Com isso, Neusa, prestativa, se oferecia para participar de todos os projetos do grupo.
Todavia, em razão dos últimos acontecimentos, como a confusão no auditório e a ameaça de serem pegos, os integrantes do grupo, estavam cautelosos. Não podiam arriscar.
Por isso, resolveram se aquietarem um pouco. Enquanto isso, planejavam novos passos.
Enquanto isso, Flávio e Lucimar, ficava cada vez mais unidos.
Flávio, utilizando-se da desculpa de fazer parte do mesmo grupo que ela, aproveitava sempre as oportunidades que surgiam para discutir os novos passos que tomariam.
Lucimar, que sempre estava cheia de idéias na cabeça, não se cansava de dar sugestões.
Mas que o fazia Flávio prestar atenção nas palavras da moça, não eram suas idéias, e sim o seu interesse em causar boa impressão, e também por que não conseguia desgrudar os olhos daquela criatura que se inflamava por conta da política.
Certa vez, pensando nisso, distraiu-se por alguns minutos, e acabou não ouvindo parte das palavras ditas pela moça.
Lucimar, percebendo que Flávio estava distraído, chamou-lhe a atenção, dizendo que ele devia prestar atenção no que ela dizia. Isso por que, talvez, com a exposição de várias idéias, eles poderiam até chegar numa confluência de resultados.
Flávio, então, depois de ouvir a bronca, desculpou-se. Dizendo que havia se distraído pensando em uma qualidade da moça, acabou desarmando-a.
Lucimar então, percebendo que ele estava diferente, perguntou, preocupada, se ele tinha algum problema.
O rapaz, achando graça na preocupação da moça, começou a rir.
A moça, aborrecida com as risadas do rapaz, perguntou irritada, onde é que estava a graça.
Flávio, notando que havia agido mal, comentou que não havia graça. Apenas achara engraçado ela perguntar se ele estava adoentado.
Lucimar então disse que ele havia mudado de repente, daí a razão de sua pergunta.
Flávio, ao ouvir a explicação da moça, desculpou-se novamente, e comentou apenas que a estava a admirando.
Lucimar, ficou então sem palavras.
O moço, constatando isso, começou a dizer, que não quisera em nenhum momento, ofendê-la, apenas havia se distraído.
Comentando que ela era uma pessoa muito especial, ressaltou que ela deveria estar mais acostumada com esse tipo de comportamento. Até por que, devia ser muito comum para ela, aquele tipo de reação.
Lucimar continuou ouvindo as palavras do rapaz.
Flávio continuou falando. Falando, falando. Elogiou diversas vezes a moça. Ressaltou suas qualidades. Disse até que gostava de seus defeitos.
Lucimar então, perguntou:
-- Que defeitos?
-- Os defeitos que todos nós temos.
-- E como você pode conhecer os meus defeitos se mal me conhece? Praticamente só nos vemos quando nos encontramos no ‘aparelho’.
Flávio no entanto, tratou de desmentir a história. Isso por que, não fazia muito tempo, e eles se encontravam muito mais do que nos agora esporádicos encontros no novo ‘aparelho’.
Lucimar, então concordou.
Realmente, o relacionamento tinha ido além da simples ideologia e passara a ser uma verdadeira amizade. Por conta disso, vinha até negligenciando sua amiga Neusa. Realmente, Flávio estava certo.
Surpresa a moça percebeu que Flávio estava certo. Talvez ele a conhecesse até melhor que sua melhor amiga. A amiga de todas as horas, Neusa.
Admitindo essa verdade, Lucimar desatou a rir. Rindo compulsivamente, causou o espanto de Flávio, que não estava acostumado com as explosões de euforia da moça.
Espantado, o rapaz perguntou:
-- Luci, o que está acontecendo?
A moça explicou então, que ele realmente estava certo no que dissera. Realmente. Talvez até a conhecesse melhor que sua amiga. Por esta razão, ela desatou a rir.
Flávio, então, percebendo o motivo das gargalhadas, acalmou-se.
Foi aí que se instalou entre eles um longo momento de silêncio.
Mas não pensem vocês que isso constrangeu Flávio.
Absolutamente.
O rapaz, percebendo que faltavam as palavras, resolveu agir. Cansado de tentar encontrar a oportunidade certa, resolveu se aproximar de Luci.
Luci, então, percebendo que ele estava estranho, quebrou o silêncio e perguntou a ele o que queria.
Flávio então respondeu:
-- Isso.
A seguir, segurou o rosto da moça, e rapidamente beijou-lhe a boca.
