Porém, com o passar dos anos, as coisas foram mudando.
Flávio, apesar de ainda muito sentido com a perda de Lucimar, resolveu, incentivado pelos amigos, a prosseguir com sua vida. Casou-se e desse casamento adveio um filho.
Sua esposa, uma pessoa adorável, fizera de tudo para criar bem Maurício, filho de Flávio com Lucimar. Gentil, desde o momento em que colocara os olhos no menino, sentiu-se tomada de um profundo sentimento materno.
Daí para o casamento com Flávio, foi questão de meses.
E assim, mesmo diante da certeza inexorável de que ele ainda gostava muito de Lucimar, Marta resolveu se casar com ele. Acreditando que com o tempo, tudo se modificaria, casou-se.
Porém, com o passar dos anos, constataria com tristeza, que nada do que imaginara daria certo.
Isso por que Flávio, cada vez mais fechado em si, quase não dava atenção para ela.
Não fossem os filhos Mauro e Maurício, certamente se sentiria muito só.
Dessa forma, pode-se constatar que o casamento não fora feliz.
Flávio, cada vez mais taciturno, nunca fora um marido apaixonado. Muito embora fosse fiel, nunca gostara dela da mesma forma que um dia gostou de Lucimar.
Esta aliás, se tornou, segundo Marta, um empecilho a vida do casal.
Assim, sempre que os dois brigavam, Marta dava um jeitinho de culpar Lucimar por tudo de ruim que acontecia na vida do casal. Dizendo que ele nunca a havia esquecido e que estava cada vez pior, ressaltou que sempre fora um pai e um marido omissos. Não fosse por sua força e determinação em manter a família de pé, certamente os dois meninos não seriam crianças felizes.
Mas Flávio, mesmo diante dessas evidências, não conseguia deixar de lado as lembranças.
Muito embora estas o deixassem mais triste do que qualquer outra coisa, não conseguia se esquecer do dia em que tivera a certeza definitiva de que sua amada estava morta.
Mas a vida prosseguia, e vendo-se sozinho com um filho pequeno para criar, constatou que tinha que tomar uma atitude. Precisava encontrar uma mulher que aceitasse cuidar de seu filho.
Não podia ficar só.
Diante de tudo o que acontecera, precisava se redimir de algum modo. Isso por que, sentia-se culpado pelo que acontecera com Lucimar.
Tanto que chegou a comentar diversas vezes com seus amigos, que se tivesse tido mais pulso e firmeza com a moça, talvez Luci estivesse viva.
E pesaroso, acreditando nisso, arrastou por toda a vida, um fardo pesado de carregar. Embora tivesse um grande carinho por Marta, nunca sentiu por ela o amor que dedicou a Lucimar.
Marta, era boa esposa, boa mãe, dedicada, mas não tinha a mesma paixão pela vida que sua antecessora Lucimar.
Esta sim, era a mulher feita a semelhança de Flávio.
Mas, por mais que quisesse, a moça não estava mais entre eles.
Não bastasse isso, com o passar dos anos, seus amigos Rubens e Alexandre, ainda devotados a luta política, passaram a cada vez mais se distanciar de Flávio.
Isso por que, Flávio após o fatídico dia em que sua vida se transformou, nunca mais quis saber da luta política. Abandonando a causa, disse que nunca mais se envolveria com movimentos políticos.
Rubens e Alexandre, percebendo o radicalismo do amigo, tentaram demovê-lo da idéia. Contudo, por mais que tentassem convencê-lo do contrário, Flávio estava decidido.
O melhor a fazer era abandonar tudo.
Diante disso, não restou mais nada a Rubens e Alexandre, senão aceitar a vontade do amigo.
Mas não foi só isso.
Averso a política, cada vez que os dois começavam a falar do assunto na sua frente, Flávio era tomado de um profunda irritação. Tanto que chegou a dizer várias vezes:
-- Quantas vezes eu vou precisar dizer que eu não quero que falem de política na minha frente? Eu não agüento mais ouvir falar sobre isso.
Os dois então, observando a atitude do amigo, passaram a tocar cada vez menos nesse assunto.
