- Tanto tempo esperei por isto, e agora que realizei o meu maior sonho, eu não sei o que dizer, nem como agir.
Ludmila percebeu o nervosismo do moço.
Comentou que já fora casada antes, e que também não sabia como agir.
Lúcio pediu-lhe desculpas.
Ludmila por sua vez, respondeu que não havia o que ser perdoado.
O moço então, tomado de uma iniciativa repentina, segurou novamente a moça nos braços.
Deitou-a sobre a cama.
Em seguida, deitou-se a seu lado e aproximando-se, beijou-a.
Abraçaram-se.
Belo início para uma vida de amor.
No dia seguinte, o vestido de noiva estava pousando sobre um baú e o terno do moço estava ao lado do vestido, com os sapatos e acessórios próximos.
O casal dormia placidamente.
Lúcio acolhia a moça.
O moço, ao despertar, ao perceber que a moça dormia em seus braços, permaneceu deitado.
Ficou observando o sono da agora esposa.
Ludmila por sua vez, depois de algum tempo, acabou por despertar.
Ao acordar, recebeu de pronto um sorriso e um bom dia.
A mulher retribuiu a saudação e perguntou espreguiçando-se, se havia dormido bem.
Lúcio respondeu que sim.
Beijando-a, disse entre sorrisos que há tempos não se sentia tão bem.
Ao lembrar-se do quanto fora sozinho em sua vida, emocionou-se.
Com olhos lacrimejando, comentou que não era mais sozinho, que possuía uma família.
Ludmila também comoveu-se.
Respondeu-lhe que sabia exatamente o que era sentir-se sozinha no mundo, pois por muito tempo, ela também fora só.
Lúcio redargüiu então. Disse-lhe que nunca mais seriam sós. Animado, relembrou-se do projeto de ter filhos. Comentou que gostaria de ter muitos meninos e algumas meninas.
Ao ouvir as palavras do moço, a fazendeira riu.
Comentou que ainda era muito cedo para pensar em filhos.
Lúcio respondeu-lhe que agora deveriam se preocupar em tomar um bom café da manhã.
Mais tarde, devidamente compostos, o casal se encaminhou para a sala de jantar.
Jurema serviu-lhes um caprichado desjejum com frutas, pão feito na cozinha da fazenda, queijo, geléia. Havia suco de laranja, café.
Animada, a criada disse que era suco de laranja colhida na fazenda e que o café, também era produto do lugar.
Com isto, serviu a bebida em uma xícara, para o casal.
Lúcio e Ludmila agradeceram a gentileza.
Comeram pão, queijo fresco, geléia.
A todo o momento Jurema dizia que havia feito para eles, quase tudo o que havia na mesa.
Comentou animada que a geléia era uma especialidade dela.
Com isto, depois de devidamente servir o casal, a mulher despediu-se.
Ao sair, comentou que sabia que nestes momentos as pessoas gostavam de um pouco de privacidade.
Lúcio e Ludmila, ao ouvirem o comentário, começaram a rir.
A mulher bebeu café.
Lúcio serviu-se do suco.
Comeram mais um pouco.
Lúcio ofereceu um pedaço de pão, colocando-a na boca da moça.
Mais tarde, depois de ouvirem um pouco de rádio e conversarem a sós, o casal saiu para cavalgar pela fazenda.
Valdomiro, ao ver o casal passeando a cavalo, cumprimentou-os.
Lúcio e Ludmila retribuíram o cumprimento.
Mais tarde o homem comentou que a melhor coisa que eles fizeram foi se casar.
Leocádia concordou. Disse que eles eram muito sozinhos.
Valdomiro completou dizendo que agora não mais.
Passeando pela fazenda, Ludmila mostrou ao moço, um rio e uma pequena cachoeira.
Lúcio intrigado, comentou que não sabia que aquelas terras também lhe pertenciam.
Ludmila respondeu que poucas pessoas sabiam onde ficava aquele lugar.
O moço ficou encantado com o ambiente.
Perguntou a mulher se não poderia nadar um pouco.
Ludmila tomada de curiosidade, perguntou-lhe se sabia nadar.
Lúcio respondeu-lhe que sim.
A fazendeira retrucou dizendo que precisava providenciar um calção de banho para ele.
O rapaz ao ouvir isto, respondeu que não era necessário.
Ao ouvir isto, a mulher perguntou-lhe:
- E como o senhor pretender nadar? Vai molhar suas roupas e chegar encharcado em casa?
Lúcio ao ouvir isto, respondeu que poderia não molhar suas roupas e nadar.
Ludmila, retrucou:
- Mas que idéia? E se aparecer alguém?
Lúcio riu. Disse que estava só brincando. Jamais faria isto.
Ludmila respondeu que assim esperava.
Nisto o moço aproximou de seu cavalo. Desabotoou sua camisa, tirou sua calça, retirou os sapatos, e ficou apenas com uma peça.
Ludmila ao ver a cena, censurou-o.
Lúcio então, segurando a mulher pelo braço, pediu para que se despisse também.
Ao ouvir o pedido do marido, a jovem ficou perplexa.
O moço, percebendo a inibição da jovem, aproximou-se dela, e puxando-a, caminhou na direção dos cavalos.
Disse que não havia problemas, argumentou que ninguém os veria.
Ludmila relutou. Argumentou que não ficaria bem se alguém os visse se banhando seminus na cachoeira.
Lúcio argumentou:
- Vamos Ludmila! O que é que tem? Ninguém nos verá. Afinal de contas está tão quente. Temos todo o direito de nos refrescarmos... Anda, vamos. O que é que custa?
A fazendeira continuava reticente.
Lúcio puxou-a para junto de si e beijou-a.
Cochichando em seu ouvido, disse que a água parecia ser fresca, e a cachoeira bem convidativa.
Chegou a pedir:
- Vamos! Deixa de bobagem!
Diante de tal apelo, a moça acabou capitulando.
Retirou a camisa, a calça, as botas, permanecendo apenas, com uma combinação.
Lúcio então a conduziu até a margem do rio.
Caminharam até a cachoeira.
O moço foi quem primeiro mergulhou nas águas.
Ludmila entrou logo em seguida.
Nadou e mergulhou na cachoeira.
Lúcio jogou água em Ludmila.
A mulher pediu para ele parar.
Lúcio aproximou-se então de Ludmila, que estava de costas para ele.
Segurou-a pela cintura. Encostou seu rosto no rosto dela.
Ficaram juntos observando o movimento das águas.
O barulho das águas descendo das pedras.
Admiraram o azul do céu.
Mais tarde, descansando embaixo de uma árvore, Lúcio começou a observar as nuvens.
Brincou dizendo com que elas se pareciam. Uma lhe lembrava um rosto, uma paisagem, um animal.
A certa altura, Ludmila levantou-se. Disse que precisavam voltar para casa.
Lúcio indagou o porquê.
A fazendeira respondeu de pronto:
- Meu estômago está pedindo para voltar para casa.
Ao estas palavras, Lúcio admitiu que também estava com fome.
Animado, respondeu que da próxima vez que rumassem para lá, deveriam levar uma cesta de pequenique. Assim, não teriam que voltar para casa tão cedo.
Com isto, trataram de colocar suas roupas.
Cavalgando, voltaram para casa.
Quando viu o casal molhado, Jurema perguntou onde eles haviam ido.
Ludmila respondeu que estavam andando por aí.
Rosa, ao ver Jurema indagando a patroa, chamou-lhe a atenção.
Jurema ignorou a bronca.
Na cozinha, Jurema argumentou que só estava querendo ajudar.
Ludmila e Lúcio foram até o quarto trocar de roupa.
Almoçaram e depois ficaram ouvindo um pouco de rádio.
Ouviram modas de violas, notícias sobre o presidente Costa e Silva.
Lúcio, sempre que ouvia o nome do militar, ficava contrariado.
Ludmila, ao perceber isto, recomendou-lhe que fosse mais discreto em suas manifestações verbais. Argumentou que os tempos não eram fáceis, e que qualquer palavra mal colocada, certamente seria mal interpretada.
Lúcio ao ouvir estas palavras, retrucou dizendo que as coisas precisavam mudar. Dizia que as pessoas tinham muito medo das mudanças.
Ludmila, ao ver Rosa se aproximando, comentou que estava planejando adquirir mais alguns animais, e que para tanto talvez precisasse viajar.
Ao ouvir a palavra viagem, o moço ficou surpreso.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 4

Ao chegar no riacho, a moça apeou do cavalo.
A mulher recostou-se em uma árvore.
Observou o movimento das águas, o verde das matas, as árvores.
O céu, com algumas nuvens.
Recordou-se da infância na capital, sua casa repleta de árvores, onde encostava-se em uma delas e ficava imaginando o formato das nuvens. Brincava que eram cavalos, bichos, árvores, casas, pessoas, montanhas. Ficava horas exercitando a imaginação.
Recordou-se do dia em que assistiu com Antenor, a um filme de Mazzaropi.
Emocionado, o homem se encantou com o ator, dizia que suas histórias eram singelas e delicadas.
Ludmila concordava.
Triste, a moça perguntava a si mesma, por que ele havia partido tão cedo, e a deixado tão sozinha?
Mais tarde, a mulher passou em frente a escola onde lecionara.
De longe observou a professora ensinando a tabuada.
Por um momento, chegou a se emocionar.
Lúcio, que passava por ali, ao perceber que a mulher estava entretida observando a aula pela janela, chamou-a.
Assustada, a moça voltou-se para ele.
Os olhos da mulher estavam cheios d’água.
Lúcio ao vê-la tão emotiva, perguntou:
- Está tudo bem?
- Sim! – respondeu lacônica, enxugando os olhos.
- Pois não parece. – insistiu o moço.
Tentando desconversar, a mulher respondeu que um cisco havia caído em seu olho.
- Ah sim! Nos dois olhos! Curioso. – comentou o rapaz quase rindo.
Ludmila irritou-se.
Nervosa a moça respondeu agressiva:
- O que é que tem? Nunca caiu um cisco no teu olho?
Lúcio riu.
Ludmila ao perceber isto, perguntou:
- Do que você está rindo?
Tentando se controlar, o moço pediu desculpas.
Disse que não tivera a intenção de destratá-la, mas que ficar disfarçando que estava emocionada, era uma grande bobagem.
Curioso, perguntou-lhe por que aquela cena lhe evocava tanta emoção.
Ludmila respondeu que não havia nada demais ali. Apenas acompanhava uma aula.
Lúcio continuou perguntando por que aquilo tinha um significado tão especial para ela.
Sem alternativa a mulher explicou que era normalista. Freqüentara o curso normal.
Relatou que ao se formar, recebeu uma proposta de trabalho em um vilarejo no interior do estado. Comentou que amigos a indicaram para o trabalho ao perceberem que ela precisava de emprego, ao se ver sozinha, sem parentes, e ajudaram-na com o emprego.
Argumentou que como não tinha mais parentes na capital, foi mais fácil começar do zero.
Ludmila revelou que lecionou por meses, e que após casar-se, continuou lecionando por algum tempo. Até passar esta incumbência a outra pessoa. Saudosa, comentou que às vezes sentia falta do trabalho. Comentou que era fascinante ajudar a formar um cidadão.