Lucimar, apesar de desconfiar do gesto do rapaz, por um momento, teve dúvidas de que ele a beijaria. Acreditou que no último momento, desistiria. Entretanto, não foi isso o que aconteceu.
O rapaz, tomado de um profundo sentimento de decisão, resolveu fazer o que tinha que fazer.
E assim o fez, sem nenhum arrependimento.
Tanto que Flávio, ao ser indagado pela moça, sobre qual a razão de seu gesto, simplesmente respondeu:
-- Meu deu vontade. Aliás, eu devo confessar que há muito eu já tinha vontade de fazer isso, mas não tinha coragem. Achava que você não aceitaria. Mas agora chega.
Lucimar ficou sem palavras.
Flávio, porém, não deixou se intimidar por isso. Decidido, exigiu que a moça tomasse uma atitude. Nem que fosse para dispensá-lo sumariamente. Mas que se decidisse.
Lucimar, titubeando, respondeu que não sabia o que dizer.
Flávio insistiu. Angustiado, disse que ela tinha a obrigação de lhe dar uma resposta.
A moça, então notando, a inquietude do moço, ficou morrendo de pena dele.
Contudo, como não havia pensado no assunto, não sabia o que dizer. Porém, penalizada, prometeu que pensaria no assunto.
Flávio, desapontado com a resposta, disse:
-- Pensar? Por que não pode me dar uma resposta agora?
-- Por que não esperava por isso. Me perdoe, mas eu não tenho como te responder agora. Me desculpe.
O rapaz, arrasado, ao ouvir as palavras da moça, sem saber como agir, começou a correr.
Lucimar, ao ver Flávio correndo, pediu para que ele parasse.
Mas ele não a ouviu. Continuou a correr. E correndo, voltou para casa. Foi então que debruçou-se sobre o travesseiro e começou a chorar.
Nisso Lucimar, que se viu sozinha, ficou a pensar no que Flávio lhe disse. Surpreendida pelo ímpeto do amigo, não sabia o que pensar, nem o que responder.
Contudo, suas dúvidas foram se dissipando aos poucos.
Neusa, ao perceber a inquietude da amiga, insistiu para saber o que estava acontecendo.
Lucimar, por sua vez, fez tudo o que pôde para esconder o que estava acontecendo.
Neusa contudo, era esperta demais para ser enganada por uma amiga de tantos anos.
Notando que havia algo errado, ficou a pensar em cada uma das possibilidades que havia para aclarar as dúvidas que tinha. E assim pensando foi que chegou a seguinte conclusão: Se Luci passava praticamente o tempo todo com Flávio, só podia ser alguma coisa com ele.
Mas o que? Pensava, pensava. E foi pensando que chegou a resposta. Lembrando-se que o rapaz, chegou a lhe fazer muitas perguntas sobre Lucimar, Neusa constatou que a única resposta possível seria que ele devia tê-la pedido em namoro, e ela bobamente, pediu para pensar.
Neusa, então, ao chegar a esta conclusão, assim que pôde, foi conversar com a amiga.
Mas Lucimar, negou o quanto pôde que sua preocupação era essa.
No entanto, não teve jeito.
Neusa, ao olhar nos olhos da amiga, percebeu claramente que ela estava mentindo.
Diante disso, Luci, sem alternativa, acabou confessando.
Sim, Neusa estava certa.
Mas ela, apesar de gostar muito do rapaz, não sabia o que responder. Sem saber se era uma boa idéia namorar alguém tão próximo, estava em dúvida sobre que atitude tomar.
Neusa então, disse a amiga:
-- Você tem uma pessoa legal que gosta de você, e ainda tem dúvidas? Luci, você é muito complicada. Por que não aceita? Se não der certo, paciência, você arranja outro namorado. Mas pelo menos tente. Pode não ser o amor de sua vida. Mas pode te trazer muitas coisas boas. Não se preocupe com um relacionamento definitivo. Preocupe-se em ser feliz, nem que seja por alguns momentos.
Lucimar, ao ouvir as palavras de Neusa, ficou visivelmente espantada. Isso por que, não esperava que justamente ela, lhe viesse com um discurso daqueles.
Mas Neusa não se fez de rogada. Notando o espanto da amiga, perguntou:
-- Mas não são os próprios comunistas que pensam dessa forma? Não são vocês, militantes de esquerda, que acreditam no amor livre? Então, qual o espanto?
Lucimar se deu conta, de que Neusa estava realmente mudada. Tanto que chegou até a comentar:
-- Você nunca perde a chance de surpreender as pessoas.
