E assim, no dia seguinte, fazendo uso do disfarce, retornou a fazenda.
Silvério ao ver a moça, percorrendo a fazenda a cavalo, perguntou-lhe se havia melhorado de seu mal estar.
Ludmila, tomada de surpresa, respondeu que sim.
O homem chegou a comentar que estava muito bem disposta para quem havia ficado dias guardando leito, convalescente.
A fazendeira respondeu-lhe que se recuperava depressa. Nisto pediu licença e continuou seu caminho.
Dias depois, Roberval se despediu da mulher.
Mencionou que muito embora as circunstâncias não fossem das mais favoráveis, havia gostado de conhecer a fazenda e a pequena Odara.
Ludmila agradeceu a ajuda, e desejou-lhe boa viagem.
Com isto, disponibilizou o carro da propriedade.
Solícita, comentou que desta vez, ele não precisaria de carona de conhecidos dela.
Roberval agradeceu.
Desta forma, voltou a sua cidade natal.
E assim, a rotina da fazenda prosseguiu.
Em termos, já que os militares continuavam a vigiar a sede da fazenda e os passos de Ludmila.
Silvério acreditava que a mulher escondia algo.
Sabedor do fato de que Ludmila era casada, estranhava a demora do marido retornar de viagem.
A fazendeira dizia que Lúcio era uma pessoa muito atarefada, e que havia muitas questões a serem resolvidas, daí a razão da demora no retorno.
O militar contudo, não estava convencido disto.
Ludmila por sua vez, procurava continuar seu trabalho, percorria as plantações, verificava o rendimento das colheitas, vistoriava os animais, o trabalho dos peões.
Verificava a contabilidade da propriedade com Emerson, o pagamento dos empregados, a situação jurídica dos mesmos, se ninguém estava precisando de nada.
Silvério ouvia as conversas de Ludmila com Emerson.
Aborrecido por não descobrir nada de comprometedor, chegou a pensar em retirar seus homens da propriedade.
Só não o fez, por que acreditava que algo ainda estava por vir, e que isto poderia mudar o rumo das investigações.
Valdomiro, cismado com o homem, chegou a dizer certa vez para Ludmila, que o mesmo parecia um cão farejador, procurando o rastro de sua vítima.
Ludmila não gostava do homem.
Em que pese os modos sutis de Silvério, considerava-o muito convencido.
Jurema e Rosa achavam que ele espichava muito os zóio para a patroa, e que isto não pegava bem, já que se tratava de uma mulher muito bem casada.
Emerson também não gostava do homem, e por motivo semelhante.
Acreditava que Silvério estava interessado na fazendeira.
Circunstância a qual comunicou a Ludmila, alertando-a para que tivesse cuidado.
Tentando preveni-la, disse que se sua suspeita se confirmasse, seu marido Lúcio corria sério perigo, já que homens como ele, são capazes de qualquer coisa para retirar quem quer que atrapalhe seus planos, do caminho. Ainda mais ele, auxiliado que estava pela máquina do estado.
Ao ouvir estas palavras, Ludmila sentiu um frio percorrer sua espinha.
Receosa, ficou a imaginar, enquanto sua filha caminhava pela sala da casa grande, quando tornaria a ver o marido. Aflita, ficou a se perguntar onde ele estaria, o que estaria fazendo. Desejou com toda a força do seu coração, para que não fosse para lá.
Temia que o moço, tomado de teimosia, tentasse se aproximar dela, retornando a fazenda.
Nos últimos dias, Silvério passou a procurá-la com mais freqüência, perguntava sobre a ausência de seu marido, quando retornaria.
Ludmila tentava se desvencilhar do policial, sem grande êxito.
A certa altura o homem comentou que ela devia sentir-se muito só vivendo isolada do mundo, e tendo um marido tão atarefado com viagens de negócios.
A fazendeira fingiu não ouvir.
Dizendo ter muito trabalho a fazer, pediu licença ao homem.
Silvério então, pedindo para que esperasse um pouco, comentou que ainda não fora convidado para jantar por nenhuma das famílias do lugar.
Ludmila respondeu-lhe então, que todos eram pessoas muito simples e que ficariam constrangidas em receber visita tão ilustre.
O delegado, comentou que não tinha nada de ilustre.
Ludmila respondeu que nos últimos tempos, o jantar não era mais servido em sua casa. Comentou que gosta de cear com o marido e como ele estava ausente, não tinha vontade de jantar sozinha.