Lúcio ficou encantado com a história. Argumentou que entendia sua ligação afetiva com o lugar.
Nisto, caminharam juntos por algum tempo.
Conversaram sobre a vida na fazenda.
Lúcio comentou sobre seu trabalho. Argumentou que gostava da vida na fazenda.
Mais tarde, com o sol começou a se pôr, o moço retornou a casa.
Conversou com Valdomiro.
Perguntou sobre o que estava conversando com Ludmila.
O homem respondeu a fazendeira perguntou o ele achava do trabalho dele.
Curioso, o jovem perguntou o que ele respondera.
Valdomiro contou-lhe.
Ao ouvir as palavras do homem, Lúcio ficou envaidecido.
Indiscreto, Valdomiro comentou ter dito a mulher que ele era um ótimo partido.
Lúcio caiu na risada. Desconfiado, indagou:
- Não! O senhor não disse isto!
Valdomiro respondeu que sim. Que dissera isto.
Nisto, Lúcio perguntou se Ludmila era professora.
Valdomiro contou que a mulher lecionava na escola da vila. Comentou que foi assim que ela conhecera o falecido Antenor. Contou sobre a história do casal, a viuvez da mulher, o período em que lecionou na escola da fazenda.
Comentou que a escola era um sonho de Antenor, que não queria que nenhum filho de colono ficasse sem o primário.
Valdomiro falou sobre a generosidade de Ludmila.
Argumentou que era uma patroa exigente, mas humana.
Lúcio ouvia a tudo com muito encantamento.
A cada dia que passava, mais aumentava o seu encantamento e admiração pela mulher.
Luzia, filha de Valdomiro, estava interessada no moço, mas como o rapaz não demonstrava interesse por ela, desistiu.
Durante a festividade na vila, ficou esperando o rapaz convidá-la para dançar.
O que não ocorreu.
Com o tempo, a moça arrumou um pretendente. Esqueceu-se da paixonite.
No domingo, Ludmila dirigiu seu carro até a vila.
Queria acompanhar a missa. O que fazia todos os domingos.
Mais tarde, depois de visitar amigos e conhecidos na vila, retornou a fazenda.
Lúcio por sua vez, saiu novamente para pescar. Só que desta vez, seguiu acompanhado de Valdomiro e seus filhos.
Ao conseguir pescar alguns peixes, o moço se despediu do homem e de seus filhos.
Valdomiro ficou surpreso com a reação do moço, perguntou-lhe onde estava indo.
O rapaz respondeu que se tudo desse certo, ele não voltaria para almoçar.
Pediu ao amigo para que se desculpasse com Leocádia e com as moças.
Nisto recolheu os peixes colocando-os numa cesta e amarrou-a na cela.
Montou no cavalo e sumiu do campo de visão de Valdomiro.
Curiosos, os moços perguntaram onde ele ia.
Valdomiro comentou que fazia uma vaga idéia, mas não comentou a respeito.
Os rapazes ficaram inconformados.
Lúcio encaminhou-se para a sede da fazenda.
Ao se aproximar da propriedade, apeou do cavalo, amarrando-o junto uma árvore.
Retirou o cesto do cavalo.
Jurema, ao notar a aproximação, dirigiu-se ao alpendre.
Ao ver o rapaz carregando uma cesta, perguntou-lhe o que desejava.
Lúcio cumprimentou-a e perguntou sobre Ludmila.
Jurema respondeu que acabara de voltar da missa. Com isto, pediu licença e chamou a patroa.
Ludmila surpreendeu-se ao tomar conhecimento de que Lúcio solicitava falar-lhe.
A mulher encaminhou-se ao alpendre.
Lúcio ao vê-la, perguntou-lhe como estava.
Ludmila respondeu que estava bem.
Lúcio perguntou-lhe se já havia almoçado. Indagou se não gostaria de saborear um peixe recentemente pescado.
Como Ludmila não compreendesse o que o moço dizia, Lúcio abriu o cesto que carregava e mostrou-lhe os peixes que havia pescado.
Ludmila perguntou-lhe por que não oferecera os peixes a Leocádia.
Lúcio respondeu que havia pescado os peixes para uma ocasião especial.
Nisto, perguntou se poderia entrar.
Ludmila assentiu com a cabeça.
Ao adentrar a sede, o moço perguntou onde poderia preparar os peixes.
A fazendeira, ao ouvir as palavras do moço, ficou deveras surpresa.
- Preparar os peixes? Você vai preparar os peixes?
Sorrindo, o moço respondeu que sabia fazer algumas coisas na cozinha. Comentou que vivendo algum tempo sozinho, precisou aprender a se cuidar.
Ludmila respondeu-lhe que poderia deixar os peixes na cozinha. Indicou-lhe o caminho.
Ao lá chegar, mostrou o fogão a lenha, as panelas, as colheres, os pratos, enfim, os utensílios.
Nisto o moço depositou o cesto em uma mesa, colocou um dos peixes numa bacia e pegando uma faca, começou a limpá-lo.
Disse que cozinhar era uma arte e que as mulheres iriam experimentar uma iguaria sem comparação.
Jurema, ao ouvir os comentários do moço, comentou que não sabia se o prato ficaria bom, mas que a modéstia era um caso a parte.
Todas as mulheres que estavam na cozinha riram.
Lúcio por sua vez, respondeu:
- Riam! Mas depois de provarem a iguaria vocês verão que eu estou certo.
Nisto o moço começou a abrir um peixe, retirou suas espinhas, as vísceras.
Temperou os peixes e os assou.
Para completar, pediu uma travessa para colocar os peixes.
Ludmila enfeitou com alface, tomate e batatas.
Jurema preparou arroz, e um suco.
Valdomiro, por sua vez, ao chegar em casa com uma cesta cheia de peixes, acompanhado dos filhos, chamou a atenção de Leocádia, que perguntou por Lúcio.
O homem respondeu que moço tinha outros planos e que pelo visto, não voltaria tão cedo.
Luzia não gostou muito do comentário.
Com isto, Leocádia e a filha prepararam o almoço.
Na sede da fazenda, Ludmila, Jurema e as criadas saborearam o peixe preparado pelo moço, na mesa que havia na cozinha.
As criadas limparam a bagunça da cozinha, lavaram os utensílios domésticos.
A cozinha ficou uma maravilha.
E ali, acomodados, todos saborearam a comida.
Ludmila foi a primeira a provar a comida.
Disse que o peixe estava muito bom. Brincou com o moço dizendo que ele era muito prendado, e já podia casar.
Lúcio respondeu brincando que já vinha pensando na possibilidade.
Curiosa, Jurema perguntou se ele já tinha alguém em vista.
Lúcio respondeu que talvez, mas que não tinha a certeza se a pessoa em questão estava interessada nele.
Jurema achou romântico.
Sorrindo comentou que ele devia se acertar com alguém, assim como ela havia se acertado com seu noivo. Contou feliz, que dentro em breve se casaria.
Lúcio ao ouvir as palavras da moça, parabenizou-a.
Jurema comentou que o noivo estava viajando, mas que assim que retornasse, ela o apresentaria a ele.
Conversaram animadamente.
Em dado momento Lúcio comentou que decidira permanecer no campo, e que por esta razão passou a viver sozinho.
Motivo pelo qual precisou aprender a cozinhar.
Jurema perguntou pelos parentes e Lúcio respondeu que seus pais eram falecidos.
Haviam morrido quando ele era uma criança, vitimados pela tuberculose.
Ao ouvirem isto, todas as mulheres ficaram chocadas. Uma delas chegou a comentar que devia ser muito triste a vida de quem não tinha parentes próximos.
Lúcio falou que já estava acostumado a viver sozinho.
De início vivera em casa de tios, mas ao alcançar a maioridade, resolveu cuidar da própria vida.
Depois do almoço, as mulheres ficaram na cozinha.
Ludmila e Lúcio seguiram para a sala.
Ficaram ouvindo música.
O moço aceitou a oferta da aguardente.
Lúcio, tentando puxar assunto, comentou que fazia anos que não entrava em uma igreja.
Ludmila comentou que gostava de participar da missa. Brincando dizia que era uma forma de resguardar seu lado feminino.
O rapaz ao ouvir isto, disse-lhe que era muito feminina.
Ludmila achou graça. Disse que passava o tempo todo de calça, botas, chapéu e o cabelo preso.
Lúcio indiscreto, comentou que seu cabelo devia ser muito bonito.
Ludmila fingiu não ouvir.
Mais tarde, o moço contou que descobrira um lugar encantador para cavalgar.
Ludmila argumentou que conhecia a fazenda em todos os seus meandros.
Como o moço não conhecesse o significado da palavra, Ludmila explicou-lhe.
A certa altura, a mulher lhe perguntou se havia freqüentado a escola.
Lúcio, sentindo-se ofendido, comentou que era alfabetizado sim, e que assim feito o curso primário, na fazenda onde nascera. Argumentou que não estudara mais por falta de oportunidade.
No que Ludmila falou-lhe que seu vocabulário era rico, falava corretamente e possuía maneiras bastante educadas para um campônio.
Lúcio não gostou do que ouviu.
A mulher, percebendo isto, argumentou que não tivera a intenção de ofender. Apenas estava fazendo uma constatação. Relatou que como professora, sabia ver quem tinha potencial para ser um bom aluno. Mencionou que ele tinha uma mente muito lúcida e que com lápis e um caderno nas mãos e uma boa orientação, poderia se tornar alguém brilhante.
Aborrecido, o rapaz respondeu que não gostaria de ser brilhante. Argumentou que estava bem, sendo o que era.
- Entendo! – respondeu Ludmila.
Nisto, o moço, tentando mudar de assunto, convidou-a para um passeio.
Ludmila, incomodada por haver aborrecido Lúcio, concordou.
Disse-lhe que precisava desfazer o mal entendido.
E assim cavalgaram juntos.
Jurema chegou a ver a patroa e o peão a cavalo.
Sumiram na poeira do horizonte.
Cavalgando, chegaram em um lugar com muitas árvores, uma nascente, próxima ao pomar da fazenda.
Ludmila comentou que fazia muito tempo que não passava por ali.
Lúcio respondeu que gostava daquele lugar, tanto quanto do lugar onde a encontrara pela primeira vez.
Ludmila ficou curiosa com a lembrança. Perguntou-lhe se ele ainda recordava onde era o lugar.
- É claro! – respondeu.
Nisto, o moço apeou do cavalo.
Pediu a fazendeira que esperasse um pouco.
Com isto, aproximou-se do cavalo de Ludmila e ajudou-a a descer, em pese a mulher dizer que não era necessário. Argumentou que já estava acostumada a apear do animal.
Lúcio respondeu que nunca era demais um gesto de gentileza.
Desta feita, o moço lhe mostrou a nascente.
Abaixou-se para molhar o rosto na água.
Lúcio, com os cabelos molhados, perguntou se ela não gostaria de se refrescar.
Ludmila abaixou também e com as mãos, pegou um pouco de água e bebeu.