Nisso, as duas caíram na gargalhada.
Após, Lucimar foi até o ‘aparelho’, encontrar com os companheiros de militância.
Lá estava Flávio, que constrangido, fez todo o possível para ir embora.
Contudo, Alexandre e Rubens, preocupados, com os novos planos, exigiram que ele permanecesse.
O rapaz, sem alternativas, acabou concordando em ficar.
E assim, Lucimar, ele e os rapazes, ficaram a discutir os próximos passos. Planejando, uma grande passeata, precisavam pensar em tudo, até em como fariam para fugir, caso a polícia aparecesse. Tais detalhes levavam horas para ser decididos e muitas reuniões precisavam ser feitas para tudo desse certo.
No entanto, após a reunião, Flávio, aflito, pediu para sair. Dizendo que tinha um assunto sério para resolver, argumentou que não poderia ficar mais tempo.
Lucimar, vendo a cena, deixou que o rapaz saísse, para logo em seguida, sair também.
Ao sair do ‘aparelho’, Luci tratou de acelerar o passo. Porém, por mais que corresse, só conseguiu encontrar o rapaz, depois do mesmo ter saído do prédio.
Flávio, percebendo a presença de Lucimar, foi logo dizendo:
-- Vai embora. Eu não quero falar com você.
Mas Luci, persistente, continuou a segui-lo.
Flávio, percebendo isso, tratou de acelerar o passo.
Lucimar fez o mesmo.
Quando o rapaz ameaçou correr, Lucimar contou que precisava conversar com ele.
No que Flávio respondeu:
-- Mas eu não tenho nada que conversar com você.
Lucimar continuou insistindo:
-- Tem sim, oras. Afinal de contas, não foi você que me beijou e depois me exigiu uma atitude? Aliás, que atitude é essa que você quer que eu tome? Você não deixou isto bem claro.
-- Você sabe muito bem. – respondeu ele, impaciente.
Lucimar, irritada com a atitude do rapaz, correu até ele, e puxando-o o pelo braço, respondeu:
-- Escute aqui. Quando eu falo com alguém, eu quero que a pessoa me olhe nos olhos. Está certo?
Flávio, pediu então, para que ela soltasse o braço dele. Desanimado, por acreditar que ela o dispensaria, comentou:
-- Eu não quero saber. Eu só quero que você me deixe em paz. Está bem?
-- Não, não está. Olha! Sinceramente eu não te entendo. Você vem todo galante num dia, e depois, parece que não está nem aí. O que é? Por acaso está com medo de mim?
Flávio caiu na gargalhada.
Pensou: Ora veja, era só o que faltava. Justo ele ter medo de alguém. Até parece.
Aborrecido, resolveu enfrentar a moça.
-- Ah, é? Pois então me dê um bom motivo para que eu tenha medo de você?
Lucimar, respondeu:
-- Olhe Flávio, eu não vim brigar. Eu só quero te comunicar minha resposta.
Flávio, ao ouvir isso, ficou apreensivo. Contudo, mesmo esperando uma negativa, respondeu:
-- Que resposta?
-- Você sabe muito bem... Está certo. Eu aceito.
-- Aceita o quê? – perguntou o rapaz, visivelmente angustiado.
-- Flávio, eu aceito. Eu quero namorar você.
O rapaz, surpreso, perguntou se ela tinha certeza.
Quando Lucimar assentiu com cabeça, o rapaz, incontido, abraçou a moça.
Feliz Flávio confessou que não acreditava que ela fosse aceitar namorá-lo.
Lucimar então comentou:
-- Ah! Deixe de bobagem.
-- Não é bobagem. – continuou.
Flávio não parava de abraçar a moça. Entusiasmado, o rapaz, suspendeu-a pelos braços e gritou que era muito feliz.
Foi assim, que começou o namoro do casal.
Durante os meses em que os dois estiveram juntos, o casal foi muito feliz.
Apaixonados, sempre se ajudavam nas atividades da militância.
Quando finalmente aconteceu a passeata, o casal, procurando evitar chamar a atenção, se dispersou. Com cada um de um lado, ficava mais fácil estimular a multidão a participar da manifestação contra a ditadura.
Estava dando tudo certo.
Com um longo trabalho de convencimento, os militantes conseguiram convencer muitos populares a participarem da passeata. E assim, munidos com faixas e cartazes, gritavam palavras de ordem.
Contudo, não bastou nem meia hora para que passeata fosse desarticulada, com o surgimento de policiais, que tentavam cercar os manifestantes de todas as formas.