Silvério insinuou que caso fosse convidado, ela não ficaria só.
Ludmila respondeu-lhe que gostaria muito de convidá-lo, mas que diante das circunstâncias, estava só, seu marido estava ausente, e não ficaria bem. Disse lamentar.
O militar ficou visivelmente decepcionado.
Ludmila pediu desculpas e se afastou.
Montou em seu cavalo e saiu.
Dias depois, tomado de ansiedade, Lúcio decidiu retornar a fazenda.
Usando de disfarce, conseguiu adentrar a propriedade, sem chamar a atenção. Para isto, usou um caminho alternativo, ensinado por Ludmila.
A fazendeira, ao descansar perto do riacho, enquanto observava as nuvens do céu, começou a ouvir um chamado.
No começo, não conseguiu distinguir os sons, mas depois, ouvindo com mais atenção ao chamado, percebeu que alguém dizia o seu nome.
Curiosa, a mulher caminhou em direção ao chamado que mais parecia um sussurro.
Quando a fazendeira se aproximou de uma árvore, percebeu um homem trajando calça e camisa surrados.
Assustou-se. De imediato, não reconheceu o rapaz.
Observando melhor o homem, começou a distinguir sinais característicos.
Emocionada, ao notar que se tratava de Lúcio, sussurrou o nome do moço.
Com lágrimas nos olhos, abraçou o rapaz.
Emocionados, ficaram um longo tempo naquela posição.
Em dado momento, temendo estar sendo observada, Ludmila recomendou que se afastassem dali.
Conversando discretamente, Lúcio contou que não agüentava mais ficar longe dela. Argumentou que não se importava em correr riscos.
Ludmila mencionou que os militares ainda estavam vigiando a fazenda.
Curiosa, perguntou como ele havia conseguido chegar até lá.
O homem comentou as peripécias, que adentrou a fazenda por um caminho alternativo.
Aflita, a mulher disse que ele não poderia ficar ali, ou seria preso.
Lúcio respondeu que já havia arrumado um lugar para pernoitar, e que voltariam a se encontrar.
Nisto, combinou uma forma de se encontrar com a moça, a qual sairia da fazenda disfarçada.
Ludmila concordou.
No dia seguinte, o casal se encontrou no caminho, e Lúcio conduziu-a até uma cabana que havia bem afastada da estrada.
Em um desses encontros, Ludmila encontrou uma forma de levar Odara, e Lúcio pode rever a filha.
Com efeito, ao ver a criança tão crescida, os olhos do moço se encheram d’água. Emocionado, o moço lamentou o fato de não poder acompanhar o crescimento da filha.
Dizia estar perdendo uma das fases mais importantes da vida dela.
Ludmila ao perceber isto, comentou que ele acompanharia outras fases, e que eles voltariam a ser felizes.
Ao dizer estas palavras, a fazendeira caiu em prantos.
Lúcio ao vê-la tão triste, tentou consolá-la.
Disse que aqueles eram tempos difíceis, mas que as dificuldades cessariam. Usando um tom resoluto, chegou a criticar a esposa, dizendo que não estava reconhecendo a mulher forte e determinada com a qual havia se casado.
Ludmila respondeu-lhe que estava cansada de ser forte, que não era a fortaleza que todos pensavam.
Lúcio contou-lhe que se ela pensava que se livraria assim tão facilmente dele, estava muito enganada.
Afirmou que ele era muito insistente, e que não desistia fácil de seus objetivos.
Brincando, disse que era um grude, chato como ele só.
A fazendeira, ao ouvir as palavras do moço, começou a rir.
Entre lágrimas e risadas, comentou:
- Ah, Lúcio! Só você pra me fazer rir!
Mais tarde, a moça retornou para a fazenda com a criança escondida em uma mala repleta de roupas.
Os policiais, que viram a mulher entrar e sair da casa grande, riam da triste figura.
Nem sequer desconfiavam de que se tratavam de Ludmila.
Contudo, conforme as saídas da estranha mulher se intensificaram, Silvério começou a estranhar a presença de uma mulher com a qual ninguém havia falado antes.
Jurema e Rosa, instruídas por Ludmila, comentaram que se tratava de uma camponesa que vivia de passagem por ali.
Silvério ouviu a explanação das mulheres, mas, desconfiado, resolveu seguir a estranha.
Assim, passou a acompanhar a mulher á distância.
