Agora, no momento em que preparava o corpo da filha para finalmente entregá-lo a Deus, é que se dera conta de que talvez sua filha fosse sensitiva.
Isso por que, ainda criança, dizia para sua mãe, coisas sobre sua vida. Coisas que por ela ser muito pequena, não poderia se lembrar. Mas Lúcia lembrava.
Espantada Solange, se perguntava se isso poderia ser um dom.
Certa vez, ao ouvir no jornal a notícia sobre o desaparecimento de uma pessoa, nas cercanias da cidade, comentou com a mãe, que de nada adiantava procurar pela moça. Ela já não estava mais entre eles.
Ao ouvir isso, Solange ficou assustada. Afinal, como Lúcia poderia saber de uma coisa dessas?
Mas, dito e feito.
Ao final de uma semana de procuras finalmente encontraram o corpo, já em avançado estado de decomposição.
Sua mãe, ao acompanhar o desfecho da triste história, ficou impressionada. Lúcia sabia ver as pessoas, muito além da simples aparência.
Contudo, depois dessa demonstração de mediunidade, poucas vezes a garota demonstrou sua sentividade.
Para Lúcia, não havia a menor possibilidade dela possuir este dom. Por isso, quando sua mãe e seus vizinhos lembravam o que ela dizia e fazia ainda em criança, Lúcia acabava por discordar, dizendo que aquilo era uma simples intuição. Nada mais.
Tanto, que somente semanas antes de seu desaparecimento, é que a moça demonstrou mais uma vez esse dom.
Semanas antes de sumir, comentou com a mãe que algumas vezes, sentia uma sensação muito ruim.
Mas Solange lhe disse que não era nada e que não tinha que se preocupar com isso.
Porém a filha insistia em dizer que algo de muito ruim, estava para acontecer.
Dona Solange, ao ouvir isso ralhou com a filha.
Dizendo que pensar em coisas ruins atraía coisas ruins, pediu decisivamente, para que a filha nunca mais falasse uma bobagem daquelas.
E assim Solange deixou o assunto de lado.
No entanto, nos últimos tempos, ao lembrar-se de sua filha ainda viva lhe dizendo isso, sentia-se culpada. Afinal Lúcia previra momentos antes, a fatalidade que se abateu sobre ela.
Sentia-se tão mal, que chegava a acreditar que se tivesse ouvido a filha, talvez, de alguma forma, tivesse podido impedir que o mal fosse feito. Mas ela não acreditou. Por isso, sentia-se de certa forma, responsável pela morte da filha.
A única filha. O seu maior orgulho.
Mas agora era tarde.
Muito tarde para que pudesse fazer qualquer coisa.
E suas amigas, ao verem o triste estado de Solange, ficaram ainda mais preocupadas ao verem-na comentando sobre isso.
Para elas, como a própria menina já havia dito, não havia nada demais. Talvez ela estivesse sugestionada com alguma coisa.
Por isso, Raquel e Cínthia, ao verem o desespero da amiga, insistiam em dizer que Lúcia não havia previsto sua morte. Simplesmente havia sentido alguma coisa estranha. Até por que, um grupo muito suspeito, havia chegado na cidade naquela época.
Solange, ao ouvir isso, passou a ter uma certeza. Sua filha Lúcia fora morta por um estranho, que não estava mais na cidade.
Mas apesar dessa certeza, isso não a consolava.
Por isso precisava do apoio e carinho de todos.
Nisso, Solange lembrou-se, do quanto sua filha era generosa e cristã.
Desde pequena, Lúcia dera mostras de grande religiosidade.
Católica, sempre que podia procurava ajudar alguém que precisasse.
Na escola, repartia seu lanche com as colegas mais pobres. Meninas que muitas vezes andavam quilômetros para chegarem até a escola.
Sempre que podia, pedia a mãe para fazer um lanche a mais para poder dividir com elas. Constrangida, chegou a dizer para a mãe que era porque na hora do intervalo, sentia muita fome. No entanto, quando passou a pedir três lanches por dia, sua mãe passou a desconfiar.
Pra que tantos lanches? Afinal de contas Lúcia comia como um passarinho. O que ela fazia com tanta comida?
Finalmente, numa reunião de pais, descobriu o que se sucedia. Um dos professores, comovido com a atitude da menina, chegou até Solange e perguntou:
-- A senhora é a mãe de Lúcia?
-- Sim, sou eu sim.
-- Meus parabéns, senhora. Sua filha é um amor. Você deve sentir orgulho dela.
-- Realmente eu sinto. Mas por que o senhor está falando isso?
-- Por que Lúcia é uma menina muito generosa. Todos os dias ela traz lanches para dividir com suas amigas menos afortunadas.
Espantada, foi a vez de Dona Solange perguntar:
-- Então era para isso que ela me pedia tantos lanches?
-- A senhora não sabia?
-- Desconfiava, mas não tinha certeza.
-- Enfim, desculpe se falei o que não devia. Mas é que eu fico maravilhado quando vejo uma atitude tão generosa como essa, vinda de uma pessoa tão jovem quanto ela.
-- Não tem problema algum. Eu é que agradeço. Prometo que não vou ficar brava com ela.
Diante disso, o professor novamente se desculpou e saiu.
Com isso, Solange acompanhou a reunião até o final.
Quando chegou em casa, tratou de logo conversar com a filha. Afinal de contas, por que não lhe contara sobre isso?
E assim o fez.
Conversando com a filha explicou-lhe que não havia problema em dividir seu lanche com as amigas. O único porém fora não ter lhe contado a verdade. Isso não era certo. Foi então que perguntou:
-- Lúcia, por que você fez isso?
-- Eu tive medo de que você não concordasse.
-- Que bobagem. O que eu poderia dizer é que não dá para fazer isso todos os dias. Está bem? Mas eu prometo que vou encontrar uma solução para isso.
-- É, mesmo?
-- Prometo. Talvez comprando mortadela em vez de presunto e retirando alguns ingredientes ... talvez uma fruta. É ... dá para se dar um jeito. – disse abraçando a filha.
-- Mãe, você é maravilhosa. Te adoro.
-- Não minha filha. Você é que é um encanto.
Luciana Celestino dos Santos
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Poesias
sexta-feira, 23 de abril de 2021
O BEM E O MAL - CAPÍTULO 17
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