Preparados para essa possibilidade, os militantes acabaram encontrando uma saída e conseguiram se evadir do local.
Flávio e Luci, no entanto, quase foram pegos.
Não fosse terem encontrado um beco onde pudessem se esconder, fatalmente seriam presos, e talvez até o ‘aparelho’ caísse. Isso por que, segundo o que eles sabiam, quem caía nas mãos do DOI-Codi, confessava tudo, até o que não tinha feito. Era uma sessão de torturas horrendas, que os policiais perpetravam contra os presos políticos.
Por esta razão, todos ali, fizeram o possível para escapar de toda aquela confusão.
Com isso Flávio e Luci, depois de se verem livres da confusão, foram até o apartamento onde o rapaz vivia, e passaram a noite juntos.
Depois do susto com a polícia, os dois queriam era mais, ficarem sós, sem ninguém para os atrapalhar.
Desta forma, foram até o apartamento, e lá se abraçaram, se beijaram, e se amaram.
No dia seguinte, o rapaz, deixando Luci, dormindo, foi até a rua, para comprar pão e jornais, para saber o que tinha se sucedido.
Luci, por sua vez, parecia um anjo, deitada sobre a cama, descoberta da cintura para cima.
Quando o rapaz voltou com os jornais e os pães, a moça continuava dormindo.
Flávio, encantado com o que via, pegou uma rosa, que havia plantado na varanda e colocou no travesseiro onde a moça dormia.
Foi então que Luci acordou e percebendo a surpresa, segurou a flor, e cheirou-a.
Encantada com o presente, agradeceu a gentileza, e prestes a se levantar, foi interrompida pelo rapaz, que fazia questão de trazer o café para ela, na cama.
Lucimar concordou em esperar pelo café na cama.
E assim, enquanto o rapaz preparava o café, pegou uma camisa dele e vestiu.
Nisso, surge Flávio adentrado o quarto com uma bandeja nas mãos.
Havia pão, manteiga, suco, leite e algumas bolachas para o café da manhã. Complementando, o rapaz colocou uma outra rosa na bandeja.
Encostada na cama, a moça, ao ver o café, ficou impressionada com Flávio. Isso por que, o rapaz, organizado, não havia se esquecido de nada.
Uma pessoa tão cuidadosa assim, merecia ser elogiada.
Foi o que Luci fez.
Depois, comeu um pouco de tudo o que tinha na bandeja. Gentil, ofereceu o café, para o namorado, que prontamente, aceitou a oferta.
A cena era de um completo idílio. Vê-los juntos, era uma graça.
Isso por que, assim que Luci mordia o pão, ela oferecia o outro pedaço ao namorado, que aceitava tudo. Parecia até uma criança recebendo comida na boca.
Após, de café tomado, os dois começaram a conversar, e lendo o jornal, perceberam que a passeata fora um verdadeiro fracasso.
Contudo, a despeito de tudo isso, não ficaram nem um pouco entristecidos.
Ao contrário, tinha muito o que agradecer por toda aquela confusão que se instalara. Não fosse por ela, não teria tido um dos melhores momentos de suas vidas.
Um cálido momento que ficaria para sempre na memória de Flávio.
Uma lembrança difícil de ser esquecida.
Contudo, deixemos de lado as tristezas, agora é o momento de alegrias.
Sim, o casal estava feliz.
Tão feliz e falante, que tiveram a conversa mais franca e mais aberta que jamais teriam novamente em suas vidas.
De tão empolgados um com o outro, passaram praticamente o dia inteiro juntos. Só saíram do apartamento, quando foram chamados por Neusa para irem até uma festa. Esta era a senha para irem até o ‘aparelho’.
E lá foram os dois, rua afora de mãos dadas.
Feliz, Flávio parava algumas vezes para abraçar a namorada. De tão contente comentou com ela, que precisavam de uma fotografia um do outro, para quando estivessem sozinhos.
Lucimar concordou. Mas ressaltou também, que estavam atrasados. Assim, tinham que se apressaram para irem até o apartamento de seus amigos.
Nisso, Lucimar e Flávio começaram a correr.
Correndo, finalmente chegaram ao apartamento.
Ao entrarem na sala, perceberam que eram os únicos que faltavam para a reunião.
Tanto que quando chegaram, Alexandre e Rubens comentaram brincando:
-- Até que enfim. Pensamos que não vinham mais. Que demora heim?
Flávio e Luci, ficaram um pouco constrangidos com a brincadeira, por esta razão, trataram logo de se desculparem pelo atraso.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 8 de abril de 2021
GERAÇÃO 70 - CAPÍTULO 4
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