“O tempo voa e atravessa as avenidas
O fruto pende, pesa e enverga o velho pé
O vento forte quebra telhas e vidraças
E o livro sábio, deixa em branco o que não é
Pode não ser esta mulher o que te falta
Pode não ser este calor, o que faz mal
Pode não ser esta gravata o que sufoca
Ou essa falta de dinheiro que é fatal ...
Vê como o fogo brando, funde um ferro duro
Vê como asfalto é teu jardim, se você crê
Que há um sol nascente avermelhando um céu escuro
Chamando os homens, pro seu tempo de viver
E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar, sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou Bis
O amanhecer, o amanhecer, o amanhecer...”
(Taiguara – O Amanhecer)
Numa fotografia do casal, o marido, aparentando uns trinta e cinco anos, presenteia sua esposa com um anel de brilhantes. Estão comemorando o primeiro aniversário de casamento. A mulher, vestida com uma linda blusa marrom de manga comprida, parece muito feliz com o presente que ganhou.
O cenário, é uma linda sala, com sofás escuros de couro, mobília simples e um arranjo de flores na mesinha de centro.
O casal parece feliz.
Felicidade essa que, infelizmente, não durou por muito tempo.
Logo o casamento passou a sofrer os primeiros reveses. A rotina desgastou o relacionamento.
Para piorar, o marido começou a se embebedar rotineiramente ...
Com isso, mais uma dia começa para a família de Melissa.
Seu esposo novamente vai trabalhar durante todo o dia e retornar ao cair da tarde.
Por sua vez, sua filha, Carolina, ficava na casa de sua mãe e ao final da tarde, ela mesma se encarregava de buscar a filha.
Isso porque Melissa, apesar dos protestos incessantes do marido, também trabalhava.
Aliás, por conta dessa decisão, seu marido, Mauro, contrariado, tentou diversas vezes, demovê-la da idéia. Dizia que mulher sua não precisava trabalhar, que ele mesmo podia manter os três, que não havia necessidade de deixar uma criança tão pequena numa creche, etc.
No entanto, os fatos desmentiam isso.
Mauro, que chegava em casa constantemente embriagado, estava relapso com suas obrigações.
Há vários dias, Melissa tinha que fazer o possível com o que ainda tinha na geladeira, para poder alimentar a filha.
O marido não lhe dava mais dinheiro para fazer as compras. Gastava tudo com bebida. Assim, não restou outra alternativa, senão ela também trabalhar.
Mas Mauro ficou revoltado.
Agressivo, ameaçou-a. Disse-lhe que se tentasse fazer isso, ele a trancaria em casa.
No que ela retrucou:
-- Você não pode fazer isso. Se você fizer isso, eu chamo a polícia.
No que ele sempre ria. Não levava a sério a decisão da esposa.
Entretanto, ela estava determinada. Iria trabalhar, nem que para isso precisasse provocar uma briga na família. Já não suportava mais as bebedeiras do marido.
E pensar que já foram tão felizes juntos...
Porém, dando-se conta da situação difícil pela qual estavam passando, não havia outra coisa a ser feita.
E assim, todo final de semana, Melissa comprava um jornal, e nos classificados, observava se havia alguma oportunidade de emprego. Como naqueles tempos arrumar emprego era muito mais fácil, toda semana Melissa se candidatava a inúmeras vagas de trabalho.
Persistente, por meses a fio procurou trabalho.
Sua rotina era assim.
Depois de ler os classificados, Melissa circulava as vagas que lhe interessavam, e na segunda-feira se dirigia até o local das vagas. Cuidadosa, sempre procurava se vestir bem quando saía para procurar trabalho.
Dedicada, ao longo de algum tempo, finalmente seus cuidados deram resultado.
Melissa, ao contrário do que seu marido imaginara, conseguiu arrumar trabalho.
Assim, enquanto ele trabalhava em um escritório como auxiliar administrativo, Melissa ia começar na semana seguinte, seu trabalho com recepcionista.
Dessa forma, passou auxiliar financeiramente a família.
