E assim, mesmo no velório da filha, os jornalistas tentaram se aproximar.
No entanto, por se tratar de uma instituição de renome, e dado o fato de o velório estar sendo realizado na capela do hospital, foi recomendado, em razão da repercussão do caso, que fossem contratados seguranças para impedirem a entrada de estranhos no hospital e no velório.
Assim, todos os que queriam adentrar as dependências do hospital por qualquer razão, tinham que se identificar na entrada.
O que, com certeza, colaborou para a entrada de estranhos diminuísse.
No entanto, alguns conseguiram entrar no hospital. Com a desculpa de que estavam indo visitar um parente, alguns deles conseguiram acompanhar o velório. Mesmo alguns jornalistas conseguiram entrar.
No entanto, ainda dentro do hospital, havia um segurança para tomar conta do velório que lá acontecia. Assim, os jornalistas, ao verem o segurança, bateram em retirada.
E assim, de certa maneira, Dona Solange pôde ficar em paz com a filha.
Quando chegou a hora de fechar o caixão e levar o corpo até o cemitério para que fosse enterrado, Dona Solange fez um último apelo. Queria ficar a sós, pela última vez com a filha.
Compreensivos, todos entenderam o pedido da mãe e a deixaram sozinha com a filha.
Somente a advertiram para que não se demorasse.
No que Solange assentiu, balançando levemente a cabeça.
Quando finalmente se percebeu só, abraçou o corpo da filha. Durante longos minutos chorou sobre o corpo de Lúcia. Chorou, chorou, até que reuniu forças e começou a falar.
-- Por que minha filha? Por que? Por que você, que sempre foi tão boa com todos? Por que não uma pessoa ruim? Há tantas pessoas no mundo que mereciam muito mais que você, estar nesse lugar. Durante longos anos, eu cuidei de você. Cuidei sem esperar nada em troca. Cuidei só desejando que você crescesse e se tornasse uma pessoa bonita de coração, e você foi. Você foi a melhor filha que eu poderia desejar.
Foi então que, depois de alguns minutos em que esteve aparentemente calma, voltou a chorar. Não cabia em si de tanta tristeza. Assim, quando tornou a falar, com a voz embargada, comentou:
-- Eu criei você e o que eu ganhei com isso? Deus me tirou você. Primeiro tirou-me sua irmã, que eu nem sequer, tive a mais remota possibilidade de ter em meus braços. Eu a perdi praticamente no momento em que nasceu. E agora você. Não é justo. Você foi meu melhor presente, minha maior alegria! ... E eu te amo tanto. Tanto, que chega até a doer. Dói tanto, e eu nunca tive a oportunidade de dizer isso para você. Eu precisei perder você para conseguir entender a dimensão do meu amor. Nesses dias tão tristes que eu tenho passado, eu descobri que o meu amor por você, não tem limites. É maior do que eu mesma. É tão pesado, que eu não posso suportar.
Foi nesse momento então, que o desespero se tornou mais forte, e o choro, mais sentido. Sentia que não iria agüentar a ausência da filha, por muito tempo. Sentia que assim como Lúcia, estava morrendo. A cada dia que passava, era um pedaço de sua vida que se perdia. Era um pedaço seu que se separava de seu corpo.
Mas, mesmo assim, ainda com a voz embargada, continuou a dizer:
-- Com você, lá se foi minha última oportunidade de ter uma família. Eu não agüento mais perder. Quando é que eu vou ganhar? Eu não merecia estar passando por isso. Não merecia. Poderia ter acontecido qualquer coisa, menos isso. Eu não podia ter perdido você ... meu anjo. Volta pra casa. Eu ainda preciso tanto de você.
Debalde, desejava que sua filha se levantasse e saísse dali de mãos dadas com ela.
Mas sabia que isso não seriam possível.
Consciente disso, disse então:
--Meu anjo de candura. Infelizmente, acabou, eu não posso mais estar junto de você. Muito embora eu quisesse muito. Com você, se vai um longo e bonito pedaço de minha vida. Eu perdi. Mas eu quero que fique com uma coisa.
Nisso abriu sua bolsa e retirou de dentro, um lindo rosário que possuía desde os tempos de sua mocidade. Tal objeto, foi alvo de desejo de Lúcia durante muito tempo.
Lúcia, sempre desejara o rosário de sua mãe. No entanto, como era uma lembrança afetiva de sua avó, sua mãe nunca lhe dera.
Todavia, agora, Solange desejava entregá-lo para a filha.
E assim o fez.
Entregou-o em mãos, para Lúcia que jazia no caixão.
Para tanto, ajeitou o rosário, por entre as mãos da filha. Mãos estas que estavam sobrepostas, uma em relação a outra.
Assim, depois de realizar o gesto, proferiu suas últimas palavras para a filha.
-- Adeus. Vou sentir saudades ... Espere por mim. Espere por mim, Lúcia, que em breve, eu estarei contigo.
Ao dizer isso, ficou alguns minutos em silêncio, observando a filha, suas vestes, o modo como estava deitada, tudo. Muito embora não quisesse essa, como a última imagem da filha, não conseguia deixar de olhar.
Por último gesto, colocou uma rosa que encontrou entre os arranjos de flores da capela, sobre o peito de Lúcia.
Em seguida, conclamou a todos para que voltassem para a capela e pediu ajuda, para que pudesse descer a tampa do caixão.
Prestativos, muitos se ofereceram para fazê-lo sozinhos, mas Solange, fez questão de também participar.
E assim, auxiliada por um rapaz, abaixou a tampa do caixão.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 29 de abril de 2021
O BEM E O MAL - CAPÍTULO 22
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