Seguindo a estranha, o militar descobriu um outro caminho para se chegar na estrada que margeia a fazenda.
Notou que a moça entrou em uma cabana.
Para descobrir que a jovem ia se encontrar com um estranho, Silvério precisou acompanhar a moça por quase duas semanas.
Nisto, ao ver a moça se despedindo de um rapaz com um abraço, começou a investigar a história.
Sondando os empregados da fazenda, o homem constatou que o moço com quem a mulher se encontrava, além de corresponder a descrição física do rapaz procurado, era também semelhante ao marido de Ludmila.
Nervoso, ficou a pensar por que tanto interesse em esconder o tal Lúcio da polícia.
Chegou a conclusão de que o moço só podia ser o terrorista que estavam procurando.
Silvério, relatou o ocorrido aos seus homens de confiança.
Planejou armar um flagrante e aprisionar o sujeito.
Com isto, continuou a seguir a moça.
No momento oportuno, acompanhado de seus homens, Silvério se encaminhou para o local dos encontros.
Aguardou a moça chegar.
Ludmila foi recebida por Lúcio, que a abraçou efusivamente.
Silvério, calculista, ficou a aguardar o momento oportuno para agir.
Com isto, quando a moça se despediu do rapaz, Silvério e seus homens se aproximaram, dando voz de prisão ao moço.
Ludmila, ao se ver diante dos policiais, vendo Lúcio ser preso, reagiu.
Desesperada, argumentou que eles não poderiam levá-lo.
Silvério, olhando a mulher atentamente, retirou o lenço que cobria seus cabelos e os óculos que ocultavam seus olhos.
Percebeu que se tratava de Ludmila.
Olhando-a nos olhos, disse que ela estava seriamente encrencada por acobertar um foragido da policia.
Ludmila ao perceber que fora implicada na ação, argumentou que Lúcio não havia feito nada demais e que não poderia ser preso.
Silvério, notando a exaltação da jovem, segurou-a pelo braço.
Nervosa, a mulher pediu para que ele a soltasse.
Lúcio, ao ver a esposa sendo segurada pelo policial, tentou correr em sua direção, mas foi impedido pelos policiais.
Desesperado, o moço gritou para que corresse.
Nisto, os homens levaram Lúcio até um carro, para onde o rapaz foi conduzido, após ser algemado.
Um dos soldados por seu turno, perguntou se o delegado os acompanharia.
Silvério respondeu que não, mencionando que precisava conversar com Ludmila.
Com isto, pediu para que seus homens conduzissem o homem a prisão, que ele assim que pudesse, conversaria com o preso.
Ludmila, ao ver Lúcio sendo conduzido de carro pela estrada, correu em sua direção.
Desesperada, chamou-o.
Lúcio voltou-se para trás.
Neste momento, um dos policiais puxou-o, exigiu que ele não olhasse para trás.
Ludmila, ao ver que o carro saía de seu campo de visão, gritou o nome de Lúcio.
Ao perceber que a situação saía de seu controle, a moça sentou-se no chão e começou a chorar.
Silvério, ao vê-la sentada no chão, ofereceu-se para ajudá-la a levantar-se.
Ludmila recusou a oferta.
Chorando, respondeu que podia perfeitamente se levantar sozinha.
Com isto, enxugou o rosto, e tentando se recompor, levantou-se.
Nisto, encaminhou-se para o caminho pelo qual acessaria a fazenda.
Silvério, ao vê-la caminhando a pé, argumentou que estava muito longe da fazenda.
Ludmila respondeu que não estava tão longe assim.
O militar falou que precisavam conversar.
A fazendeira retrucou dizendo que não tinha nada para conversar com ele.
Insistiu para que ele a deixasse em paz.
Neste momento, o homem exigiu que ela parasse a caminhada.
Ludmila continuou caminhando. Já não ouvia mais nada.
Somente o que escutava era o bater descompassado do coração, abalado com a prisão do marido, e era somente nisto que pensava. Em uma forma de libertá-lo da prisão.
Estava indiferente a ordens, imprecações e gritos.
Enervado, Silvério gritou dizendo para que parasse.
Ameaçou com voz de prisão, mas Ludmila nada ouvia.
O homem então, apressando os passos, forçou a moça a correr.
Ludmila, ao perceber a aproximação, começou a carreira.
O delegado, exigiu que ela parasse de correr, mas Ludmila persistia.
