Depois, do enterro, Solange retornou para sua casa, e durante o restante do dia, dormiu.
Dormiu, dormiu, por quase doze horas.
Por isso, preocupados que estavam, os vizinhos se organizaram para, nas próximas semanas, acompanharem-na em suas atividades diárias. Cautelosos, não a deixariam nem um minuto sozinha. Não queriam que ela fizesse uma besteira.
E durante os dias que se seguiram, foi isso que fizeram. Ajudaram-na em tudo que podiam.
Cuidaram de sua casa, tentaram animá-la.
Mas quanto ao desalento que sentia, Solange não conseguia se animar. Gentil, agradecia a todos pelo que estavam fazendo, mas não conseguia superar a dor.
Durante semanas, sentiu-se triste, sem forças, sem vontade de viver.
Pensava:
Pra que me levantar todos os dias, se eu não tenho mais motivos para isso? Pra que continuar, se tudo o que fazia nos últimos quinze anos fora pensando nela? Afinal, que sentido havia em tudo agora?
De onde tiraria forças para continuar sua vida?
Pra que continuar vivendo se Lúcia não estava mais com ela?
Por que tinha que passar por tudo aquilo? Por que ela, por ser mais velha, não tinha morrido primeiro? Por que sua filha tivera que passar por tudo aquilo?
E assim por mais que tentasse entender, Solange não conseguia chegar a nenhuma conclusão. Para ela, não foram justos com sua filha, e por isso, mais e mais se afundou em sua depressão.
Seus amigos e vizinhos, já estavam ficando preocupados.
Tanto que chegaram a aconselhar a Solange, que se consultasse com um psicólogo, para que este a ajudasse a superar os problemas decorrentes da perda da filha.
Mas Solange não queria saber de ajuda.
Com isso, mais e mais seu estado de saúde foi se agravando.
Conforme as semanas foram se passando, mais e mais Solange se afundava em sua depressão.
Seus amigos, ao verem que a situação se agravava, pediam mais e mais a Solange, que buscasse ajuda profissional para tentar superar a dor.
Mas ainda assim, apesar do abatimento moral, Solange não queria saber de médicos, nem de ajuda. Para ela, a vida havia perdido o sentido. Não valia mais a pena viver.
Tanto que certa vez, chegou a dizer para as amigas que se ela morresse, seria uma benção.
Mas as duas, ao ouvirem suas palavras, lhe deram uma severa bronca.
-- Afinal. Onde já se viu? Uma mulher forte e trabalhadora falando uma bobagem dessas? Como é que pode? – perguntou Raquel a amiga.
-- Agora nada mais me importa. – respondeu Solange. – Lúcia morreu.
-- Sim, eu sei. E sei também que é muito duro o que vou dizer, mas vendo sua situação, eu não posso mais me omitir... Infelizmente, Lúcia morreu. Morreu. Nunca mais vai voltar. Mas você não. Você continua viva. Eu sei que nada vai poder reparar essa perda, pois Lúcia morreu inesperadamente. E isso foi um duro golpe para você. Mas você precisa continuar minha amiga. Se não for por você, ou por nós, que seja por sua filha. Para que lá de cima, ela lhe possa ver bem, sem que tenha que se preocupar com você. – insistiu Cínthia. – Faça isso por Lúcia, que gostava muito de você.
Solange, ao ouvir as palavras das amigas, ficou emocionada.
Em razão do recente abalo emocional que sofrera, tudo que a fizesse se lembrar da filha a deixava entristecida.
Por isso, ao ouvir que precisava continuar vivendo, mesmo sem Lúcia, sentiu uma profunda amargura.
Tanto que chegou a dizer:
-- Tudo o que eu amo, vai embora, nunca permanece comigo.
Ao ouvir isso, Cínthia e Raquel ficaram desapontadas. Apesar do empenho, a amiga não reagia. E isso para elas era muito triste.
Porém, apesar de leais a Solange, precisavam continuar suas vidas, e assim, assoberbadas com seus afazeres domésticos, passaram a ficar cada vez menos tempo com Solange, que agora, sempre amargurada, não conseguia ser uma boa companhia.
E assim, muito embora suas amigas e seus vizinhos ficassem penalizados com seu sofrimento, não havia mais nada que pudessem fazer.
Isso por que, já haviam tentado de todas as formas possíveis, não abandonar a amiga. Mas, precisavam continuar suas vidas.
Por isso mesmo, ao final de três meses, começaram a passar cada vez menos tempo em sua casa.
E com isso, Solange ficou cada vez mais só.
Porém, um dia, cansada de ficar reclusa em sua casa, e apoiada pelos amigos, resolveu voltar ao trabalho.
Nisso, vestiu seu uniforme de enfermeira e caminhou em direção ao hospital em que trabalhava.
Ao lá chegar, foi recebida por um dos médicos, que espantado, perguntou o que ela fazia ali.
Solange então respondeu que estava ali para trabalhar.
Mas o médico ao vê-la disse, que em razão da longa ausência do serviço o hospital achou por bem contratar uma outra profissional, para trabalhar em seu lugar.
Como fazia vários meses que havia se ausentado do trabalho, a direção do hospital entendeu a situação, como abandono de emprego.
Porém, em respeito a sua situação, o médico disse que todos os direitos trabalhistas que lhe eram devidos, seriam pagos, e que nada daquilo constaria em sua carteira de trabalho.
Contudo, para ela, que precisava sobremaneira do trabalho, ouvir que não tinha mais emprego, era muito difícil.
Foi então que sem qualquer orgulho, insistiu com o médico sobre sua permanência no emprego.
Para ela independente de qualquer formalidade, precisava continuar trabalhando. Desesperada, comentou com o médico que lhe tomaram a coisa mais preciosa que tinha no mundo. Em razão disso, precisava se ocupar de alguma forma. Assim, se não fosse possível continuar trabalhando como enfermeira, poderia ser atendente, recepcionista. Podia fazer qualquer coisa, mas precisava trabalhar.
O médico, ao perceber o empenho de Solange em continuar no emprego, prometeu a ela que levaria o assunto até a direção do hospital, para que a dispensa pudesse ser reconsiderada.
No entanto, diante das circunstâncias, disse que não poderia garantir nada. Mas ao menos tentaria.
Solange então agradeceu e se despediu. Aguardaria nos próximos dias a decisão da direção do hospital.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 29 de abril de 2021
O BEM E O MAL - CAPÍTULO 24
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