Poesias

quinta-feira, 8 de abril de 2021

GERAÇÃO 70 - CAPÍTULO 3

Lucimar então, passou a juntamente com Flávio, distribuir panfletos, e a participar de discursos inflamados contra a ditadura. Animada, chegou a comentar que todos tinham responsabilidade pelo que aconteceria com o país, caso não tomassem uma providência o quanto antes.
A platéia que a tudo ouvia avidamente, foi ao delírio ao ouvir as palavras de ordem de Lucimar.
Mas nem tudo eram flores.
Certa vez, enquanto proferia um de seus discursos inflamados, a polícia apareceu e armada de cacetetes, invadiu o auditório onde estavam os estudantes, e dispersando-os, começou a abrir espaço, até chegar ao palco onde estavam os militantes.
Com isso, a confusão se instalou e todo mundo corria de um lado para o outro. Tudo com vistas a se evadir do local. Isso por que, dada a extrema violência da polícia, todos temiam ser presos.
E assim, em meio a confusão, os jovens manifestantes, acabaram conseguindo escapar.
Resultado da confusão.
Muita gente ferida e assustada, e alguns estudantes presos.
Alexandre, Flávio, Lucimar e Rubens, escaparam incólumes da confusão.
Ao avistarem a saída de emergência do auditório, trataram logo de sair dali.
Sim, por que se fossem pegos, acabariam por apanhar muito. Assim, cientes disso, trataram logo de fugir.
Por isso, correram com toda a força de suas pernas.
Exaustos, só cessaram a carreira, quando perceberam que estavam bem longe da faculdade.
Cansados, sentaram-se um pouco para descansar e depois irem até o aparelho.
Lá Luci, comentou que precisariam ficar algum tempo sem aparecer na faculdade, ou fatalmente alguém os delataria.
Flávio, concordou.
Além disso, Lucimar comentou que não era uma boa idéia voltarem a se reunir no auditório da faculdade. Isso por que, muito embora tivessem tido sorte dessa vez, não podiam ter a certeza de que sempre conseguiriam escapar.
Mais uma vez, Flávio concordou com a moça. Contudo, percebendo que já estavam na mira dos militares, o rapaz comentou que deveriam dar um tempo antes de realizarem novas ações.
Alexandre e Rubens concordaram. Afinal de contas, não podiam ficar visados. Pelo menos não agora. Ou então, não conseguiriam colocar seus planos em prática.
Assim, durante algum tempo, o ‘aparelho’, por medida de segurança, foi fechado.
Contudo, como não era bom que o mesmo ficasse totalmente abandonado, Alexandre e Rubens, que nesse tempo moravam juntos na casa, resolveram continuar a viver ali. Isso por que, se saíssem de lá e fossem vistos por conhecidos, acabariam levantando suspeitas.
Assim foi feito.
Contudo, os amigos passaram a se encontrar com cada vez menos assiduidade.
Mas isso, não quer dizer que os mesmos não planejassem algumas ações.
Com isso, encontrando-se na casa de um e de outro, os militantes passaram a planejar as próximas ações que praticariam.
Enquanto isso, Flávio e Lucimar estreitavam cada vez mais, seus laços de amizade.
Depois que o rapaz a fez integrar o grupo, pouco a pouco foi provando aos amigos que ela era uma pessoa de confiança.
Isso cativou a moça, que encantada com a atitude do amigo, se esqueceu por completo a forma como se conheceram.
Mas Flávio não. Para ele, apesar da resposta atravessada de Luci, simpatizara com ela. Tanto que tentou de todas as formas possíveis, se aproximar. E tanto tentou que acabou conseguindo. Persistente era agora seu grande amigo, deixando até mesmo Neusa, sua amiga fiel, em segundo plano.
Neusa, por isso mesmo, ficou um tanto quanto sentida com esse relacionamento. Relegada a segundo plano, não estava nem um pouco contente com a nova vida da amiga. Tanto que quando finalmente a encontrou, comentou que desde que ela conseguira realizar seu intento, raramente Lucimar tinha tempo para ela.
Lucimar então, percebendo que estava em falta com a amiga, prometeu que passaria a ficar mais presente.
Porém, qual o quê. Era só aparecer um dia, que sumia dois ou três para só então, novamente aparecer.
Isso deixava Neusa profundamente enervada.
Irritada, certa vez, tomada de um profundo sentimento de decisão, resolveu ir até a casa onde moravam Alexandre e Rubens.
Ao bater na porta da casa dos mesmos, ambos ficaram espantadíssimos com a estranha presença daquela garota em seu apartamento.
Porém, pedindo para entrar, ao ver que os rapazes autorizaram sua entrada, Neusa se apresentou e começou a explicar que também queria fazer parte do grupo, e participar das ações do mesmo.
Alexandre e Rubens, ao ouvirem isso, ficaram ainda mais surpresos.