Até a certa altura o homem a alcançou.
Ludmila tentou escapar, tentou se livrar das mãos do policial, mas não conseguiu.
Silvério então, ao notar que a moça se debatia, exigiu que ela parasse.
Ameaçou-a dizendo que se continuasse resistindo, seria presa também.
Furiosa, Ludmila respondeu que não se importava. Dizia que tudo estava perdido, que nada mais importava.
Silvério, colocando a mão no rosto da moça, disse-lhe que Lúcio estava preso somente para averiguações, mas que se ela colaborasse, ele poderia ser solto rapidamente.
A fazendeira, ao ouvir estas palavras, perguntou como ele havia chegado até ali, e de onde havia tirado que seu marido podia ser um terrorista.
Ludmila falou-lhe então, que se tratava de um homem trabalhador, que nunca fizera mal a ninguém. Argumentou que ninguém ali na região, tinha um senão, em relação a ele.
Silvério, ao ouvir as palavras da mulher, riu.
Irônico, perguntou:
- Está certo! É um homem repleto de qualidades, sem qualquer defeito. Mas a senhora conhece a vida pregressa do rapaz? Sabe de onde veio, o que fazia antes?
Ludmila, retrucou dizendo que ele vinha de uma família de tropeiros, que largara a profissão e passara a viver como peão trabalhando em várias fazendas.
Silvério comentou que conhecia aquela história.
Olhando nos olhos de Ludmila, disse-lhe para que se acalmasse, se recompusesse. Mencionou que quando tivesse mais calma, poderia ver o marido, desde que colaborasse nas averiguações.
Nisto o homem sinalizou para que a moça entrasse no carro da policia.
Disse que a levaria para casa.
Sem alternativa, a mulher entrou no carro.
Silvério abriu a porta do veículo para ela.
Quando Ludmila surgiu, saindo do veículo e conduzida por policiais, Rosa estranhou.
Todavia, tentando manter as aparências, tentou não demonstrar seu espanto.
Razão pela qual continuou a varrer o chão da varanda, fingindo estar distraída com seu trabalho.
Quando o militar se aproximou, a mulher olhou para Ludmila.
Furioso, o delegado comentou que havia descoberto a mentira e que sabia havia cúmplices para o embuste.
Aborrecido, o homem começou a gritar. Exigiu que quem havia acobertado o casal, assumisse o mal feito.
Ludmila, ao perceber a arrogância do policial, resolveu enfrentá-lo.
Disse-lhe que ninguém estava acumpliciado com ela, que agira sozinha.
Irritado, o homem começou a gritar:
- Está achando que eu sou algum idiota? Como a senhora conseguiria sair da casa grande sem chamar a atenção de alguém?
Ludmila respondeu que ninguém sabia do detalhe.
Nisto o homem perguntou:
- Então quer dizer que quando a senhora sumia, não estava realmente doente? E mesmo assim, ninguém sabia do disfarce, da mentira, do embuste?
Ludmila, percebendo a inflexibilidade do policial, pediu-lhe desculpas.
Falou estar profundamente constrangida em ter precisado mentir para tão alta autoridade constituída, mas que precisava conversar com seu marido, e que não poderia envolver terceiros, pessoas inocentes na confusão. Com isto, resolveu usar um disfarce, para não chamar a atenção.
Silvério, percebendo que a mulher mudara de tom, acalmou-se um pouco.
Tentando se recompor, pediu-lhe desculpas por haver se exaltado.
Disse estar nervoso com a operação.
Com isto, disse por aquela noite, Lúcio permaneceria preso, mas que no dia seguinte ela deveria comparecer a delegacia.
Em seguida, o homem desceu as escadarias, entrou no carro da policia e sumiu.
Jurema, aproximou-se.
Nervosa, perguntou se ela e Rosa seriam intimadas para comparecerem na delegacia.
Aflita, Ludmila respondeu que temia que sim.
Ao ouvir, isto, Jurema começou a chorar. Dizia:
- Oh meu Deus! E agora, o que vai ser de mim?
Ludmila, ao perceber a preocupação, o desespero da empregada, prometeu que se isto acontecesse, ela não iria sozinha para a delegacia.
A fazendeira comprometeu-se a contatar um advogado. Disse-lhe que ninguém da fazenda seria intimado a depor sem a presença de um advogado, e que qualquer abuso ou ameaça, deveria ser-lhe informado.