Porém, como esse era o assunto que mantinha o grupo unido, sem poderem falar sobre política, ficaram praticamente sem ter o que conversar com o amigo.
Além disso, Flávio, apático, cada vez tinha menos interesse em conversar com seus amigos.
Com isso, a separação foi inevitável.
Foi questão apenas de tempo, para que cada um seguisse seu caminho.
E foi assim, que Flávio se isolou e Rubens e Alexandre prosseguiram na luta, agora pela abertura política.
Neusa, em decorrência das agressões que sofrera na cadeia, após envolver-se em novas manifestações e movimentos esquerdistas, ao ver-se acossada pelos policiais, suicidou-se.
Antes porém, parece que pressentindo que morreria, escreveu uma carta aos amigos dos primeiros anos de luta, especialmente dedicada a Lucimar.
Rubens e Alexandre, ao tomarem conhecimento da carta, quiseram logo saber qual era o seu conteúdo.
Assim, leram a missiva.
Porém, ao lerem, ficaram emocionados.
O conteúdo da epístola, era a síntese de tudo pelo que passaram naqueles tempos.
Primeiros tempos, como estava escrito na própria carta.
O conteúdo dessa singela carta, era o seguinte:
‘Caros amigos, prezados companheiros.
Vocês foram muito mais que bons amigos.
Tão bons que pensei em lhes escrever esta carta, contando o que vem se passando comigo.
Assim, se caso algo vier a me acontecer, vocês terão a oportunidade de saber o quanto eu fui feliz naqueles momentos em que fiz parte daquele movimento estudantil, daquela luta e daqueles ideais.
Sim, fui feliz.
Feliz por ter amigos como vocês, pessoas maravilhosas.
Agradeço sobremaneira pela acolhida de todos, mas especialmente, pelo carinho de Lucimar, a minha querida guerreira, que sempre me ensinou que devemos acreditar em algo para darmos sentido as nossas vidas.
Não, não é balela.
Era tudo verdade o que ela dizia.
Ah! Lucimar! Quanta saudade eu tenho de ti!
Já faz tantos anos que você partiu, mas eu sinto como se fora ontem que você me abraçou, desejando boa sorte.
Como sua lembrança é vívida!
Parece que ainda te vejo sorrindo para mim, de longe, desejando-me sorte como naquele dia.
Vejo-te também, inflamada, discursando para estudantes incréus e temerosos de suas palavras.
Vejo-me também assustada, morrendo de vontade de participar, mas com medo de ter de suportar as conseqüências.
Lembranças cálidas da primavera da minha vida.
Ah! Flávio! Será que você ainda sente a presença dela, forte sobre nós?
Sei que você sofreu quando do seu passamento, mas desejo sinceramente, que sejas feliz com sua esposa, Marta. Ela apesar de não ser politizada como nós, é uma pessoa maravilhosa, uma mulher extraordinária. Uma alma abnegada, que apesar de saber que você não a amava como ela merecia ser amada, foi capaz de enfrentar a família e casar-se contigo. E não foi somente isso.
Casou-se e criou Maurício como um filho. Nunca fez distinções entre ele e Mauro. Realmente Marta, você é magnífica. Magnífica e magnânima.
Tu não fizeste parte de nossa trajetória, mas mesmo assim lhe devoto toda a minha admiração. Fizeste a sua parte.
Rubens e Alexandre! Vocês nunca se esqueceram da causa.
Pelo contrário!
Até hoje lutam, e acreditam em um mundo melhor.
Muito embora combalidos, e abatidos com o peso de muitas derrotas, souberam ainda assim, continuar acreditando e lutando por um mundo melhor.
Admiro-os.
Sim, por que eu, muitas vezes, deixei de acreditar num mundo melhor.
Desanimada, acreditei muitas vezes, ser esta uma causa perdida.
Talvez vocês também creiam nisso, mas saibam que ainda assim, precisamos fazer algo. Mesmo que não ganhemos nada no presente, o futuro nos dará razão.
Parabéns, pela determinação e garra!
Flávio. Meu querido Flávio.
