Mas o passado não queria se deixar ser esquecido.
Este passado nunca o abandonara.
Embora não percebesse, sempre esteve presente. Sempre esteve rondando seu futuro. Amargurando-o.
Sim, com o tempo, Flávio, foi se tornando amargo. Foi se tornando duro e inflexível. Deixou de acreditar em uma causa. Abandonou a ideologia dos tempos de juventude.
Resolveu ser apenas mais um pai de família, que trabalha duro para manter os filhos e a esposa bem.
Mas, ao fazer um passeio pelo campo, lembrou-se de que viveu lindos momentos em sua vida.
Próximo dali, lutou, amou, e foi verdadeiramente feliz.
Num lugar como aquele em que estava, levou sua namorada um dia.
E lá passaram dias felizes.
Flávio lembrou-se, que conheceu Lucimar em São Paulo.
Numa época de extrema convulsão política, conheceu a jovem que seria sua companheira de luta, e que estaria com ele até o fim.
Quando se conheceram, Luci, como era chamada, estava usando calça e blusa bocas de sino. Carregando muitos livros, caminhava apressada pelo centro da cidade.
Por essa razão, em virtude da pressa, acabou por trombar em Flávio, que passava distraído.
Aborrecido com o esbarrão, comentou com a moça, que esta deveria ter mais cuidado.
Ao ouvir isto, Lucimar, subitamente parou sua caminhada e olhando para ele disse:
-- Você é que devia prestar mais atenção por onde anda. – falou ela, continuando a andar apressadamente.
Flávio, sem ação, apenas pensou: Por qual razão a moça havia parado para lhe dizer aquilo? Afinal de contas, não esperava ouvir tal resposta.
Em razão da atitude da moça, Flávio achou-a atrevida, mas não comentou sobre isso com os amigos. Acreditando que fora apenas um pequeno incidente, deixou de lado a impressão que tivera sobre a moça.
Ao chegar no ‘aparelho’, só queria saber de comentar os próximos passos que dariam em sua luta.
Animados, os jovens planejavam cuidadosamente a próxima manifestação política. Mal podiam esperar, para pôr tudo em prática.
Contudo, deviam tomar cuidado. Não podiam facilitar a ação dos militares. Não podiam se deixar prender. Por isso a demora em colocar tudo em prática.
No entanto, alguns dos membros do movimento, estavam impacientes. Isso porque, já havia meses que nada acontecia. Estavam indóceis.
Para acalmá-los o líder do movimento, alegava que ainda não era chegada a hora de agir. Precisavam de tempo para deixar tudo organizado, para que ninguém ficasse exposto a nenhum risco desnecessário. Afinal, eram poucos, e não podiam portanto, se dar ao luxo de perderem seus colaboradores.
Não precisavam se arriscar. Pelo menos, não agora.
Diante dessas explicações, só cabia aos mais exaltados, esperar. Precisavam esperar para poderem agir.
Assim, apesar de descontentes, não ousaram desobedecer seu líder. De formas que, esperariam pacientemente a ordem a ser dada.
E enquanto a ordem não era dada, continuavam a viver suas vidas.
Para não chamar atenção, evitavam ficar até altas horas no pequeno apartamento alugado – vulgo ‘aparelho’.
Também para evitar serem descobertos, cada um deles morava em um lugar diferente. No lugar, somente o líder do movimento morava.
Isso por que, seria muito estranho explicar: Por que um apartamento vazio de repente, ficava cheio de gente?
Isso poderia chamar a atenção de pessoas indesejáveis.
Além do mais, todos os documentos importantes eram escondidos em locais estratégicos do apartamento. Como por exemplo, móveis com fundo falso, gavetas com fundo duplo, etc.
Tudo para evitar que estranhos bisbilhotassem os papéis.
Os membros do movimento usavam também, como medida de segurança, codinomes, e um código para se comunicarem. Assim, em caso de estarem sendo vigiados, nada seria descoberto.
Confiantes, acreditavam que, pelo menos por enquanto, estavam a salvo.
Nesse ponto, estavam certos. Somente muito depois, é que finalmente, a polícia pôs as mãos neles.
Mas, isso no entanto, será melhor explicado mais para frente.
Agora o que interessa ser dito, é que, nesse primeiro momento, tudo estava dando certo.
Tão certo que parecia que a sorte continuaria ao lado deles.
Nesse tempo de luta contra a ditadura, distribuíam planfletos, participavam de passeatas, e fugiam da polícia.
Com isso, assim que os líderes do movimento autorizaram, lá se foram os manifestantes para rua, gritar novamente palavras de ordem contra a ditadura.
Tudo com muito sucesso.
Porém, a despeito disso, como estudantes que eram, também tinham uma faculdade para freqüentar.
Foi na faculdade que Flávio encontrou novamente Lucimar.
A moça ao vê-lo, ficou bastante aborrecida.
Flávio, porém, ao reconhecê-la como a moça que lhe deu um encontrão, fez questão de cumprimentá-la.
Para ele, era ela quem havia agido errado.
Mas, Lucimar, ao perceber a falsa cortesia, fez questão de ignorá-lo. Fingindo nada ver, continuou conversando com algumas amigas.
A moça, ao falar da ditadura, insistia em dizer para as colegas, que se pudesse se integraria a um movimento de esquerda.
Neusa – sua amiga, ao ouvir isso, ficou um tanto quanto assustada com a afirmação de Lucimar. Tanto que disse:
-- Luci, cuidado. Pode ter algum delator ouvindo nossa conversa.
Mas Lucimar não se importava com isso. Ao se deparar com a apreensão de Neusa, A moça começou a falar mais alto.
Neusa apavorada, tratou logo de mandá-la se calar.
Lucimar, começou então a rir. Comentando que era uma grande bobagem ter tanto medo de tudo, a moça disse que o melhor remédio era enfrentar os milicos.
Mas Neusa insistia em dizer que tudo aquilo era arriscado demais, e que todos deveriam ter cautela ao tocarem no assunto.
As demais colegas, logo que ouviram o tema ditadura, trataram de sair da roda, ficando somente Neusa a ouvir as palavras de Lucimar.
Flávio, de longe, observando o comportamento da moça, ficou bastante curioso para saber sobre o que Lucimar estava falando.
Nessa época porém, o rapaz não sabia o nome da moça, nem que ela também era adepta da luta armada.
Da mesma forma, Lucimar pensava que ele era apenas um sujeitinho muito pedante que se julgava melhor do que os outros.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 8 de abril de 2021
GERAÇÃO 70 - CAPÍTULO 1
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