Poesias

quinta-feira, 8 de abril de 2021

GERAÇÃO 70 - CAPÍTULO 2

Porém, com o passar do tempo, os dois foram se encontrando cada vez mais, e Flávio, dessa vez, utilizando de diplomacia, acabou aos poucos, convencendo-a de que a imagem que ela fizera dele não era verdadeira.
Sim, ao contrário do que ela pensava ele era muito boa gente. Tão boa gente que acreditava na mesma causa que ela.
Isso por que, depois de algum tempo, perguntando aos colegas da moça, como ela era, do que ela gostava, acabou se enturmando com seus colegas e com bastante paciência, acabou descobrindo que a moça acreditava na causa. Porém, como não conseguia encontrar adeptos, não conseguiu criar um grupo. Esporadicamente, no entanto, aproveitava alguns grupos existentes e fazia alguns trabalhos para eles.
Mas para Lucimar, isso ainda era muito pouco perto do que ela poderia realmente fazer.
Foi exatamente isso, que Flávio descobriu depois de conversar com Neusa.
Lucimar, porém, ao ver a amiga conversando com ele, não ficou nem um pouco satisfeita com a novidade. Desconfiada de que ele poderia ser um delator, comentou com a amiga para que tivesse cuidado com ele.
Neusa porém, com o passar do tempo, acostumando-se com a aproximação de Flávio, passou a cometer cada vez mais inconfidências a respeito de Lucimar. Isso por que, ao ouvir do rapaz que ele também era militante de esquerda, Neusa sentia-se cada vez mais encorajada em falar da amiga.
De tão animada com Flávio, Neusa não se cansava de dizer a Luci, que ele devia realmente estar muito interessado nela para fazer tantas perguntas a seu respeito.
Lucimar, por sua vez, ao ouvir as palavras da amiga, não ficava nem um pouco contente com isso.
Irritada com os comentários da amiga, não se cansava de dizer o quão ela estava sendo inconveniente. Ademais, quem sabia de sua vida era ela e com relação a isso, ninguém, tinha o direito de se meter.
Neusa porém, não se incomodava nem um pouco com isso, e continuava a insistir dizendo que Flávio devia ter um grande interesse nela.
Assim, cansada de brigar com a amiga, Lucimar acabou deixando de lado os comentários de Neusa e passou a se preocupar única e exclusivamente com seus estudos e com a luta política. Idealista, não se cansava de tentar convencer os amigos a participarem da luta armada juntamente com ela.
Porém, ninguém dava crédito a suas palavras.
Muitos dos estudantes, acreditando que aquela era uma luta perdida, não aceitavam que ela tentasse impôr suas idéias para eles.
Certa vez, Flávio vendo a cena, e constatando que Lucimar estava sendo duramente criticada por seus colegas de classe, viu-se tomado de um ímpeto de cavalheirismo. E assim, tomado por esse sentimento de delicadeza, passou a defender a moça, que a duras penas, tentava convencer a todos que a luta era por justiça, e não uma simples pirraça.
Dessa forma, Flávio, começou a dizer, que a luta armada, não era para os fracos. Apenas as pessoas determinadas e convictas de que tinham um papel a cumprir na sociedade, é que deveriam tomar parte na luta. Diante disso, se nenhum deles estava seguro quanto a isso, não tinham a menor obrigação de lutar por algo em que não acreditavam.
Um dos estudantes, ao ouvir as palavras de Flávio, disse porém, que não concordava com aquela luta, não porque fosse covarde, mas sim, por que aquela era uma causa perdida, e que ninguém iria ganhar nada com aquela disputa sem sentido.
Flávio, irado, retrucou que tudo aquilo que ele estava dizendo, era uma falácia. Um retrato puído da realidade.
Mas o estudante não deixou por menos. Insistindo em dizer que aquilo tudo era uma besteira, alegou que a maior luta que os estudantes poderiam travar, seria a luta para mudar de vida. Para trabalharem, e assim, tornarem a vida das outras pessoas melhor.
Flávio teimoso, insistia em argumentar, mas Lucimar, percebendo que de nada adiantaria aquela conversa, resolveu pedir ao rapaz, para que desistisse de tentar impôr sua opinião.
Até por que, nem todos estavam preparados para ouvirem o que eles tinham a dizer.
Flávio, mesmo aborrecido, acabou acatando as recomendações da moça. Mas não sem antes dizer que todos ali estavam errados, e que a história daria razão a eles.
Lucimar então, percebendo a nobreza do gesto do rapaz, agradeceu o fato dele ter tentado defender suas idéias.