O homem que quando quer algo, ou conquistar alguém, vai a luta.
Como você lutou para conquistar Lucimar.
Lutou e hoje precisa continuar lutando para não deixar que sua presença domine sua vida.
Flávio, você precisa se perdoar, e se dar uma chance de ser feliz e viver bem com sua família.
Faça isso, enquanto ainda é tempo.
A todos, meus caros amigos, os meus mais sinceros agradecimentos.
Sim, eu sou grata por tudo o que me proporcionaram.
Não se preocupem, não sou alegre nem triste, apenas vivo ao sabor dos ventos, e assim, a minha maneira, sou feliz.
Não quero que sintam pena se eu partir.
Lembrem-se, que se algo ocorrer a mim, estarei ao lado, da mais nobre das criaturas que eu já conheci.
Minha querida Lucimar, que deve velar por nós a todo o momento.
Obrigada por tudo.
Amo-vos de todo o coração.
Espero que sejam felizes.
Ordeno-vos!
Sejam felizes.
É o único compromisso que devem ter perante a vida, o resto é bobagem.
Então, vivam e deixem viver!
Com amor, Neusa, a eterna guerreira da vida.
Vivam em paz.
São Paulo, junho de 1978.’
Emocionados, Rubens e Alexandre tentaram de todas as formas possíveis, mostrar a carta ao amigo, que no entanto, não queira saber de nada associado ao seu passado.
Com isso, somente depois de muitos anos, quando Rubens, de passagem por São Paulo, resolveu localizar o amigo, é que Flávio tomou conhecimento da carta.
Porém, foi preciso muita insistência para que o mesmo se atrevesse a ler a carta.
Isso por que, para ele, não era nada fácil, se deparar novamente com o passado à sua frente.
Precisava de coragem.
E assim, tomando coragem, abriu a carta com as mãos tremulas, e titubeante, começou a ler seu conteúdo.
Nervoso, mal podia se conter.
A cada linha lida, a emoção tomava conta de seu ser.
De tão emocionado, a certa altura, chegou a chorar.
Sim, por que, lidar com todas aquelas emoções represadas, não era nada fácil.
Tocado com as palavras da moça, ao ler suas palavras, veio-lhe novamente as lembranças daqueles loucos anos. Triste, lembrou-se dos bons momentos que tivera com Lucimar e do triste momento em que tomou conhecimento de sua morte.
Para ele, era muito duro, ter que lidar com isso a todo instante.
Tanto, que sempre que era forçado a se lembrar, era duro conter a emoção.
Por isso, havia endurecido a alma.
Assim, ao voltar ao campo, lembrou-se dos momentos que vivera feliz ao lado de Lucimar.
Acompanhando a esposa e os filhos na viagem, ao passear sozinho pelo lugar, constatou que aquele lugar ficava próximo a uma cidade, onde, muitos anos antes, vivera momentos lindos junto com Lucimar.
Foi para lá que o casal foi na primeira oportunidade que tiveram de se afastar de São Paulo e de sua efervescência política.
Sozinhos, Flávio e Lucimar, nadaram no rio, tomaram memoráveis cafés juntos, passearam juntos e namoraram também.
Por isso, retornar para a região, era algo estranho para ele.
Isso por que, as lembranças do passado, ficaram entranhadas no seu ser.
Tão entranhadas, que por diversas vezes, sonhou com as lembranças daqueles tempos felizes.
Com isso, sonhou também, com a tragédia de São Paulo, com a prisão, com as vezes que gritou chamando pelo nome de Luci.
Sobressaltado, certa vez, levantou-se de um pulo da cama, foi até o criado-mudo pegar um copo e encher de água. Procurando se acalmar, bebeu todo a água contida no copo.
Marta, percebendo a inquietação do marido, foi logo lhe perguntando o que estava acontecendo.
Mas este, reservado, respondia que não era nada demais. Apenas havia tido um pesadelo. Assim, era só relaxar um pouco que voltaria a dormir.
Recomendando a mulher que fosse dormir, disse que não tinha nada com o que se preocupar.