O moço mostrou-lhe peixes, e comentou que gostava de pescar em um rio perto dali.
Comentou que ela era uma mulher de sorte por viver em lugar tão bonito.
Ludmila concordou. Disse que este fora o maior legado de Antenor lhe deixara. O amor pelas coisas simples da vida.
Enciumado, Lúcio comentou que o homem devia ter sido muito importante em sua vida.
A fazendeira respondeu que sim.
Ninguém nunca poderia ocupar o lugar deixado pelo homem, comentou.
Lúcio levantou-se.
Ludmila fez o mesmo.
Incomodado, o jovem perguntou-lhe se ela nunca havia pensado em se casar novamente, em conhecer outro homem. Comentou que ela poderia ser feliz ao lado de outra pessoa.
Ludmila indagou:
- Não sei! Não acho que encontraria alguém com entendimento suficiente para saber o que significou minha relação com Antenor e não sentir ciúmes. Ademais, nunca apareceu ninguém. Nem acho que irá aparecer, ser viúva é viver eternamente triste. e eu não gosto de seguir regras rígidas. Gosto de ser livre. Não gosto de dever satisfações a ninguém.
Lúcio ao ouvir isto, respondeu-lhe que ela estava com medo.
Ludmila ficou intrigada.
- Medo de quê? Sou dona do meu nariz. O que poderia temer?
Lúcio rindo, comentou que não poderia negar que ela era uma mulher de fibra. Linda, forte e determinada.
Ao ouvir isto, a mulher ficou um pouco sem jeito.
O jovem continuou. Disse o que o medo era referente as relações afetivas. Comentou que devia ser difícil se desfazer da imagem de mulher durona e mostrar seu lado mais gentil e afável.
Ludmila não gostou do palavreado.
Comentou que era dura quando precisava, mas que não tinha o coração de pedra.
Lúcio, percebendo isto, pediu-lhe desculpas. Falou-lhe que não tivera a intenção de ofender. Contou que apenas queria dizer que não ela tivera a oportunidade de mostrar um outro lado seu. Estava tão acostumada a cuidar dos outros, que havia desaprendido o que era ser cuidada por alguém.
Ludmila ficou incomodada com as palavras. Tentando encerrar a conversa, disse que quando aparecesse alguém, pensaria no que ele havia dito.
Lúcio ficou desapontado. Tanto que chegou a perguntar:
- Não apareceu ainda?
Ludmila não respondeu.
Lúcio insistiu.
No que a mulher perguntou o porquê do interesse em sua vida sentimental.
Argumentou que ele também não gostava quando se tocava em certos assuntos com ele.
Lúcio respondeu que não gostava quando esperavam dele, algo que ele não poderia oferecer. Comentou que não estava interessado em ser doutor, e que se a madame queria um doutor, teria muito trabalho para encontrar um naquele fim de mundo.
Ludmila ficou furiosa.
Vociferando disse:
- Escute aqui rapaz! Quem você pensa que é para falar comigo desta maneira? Perdeu o juízo? Eu sou a dona deste lugar. Respeito é bom e eu gosto... Quando eu lhe disse sobre os estudos, não foi para fazê-lo doutor. A idéia não é esta, eu só acho que um pouco de instrução não faz mal a ninguém. Ademais eu também não tenho nível universitário. Não por vontade própria, mas por que neste país atrasado, foi a única opção que me restou. Ou fazia o Normal ou não teria formação alguma. Eu fiquei com os estudos. Lamento não ter podido estudar mais... Agora, sinto muito se isto não é importante para você. Eu só estava fazendo uma sugestão. Desculpe se soou de outra forma.
Nisto, Ludmila virou-se e caminhou em direção ao seu cavalo.
Lúcio, ao notar que ela se afastava, colocou as mãos na cabeça.
Insistiu para que ela não fosse embora. Pediu-lhe desculpas.
Falou-lhe que havia sido grosseiro, e que nada justificava seu comportamento. Envergonhado, comentou que não sabia o que estava acontecendo com ele, disse que nunca tratara uma mulher daquela forma.
Novamente pediu-lhe desculpas.
Mencionou que arrumaria seus pertences e nunca mais colocaria os pés naquela fazenda.
Ludmila, ao ouvi-lo pedir desculpas, percebendo que rapaz ira partir, voltou-se para ele.
Perguntou-lhe se tinha para onde ir.
Lúcio respondeu que poderia perfeitamente pousar em qualquer lugar.
Ludmila proibiu-o de sair da fazenda sem sua permissão. Argumentou que havia muito trabalho a ser feito.
O homem respondeu que sua presença não se fazia mais necessária.
Tencionou se afastar, no que foi impedido por Ludmila, que disse que não havia autorizado sua partida.
Ao ouvir isto, Lúcio ficou nervoso.
Ludmila respondeu então:
- Não pense que eu sou prepotente, embora possa parecer... Escute aqui ... eu sei que irei me arrepender e provavelmente isto é um delírio, mas eu preciso fazer uma pergunta... Você está interessado em alguém da fazenda? É alguém que eu conheça?
Lúcio começou a rir.
- Você não entendeu nada!
- Entender? O que?
Lúcio segurou sua mão. Olhou-a nos olhos.
Disse-lhe que aquilo que iria fazer, provavelmente custaria seu emprego, mas que diante das circunstâncias, poderia fazê-lo.
Desta forma, puxou a mulher para junto de si, e a beijou.
Atônita, ao se ver livre dos braços do moço, perguntou:
- Por que você fez isto?
Lúcio respondeu que deveria pedir desculpas, mas argumentou que seria hipócrita se o fizesse, posto que não estava arrependido.
Triste, comentou que só lamentava não ser correspondido.
Nisto, aproximou-se do seu cavalo.
Quando estava prestes a montá-lo, sentiu uma mão pousar em seu ombro.
Era Ludmila.
A mulher pediu-lhe para não partir.
Lúcio argumentou que não tinha motivo algum para ficar. Ainda mais, depois do que se sucedera.
Ludmila respondeu-lhe então, que não estava pronta para se casar novamente.
Enciumado, o moço começou a dizer que Antenor era muito importante para ela e que ninguém ocuparia seu lugar.
A fazendeira por sua vez, colocou sua mão nos lábios do rapaz.
Pediu para que se calasse. Argumentou que ele falava muito.
Ludmila pediu-lhe para que se abaixasse, disse que tinha algo para dizer-lhe.
Como o moço fosse mais alto que ela, Lúcio cedeu. Atendeu o pedido da mulher.
Ludmila segurou seu pescoço.
Disse em seu ouvido, que precisava ficar mais calmo.
Ludmila colocou as mãos em seu rosto.
Lúcio parecia incrédulo.
A mulher olhando-o nos olhos, beijou-o.
Surpreso com o gesto, o homem se desequilibrou.
Ludmila pediu para que tivesse cuidado.
Lúcio pediu desculpas.
Encabulado, começou a olhar para o chão e rir.
Ludmila, sem entender o que estava acontecendo, perguntou se estava tudo bem.
Lúcio tirou os olhos do chão e olhando para ela, disse que sim.
Aproximando-se da mulher abraçou-a.
Ao soltar a mulher, Ludmila percebeu que os olhos do moço estavam cheios d’água.
Lúcio contudo, disse que não era nada.
Procurando se recompor, perguntou se poderia entender aquele beijo como um início de namoro.
Ludmila respondeu que sim.
Prometeu que pensaria com carinho na possibilidade de vir a se casar com ele.
Lúcio concordou.
Nisto, pensando na situação, chegou a comentar que ela enfrentaria dificuldades para assumi-lo.
Receoso, perguntou se teria coragem para enfrentar a todos.
Ludmila respondeu-lhe que não devia satisfações a ninguém. Comentou que ao se casar com Antenor, foi taxada de interesseira. Ao ficar viúva e tomar as rédeas da fazenda, foi criticada. Ressaltou que nunca pautou sua vida pelo que as pessoas pensavam. Repetiu que procurava ser feliz da maneira que era possível.
Lúcio sorriu.
Falou-lhe que havia se esquecido que ela era uma mulher de fibra.
Nisto convidou-a para sentar-se do seu lado.
Ludmila recostou-se no moço.
Lúcio abraçou-a.
Ao se despedirem, Lúcio puxou-a pelo braço e beijou-lhe novamente os lábios.
Comentou que sentiria saudades.
Ansioso, perguntou quando poderiam se encontrar.
Ludmila respondeu-lhe que amanhã depois do trabalho, poderiam se encontrar ali.
Nisto a mulher montou em seu cavalo e partiu.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 3

No dia seguinte, logo cedo, Ludmila estava de pé.
Lúcio também acordara cedo.
Sem jeito, atravessou o corredor.
Ludmila, ao vê-lo passar, convidou-o para tomar um café.
Lúcio recusou.
A fazendeira então, intimou-o.
Disse que saco vazio não parava em pé, e que deveria comer algo, ou não agüentaria trabalhar o dia inteiro. Ludmila respondeu que o dia seria cheio, e que ele teria muito o que fazer.
Lúcio então sentou-se e comeu.
Mais tarde, ao fazer menção de ir trabalhar, Ludmila disse que conversaria com um dos colonos e que ele teria um pouso certo.
Lúcio agradeceu.
Com isto, a mulher perguntou-lhe se não possuía família, se não gostaria de trazer os parentes para viverem junto dele.
Lúcio respondeu que não.
Agradeceu a gentileza, mas agradeceu, dizendo que não era necessário.
Nisto, levantou-se da mesa, colocou seu chapéu e se dirigiu as cocheiras.
Ludmila recomendou-lhe que se encaminhasse para lá.
Nisto o moço passou a trabalhar.
Deu banho nos cavalos, alimentou os animais.
Quando o moço comentou que pousara na sede da fazenda, os empregados ficaram curiosos.
Julgaram que Lúcio gozava de prestígio junto à Ludmila.
Na boca de pessoas maldosas, virou insinuação de algo mais.
Afinal de contas a mulher era jovem, e Lúcio não era desprezível.
Durante o dia, Ludmila chamou alguns colonos em sua casa e perguntou-lhes se haveria problema em hospedar um moço que havia acabado de chegar, e estava começando a trabalhar na fazenda.
Alguns homens relutaram em oferecer hospedagem a Lúcio.
Diziam ter filhas moças em casa, e que isto poderia não ser visto com bons olhos.
Nisto, Ludmila se voltou aos que haviam se calado.
Alguns concordaram em oferecer estada para o moço por algum tempo.
A fazendeira agradeceu.
Com isto, após algumas conversas, ficou ajustado que Lúcio ficaria algum tempo na casa de Valdomiro.
Mais tarde, ao término do expediente, o moço se encaminhou com seus pertences para a casa do colono.
Lá, foi apresentado aos familiares do homem.
Como não havia cama para ele, Lúcio armou uma rede na varanda da casa e se abrigou da chuva.
Depois de jantar a comida de Leocádia, o moço deitou na rede e ficou contemplando a noite.
O céu estava estrelado como na noite anterior.
Valdomiro, percebendo que o moço estava acomodado, despediu-se.