Com isso, nunca mais tiveram que passar pela situação constrangedora de ter de comprar fiado. Melissa nunca mais iria precisar ouvir desaforos dos vendedores, que lhe vendiam comida fiado, e depois, em razão de não receberem seus pagamentos em dia, vinham constantemente cobrá-la.
Sim, a situação de Melissa era muito delicada.
Mas, agora, trabalhando, essas coisas nunca mais iriam acontecer.
Porém, para Mauro, ver a esposa saindo de casa para trabalhar, era um acinte. Por isso, revoltado, passou a beber mais e mais. Desgostoso com o comportamento da esposa, Mauro passou a brigar mais violentamente com ela.
Em razão disso, chegou a agredi-la inúmeras vezes.
Melissa então, machucada, procurava de todas as maneiras possíveis, esconder as incontáveis lesões que sofria.
No entanto, mesmo diante das agressões do marido, a moça não abria mão de seu trabalho. Muito pelo contrário, sempre que podia, aproveitava para ficar até mais tarde no emprego. Tudo com vistas a se afastar um pouco de seu violento marido.
Carolina, a filha do casal, esta, parecia cada dia mais triste ao se dar conta do que seu pai fazia com sua mãe. Porém temendo-o, procurava não demonstrar seu ressentimento.
Aliás, foi por conta disso, que ao começar a trabalhar, Melissa decidiu levar sua filha para a casa de sua mãe.
Sim, ao saber que Carolina estava sob a proteção de sua mãe, Melissa sentia-se tranqüila para ir trabalhar. Isso por que, além de não confiar no marido, a menina era ainda muito pequena para ficar tanto tempo sozinha.
No começo, até chegou a colocar a filha em uma creche, mas depois, sentindo-se insegura, resolveu deixar a menina, com sua mãe, Dona Elena.
Contudo, essa não era a solução ideal. Porém, o que poderia fazer?
Melissa, sentia-se perdida em meio àquele turbilhão de emoções. Não sabia o que fazer. Sentia-se impotente.
Todavia, mesmo diante de sua fraqueza, Melissa sabia que não suportaria por muito tempo, viver em meio a tantos aborrecimentos. Já estava cansada de sofrer.
Não agüentava mais chegar em casa e encontrar seu marido bêbado, pronto para discutir com ela e ameaçá-la. Melissa tinha medo dele. Medo e asco.
Sim, por que nos últimos anos Mauro estava se revelando uma pessoa repulsiva, bem diferente do homem que ela conhecera tempos atrás.
Ao constatar isso, sentia-se muito triste. Tão triste que chegava a ser perguntar se teria feito algo de errado.
Mas, por mais que pensasse, não conseguia chegar a uma conclusão.
Porém, foi pensando nisso, que constatou que mesmo durante o namoro Mauro demonstrara um pouco de sua agressividade.
Todavia, como naquele tempo ele ainda não era um bêbado contumaz, conseguia controlar um pouco sua agressividade. Contudo, conforme se passaram os anos, Mauro, insatisfeito com seu trabalho e com sua vida, passava cada vez mais tempo longe de casa. Agora em companhia de seus amigos de bar, passava horas a fio, bebendo e conversando.
Quando finalmente se dignava a voltar para casa, estava tão bêbado que Melissa, que a essas alturas dormia, logo acordava e ía dormir na sala. Tudo para não ter de suportar o forte cheiro de bebida, vindo de Mauro.
Realmente, a situação estava insustentável.
Mauro agora, além de beber, também passara a agredi-la.
Nos últimos tempos, raras eram as vezes em que Melissa não sofria agressões físicas e psicológicas do marido.
Mas a moça, apesar do conselho de sua mãe, Dona Elena, e de suas colegas de escritório, não se sentia encorajada a abandonar seu casamento.
E nisso sua rotina de sofrimento prosseguia.
Foi nessa época que para seu azar, Melissa passou a ser assediada por seu chefe.
Este cada vez mais, insinuava-se para ela. Diversas vezes ofereceu-lhe presentes e nos últimos dias, sem nenhum motivo aparente, vinha-lhe fazendo convites para sair.
Melissa porém, desconversava sempre. Porém, temia que essa história chegasse aos ouvidos de seu marido. Se Mauro descobrisse, fatalmente apanharia.