Marta então, voltou a dormir.
Flávio, ficou um tempo ainda acordado.
Pensando um pouco na vida, demorou para dormir.
Mas enfim, mais tarde, dormiu.
No dia seguinte, Flávio, resolveu fazer uma caminhada pelos arredores do lugar.
Mais tarde, chamou Maurício para acompanhá-lo num passeio.
Nesse passeio, além de mostrar ao rapaz as belezas do lugar, conversou longamente com ele.
Flávio, decidido a fazer as pazes com seu passado, resolveu fazer o que o rapaz tanto queria, que era contar a ele, sobre sua mãe, e tudo o que aconteceu a eles.
E assim, Flávio, começou contando, como passou a integrar um movimento estudantil.
Dizendo que era um jovem idealista, que esbarrou com Lucimar no centro de São Paulo e que desde daí, sua imagem não saiu de sua cabeça, Flávio, contou ao filho, que fez de tudo para se aproximar dela, quando soube que ela estudava na mesma faculdade que ele. Quando finalmente conseguiu namorá-la ficaram tão unidos, que chegaram até a viajar juntos, e juntos visitaram aquela região.
Maurício ao saber disso, ficou surpreso. Então seu pai já havia estado por ali com sua mãe?
Flávio assentiu com a cabeça.
Sim, já estivera por ali, e fora muito feliz numa cidade próxima.
Lucimar, nas suas próprias palavras, era a mulher de sua vida.
Maurício, ao ouvir isso, ficou encantado.
Contudo, faltava contar o final dessa história.
Flávio então contou que apesar de felizes, nem tudo foram flores na vida do casal.
Comentou que vivendo ao lado de Lucimar, ficou muito feliz quando soube da gravidez. O que não contava é que depois disso, as coisas se precipitariam, e tudo acabaria de forma trágica.
Lucimar morreu na prisão.
Maurício, ao ouvir esta parte da história, ficou profundamente sentido.
Emocionado, chegou a chorar.
Isso por que, apesar de saber que não era filho de Marta, acreditava que poderia um dia conhecer sua mãe. Mas agora, sabendo que a mesma falecera quando era ainda um bebê, se encerraram definitivamente suas esperanças. Infelizmente nunca a conheceria.
Pesaroso, comentou:
-- Então, nunca saberei como era o rosto de minha mãe?
Flávio, penalizado com a reação do filho, resolveu tirar da carteira, uma foto que havia guardado escondida entre seus pertences, para que Marta não percebesse. Entregando a fotografia nas mãos do filho, comentou que além dessa, possuía outras fotos guardadas em um lugar muito especial.
Maurício, ao olhar a foto preto e branca, amarelada pelo tempo, ficou profundamente emocionado.
-- Ela era linda! – comentou o rapaz.
-- Sim. Era realmente bela. Um encanto de pessoa. Tão idealista quanto seu pai fora um dia. – respondeu Flávio.
Maurício, agradecido, abraçou seu pai.
Mais tarde Flávio, foi conversar com a esposa.
Dizendo que estava disposto a ter uma relação melhor com ela, prometeu que resolveria questões de seu passado.
Sim, por que só assim, acertando as contas com seu passado, é que conseguiria viver bem o seu presente.
Depois, ao conversar com Mauro, prometeu que seria um pai melhor, só que para isso, precisava resolver alguns assuntos.
Com isso, Flávio, depois de se acertar com a esposa, disse que viajaria para o Rio de Janeiro, para encontrar seus amigos Rubens e Alexandre.
Sim, por que só depois de conversar com eles, conseguiria encontrar um novo rumo para sua vida.
E lá se foi ele.
No Rio de Janeiro, precisou primeiramente localizá-los.
No momento do reencontro, deparou-se com dois homens abatidos, cansados e envelhecidos, assim como ele.
No entanto, em um detalhe eles lhe eram diferentes: apesar de todas as desilusões, não haviam abandonado seus ideais.
Todavia, isso não impediu que os mesmos perdessem as ilusões com relação a vida.
Flávio, ao perceber isso, constatou que de uma forma ou de outra, os três perderam as ilusões.