Alegou que precisaria se levantar muito cedo no dia seguinte.
Lúcio desejou-lhe uma boa noite.
Cruzou os braços abaixo da cabeça e ficou contemplando a noite.
Até que cansado, adormeceu.
Lúcio era sempre útil.
Quando precisavam de alguém com habilidade para cuidar dos animais mais ariscos, o chamavam.
Houve um tempo em que precisaram de braços na lavoura e lá foi ele cuidar das plantações.
Em dado momento, teve uma festividade na vila.
Conforme o costume, era organizada uma festividade anual em homenagem aos santos de junho.
A região inteira se mobilizava para a comemoração.
Havia mastro com a bandeira do santo, bandeirolas coloridas enfeitando toda a vila.
Na festa havia cantadores, violeiros.
Comidas, barracas.
A igreja angariava fundos para obras de benemerência.
Havia missa, e depois começava a festa.
Muitos aproveitavam para dançar, flertar com as moças.
Ludmila também participava da festa.
Mas depois da viuvez, raramente dançava.
Certa vez, Emerson convidou-a para dançar, mas Ludmila gentilmente recusou.
Lúcio também compareceu.
Para ajudar na festa, ofereceu uma montaria.
O padre, ao receber o objeto, resolveu leiloá-lo.
O objeto foi a atração da festa.
Todos os fazendeiros da região, ofereceram lances.
Por fim, quem arrematou o produto, foi o capataz de Ludmila, o Emerson.
O homem foi aplaudido por todos pela aquisição feita.
Todos comeram, se divertiram.
Conhecidos se cumprimentaram e comentaram as novidades.
Adultos subiram no pau de sebo, mas somente um ganhou o prêmio.
Um chapéu todo branco.
As crianças ficaram alvoroçadas com as prendas e os jogos.
A certa altura da cantoria, alguns casais começaram a se formar.
Pessoas começaram a dançar.
Lúcio, que havia conversado com alguns colonos, ao perceber Ludmila conversando com conhecidos, pediu licença aos presentes, e perguntou-lhe se poderia convidá-la para uma dança.
Surpresa, Ludmila perguntou-lhe se não gostaria de dançar com uma das moças solteiras da região.
Lúcio respondeu que todas as moças eram muito encantadoras, mas que ela não havia respondido sua pergunta.
Ludmila retrucou perguntando se estava sendo intimada.
Lúcio respondeu que sim, era uma intimação, e brincando, alegou que não aceitava recusas.
Ludmila aproximou-se. Segurou a mão estendida do moço.
Lúcio a conduziu.
Dançaram.
Sob olhares curiosos, invejosos, aprovadores e desaprovadores.
Jurema, ao observar a patroa com o peão, comentou com uma colega, que eles juntos faziam um bonito par.
Foi o bastante para ser censurada.
Muitos diziam que ela era viúva e que deveria guardar luto.
Quando Jurema ouvia estas palavras, ria muito.
Dizia que Dona Ludmila era muito jovem para se enterrar na vida como muitos queriam.
A mulher dizia que Ludmila não tivera sequer a oportunidade de ter filhos com o falecido marido.
Recordou-se que Ludmila guardou luto por muito pouco tempo, o que ocasionou a reprovação de muitos. Todos consideravam que ela deveria se vestir sempre de preto dali para frente.
Ludmila porém, poucos dias após o falecimento do marido, foi tomando pé da situação da fazenda.
Para muitos que achavam que a mulher venderia tudo e se mudaria dali, mas Ludmila surpreendeu ao começar a vestir calças, botas, chapéu.
Muitos diziam que ela estava se portando como homem e envergonhando as mulheres.
Pais de família argumentavam que ela era um péssimo exemplo para suas filhas.
Ludmila por sua vez, sempre que ouvia este tipo de comentário, dava de ombros, dizia:
- O que esperavam que eu fizesse? Que bancasse a coitadinha para ser enganada pelo primeiro pilantra que aparecesse, e vendesse minhas terras a preço de banana? Pois que fiquem esperando, não gosto de agradar as pessoas, prefiro ser feliz. E não vou jogar fora o legado de Antenor. Este foi o maior tesouro que ele deixou pra mim, depois de partir. Não posso fazer pouco disto. E tenho dito.
Jurema a admirava.
Considerava-a uma mulher de fibra.
Não gostava de ouvir as pessoas falando mal de sua patroa.
Por isto, ao ouvir o comentário preconceituoso de que a patroa deveria guardar luto eterno, comentou que ela não era mais casada, e que não havia impedimento para que viesse a se casar novamente.
Jurema estava noiva de um colono da fazenda.
Seu casamento se realizaria em poucos meses.
Quando Ludmila soube do fato, presenteou a criada com toalhas de linho, roupas de cama, e um jogo de porcelana.
Com efeito, em que pesem os detratores, havia quem reconhecida o valor da mulher.
Emerson admirava a coragem de uma mulher criada na cidade, que assumiu as rédeas de uma atividade tão bruta quanto a vida na fazenda. Argumentava que ela era uma mulher dos livros, de gestos e feições delicadas.
No começo, a considerou delicada demais para assumir a função de dona das terras e fazendeira.
Mas Ludmila surpreendeu. Era determinada e tinha fibra.
Tanto que conseguiu comprar a parte da fazenda pertencente aos filhos de Antenor, e manter a propriedade com as dimensões originais.
Muitos na fazenda gostavam dela, em que pese seu jeito enérgico.
Ludmila apesar de inflexível em alguns pontos, era gentil e amistosa com todos.
Sempre cumprimentava a todos, mesmo quando não conhecia a pessoa de nome.
Freqüentemente os colonos acorriam para pedir auxílio.
Ludmila nunca se recusou em atender os funcionários.
Quando não podia auxiliá-los, explicava-se e procurava uma solução alternativa.
Já chegou a levar colono doente em seu carro para a cidade mais próxima, em busca de atendimento médico.
Lúcio admirava estas qualidades na patroa.
Razão pela qual enquanto conduzia a mulher, comentava que todos os observavam, admirados de um peão ter a ousadia de convidar a própria patroa para dançar.
Ludmila redargüiu dizendo que era bobagem. Argumentou que não fazia distinção entre as pessoas.
Lúcio, ao perceber que a dança estava terminando, perguntou-lhe se poderiam continuar dançando.
A mulher perguntou-lhe se não gostaria de dançar com outra pessoa.
Lúcio respondeu que gostava de conversar com ela e argumentou que não havia demonstrado toda a sua habilidade como dançarino.
Ludmila sorrindo, concordou.
Dançaram juntos algumas músicas.
A certa altura, Ludmila comentou que as moças não estavam gostando muito de vê-los dançando juntos. Comentou que elas estavam enciumadas do monopólio.
Lúcio achou graça. Argumentou que tudo bem, a deixaria livre de sua presença incomoda.
Ludmila agradeceu as danças. Disse-lhe que dançava muito bem.
O moço realizando um gestual cerimonioso, inclinou-se tirando o chapéu e lhe disse:
- Sempre as ordens!
Nisto, se afastou olhando-a nos olhos.
Ao término das danças, Ludmila percebeu alguns cochichos e comentários do tipo:
- Mas ela é viúva!
- Isto não está certo!
Diante disto, a mulher começou a rir.
Permaneceu na festa por mais algum tempo, sendo convidada a dançar por alguns fazendeiros.
Mais tarde a moça retornou a fazenda dirigindo seu carro.
Adentrou a sede da propriedade.
Sentou-se em um sofá que havia na varanda e ficou contemplando a noite.
Pensou que no dia seguinte o sol brilharia novamente naquelas matas, e com isto, se iniciaria um novo dia com coisas novas, novos desafios.
Sorriu.
Recordou-se de Antenor.
Dos momentos alegres.
Da viagem que fizeram juntos para a capital.
Ludmila lhe mostrou a imponente cidade.
Antenor intimidado, tinha medo de subir nas escadas rolantes. Dizia que iria cair daquele troço.
Com efeito, ao levar o marido ao cinema, o homem achou que as personagens iriam sair da tela e invadir a sala de cinema.
Na fazenda não havia televisor.
Ludmila por sua vez, comentou que quando morava na cidade, gostava de assistir alguns seriados. Dizia-se apaixonada pela série “Vigilante Rodoviário”, “Alô Doçura”. Animada, comentou que adorava o ator Jonh Herbert, e que quando era mais nova, assistiu muitas chanchadas pela tevê.
Antenor contudo, não gostava do aparelho.
Dizia que não entendia como uma pessoa que estava a quilômetros de distância dele, poderia também estar na televisão. Achava uma invenção esquisitíssima.
Com efeito, quando visitava algum conhecido na vila, ao ver o aparelho ligado, comentava que assistir televisão era perda de tempo.
Ludmila achava graça no comportamento ressabiado do marido.
Com efeito, ao viver na fazenda, teve que se desfazer dos hábitos televisivos.
Ao se mudar para a vila, não via tevê.
A moça comentou com o marido certa vez, que seu pai era engenheiro e que conseguiu comprar um aparelho a prestação.
Antenor por sua vez ressalvou que o aparelho era caro, e que nem todos tinham acesso a ele.
Ludmila se entretinha com o rádio de válvulas que havia na sede da fazenda.
As pilhas imensas, quando davam mostras de estarem no fim, eram aquecidas e novamente colocadas no imenso rádio de madeira que havia na sala.
Ludmila ouvia muita moda de viola, guaranhas, música de raiz.
Comentou que adorava as músicas da dupla Tonico e Tinoco.
Antenor sorria dizendo que também eram seus favoritos.
A mulher se ocupava em bordar, preparar as refeições, receber as visitas do marido, em ajudar a lavar e passar as roupas.
Usava um ferro pesado a carvão, o qual tinha que ser utilizado com muito cuidado, ou então, ao invés de passar as roupas, as deixava coberta das cinzas do carvão.
Para ficarem brancas, as roupas, depois de lavadas, eram estendidas na grama para quarar.
Antenor elogiava o cuidado da esposa com os afazeres domésticos.
Ludmila recordava-se com carinho de sua relação com o marido.
Sorrindo, a mulher se recordou da festa, dos momentos divertidos que passara ao lado dos amigos e dos conhecidos. Das danças, da conversa que tivera com Lúcio.
O moço por sua vez, durante a festa, dançou com Jurema, e outras duas senhoras.
As moças ficaram contrariadas quando o belo rapaz moreno dançou com Jurema e as senhoras.
Aborrecidas, comentavam que ele deveria dançar com mulheres mais jovens e desimpedidas, e não com mulheres comprometidas.
O noivo de Jurema, por sua vez, estava de viagem.
Lúcio, percebendo que a moça estava sozinha e ensaiando passos na cadeira em que estava sentada, convidou-a para dançar.
Com isto, o jovem ganhou fama de esnobe.
Lúcio contudo, não se importava com isto.
Ao voltar para casa a cavalo, ficou a contemplar o céu.
Recordou-se do dia em que ceou na casa da patroa.
Em dado momento, chegou a apear do cavalo para contemplar a noite.
Após algum tempo, retomou a cavalgada.