Por conta disso, sentia-se cada vez mais angustiada.
Mauro, no entanto, bebia tanto que nem se dava conta do que se passava com a esposa. Envolvido pela bebida, mal tinha tempo para pensar em alguma outra coisa que não fosse em si mesmo.
Mas Melissa permanecia preocupada.
Por ser uma mulher atraente, freqüentemente era alvo de olhares e de cantadas. Aliás, fora por esta razão que certa vez Mauro, que na época era seu noivo, agrediu um rapaz que lhe dissera uns gracejos.
O rapaz ao ouvir o teor da cantada, ficou irado e desferiu um soco no olho do sujeito.
Melissa ao ver a reação do noivo, ficou horrorizada, mas Mauro, percebendo que havia se excedido, tratou logo de se desculpar da moça. Prometendo que nunca mais reagiria daquela maneira, acabou convencendo-a de que seria melhor dali para a frente.
Melissa, então, mesmo ressabiada, acabou se casando com ele.
Todavia, não era a primeira vez que ele reagia daquela forma. Quando ainda namoravam, diversas vezes Mauro perdeu a paciência com supostos rapazes que ficavam olhando para ela. Algumas vezes ameaçou até a agredi-los, mas contido por Melissa, sua reação não passou disso.
Realmente sempre fora destemperado em suas atitudes.
Mas a moça jamais poderia imaginar que ele se tornaria uma alcoólatra e conseqüentemente, passaria a agredi-la.
Mas a despeito disso, prometeu a si mesma, que nunca mais se sujeitaria as arbitrariedades de dele. Isso por que desde que se casaram, bastou ela começar a demonstrar interesse em trabalhar para ajudar em casa, para que as coisas se demudassem.
Mauro então, passou a ficar agressivo com ela.
O rapaz, que até então vivera muito bem com ela, passou a ficar cada vez mais irritado. Aborrecido com a mania de Melissa falar em arrumar um trabalho, Mauro passou a brigar com a esposa.
Depois, arrumando amigos em um bar, passava cada vez tempo longe de casa.
E assim, após os primeiros anos de casamento, foi-se embora a paz.
Melissa nessa época já tinha Carolina, que já grandinha, não dispensava tantos cuidados como quando era um bebê. Por esta razão, Melissa ao perceber que Carolina podia ser olhada por sua mãe, passou a pensar em voltar a trabalhar. Sim, por que antes de se casar, a moça trabalhava.
Mas como já foi dito, Mauro não aceitava isso. Foi por este motivo que discutiram inúmeras vezes.
Mas, Melissa estava certa, apesar de Mauro ganhar bem, não havia nada de errado em se pensar no futuro de Carolina. Era por esta razão que ela sempre quis trabalhar.
Mauro no entanto, não entendia a atitude da esposa. Para ele, seria um desaforo vê-la trabalhando.
Com isso, em razão das inúmeras brigas que o assunto provocava, Melissa resolveu deixar de lado, ao menos por algum tempo, a idéia de procurar trabalho.
Entrementes, a despeito disso, Mauro, que já havia se acostumado a se encontrar com os amigos do bar, ficava cada vez mais distante de sua família. E assim, bebendo cada vez mais, passou a negligenciar a família.
Melissa então, sem ter outra alternativa, passou a trabalhar como recepcionista.
E assim, não fosse o assédio constante de seu chefe, seu trabalho seria ótimo.
Mas as abordagens constantes de seu chefe tornavam sua situação delicada no escritório.
Nas últimas semanas, nem mesmo a presença de outras funcionárias o impedia de abordar Melissa que tentando se livrar do assédio, desconversava.
Assim, sempre que Roberval a elogiava, a moça fingia que não ouvia.
Quando ele a convidava para sair ela dizia que estava ocupada demais para isso. E desta forma, durante algum tempo, ela conseguiu contornar a situação.
Porém, como tudo na vida tem um limite, a uma certa altura, porém, cansado das evasivas de Melissa, o empresário urdiu um plano para se aproximar dela.
Primeiramente, começou a exigir que a moça fizesse cada vez mais serões.