Isso fora inevitável.
Contudo, a despeito disso, Flávio estava disposto a conversar com eles e até a pedir desculpas se isso fosse necessário.
Rubens e Alexandre, ao se depararem com Flávio, ficaram espantados.
Isso por que, desde de 1979, nunca mais se encontraram.
Então, encontrá-lo agora, era surpreendente.
Contudo, não o rechaçaram. Ao contrário. Trataram-no muito bem.
Curiosos, chegaram até a perguntar da esposa e dos filhos.
Flávio respondeu que todos estavam bem. A seguir, resolveu falar sobre o passado, sobre política e tudo o mais que de uma forma ou de outra se relacionava com sua vida pregressa.
A conversa com os amigos, foi uma viagem no tempo. Uma viagem tão longa e tão difícil que nem ele mesmo sabia como retornaria dela.
Porém, decidido a enfrentar a dificuldade, prometeu a si mesmo que faria o desafio.
E assim o fez.
Flávio então, conversou com os amigos sobre os tempos de militância, os anos de faculdade, sobre Neusa e sua morte trágica. Interessado, quis logo saber onde a mesma estava enterrada. Depois, falou sobre Lucimar e de quanto ela fora importante em sua vida, de sua presença e sua marca indeléveis. Falou sobre Maurício e do quão ele era parecido com a mãe em certos aspectos. Por fim, falou sobre Mauro e de Marta, pessoas caras a ele, e com as quais queria daqui por diante, passar a viver bem.
Disposto a conviver com eles como se fora parte de uma família, contou aos amigos de militância, que queria de um vez por todas, deixar o passado onde ele deveria ficar: na memória.
O passado é para ser lembrado, e não para atormentar a vida das pessoas.
Desta feita, depois de um almoço e de muito conversar com os amigos, de matar as saudades de um tempo que não voltaria nunca mais, Flávio, despediu-se de Alexandre e Rubens, e retornando para São Paulo, antes de voltar para local onde a família estava – por conta de um passeio – ele resolveu passar antes, pelo cemitério onde estava enterrada Lucimar. Decidido a lhe prestar uma última homenagem, comprou algumas flores e deixou em seu túmulo. Depois prometeu que lhe traria Maurício para visitá-la.
Ao visitar o túmulo de Neusa em outro cemitério, conversou longamente, se é que se pode dizer assim, com a amiga.
Comentando que talvez tivesse sido ela a pessoa que mais sofreu com a tortura, ficou comovido, ao novamente se lembrar da carta de despedida, que lera, tempos atrás.
Tudo o que ela escrevera meses antes de morrer, era a mais completa tradução do que todos estavam sentindo, ou sentiram em algum momento de suas vidas. Era o derradeiro canto do cisne.
Como homenagem, também deixou flores em seu túmulo. As mais lindas que pôde comprar.
Depois, retornou ao campo.
Conversando com a esposa, disse que havia voltado para buscar o filho.
Levaria-o para visitar o túmulo da mãe, de Neusa, e talvez o levasse para conhecer seus amigos Rubens e Alexandre.
Marta concordou. Porém, pediu para que ambos voltassem para lá.
Flávio prometeu que ambos voltariam.
A seguir, pediu para Maurício fazer as malas e voltar para a capital.
Maurício, percebendo a intenção do pai, concordou.
E assim, ao chegar em São Paulo, Maurício visitou primeiramente o túmulo de Neusa.
No cemitério, o pai contou a história da amizade de Luci com Neusa, e também da linda carta que esta deixara.
Maurício, curioso, quis logo saber onde estava a tal carta. Sequioso, queria por que queria ler a carta em que a amiga falava tanto de sua mãe.
Flávio então, disse que quando fosse para o Rio de Janeiro, certamente seus amigos lhe mostrariam a carta, e ele tomaria consciência da dimensão da amizade que unira as duas.
O rapaz, emocionado, pediu insistentemente ao pai, para que então fosse até o cemitério onde estava enterrado o corpo de Lucimar.
Flávio atendeu prontamente o pedido do filho.