Ao chegar em casa de Valdomiro, armou sua rede e deitou-se.
Permaneceu durante alguns minutos contemplando a paisagem, a noite estrelada, a lua cheia, as flores, as árvores.
O silêncio da noite.
Dormiu.
Sonhando, sorriu.
Quando despertou, percebeu que Valdomiro o observava.
Curioso, o homem comentou que ele devia estar sonhando com alguma coisa muito boa para sorrir daquela maneira.
Lúcio, constrangido, comentou que não era nada.
Valdomiro comentou com ironia:
- Sei, sei! Faz de conta que eu acredito.
Nisto Lúcio sentou-se na rede.
Passou a mão no cabelo.
Valdomiro entregou-lhe uma xícara esmaltada com café.
O moço tomou a bebida.
Em seguida, a esposa de Valdomiro trouxe num prato um pedaço de bolo e frutas.
Comeu.
Nisto, encaminhou-se para o interior da casa, lavou o rosto e as mãos em uma bacia.
Penteou os cabelos.
Trocou de roupa.
Como era dia de domingo, o moço pediu licença a todos.
Passeou a cavalo pela fazenda.
Em dado momento, resolveu descansar em frente a um riacho.
Sentou-se a sombra de uma árvore. Começou a pescar.
Horas depois, voltou para casa.
Ofereceu os peixes que havia pescado a Leocádia.
A mulher agradeceu o oferecimento.
Comentou que iria prepará-los para o almoço.
Com isto, a família almoçou peixes preparados por Leocádia e suas filhas.
Refeição preparada num fogão a lenha.
Nisto, enquanto as mulheres preparavam a comida, Lúcio, Valdomiro e os filhos conversavam sobre a festa.
Os rapazes comentaram animados sobre a beleza das moças que estavam no lugar.
Os três moços – filhos de Valdomiro – , já tinham suas pretendentes e haviam dançado com elas durante a festa.
Estavam deveras animados.
Mais tarde, o moço foi jogar bola com os colonos.
No dia seguinte, voltou a trabalhar.
Ludmila percorreu a fazenda, acompanhou o trabalho dos colonos na plantação, no ensacamento dos grãos de café. Na separação. Na colheita.
Acompanhou o trabalho dos peões no dia seguinte.
Lúcio ao vê-la, cumprimentou-a.
Ludmila perguntou a um dos colonos, o que achava do trabalho de Lúcio.
Valdomiro respondeu que o moço era uma das pessoas mais competentes com quem trabalhou. Pau pra toda obra, executava qualquer trabalho. Acrescentando, mencionou que o rapaz era um bom moço, e um ótimo partido.
Ludmila fingiu não ouvir as últimas palavras do homem.
Apenas agradeceu e se afastou.

Continuou cavalgando.
 
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 2

Com o tempo, Glauco e Lopes perceberam que Ludmila não tinha interesse em ludibriá-los.
No jantar, chegaram a comentar que quando o pai enviou um telegrama informando que iria se casar, pensaram que se tratava de uma oportunista.
Ludmila riu.
Nisto os irmãos ficaram constrangidos.
Pediram desculpas pelas palavras.
Ludmila respondeu que não havia problema.
Comentou que muita gente na vila, pensava da mesma forma.
Com efeito, cerca de três anos depois, a moça havia quitado as parcelas do contrato firmado, e se tornara dona de todas as terras.
Não tivera filhos com Antenor.
Certo dia, Glauco e Lopes lhe perguntaram sobre isto.
Ludmila respondeu melancólica que viveram juntos por pouco tempo, e que os filhos não vieram.
Após adquirir a propriedade das terras, Ludmila perdeu o contato com os moços.
Passou a saber de suas vidas, através de notícias esparsas.
Descobriu que haviam se casado, e investido o dinheiro das terras em atividades comerciais.
Quando soube destas noticias, Ludmila desejou que fossem verdadeiras.
Comentou com seu capataz, que desejava sorte aos filhos de Antenor.
Ludmila gostava da vida na fazenda. Gostava de lidar como os animais, percorrer as plantações, ver as criações.
Gostava de ficar observando o riacho nos fundos da casa sede.
Conversava muito com o administrador da fazenda.
Fazia questão de dirigir o caminhão que levava parte da produção até a venda da vila.
Quanto ao restante da produção, os próprios compradores se encarregavam de buscar as mercadorias na fazenda.
Por lá, havia terreiros de café, locais para armazenagem das mercadorias.
Os colonos moravam em casas na fazenda.
As crianças continuavam a ter aulas na escola da fazenda.
Ludmila aproveitava para conversar com os colonos, saber de seus problemas.
Na fazenda havia uma venda, onde faziam suas despesas.

Emerson, gostava de sair para pescar aos domingos.
Ludmila aproveitava para freqüentar a missa na igreja da vila.
Conforme o tempo passava, todos especulavam se a jovem e bela mulher, se casaria novamente.
A jovem fazendeira cuidava da propriedade.
Possuía detratores e admiradores.
Cuidava da contabilidade da fazenda juntamente com o administrador, Emerson.
Também gostava de passear a cavalo pela fazenda.
Quando apeava do cavalo, geralmente a beira de um riacho, sentava-se perto de uma árvore, e ficava a pensar na vida.
Na convivência com Antenor, seus tempos de professora.
Certa vez, entretida em pensamentos, começou a jogar pequenas pedrinhas no rio.
Estava tão absorta em seus pensamentos, que não percebeu a aproximação de um estranho, que vendo-a tão entretida na tarefa, começou a jogar pedrinhas também.
Distraída, Ludmila não percebeu a aproximação e o barulho das pedrinhas.
Com o olhar perdido, a mulher estava longe dali.
Seus olhos eram tristes.
Em dado momento, o estranho a ficou observando.
Ao dar-se conta de que havia deixado de jogar pedrinhas no rio, o moço retomou sua tarefa.
Ludmila por sua vez, recostou-se na árvore.
Ficou a observar o firmamento, as nuvens, o sol que brilhava intensamente.
Quando se apercebeu que havia um estranho jogando pedrinhas no riacho, assustou-se.
Num átimo levantou-se e perguntou o que ele estava fazendo ali.
Sem graça, o moço parou de jogar pedras.
Levantou-se, pediu desculpas e perguntou se ela era a fazendeira, proprietária da fazenda.
Ludmila ressabiada, perguntou por que ele queria saber.
Comentou que ele era um estranho naquelas paragens.
Nisto o moço respondeu que se chamava Lúcio, e que estava a procura de emprego. Desta forma, reiterou a pergunta inicial.
Ludmila respondeu que sim, era a fazendeira.
Intrigada, perguntou se alguém o havia visto ultrapassar a porteira, e se havia conversado com algum empregado da fazenda.
Lúcio sorrindo respondeu que não havia conversado com ninguém, e havia sido informado na vila próxima, que estavam precisando de mão de obra na região.
Ludmila argumentou que não era costume, as pessoas chegarem a fazenda sem nenhuma referência, e sem terem sido convidadas.
Ao ouvir isto, Lúcio pediu desculpas.
Disse que precisava muito de trabalho, e que não estava em condições de aguardar o surgimento de uma proposta de emprego. Mencionou que vinha de longe, e que aceitava qualquer tipo de trabalho.
Ludmila respondeu que não poderia garantir que haveria acomodação para ele.
Lúcio respondeu-lhe que se ajeitaria em qualquer lugar. Falou-lhe que ela não precisava se incomodar.
Ludmila montou então em seu cavalo.
Recomendou ao moço que a acompanhasse.
Lúcio montou um eqüino e acompanhou-a.
A fazendeira levou-a até o pasto, onde estavam os animais.
Disse que se mostrasse habilidade em cuidar dos animais, poderia trabalhar ali.
Nisto a mulher chamou dois peões.
Pediu aos empregados que explicassem o trabalho ao moço.
Lúcio agradeceu.
Ludmila respondeu dizendo que se trabalhasse bem, poderia ficar com o emprego.
Olhando-o nos olhos, disse-lhe que se decidisse ficar, que fosse contatá-la no final do dia, para se definir onde ficaria.
Lúcio concordou.
Nisto a mulher se afastou.
Retornou a sede da fazenda.
Sentou-se em sua sala.
Chamou uma das empregadas da casa.
Perguntou se estava tudo em ordem.
A criada respondeu que as roupas estavam lavadas, passadas a ferro e engomadas.
Ludmila dirigiu-se a cozinha.
Era um lugar amplo, com forno a lenha, muitas panelas.
De vez em quando a fazendeira gostava de cuidar das refeições.
Passava horas entretida em fazer arroz, feijão, preparar um carne.
Recordava-se do tempo em que era casada com Antenor, e se ocupava desta tarefa.
Lembrava-se que o marido gostava de sua comida, elogiava seu tempero.
Rememorava as festas da igreja na vila, em que providenciava frangos assados.
Por conta disto, ficava dias na cozinha, junto as empregadas da fazenda, limpando frangos, e assando-os.
Estas ocasiões eram momentos de confraternização.
As mulheres contavam as novidades de casa, falavam do trabalho dos maridos, dos filhos.
Riam muito.
Quando era chegada a festa, Ludmila usava seus melhores trajes e seguia orgulhosa de carro, ao lado do marido.
Antenor era feliz ao lado da jovem e prendada esposa.
Ludmila relembrou-se dos bordados que fizera, a casa estava repleta de toalhas bordadas por ela.
Antenor dizia que era uma feiticeira. Em tudo o que colocava as mãos, deixava perfeito e lindo.
A mulher recordou do baile na vila em que dançou junto com o marido.
Enquanto mexia na panela com feijão, os olhos da jovem encheram-se d'água.
Jurema, ao vê-la absorta, chamou-lhe a atenção.
Perguntou-lhe se estava tudo bem.
Ludmila, enxugando os olhos, disse que estava tudo bem.
Nisto, continuou mexendo a panela.
Mais tarde, após uma tarde exaustiva de trabalho, onde teve até que segurar um touro bravo, Lúcio se dirigiu a sede da fazenda, a procura de Ludmila.
Jurema foi quem recebeu o moço.
Espantou-se quando o homem perguntou de Ludmila.
Dizia ter um assunto importante para falar com ela.
Curiosa, a mulher perguntou do que se tratava.
Lúcio respondeu que era um assunto particular.
Nisto, tirou seu chapéu, e brincando, disse que as pessoas ali, eram bastante desconfiadas.
Desta feita, comentou que a própria Ludmila pediu para que fosse até lá.
Com isto, Jurema pediu licença ao moço. Não sem antes o olhar de alto a baixo.
Dentro da casa, passou a chamar a patroa.
Ludmila, que estava na cozinha preparando o jantar, assustou-se com os gritos da serviçal.
Havia se esquecido do que havia combinado com o moço. Razão pela qual espantou-se quando soube que Lúcio estava a sua procura.
A mulher precisou de algum tempo para se recordar do combinado.
Depois de alguns minutos, a mulher dirigiu-se a varanda da sede.
Lúcio a aguardava segurando o chapéu nas mãos.
Ludmila perguntou se havia sobrevivido ao primeiro dia de trabalho.