Isso por que, até onde sabiam, a moça, segundo relatos de Luci, nunca estivera encorajada a participar de um movimento desses.
Pelo contrário, temerosa das conseqüências que adviriam de tal decisão, não queria nem sequer pensar em fazer parte de um grupo desses. Contudo, nos últimos tempos, segundo ela, tomada de um sentimento de patriotismo, não conseguia mais suportar ver tanta coisa errada sem nada poder fazer. Além do mais, não sentia que sua vida fazia sentido.
Os amigos, reticentes, prometeram que pensariam no caso.
Neusa então, ao perceber que não seria fácil fazer parte daquele grupo, insistiu em dizer que era de confiança, e que jamais delataria os amigos. Até por que, já sabia há muito tempo, da existência daquele ‘aparelho’.
Os rapazes, ao ouvirem a moça dizer a palavra ‘aparelho’, recomendaram a mesma, que não repetisse nunca mais o nome. Ademais, tomados de um sentimento de profunda curiosidade, resolveram lhe perguntar, onde ela tinha ouvido que aquele apartamento servia para atividades políticas.
A moça então respondeu que:
-- Olhe. Eu posso garantir que não foi a Luci, como vocês devem estar imaginando. Não, ela nunca foi dedo-duro. Nem pra mim ela contou, sobre este apartamento. Eu fiquei sabendo de vocês, por meio de outro grupo de militantes, que sabiam que vocês se encontravam aqui.
Os rapazes, ao ouvirem essas palavras da boca de Neusa, uma pessoa que até outro dia não queria nem sequer ouvir falar em movimento estudantil, ficaram sobremaneira impressionados. Assustados com a possibilidade dessa informação ter vazado, trataram logo de avisar os demais companheiros, para uma reunião. Sim, por que, de posse dessa informação, os mesmos não podiam ficar reféns dos acontecimentos. Até por que, se era realmente verdade o que a moça dissera, era apenas questão de tempo, para que os militares viessem a bater naquela porta.
Diante disso, os integrantes do movimento, surpresos com a convocação, trataram logo de se dirigir até o ‘aparelho’.
Curiosos, ao lá chegarem, tomaram conhecimento de que outras pessoas sabiam onde ficava o ‘aparelho’ deles. Surpresos, foram logo perguntando, como haviam descoberto.
Rubens então disse:
-- Por incrível que pareça, quem me confidenciou isso foi sua amiga, Luci.
-- A Neusa? – perguntou Lucimar espantada.
-- Sim. – insistiu ele. – E tem mais, segundo ela, foi um outro grupo de estudantes que a informou sobre isso.
-- Um grupo de estudantes? – perguntou novamente Lucimar.
-- Uma outra militância. Talvez seja aquela turma com quem conversamos algumas vezes. Se lembra?
-- Sim, é claro, Rubens. Nós estavamos precisando de alguns conselhos para agir. Mas como é que eles descobriram nosso paradeiro? – Lucimar.
Alexandre então, comentou que sempre que alguém desconhecido se aproximava do grupo, um deles tratava de investigar a pessoa para saber o que era. Assim, talvez tenha sido dessa forma que eles descobriram que o ‘aparelho’.
Todavia, se havia sido dessa forma que haviam descoberto, eles estavam muito expostos. Isso por que, nenhum deles havia se aproximado deles para obter qualquer informação.
Com isso, se mesmo de longe, puderam constatar o que era, a situação era preocupante. Sim, por que desta forma, eles, a despeito do que imaginavam, não estavam sendo nem um pouco discretos.
Assim, precisavam agir, e o quanto antes, ou fatalmente seriam pegos.
Foi então que Lucimar sugeriu que eles deveriam arrumar suas coisas, que dentro em breve poderiam se mudar.
Alexandre e Rubens, porém, ao perceberem a tranqüilidade da moça em dizer alguns dias, comentaram que não tinham tempo a perder. Precisavam sair dali o quanto antes.
Lucimar, notando a apreensão no rosto de todos, comentou que de nada adiantaria fazer as coisas atabalhoadamente. Isso por que, se assim, agissem, fatalmente atrairiam as atenções para eles, e isso não era aconselhável. Por isso, precisavam ser discretos, e discrição não combina com pressa.
Os rapazes então, ao ouvirem as palavras sensatas da moça, acabaram por concordar, e assim esperaram por alguns dias.
E em alguns dias, a moça, cuidadosamente, escolheu um novo lugar para que os dois pudessem se instalar.
Pronto.
Pelo menos momentaneamente as coisas estavam resolvidas.
Nisso, Neusa, que fazia tanta questão de integrar o grupo, tornou novamente a procurá-los no antigo ‘aparelho’. Contudo, qual não foi sua surpresa ao descobrir que os mesmos haviam se mudado não fazia muito tempo.