Mauro, ao descobrir que a esposa estava voltando cada vez mais tarde para casa, ficou ainda mais aborrecido com ela.
Para azar de Melissa, numa das inúmeras vezes em que permaneceu até mais tarde na empresa, seu marido chegou mais cedo em casa e ao dar por sua falta, partiu em seu encalço. Porém, sem acreditar que sua esposa poderia estar ainda trabalhando, nem sequer cogitou a possibilidade de ir até o local de seu trabalho, para ir buscá-la.
Por esta razão, quando Melissa chegou em casa e se deparou com Mauro esperando-a, levou um tremendo susto. Surpresa com a presença do marido aquelas horas em casa, foi logo perguntando:
-- Mas o que você faz aqui a estas horas? Não devia estar com seus amigos?
-- Um momento! Quem tem de fazer perguntas aqui sou eu. Afinal de contas, isso são horas de se chegar em casa?
-- Eu estava fazendo serão no escritório. – respondeu lacônica.
Mauro então começou a rir. Depois irritado perguntou irritado:
-- Melissa! Você acha que eu sou idiota? Está escrito idiota em minha testa?
-- Não, é claro que não. Eu não estou brincando com você. Eu realmente estava trabalhando. Se tem alguma dúvida, no final do mês eu te mostro a relação de horas trabalhadas.
-- E por que não me mostra agora? – perguntou desconfiado.
-- Por que eles só nos dão esse documento no final do mês.
-- É mesmo? Por que eu não consigo acreditar em você?
Melissa impaciente respondeu então:
-- Por que você não confia em ninguém, nem em mim que sou sua esposa e que nunca te dei motivos para isso.
-- Ah não? Quer dizer então que desfilar todos os dias pelas ruas da cidade, me humilhando publicamente não é motivo suficiente para que eu me aborreça com você? Se você realmente estava só trabalhando, por que demorar tanto para voltar para casa?
-- Por que eu estava fazendo serão. Eu já disse.
-- Serão? Pois bem. Se você estava fazendo só serão, eu quero que me avise disso, para que na próxima vez eu vá buscá-la. Está bem?
-- Não é preciso. – respondeu ela secamente.
-- É preciso sim. – respondeu Mauro gritando. – Você é minha mulher e me deve satisfações.
-- Não precisa se incomodar. Eu posso perfeitamente voltar sozinha para casa. Está bem?
-- Você me julga um perfeito idiota. Não é mesmo? Pois saiba que você está brincando com fogo. O que eu estou te dizendo não é brincadeira. Ouviu? – disse ele gritando e já tirando o cinto, pronto para bater nela.
Melissa então, percebendo que apanharia mais uma vez, tentou debalde se trancar em seu quarto. Debalde por que, Mauro, percebendo que a esposa tentaria fugir, começou a agredi-la assim que a mesma começou a correr pela casa.
Com isso, mesmo diante das súplicas de Melissa para que parasse de bater nela, Mauro não parava. Pelo contrário, parecia que quanto mais Melissa gritava, mais vontade ele sentia em agredi-la.
Porém, quando a mesma caiu prostrada no chão, Mauro finalmente cessou as agressões.
Ao vê-la caída no chão, depois de algum tempo, resolveu ajudá-la a se levantar.
Melissa, sem forças para reagir, acabou por aceitar a ajuda.
Mauro então, deitou-a na cama de casal e foi dormir na sala.
Por sorte, desta vez Carolina não vira o espetáculo deplorável que Mauro promovera.
Como Melissa voltara muito tarde do serão, a mesma não sentiu inclinada a ir buscar a filha. Porém, em respeito a sua mãe, fez questão de avisar que não daria para ir buscar Carolina.
Com isso, em razão dos ferimentos sofridos, Melissa não estava em condições de trabalhar. Por esta razão, tratou de ligar para o escritório avisando que não daria para ir trabalhar. Alegando ter problemas pessoais para resolver, comentou que passaria o dia inteiro resolvendo-os.
Mais tarde, foi até o pronto-socorro e lá foi devidamente medicada.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 8 de abril de 2021
DE TRISTEZA E DE SOMBRAS - CAPÍTULO 1
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