O homem riu.
Ludmila comentou que precisava pensar onde ele passaria a noite.
Disse que havia se esquecido deste detalhe.
Motivo pelo qual não sabia onde ele poderia pousar.
Lúcio respondeu se havia celeiro na fazenda.
Ludmila respondeu que sim.
Lúcio então disse que poderia dormir por lá. Contou que iria reviver a vida dos antigos tropeiros.
Ao ouvir isto, a mulher perguntou-lhe se ele tinha conhecimento sobre a história dos tropeiros.
Lúcio respondeu que sim. Mencionou ser neto de tropeiros.
Ludmila achou interessante.
Percebendo que não havia convidado o moço para entrar, chamou-o para adentrar a casa grande.
Ao entrar na construção, passaram pela varanda, e Ludmila conduziu-o até a sala.
Quando o moço sentou-se, perguntou-lhe se gostaria de beber algo.
Lúcio agradeceu, mas disse que ela não precisava se incomodar.
Ludmila respondeu que havia uma boa aguardente guardada em sua cozinha, e que se ele quisesse, poderiam experimentar.
Nisto, pediu a Jurema que trouxesse a bebida e dois pequenos copos.
Jurema abriu a garrafa e encheu os copos.
Espantado, Lúcio perguntou se ela beberia a aguardente.
A mulher respondeu que sim.
Disse que de vez em quando gostava de beber algo mais forte.
Com isto, sorveu a bebida em um só gole.
Lúcio ficou perplexo.
Ludmila, ao ver que o moço não sorvera a bebida, perguntou-lhe se não iria beber.
Perguntou-lhe se não gostava de aguardente. Sugeriu um licor.
Sorrindo, o moço virou o copo.
Elogiou a bebida.
Comentou que nunca imaginaria que uma mulher delicada seria capaz de beber algo tão forte.
Ludmila contou adorava uma aguardente. Relatou que ajudava a aquecer a alma.
Lúcio concordou. Disse que ajudava a dormir e a sonhar com um dia melhor.
Ludmila relatou que não poderia deixar que pousasse no celeiro, posto que aquele era lugar de pouso para animais.
Lúcio comentou que entendia, mas argumentou que precisava se abrigar da chuva.
Ludmila levantou-se então. Observou pela janela. Viu um céu cheio de estrelas e uma lua cheia.
Comentou que não parecia que iria chover. Argumentou que o céu estava limpo.
Lúcio aproximou-se e também viu o céu pela janela.
Brincando, respondeu que preferia não se arriscar.
Ludmila resolveu sentar-se novamente no sofá.
Comentou que ele iria dormir em um dos quartos de hospedes. Perguntou-se estava com fome.
Lúcio respondeu que estava faminto.
O moço curioso com a imponência da construção, perguntou se era uma construção colonial.
Ludmila respondeu que era uma casa antiga, pertencente a família há quase cem anos. Contou que fora o avô de Antenor quem construíra o palacete, decorando com móveis de madeira de lei, como jacarandá, lustres importados, esculturas.
Lúcio perguntou como alguém que vivia na roça poderia ter tanto gosto para construir algo tão bonito.
Ludmila disse que na roça não havia só gente sem estudo. Pessoas saíam do campo para estudar, se instruíam e voltavam para dividir o que aprendera com os outros.
Lúcio respondeu que não tivera oportunidade de ir além do primário.
Comentou que gostaria de ter estudado mais, mas que seus pais não tinham condições de mantê-lo estudando em um colégio interno.
Ludmila falou que todos deveriam ter oportunidade de estudar pelo menos até o primário, mas que seria bom que todos pudessem estudar mais tempo. Adquirir uma profissão.
Ao ouvir isto, Lúcio relatou que tinha uma profissão. Não tinha um diploma, mas trabalhava no campo.
Ludmila, relatou que quando disse aquelas palavras, queria dizer adquirir conhecimentos técnicos. Ressaltou que o trabalho no campo também exigia conhecimento, e que uma forma de multiplicá-lo, seria profissionalizá-lo.
Ao término da explicação, percebendo o ar de interrogação do moço, respondeu que havia cursos de agronomia.
Lúcio redargüiu dizendo que havia entendido o que ela queria dizer. Ressaltou porém que era xucro demais para fazer uma faculdade. Dizia que não queria abandonar a vida no campo.
Ludmila comentou que de fato, poucos lugares ofereciam o curso.
Com isto, perguntou se Lúcio de fato, era neto de tropeiros.
Lúcio respondeu que sim.
Comentou que seu avô possuía uma capa impermeável, a qual usava em suas tropeadas juntamente com outros companheiros. Cavalgavam longas distâncias, rasgando o Brasil. Dormiam em qualquer pouso. Muitas vezes até ao relento. Protegiam-se da chuva com a aludida capa, que não deixava a água penetrar o corpo.
Levavam embornais com comidas e faziam as próprias refeições.
Aqueciam-se ao redor de fogueiras. Conversavam, contavam causos.
Tangiam bois, os quais levavam para os seus compradores.
Viviam em viagens que duravam meses.
Lúcio comentou que adorava as histórias das viagens, os perigos pelos quais passavam, as fazendas que visitavam, as pessoas que conheciam.
Lúcio comentou que seu avô conheceu a esposa, em uma de suas muitas viagens pelo Brasil afora.
O moço contou que a moça era filha de um dos colonos de uma das fazendas onde costumava pousar durante suas viagens.
Conheceram-se em uma festa promovida no vilarejo.
O homem pediu licença ao pai da moça e a convidou para dançar.
Bandeirinhas coloridas enfeitavam os céus da fazenda.
Uma fogueira complementava o cenário.
Um dos colonos tocava uma viola.
Algumas pessoas dançavam.
Com o tempo, o moço aproveitou para se encontrar com a jovem.
Daí para o casamento foi um passo.
Depois do casamento, o avô levou a esposa para longe dali.
O homem continuou as tropeadas.
O filho, seguiu os seus passos.
Com o tempo, a necessidade de grandes deslocamentos diminuiu, e a vida de tropeiros igualmente diminuiu de importância.
Desta forma, Lúcio relatou que não pode seguir a tradição da família.
Nisto o moço comentou que não iria abandonar a vida na roça, gostava do campo e não abandonaria aquelas matas, os rios e toda aquela natureza, por nada neste mundo.
Ludmila sorriu para ele, comentou que entendia toda aquela devoção.
Contou que até se casar, nunca vivera no campo, mas que ao precisar se adaptar a aquele modo de vida, percebeu que aquilo era a essência da felicidade. Revelou que se tivesse que voltar a viver na cidade, não seria mais a mesma coisa.
Lúcio rindo, disse que ela estava bem adaptada àquela vida.
Depois de alguns minutos, Jurema avisou que o jantar seria servido logo.
Ludmila agradeceu.
Com isto, alguns minutos depois, Ludmila e Lúcio se encaminharam para a sala de jantar.
Quando o moço se deparou com a imponência do lugar, ficou intimidado.
Logo perguntou se iria jantar no local.
Ludmila perguntou se havia algum problema.
Lúcio respondeu que poderia perfeitamente jantar com os outros empregados.
Ao ouvir isto, a mulher disse:
- Deixe de cerimônias. Sente-se logo que iremos jantar. Aposto que nunca comeste algo tão saboroso.
Lúcio tentou argumentar.
No que Ludmila respondeu:
- Sente-se aí! Ande, não se faça de rogado. Eu não sou de cerimônia.
Lúcio sentou-se a mesa.
Ludmila percebendo o constrangimento do moço, chamou Jurema para ocupar a mesa.
A serviçal ao ouvir o convite, não entendeu de inicio.
Tanto que pediu perdão, argumentou que não entendeu as palavras de Ludmila.
No que a fazendeira reiterou o pedido:
- Ande mulher! Sente-se, vamos jantar.
Jurema atendeu a solicitação.
E assim o trio jantou.
Comeram arroz, feijão, salada, carne.
Rindo, Lúcio comentou que fazia tempo que não comia carne.
Ao término do jantar, disse que a comida estava muito boa, e que fazia tempo em que não comia tão bem. Alegou que carne era um artigo de luxo na mesa de muitos trabalhadores, que só comiam algo assim, de vez em quando.
Ao término da ceia, Ludmila e Lúcio se encaminharam para a sala.
A fazendeira passou a se ocupar de um bordado.
Fato este que causou espanto em Lúcio.
O moço comentou que Ludmila era surpreendente.
A mulher riu.
Ludmila respondeu que não nasceu fazendeira.
Nisto a mulher ligou o rádio.
Ouviram modas de violas, canções de raiz.
Mais tarde se recolheram.
Jurema arrumou o quarto de hospedes para Lúcio.
O moço ficou em um quarto grande, espaçoso.
Ao se ver cercado de tanto luxo, Lúcio estranhou.
Demorou para pegar no sono.
Não estava acostumado com aquele modo de vida.
Ludmila por sua vez, recolheu-se para seu quarto.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 1

Paralelo a isto, Ludmila administrava com mão de ferro, a fazenda que herdara do marido, recentemente falecido.
Casou-se cedo, com um homem mais velho.
Desde então, passou a viver na referida fazenda, cuidando dos afazeres domésticos.
Lavava as roupas dela e do marido, as toalhas, em um riacho existente nos fundos da casa sede.
Deixava as roupas ao sol para quarar.
Realizava o trabalho acompanhada de duas empregadas. Duas mocinhas que batiam as peças na pedra.
Enquanto trabalhavam, cantavam.
Ludmila também lavava algumas roupas.
Andava a cavalo, sendo uma exímia amazona.
Todos os funcionários da fazenda a respeitavam.
O capataz, braço direito de Antenor, chamava-a de Dona Ludmila.
Sutil, sempre que Antenor tinha alguma dificuldade, algum impasse, oferecia um conselho.
Normalista, fora professora, antes de se casar.
Durante algum tempo, o dinheiro, o ordenado ganho nas atividades docentes, auxiliaram na mantença do casal, nas despesas mais urgentes, já que Antenor estava com todo o seu dinheiro imobilizado na fazenda. Comprara reses, animais, e insumos para a fazenda.
Antenor tinha plantações, um belo cafezal, frutas e gado.
Nos primeiros anos de casada, Ludmila lecionou para as crianças na fazenda.
Rigorosa, exigia uma caligrafia caprichada e dedicação aos estudos.
Ensinava a tabuada, as primeiras letras, noções de civismo, os hinos pátrios, noções de história, ciência, geografia.
E apesar do ar severo, as crianças a adoravam.
Os empregados, os camponeses, todos eram gratos a dedicação da mulher.
Quando Ludmila deixou de lecionar, todos lamentaram.
Antenor, com o passar do tempo, decidiu contratar alguém de fora para ensinar as crianças.
Argumentava que a mulher era mais útil dentro de casa.
Primeiramente, a jovem lecionava na escola da vila perto dali.
Deste trabalho saía seu ordenado, e foi saindo da escola, após um dia de trabalho, que Antenor viu a moça, com cadernos e livros debaixo do braço.
Percebendo o fardo que a jovem carregava, ofereceu-se para ajudá-la.