Curiosa, perguntou a um dos vizinhos se ele fazia idéia de para onde os rapazes poderiam ter ido.
O senhor então, comentou aborrecido:
-- Escute aqui, mocinha! Quem a senhorita pensa que eu sou? Eu não me dou com gente desavergonhada não. Me respeite. Eu sou um pai de família.
Depois de proferir essas palavras, bateu a porta.
Neusa então constatou que não seria nada fácil novamente contatá-los. Porém, faria todo o possível para conseguir. E assim, foi que determinada, ao reencontrar Lucimar, pediu para que ela lhe contasse onde estavam Alexandre e Rubens.
Espantada, Lucimar contou que ambos lhe contaram que a mesma os advertira de que outra militância havia tomado conhecimento de onde estavam. Surpresa com a atitude da amiga, Lucimar resolveu lhe perguntar o por quê da mudança de atitude.
Neusa, disse então, que ao se deparar com novas manifestações estudantis, e a extrema agressividade da policia, isso a deixou bastante incomodada. Além disso, estava cansada de sentir medo. Não bastasse isso, sentia-se muito só e vazia. Foi por esta razão, que ao se lembrar das palavras da amiga, resolveu tomar uma atitude. Foi por esta razão que resolvera bater na porta de Alexandre e Rubens.
Por fim, a moça terminou, dizendo que também, sentia muita a falta da amiga, e por isso queria integrar o mesmo movimento que ela. Adorava-a muito para seguir outro caminho sem ela.
Lucimar emocionada, comentou que ela não precisava arriscar-se para demonstrar seu afeto por ela.
Neusa então comentou que não era só pelos conselhos de Lucimar que resolvera tomar essa decisão. Foi também por conta de uma insatisfação pessoal com o mundo que a cercava.
Lucimar então, abraçou a amiga. E contente com sua decisão, disse:
-- Então está bem. Se você está firme em sua decisão, não sou eu que vou me opor. Pelo contrário, vou te apoiar. Porém, te aviso desde então. Fique consciente de fazer parte de uma militância não é algo fácil. Todos os dias você vai estar arriscando seu pescoço. A todo momento estamos correndo contra o relógio e tentando de todas as formas possíveis não sermos pegos. Você está preparada para viver dessa forma? É isso que você quer realmente?
Neusa então respondeu:
-- Sim. É isso o que eu quero. Mais do que tudo.
Lucimar novamente abraçou a amiga.
Depois prometeu ajudá-la a integrar o movimento.
Foi assim que novamente, a relação de ambas se estreitou. Próximas novamente, não paravam de fazer planos.
Neusa, que procurava aprender tudo sobre o movimentos estudantis, não se cansava de ouvir a amiga contar sobre as peripécias em que se envolveu, por estar engajada em um movimento de esquerda.
Mas, ao contrário do que se poderia pensar, Neusa não ficou tão assustada quanto antes, pois agora demonstrava um profundo interesse nas palavras de Lucimar.
Esta, por sua vez, ao notar o interesse da amiga, foi tomada de um profundo sentimento de espanto. Lucimar chegou até a estranhar o comportamento audacioso de Neusa.
Neusa então, comentou que sempre achara os ideais e a convicção dela, fascinantes. Contudo, por medo de se envolver com a polícia, disfarçou seu interesse.
Isso por que, conhecedora do clima de tensão política em que estava mergulhado o país, Neusa sabia que não podia se arriscar, ou facilmente cairia nas mãos do Dops. Daí sua discrição. Porém, insatisfeita com sua vidinha acanhada, resolveu assumir suas convicções, sem se importar muito com as conseqüências que adviriam de seu gesto.
Lucimar, ao ouvir as explicações da amiga, mais uma vez se convenceu de que a amiga estava segura do que fazia. Assim, não tinha o que temer quanto a isso.
Contudo, ainda assim, Lucimar achava algumas vezes, que Neusa não sabia exatamente onde estava se metendo. Por esta razão, prevenida, resolveu, contar detalhes sobre a história de vários movimentos políticos de esquerda que ela conhecia, e as histórias de seus participantes.
Para surpresa de Neusa, boa parte das histórias, não acabava nem um pouco bem. Contudo, a despeito disso, a moça não se abalou nem um pouco.
Sim, estava decidida a ajudar a amiga na luta dos estudantes.
E Lucimar, sem alternativas, acabou concordando em apresentá-la a Rubens e Alexandre, que mesmo reticentes, acabaram concordando e aceitando a idéia de que ela viesse a fazer parte do grupo. Afinal, se tinham aceito ela, a pedido de Flávio, por que não acolher Neusa, que os havia ajudado antes, sem nem mesmo receber um obrigado?
E assim, a moça passou a fazer parte do grupo.
Essa participação, ainda seria muito útil a todos, conforme se poderá observar com o transcorrer da narrativa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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