O rapaz então, percebendo que havia chegado onde queria, comentou que não havia feito nada demais. Isso por que, também acreditava na causa. Acreditava tanto, que já tinha até se filiado a um movimento, e comentando com a moça que eles precisavam de mais gente participando, convidou-a para fazer parte do mesmo.
Lucimar então, percebendo que esta era sua grande chance, aceitou no mesmo instante. Contudo, depois, constatando que se precipitara, perguntou a Flávio, se o grupo concordaria com isso.
Flávio então, insistiu. Dizendo que não haveria nenhum problema, comentou que ela seria a pessoa ideal para integrar o movimento.
Lucimar, temerosa no entanto, pediu para que ele confirmasse antes, o tal convite. Para que assim, não se criasse uma situação constrangedora para ela.
Flávio diante de tantos cuidados da moça, acabou concordando. Todavia, continuou a dizer, que aquele excesso de zelo era desnecessário.
Mas a moça fazia questão.
E Flávio então foi conversar com seus companheiros de luta, tudo no intuito de arregimentar mais uma pessoa para fazer parte do movimento.
Muito embora alguns deles estivessem reticentes, depois de conversarem durante um longo tempo com Flávio, acabaram concordando. Contudo, precisavam ter certeza, de que ela não era uma delatora. Por isso, combinaram que não revelariam todos os seus planos para ela. Testando-a, tomariam todo o cuidado possível com a moça.
Porém, não se opuseram ao fato de que a mesma passasse a fazer parte do grupo.
E assim, Lucimar foi inserida no grupo.
Satisfeita com a possibilidade de poder fazer algo de efetivo em favor da luta armada, foi logo se interessando pelos passos do grupo.
Porém, o que ela não contava, é que eles a deixariam na retaguarda.
Assim, quando a moça percebeu isso, ficou profundamente insatisfeita.
Isso por que, ao fazer parte de um movimento contra a ditadura, acreditou que seria apenas uma questão de tempo, para entrar em ação.
Porém, o que foi que aconteceu? Foi só ela passar a fazer parte de um movimento estudantil, para ser relegada a segundo plano.
Insatisfeita, ao se ver cuidando de papéis e do ‘aparelho’ como se fora uma dona de casa, passou a reclamar do tratamento que vinha recebendo. Acreditando que merecia mais respeito e consideração, passou a pedir para fazer parte dos planos. Dizendo que já participara de algumas ações, insistia em dizer que poderia ser mais útil.
Mas os colegas de grupo não levavam isso muito a sério. E assim, continuaram a distribuir panfletos, e a fazer discursos, sem a presença de Luci, que para eles, não era a pessoa mais indicada para esse trabalho.
Foi então que o passar do tempo, Lucimar, percebendo que nunca a levariam a sério dentro do grupo, ameaçou ir embora.
Flávio então, percebendo que a moça não estava de brincadeira, resolveu conversar com os amigos.
Debalde. Por mais que o rapaz argumentasse, nada convencia seus amigos de que ele estava sendo imparcial.
Lucimar, percebendo isso, disse:
-- Escute aqui. Eu trabalho como uma moura dentro desse ‘aparelho’. Cuido dessa casa como uma doméstica, sei de todos os seus planos. Sei onde está guardado cada documento que vocês escondem. Ou seja, eu sei como tudo anda aqui. O único porém, é que eu nunca participo de nada, nem sequer das discussões para executar os planos. O que vocês acham que eu vim fazer aqui?
Silêncio total.
Seus companheiros, sem argumentos, se contentaram em ouvir tudo em silêncio.
Mas ela continuou:
-- E tem mais, se eu fosse uma delatora, há muito tempo, esse lugar já tinha caído, e todos vocês estariam presos.
Nisso um dos integrantes do grupo, comentou que eles só estavam fazendo isso para protegê-la.
Lucimar, ao ouvir isso, caiu na risada.
Os rapazes, ao observarem a moça rindo, não entenderam nada. Afinal de contas, do que ela estava rindo?
Lucimar então, rompendo o silêncio, comentou:
-- Me protegendo do quê? Por acaso vocês acham que se todos nós formos pegos, eu vou ser poupada por que? Muito pelo contrário, se eu for presa, foi ser logo tida como companheira de vocês. Dessa forma, logo concluirão, que eu estive presente em todas as manifestações. Então... se eu tiver de pagar por algo, eu quero realmente ter feito alguma coisa. Senão, que sentido tem minha vinda para cá?
Alexandre e Rubens, então, percebendo que Lucimar não estava de brincadeira, acabaram concordando em deixá-la participar de algumas ações.
E foi assim, que Lucimar passou a ser conhecida no meio estudantil.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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