Ludmila, que estava cheia de livros e cadernos para corrigir, agradeceu o oferecimento.
O homem, fazendeiro do lugar, perguntou-lhe o nome.
- Ludmila. – respondeu.
- Nome interessante! Gosto do som. – disse o homem.
A jovem comentou que nunca havia ouvido que seu nome era interessante. Alegou que era comum ouvir que tinha um nome esquisito, ou de onde haviam inventado aquele nome.
Antenor, ao ouvir as palavras da moça, caiu na risada.
Apresentou-se. Disse que morava em uma fazenda da região.
Com isto, perguntou se fazia muito tempo que estava ali, se era professora há muito tempo.
Ludmila respondeu que se formara a pouco tempo, e que estava lecionando na vila há cerca de dois meses.
Enquanto conversavam, caminhavam.
Quando finalmente chegaram na hospedaria, a moça disse-lhe que estava instalada ali.
Agradeceu a gentileza e adentrou as dependências do estabelecimento.
Antenor acenou se despedindo.
Retornou a fazenda depois de entregar algumas sacas de café e outros víveres na venda da vila.
Na Casa da Lavoura da região, adquiriu sementes para realizar novas plantações.
Frequentemente o homem se dirigia a vila para a venda parte de sua produção.
O excedente, vendia em outra cidade.
Com isto, tempos depois, lá estava Antenor novamente na porta da escola.
Ajudou novamente a jovem a carregar os materiais.
A dona da hospedaria, ao perceber que o fazendeiro estava interessado na moça, recomendou-lhe que tomasse cuidado com os galanteios de Antenor.
Curiosa, Ludmila perguntou:
- Por que deveria tomar cuidado?
Rindo, a mulher respondeu:
- Este homem é terrível! Foi com estes modos gentis e cavalheirescos que ele conquistou sua primeira esposa.
Ao ouvir isto, a moça perguntou se ele era casado.
No que a mulher respondeu que não.
Era viúvo. Fora casado há muito tempo com uma mulher. Com ela teve filhos, todos moços e morando na capital.
Dolores comentou que fazia muito tempo que ele estava só. Indiscreta, comentou que o homem estava abrindo seu coração para viver um novo amor.
Ao ouvir isto, Ludmila caiu na risada.
Dizia:
- Que bobagem!
O tempo porém, demonstraria o contrário.
Com o decorrer dos meses, as conversas esporádicas passaram a ser freqüentes.
Como a jovem não possuía família na região, Dolores se incumbiu de auxiliar a moça a preparar um enxoval.
Ajudou-a a bordar peças.
Antenor presenteou-a com peças de linho.
Dizia para quem quisesse ouvir, que Ludmila teria sempre do bom e do melhor.
Para o casamento, o homem mandou abater um boi e a festa durou dois dias.
Pediu a mão da moça para a dona da pensão.
Ludmila contudo, conviveu pouco tempo com os filhos do fazendeiro.
Com o casamento, o homem realizou a partilha de todos os seus bens.
Seus filhos receberam parte das terras.
Contudo, como viviam na cidade, não tiveram interesse em tomar posse das terras.
Com isto, Antenor continuou a cuidar das terras.
De fato, Ludmila continuou a lecionar na escola da vila.
Antenor a levava e buscava todos os dias em uma caminhonete.
Dolores apreciava a cena de longe.
Admirava a dedicação de Antenor a Ludmila.
Quando o homem faleceu, todos na vila foram até a fazenda acompanhar o velório.
Antenor era muito querido na região.
Seus filhos, ao tomarem conhecimento da morte do pai, através do um telegrama, se dirigiram a fazenda.
Glaucio e Lopes, ao conhecerem a madrasta, não foram nem um pouco amistosos.
Disseram-lhe que ela não tinha direito a nada, e que vieram buscar o que lhes era de direito.
Ludmila, fragilizada pela morte do companheiro, respondeu-lhes que aquele não era o momento para se falar de herança.
Os rapazes tentaram argumentar, mas Ludmila irritada, disse que exigia respeito no que tocante a memória de Antenor. Alegou que estavam em um funeral, e que deveriam guardar luto. Depois poderiam conversar, discutir se preciso fosse. Mas aquele momento era sagrado.
Glaucio e Lopes tiveram que se calar.
Envergonhados, perceberam que todos olhavam para eles.
Empregados da fazenda, conhecidos, amigos de Antenor. Todos os fitavam com ar de reprovação.
Durante o velório, foram providenciadas flores.
Ludmila cuidou do corpo do marido.
Antenor faleceu em virtude de um ataque cardíaco.
Estava em cima de um cavalo.
Foi trazido para a sede por empregados da fazenda.
Na sala da fazenda, carpideiras choravam e entoavam canções, homenageando o morto.
Todos estava pesarosos.
Comentários sobre as virtudes do falecido, vinham de todos os recantos.
Todos davam condolências a jovem viúva.
Mais tarde, saiu um cortejo da fazenda.
O corpo foi enterrado no cemitério da propriedade.
Um padre fez algumas orações.
Ludmila jogou flores no caixão.
No dia seguinte ao enterro, Glauco e Lopes indagaram a respeito da herança.
Ludmila, com toda a segurança, disse que antes de se casarem, Antenor providenciou a partilha de parte dos bens, e que eles nunca se interessaram em cuidar do próprio patrimônio.
Ao ouvir isto, os moços tencionaram discutir, mas Ludmila argumentou que as terras continuavam lá. Mencionou que Antenor, mesmo decepcionado com o pouco caso dos filhos, continuou a cuidar das terras, como se ainda lhe pertencesse. Alegou que todos os rendimentos das terras foram repassados a eles, e que Antenor somente ficava com o valor necessário para se recompor das despesas.
Glauco comentou que ele não fizera mais do que a obrigação.
Ludmila irritou-se ao ouvir isto. Disse que ele não tinha obrigação alguma de cuidar de algo que não mais lhe pertencia. Comentou que estava surpresa com a falta de coragem e de iniciativa deles.
Nisto, argumentou que havia contatado o advogado de confiança do marido, e que ele lhe informara que a primeira partilha se tratava do patrimônio concernente a mãe deles. A meação.
Mencionou também que em razão da idade de Antenor, menos de sessenta anos, não havia necessidade de nenhuma providência legal com relação a outra metade da herança.
Ludmila comentou que Antenor falhara em não partilhar os bens, logo que a esposa falecera.
Lopes respondeu-lhe que era menor quando sua mãe faleceu.
Ludmila falou então, que eles não precisavam se preocupar. Relatou que o causídico estava cuidando da legítima.
Como os moços tivessem um ar interrogativo, a mulher explicou que se tratava da parte que lhes competia na herança.
Lopes e Glauco indagaram Ludmila, perguntaram como poderiam ter certeza de que todas as providências necessárias estavam sendo tomadas.
Ludmila respondeu que eles também poderiam constituir um advogado e ingressar com uma ação judicial, caso tivessem interesse.
Foi o bastante para a dupla calar-se.
Nisto, tempos depois, as terras foram novamente divididas.
Ludmila contatou-os.
Exigiu que comparecessem a fazenda.
Quando os rapazes chegaram, Ludmila chamou-os para uma conversa.
Havia contatado seu advogado de confiança.
Na frente do causídico, a mulher respondeu-lhes que providenciaria a demarcação de sua parte nas terras, e que, ao contrário do marido, não continuaria a cuidar das terras deles. Argumentou que necessitava de uma contrapartida, já que eles possuíam a maior parte do latifúndio original.
Ao ouvir isto, Lopes e Glauco protestaram. Argumentaram que não sabiam administrar uma fazenda. Não sabiam o que fazer com as terras.
A mulher, ao ouvir as palavras dos moços, comentou que já era hora deles aprenderem a cuidar de suas terras.
Glauco, tentando negociar, sugeriu que ela comprasse as terras deles.
Comentou que com dinheiro sabia lidar, mas com terras não.
Ludmila respondeu que não tinha dinheiro suficiente para adquirir três quartos, do que fora a fazenda original.
Lopes chegou a propor um parcelamento.
Ludmila poderia continuar cuidando das terras, como se fora uma meação.
Parte do investimento ficaria com eles, e outra parte ficaria com ela, para se recompor das despesas e para juntar dinheiro para comprar a parte deles.
Ludmila, ao tomar conhecimento da proposta, não a julgou interessante. Argumentou que estava se inteirando dos negócios do marido. Mencionou que fazia poucos meses que estava administrando a fazenda. Não sabia se conseguiria juntar dinheiro suficiente para tanto.
Glauco respondeu-lhe que durante todo aquele tempo, ela estava dando continuidade ao trabalho de Antenor, e que não tinha senões a fazer. Comentou que confiava em sua competência, e que tudo daria certo.
Curiosa, Ludmila perguntou em quanto tempo, e quantas parcelas precisariam serem pagas.
Com isto, foi firmado um contrato de venda e compra, com clausulas estipulando as condições da venda, os encargos de Ludmila.
Mais tarde, após assinarem o contrato, os moços pediram para caminhar pela fazenda.
Ludmila autorizou-os. Disse-lhes que eram donos de boa parte daquelas terras.
E assim, calçando botas, os rapazes passearam pelas cocheiras, viram cavalos, bovinos.
Cavalgaram.
Recordaram-se da infância ao lado de Antenor e Melissa.
Glauco e Lopes, avistaram a escola onde aprenderam as primeiras letras.
Neste momento, se depararam com Ludmila, que ao vê-los, apeou do cavalo.
Perguntou-lhes se estavam se recordando do passado.
Os moços disseram que estudaram na escola da fazenda.
Ludmila respondeu que já lecionou naquela escola.
Os jovens ao ouvirem a palavra da mulher, ficaram surpresos.
Ludmila respondeu-lhe que fora normalista, e que chegou a exercer a função. Comentou que foi como professora que Antenor a conheceu, e que seu dinheiro como professora primária, pagou muitas despesas domésticas.
Lopes argumentou que nunca imaginou que ela pudesse ter sido uma professorinha.
Glauco completou dizendo que quem a via percorrendo as terras a cavalo, não imaginava que ela poderia ter uma formação tão citadina. Comentou que ela parecia ter nascido daquela terra.
Ludmila falou que aprendeu a gostar daquela terra.
Conversou com os moços. Respondeu que fora muito feliz ao lado de Antenor, vivendo como uma autentica dona de casa.
Porém, com sua morte, precisava cuidar da fazenda.
Incumbida da função de administradora dos interesses dos moços, mais tarde, Ludmila mostrou as terras dos moços, explicou-lhe sobre as culturas que estavam sendo realizadas no local, os animais que estavam sendo criados.
Glauco e Lopes, se impressionaram com o cuidado da moça.
Ludmila providenciou instalações independentes.
Tudo funcionava de forma independente.
A mulher argumentou que tomou este cuidado, no caso dos moços resolverem tomar a frente administração das terras. Mencionou que apenas não havia casa, mas que caso tivessem interesse, isto poderia ser providenciado. Relatou apenas, que não poderia garantir instalações de luxo. Mas que teriam uma casa segura.