Ludmila aflita insistiu para que a criadagem repassasse a informação para todos os empregados da fazenda.
Com isto, comentou que amanhã contataria o advogado.
Jurema agradeceu-lhe.
Ludmila respondeu-lhe que não estava fazendo mais do que a obrigação.
Afinal, havia envolvido a todos naquela confusão, então cabia a ela ajudá-los.
No dia seguinte, a mulher rumou para a delegacia.
No carro da fazenda, dirigiu ao posto policial que havia na vila.
Ludmila usava saia, blusa, sapatilha. Estava com os cabelos presos em uma trança.
Silvério, ao vê-la em tais trajes, admirou-se ainda mais.
A fazendeira percebeu.
O policial então, sinalizou para que se sentasse.
A moça sentou-se.
Nisto, começaram as perguntas.
Perguntas as quais Ludmila já havia respondido informalmente.
A certa altura do depoimento, o delegado começou a se aproximar mais da mulher.
Em dado momento, chegou a insinuar que ela também poderia ser uma guerrilheira, uma terrorista.
Foi o bastante para que a fazendeira começasse a rir.
Silvério, ao perceber isto, irritou-se.
Comentou que aquilo não era uma brincadeira, e que havia pessoas perigosas envolvidas naquela bandalheira.
Ludmila fitou-o com assombro.
Silvério, ao notar que intimidara a moça, continuou a fazer-lhe insinuações.
Comentou que Lúcio tinha idéias um tanto quanto avançadas para um simples camponês, que pessoas o viram se insurgir com uma suposta injustiça contra os trabalhadores do campo.
Curioso, o homem perguntou o que ela pensava sobre o assunto, já que era uma fazendeira, e portanto dependia daquele sistema de produção, considerado injusto pelo marido.
Ludmila, ao ouvir a pergunta, respondeu que nunca explorou seus empregados, argumentou que eles tinham seu dia de folga, que compravam o que precisavam na venda da vila, que não era dona do tal comércio, e que sempre que precisavam de algo, iam ao seu encontro. Mencionou que nunca recusou ajuda a ninguém que tivesse lhe pedido, a menos que não tivesse condições de fazê-lo.
O delegado sorriu.
Comentou que ela era uma justiceira.
Ludmila, incomodada com a ironia, respondeu que não era uma justiceira, era apenas uma dona de terras, que procurava fazer o melhor que podia.
Neste momento, a moça perguntou se não poderia ver o marido.
Insistiu em saber como ele estava, se precisava de alguma coisa.
Silvério riu.
Comentou que o tal Lúcio era um homem de muita sorte por ter ao seu lado uma bela e dedicada esposa.
Com isto, disse que ainda não havia interrogado o moço, e que ela não poderia vê-lo.
Ludmila, ao ouvir a proibição, argumentou que estava colaborando nas investigações, e que tinha o direito de visitar o marido.
Silvério, retrucou dizendo que ali, ele era a autoridade máxima, e que somente ele poderia definir quando ela estaria autorizada a visitar o marido.
Em seguida, tentando amenizar a situação, o homem ofereceu-lhe um café, o qual foi recusado pela moça.
Ludmila disse-lhe que precisa retornar a fazenda, que havia muito trabalho a ser feito.
Silvério, ao notar que a mulher tinha pressa em sair da delegacia, insistiu para que ficasse.
Dizia que o interrogatório ainda não havia terminado.
Nisto, começou a fazer perguntas sobre há quanto tempo estavam juntos, se ele amava a filha tanto quanto a própria vida.
Ludmila recusou-se a responder a algumas perguntas.
Argumentou que ele estava invadindo sua privacidade.
Silvério insinuou que ela não estava colaborando com as investigações.
A certa altura, colocou sua mão no ombro direito da moça.
Ludmila, ao notar o gesto, levantou-se.
Disse que tinha pressa, possuía assuntos para resolver.
Silvério, ao perceber que Ludmila estava nervosa, pediu para se acalmasse.
Atenta, a mulher tornou a sentar-se, sempre observando o homem.
Silvério se aproximava e Ludmila se esquivava.
Com isto, o homem perguntou se estava tudo bem.
A fazendeira respondeu com outra pergunta:
- Quando vou poder voltar para a fazenda?
Silvério respondeu que somente sairia dali quando ele autorizasse.
Nisto voltou a perguntar.