Maurício então, diante do túmulo da mãe, tomado de profunda emoção, plangia desesperadamente. Perguntando-se por que ela havia morrido, ouviu como consolo do pai, que se este tivesse sido mais firme com ela, talvez a mesma estivesse viva hoje.
Ao falar isso, ele também caiu no choro.
Chorando juntos, os dois se abraçaram, e por longo tempo, ficaram observando a sepultura.
Assim, depois de um longo tempo de silêncio, Maurício então, perguntou ao pai, se havia sido ele quem providenciara aquela sepultura para ela.
Flávio respondeu que sim.
Como forma de prestar uma última homenagem, preparou, juntamente com seus amigos, o mais belo enterro que já tinham visto. A derradeira homenagem, a uma pessoa que merecia todas as homenagens possíveis.
Maurício então, exclamou:
-- Então, existe vida após a morte!
Flávio concordou. Só a esperança de encontrá-la um dia o dava forças para continuar.
E assim, depois da visita ao túmulo de Lucimar, Flávio levou o filho para um outro lugar.
Era o mesmo lugar onde ele e Lucimar viveram, na década de setenta.
Lá, Maurício observou cuidadosamente todos os detalhes que compunham a casa.
Emocionado, perguntava a todo instante a Flávio se aquela era a casa onde ambos moraram e ele sempre respondia que sim.
Foi lá que o rapaz pôde ver diversas fotos da mãe.
Cada uma mais linda que a outra.
Foi ali que o rapaz viu as roupas dela e tudo o mais que fizera parte da vida da mãe.
Além disso, Flávio havia guardado recortes de jornal com a trágica notícia da morte da mãe e também de Neusa, a amiga.
Mergulhado naquela forte atmosfera, Maurício ficou por longas horas observando todos os objetos que guarneciam a casa.
Depois, ao sair de lá, descobriu que aquele lugar vinha sendo mantido pelo pai, há muito tempo, desde que fora solto e tivera condições de continuar sua vida.
No dia seguinte, os dois foram para o Rio de Janeiro e lá o rapaz, pôde conversar com os amigos de seu pai, sobre sua mãe, a luta política, sobre Flávio, e também, finalmente conhecer a carta de Neusa, endereçada a todos os amigos de militância.
Curioso, Maurício leu com todo o cuidado a carta, e mais uma vez emocionado, chorou.
Chorou e contemplou a beleza que mesmo palidamente, insistia em fazer presente, os reflexos de uma época, que fora muito importante na vida de todas aquelas pessoas.
Tocado com essa constatação, o rapaz abraçou demoradamente, cada um daqueles homens, que lutaram acreditando em uma causa.
Depois, despediu-se de Rubens e Alexandre, e partindo com seu pai, voltou para o campo.
Aguardando-os na rodoviária da cidade, estavam Mauro e Marta.
Estes, ao verem Maurício e Flávio descendo do ônibus, foram correndo na direção deles, abraçá-los.
Saudosos, Maurício e Flávio, comentaram que sentiram a falta de ambos.
Andando juntos até o hotel onde estavam hospedados, ficaram a admirar a linda paisagem que os cercava. Era realmente deslumbrante.
E aquela magnitude permaneceria para sempre em suas lembranças, por que é disto de que as recordações são feitas.
De cálidos momentos preservados, na parede da memória, diria a bela canção.
Canção essa que retrata a beleza e a tristeza da vida, não só de Flávio, mas de qualquer ser vivente.
“Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram
E o sinal está fechado pra nós
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina, na rua
É que foi feito
O seu braço, o seu lábio, e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como numa nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois fico sentindo no vento
O cheiro da nova estação
Eu sei de tudo
Na ferida viva do meu coração
Hoje eu sei que quem me deu
A idéia de uma nova consciência e juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida...
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais
Você pode até
Dizer que eu tô por fora
O então que eu estou inventando
Mas é você que ama Bis
O passado e que não vê
Que o novo sempre vem
Nossos ídolos ainda são os mesmos
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém...”
(Como Nossos Pais – Belchior – Cantora Elis Regina)
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
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