A propósito, a sede da fazenda é uma construção colonial, com móveis antigos. Erguida com muito luxo e requinte.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XVIII

Felipe ao tomar conhecimento disto, comentou que Leila devia estar bastante aborrecida com a imposição.
Osvaldo comentou então que poderiam conversar a sós.
Porém, mesmo à distância, ficaria de olho neles.
O moço agradeceu o voto de confiança.
Com isto, aproximou-se da moça, que não fez questão de cumprimentá-lo.
Felipe aproximou-se dela, e segurou suas mãos. Pediu-lhe para que olhasse para ele.
Leila não fazia questão de atendê-lo.
Permaneceu indiferente olhando para os móveis, a parede da sala. Menos para ele.
Impaciente, Felipe segurou seu rosto.
Leila assustou-se com o gesto brusco.
Nervoso, Felipe comentou que ela estava sendo caprichosa e que não tinha o direito de maltratá-lo daquela maneira.
Leila irritada, exigiu que ela a soltasse.
Felipe porém não a atendeu.
Disse que somente a soltaria quando ela lhe dissesse com todas as letras, que não gostava dele, e que ele poderia sumir de sua vida, pois não se importava.
Leila relutou em repetir aquelas palavras. Argumentou que ele estava pedindo para ser humilhado.
Felipe no entanto, insistiu.
Irene ao ver a cena, tencionou intervir, mas Osvaldo aconselhou-a a não ir até a sala.
Comentou sorridente que algo lhe dizia que eles acabariam por se entender.
Irene comentou que Felipe estava sendo bruto com sua filha.
Osvaldo retrucou que bruto não, apenas enérgico.
Leila então, mirando-o, ao notar que Felipe não desistiria, disse-lhe que não interessada em casamento, ainda mais com ele, depois de tudo o que ele fizera. Comentou que se ele mentira para ela uma vez, quem garante que tal fato não ocorreria outras vezes?
Felipe olhando-a nos olhos, prometeu que não.
Disse-lhe que estava arrependido, e que estava interessado em construir o relacionamento deles em bases sólidas.
Nisto, percebendo a mágoa da moça, Felipe relatou que contou aos pais sobre seu interesse em casar-se e que eles estavam interessados em conhecê-la.
Leila desviou os olhos dele.
Nisto, soltando a moça, Felipe argumentou que ela não respondera suas perguntas.
Leila respondeu que não sabia o que dizer.
Felipe então segurou novamente seu rosto.
Disse que só desistiria dela se tivesse certeza absoluta de que ela não tinha interesse em casar-se com ele. Com isto, insistiu para que ela dissesse que não gostava dele.
Leila afastando suas mãos, disse para que a deixasse em paz.
Nervoso, Felipe aproximou-se dela e falou-lhe que se ela não gostava dele poderia dizer-lhe.
Argumentou que agüentaria sofrer mais uma decepção. Relatou que não seria a primeira vez que passaria por aquilo. Falou apenas, que seria a primeira vez que ouviria um não de alguém de quem tinha muita estima, muito afeto.
Ao ouvir isto, Leila perguntou-lhe por que estava insistindo tanto nisto. Mencionou que com o dinheiro que possuía, poderia ter qualquer mulher que quisesse.
Felipe respondeu-lhe que qualquer mulher, poderia ser realmente isto, uma mulher qualquer. Até mesmo uma interesseira, uma golpista, alguém somente interessada em seu dinheiro.
Leila indagou se fora por isto que ele omitira que era rico.
Nervoso, Felipe respondeu que estava cansado de explicar que tudo fora resultado de uma série de mal entendidos, e que nunca tivera a intenção de enganá-la. Argumentou que nunca lhe passou pela cabeça que ela era uma interesseira.
Sorrindo, o moço comentou que gostou dela desde o início.
Teimoso, Felipe comentou que se ela relutava tanto em dizer-lhe o que estava pedindo era por que não o desgostava, e assim sendo, não havia motivo para não se casar com ele.
Leila, ao ouvir isto, enervou-se.
Argumentou que ele não estava em condições de realizar pré-julgamentos.
Nervosa, gritou que não gostava dele.
Tal fato chocou Felipe, que magoado, pediu para que ela continuasse.
Nisto, Leila respondeu com os olhos cheios de água e quase gaguejando, que não queria se casar com ele, que ele não significava nada para ela.
Em seguida, começou a chorar.
Felipe ao perceber isto, abraçou-a.
Começou a chorar também.
Nervoso, começou a pedir-lhe desculpas. Disse que nunca lhe esconderia nada.
Comentou que se ela queria fazer a tão sonhada faculdade, poderia fazê-la, não se oporia.
Irene, ao presenciar a cena, sorriu cúmplice para o marido.
Curiosa, perguntou-lhe como sabia que eles se entenderiam.
Osvaldo respondeu que não sabia. Apenas tinha uma forte crença de que tudo daria certo.
Dias mais tarde, a família da moça foi convidada para conhecer a casa do moço.
Irene, Osvaldo e Leila usaram suas melhores roupas.
Encantaram-se com a imponência do palacete da família Oliveira.
Ao entrarem na casa, foram recepcionados pelo mordomo, que os convidou para adentrarem a casa e se instalarem na grande sala.
Solícito, o homem perguntou se gostariam de beber algo.
Osvaldo agradeceu, mas respondeu que não.
Perguntou onde estavam os donos da casa.
O mordomo respondeu que logo eles desceriam para conversar com eles.
Com efeito, primeiro apareceu Fábio que cumprimentou a todos.
O homem encantou-se com a beleza da noiva do filho.
Disse a moça que compreendia por que Felipe havia se encantado tanto com ela.
Leila agradeceu o elogio.
A seguir, eis que surge Fátima, que também elogiou a moça, e o bom gosto em se vestir. Recomendou que todos se sentisse à vontade, pois estavam em casa.
Com isto, Fátima ofereceu um licor aos convidados.
Uma criada serviu a todos.
Por último, Felipe se apresentou aos convidados.
Pedindo licença a todos, pediu para sentar-se ao lado de Leila.
Osvaldo e Irene, concordaram.
Brincando, Fábio comentou que ele precisava formalizar o pedido, já que pedira Leila em casamento, de uma forma pouco usual.
Felipe então, segurando a mão direita da moça, sorriu ao perceber que ela sustentava o solitário com o qual a havia presenteado durante o jantar no Rio de Janeiro.
Mais tarde, Felipe reiterou o pedido de casamento aos pais da moça, os quais concordaram com a proposta.
Leila por sua vez, e pela primeira vez, respondeu que sim. Aceitava casar-se com ele.
O aceite foi aplaudido por todos.
Para o jantar, Fátima mandou preparar uma refeição simples.
Irene, ao perceber a simplicidade da ceia, agradeceu a atenção da anfitriã. Disse que de fato, não sabia utilizar aquela enorme quantidade de talheres.
Sorrindo Fátima respondeu que aprender era uma questão de tempo.
Simpática, comentou que não nascera rica, e que ao receber a herança do filho, precisou aprender. Relatou que para isto, foi assessorada por parentes e profissionais.
Irene ficou perplexa. Tanto que perguntou:
- Você já foi pobre como nós?
- Nós já fomos pobres, sim. Hoje temos dinheiro em virtude de uma herança de Felipe. Mas o dinheiro já foi contado em nossas vidas. Já tivemos nossas dificuldades, as quais não foram poucas. Dificuldades de todo o trabalhador brasileiro. A senhora deve saber disso!
Irene, ao tomar conhecimento disto, ficou encantada. Comentou que desde o início percebera que ela não era uma mulher arrogante.
Osvaldo perguntou a Fábio se ele já trabalhara em fábrica.
O homem respondeu que sim.
Ao término do jantar, Felipe pode ficar um pouco a sós com Leila.
Passearam pelo jardim da mansão.
Leila comentou durante o passeio, que os pais dele eram muito simpáticos.
Felipe concordou.
Relatou que eles foram pobres, e que ele só soube o que era ter dinheiro, depois dos dez anos de idade. Daí em diante passou a estudar em internatos, e até no exterior. Precisava ser preparado para administrar a fortuna que herdara. Formou-se em direito, e quando finalmente terminou os estudos, tinha um grupo empresarial para administrar.
Comentou que as empresas foram montadas por seu tio Epaminondas, e que seu pai também tinha seu comércio, seus negócios, independentes da fortuna dele.
Felipe comentou que através de um empréstimo de parte de seu patrimônio, seu pai conseguiu amealhar patrimônio. Foi tão bem sucedido no empreendimento que conseguiu devolver o dinheiro emprestado, e hoje não precisa da ajuda financeira de ninguém para sustentar um bom padrão de vida.
Leila ficou impressionada com o relato.
Felipe mostrou-lhe uma bonita fonte que havia no jardim.
Comentou que se tratava de uma bela mansão onde passara alguns bons momentos de sua vida. Contou que em criança, brincou muito em meio àquelas plantas. Que foi muito feliz ali.
Felipe e Leila, caminharam de mãos dadas.
Quando retornaram a sala, Irene e Osvaldo chamaram a moça.
Comentaram que a visita se alongara e que precisavam voltar para casa.
Osvaldo argumentou que precisaria trabalhar no dia seguinte, e que precisava acordar cedo.
Fátima e Fábio lamentaram a despedida, mas compreendendo o fato, despediram-se da família.
Fábio comentou que precisavam se encontrar mais vezes.
Osvaldo concordou. Mencionou que ocasião para isto, não faltaria.
Felipe despediu-se de todos.
Quanto a Leila, pediu para ficar um pouco a sós.
E assim, afastando-se um pouco de todos, conduziu a moça a entrada da casa e abraçou-a.
Olhando-a nos olhos disse que ficaria com saudades.
Leila riu.
Despediram-se.
Dois meses depois, Felipe e Leila casaram-se.
Epaminondas foi o padrinho do casal, acompanhado de sua esposa.
Colegas de Felipe, amigos das famílias, colegas de trabalho de Leila, todos compareceram ao casamento.
A imprensa fotografou o casal.
A foto do casamento ilustrou a coluna social de um dos jornais da capital.
Leila fez a almejada faculdade.
Tornou-se braço direito do marido, no Grupo Oliveira.
Para desespero de Fábio e Osvaldo que achavam que ela deveria ficar na casa montada para o casal, administrando o lar, e cuidando dos filhos que viriam.
E os filhos vieram.
Dois.
O tempo passou e Felipe continuou trabalhando a frente da empresa.
Todos os anos, no dia onze de agosto, se encontrava com os colegas da faculdade.
Reuniam-se para confraternizarem.
Contavam anedotas. Falavam dos tempos de faculdade, do tempo em que Felipe freqüentou o teatro com bastante freqüência, de seu interesse pela carreira artística.
Todos riam.
Com o tempo, começaram as ausências.
Colegas que faleceram.
Todos lamentavam as ausências.
Os mais chegados se entristeciam.
Mas a vida prosseguia.
O Felipe ainda permaneceu por muitos anos, cuidando da empresa.
Até passar a administração dos negócios para os filhos.
Trabalhou por mais de quarenta anos na empresa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.