Perguntou-lhe se Odara era importante para ela; se estava disposta a auxiliar de fato, o marido que estava preso; se faria qualquer coisa para isto.
Ludmila não estava gostando nem um pouco do tom das perguntas.
Recordou-se do que Emerson lhe dissera.
Neste ponto, quando o homem soube que a fazendeira se dirigira a delegacia somente acompanhada pelo motorista da fazenda, não gostou nem um pouco.
Receoso, Emerson comentou que também se encaminharia até o posto policial, acompanhado de um advogado.
Jurema e Rosa, concordaram com a precaução do homem.
E assim, o administrador dirigiu-se a vila, lá contatou um advogado que estava de passagem pela região.
Mencionou que era empregado de uma das fazendas da região, e que estava precisando de seus préstimos.
O advogado perguntou qual era o problema.
Emerson puxou o homem para um canto da venda e contou-lhe o que estava ocorrendo. Mencionou que sua patroa estava sozinha diante do delegado, e que seu marido estava preso. Mencionou que segundo as empregadas de Ludmila, tudo não passava de um equívoco.
Todos na fazenda acreditavam que o delegado estava prendendo o homem errado. Lúcio havia sido confundido com outra pessoa.
O causídico, ao tomar conhecimento dos fatos, acompanhou o homem até o posto.
Emerson então, usando de sua diplomacia, pediu para conversar com o delegado.
Disse que tinha algo de muito importante para falar-lhe.
Silvério, ao tomar conhecimento do fato, aborreceu-se.
Irritado, comentou que não queria ser incomodado.
Argumentou que estava em um interrogatório e que não podia interromper o que estava fazendo, para atender qualquer um que aparecesse, dizendo que tinha algo importante para falar.
Com isto, o funcionário retornou dizendo que o delegado estava muito ocupado para atendê-lo.
Emerson retrucou dizendo que o que tinha para dizer, poderia mudar o rumo das investigações.
O funcionário recomendou-lhe aguardar.
Diante disto, Emerson respondeu que voltaria mais tarde.
O advogado então, explicou-lhe que eram tempos difíceis, em que a nobre função de advogar estava sendo vilipendiada, e que somente com muito tato, conseguiriam auxiliar Ludmila.
Desta forma, o profissional perguntou a Emerson se ele conhecia detalhes da prisão, como era o tal Lúcio, a relação dele com os funcionários da fazenda, seu comportamento, sua vida pregressa.
O homem contou ao advogado tudo o que sabia a respeito do homem.
Confessou que ele sempre agira corretamente com relação a Ludmila e aos demais empregados da fazenda. Assumiu que, em que pese não gostar nem um pouco dele, não poderia se furtar em auxiliar Ludmila.
O advogado, comentou que faria o possível para ajudar.
Emerson agradeceu.
Nisto, acompanhou o advogado até o posto policial.
Lá, o administrador chamou novamente o funcionário, comentou que precisava trabalhar e que tinha urgência em conversar com o delegado.
Comentou que o que tinha a dizer era importante, e que Lúcio não tinha ligação alguma com atividades terroristas.
Silvério, que conversava com Ludmila há horas, em dado momento, perguntou se ela amava tanto assim seu marido.
Aborrecida, a mulher comentou que seu afeto não lhe dizia respeito.
Silvério chegou a insinuar que Lúcio poderia não ser tão fiel a ela quanto ela imaginava, para que dedicasse tanto empenho em libertá-lo.
Ao ouvir isto, Ludmila respondeu-lhe que Lúcio era honesto e digno. Um dos homens mais corretos e dignos que havia conhecido.
Silvério, ao ouvir as palavras calorosas de defesa do rapaz, comentou que gostaria de algum dia encontrar alguém que o defendesse com tanto ardor.
Nisto, comentou que admirava as pessoas apaixonadas, aquelas que tinham emoção pela vida. Que não temiam se envolver com a vida, com suas alegrias, tristezas, vicissitudes.
Comentou que não gostava de pessoas fracas, que sucumbiam na primeira dificuldade.
Olhando nos olhos de Ludmila, disse que admirava sua garra, sua coragem, e que poucas vezes na vida, havia conhecido pessoas, ainda mais, mulheres, com sua fibra. Sozinha, cuidava de uma fazenda, criava uma filha, amava apaixonadamente seu marido.
E ainda por cima, além de tudo isto, ainda era absurdamente linda. Tão linda a ponto de ter sido casada com homens de idades e posições tão diferentes, e de ter sido muito amada por eles.
Nisto, o policial se aproximou da mulher.
Segurando seu rosto, comentou que seria capaz de abandonar sua carreira, abrir mão de honrarias, e até ajudaria o moço a fugir, caso ela concordasse em mostrar-lhe, ao menos um pouco, o que era ser amado daquele jeito.
Silvério comentou que todos o temiam, mas poucos tinham afeto por ele.
Ludmila, tentou fazer com que ele a soltasse, mas a cada gesto seu em afastar-se, mais ele se aproximava.
Foi neste momento que o funcionário bateu a porta da sala onde estava o delegado e interrompeu a conversa.
O homem enfureceu-se.
Enervado, o delegado perguntou o que o funcionário queria.
Constrangido o homem respondeu que o administrador da fazenda de Ludmila, gostaria de falar-lhe.
Silvério respondeu que mais tarde o atenderia.
Impaciente, ao ouvir novamente a recusa do delegado em recebê-lo, Emerson irritou-se.
O advogado ao constatar que o policial não os atenderia, e após ouvir um comentário do administrador, percebeu que a intenção do delegado não era necessariamente atender aos reclamos da justiça e prender o verdadeiro terrorista procurado, e sim, talvez, aproveitar-se das circunstâncias e assediar Ludmila.
Emerson comentou que não poderia deixar a situação correr daquela maneira. Argumentou que a moça corria perigo.
Nilton – o advogado –, percebendo a gravidade da situação, comentou que ele devia gostar muito da jovem, para ameaçar a se indispor com o delegado e auxiliá-la a libertar o marido.
Emerson tentou disfarçar, dizendo que não estava entendendo o que estava acontecendo.
Nisto o causídico contou ao jovem, o plano que havia tido.
Emerson concordou em participar.
Desta feita, a dupla chamou alguns camponeses para armarem uma briga em frente o posto policial.
Com isto, em alguns minutos um trio fingia uma altercação em frente o local.
O delegado ao ouvir os rumores, perguntou a um dos funcionários do posto, o que estava havendo.
Quando o homem falou que se tratava de uma briga, o delegado ordenou que fosse dada voz de prisão aos homens.
Como o funcionário dissesse que ele deveria tomar providências quanto ao caso, Silvério resmungando, disse:
- Bando de incompetentes! E agora sou eu que vou ter tomar as providências necessárias.
Ludmila, pálida, estava encolhida na cadeira.
Nisto, Silvério pediu-lhe desculpas pela interrupção e se encaminhou para fora da delegacia.
Ao avistar a rua, percebeu a briga.
Encaminhou-se para o local dos fatos.
Quando aproximou-se dos contendores, notando que a briga continuava.
Silvério então gritou, ordenando que parassem a briga.
Os homens porém, insistiam na desavença.
Emerson, ao notar que delegado havia se afastado do posto policial e que apenas um funcionário havia permanecido no local, se esgueirou e adentrou o imóvel.
Percebendo que um funcionário permanecia no local, Emerson aproveitou um momento de distração do rapaz, e seguida entrou na sala onde o delegado interrogava Ludmila.
O homem, ao ver a moça levantando-se e observando o movimento no local, chamou-a.
Ludmila mal podia acreditar no que estava vendo.
Emerson sinalizou para que o acompanhasse.
A mulher acompanhou-a e esgueirando-se, ambos saíram do posto policial.
O advogado, conversando com o motorista que acompanhou a fazendeira até a delegacia, sugeriu para não retornassem imediatamente a fazenda.
Emerson ao se aproximar do carro, sugeriu que mulher ficasse na casa de um dos colonos.
Assustada, Ludmila começou a chorar. Disse que não pode ver Lúcio, que não sabia o que estava acontecendo com ele.
Emerson, percebendo que a mulher estava transtornada, comprometeu-se a verificar o que estava acontecendo.
Nisto, o carro seguiu rumo a fazenda.
Emerson e o advogado, acompanharam o veículo.
Por fim, após apartar a briga, Silvério conduziu os homens a delegacia.
Qual não foi sua surpresa ao notar que Ludmila não estava mais no posto.
Furioso, chamou a atenção dos três funcionários que trabalhavam no local.
Nenhum deles havia visto a mulher sair do lugar.
Nervoso, o delegado advertiu os homens dizendo que se voltassem a aparecer em sua frente, seriam imediatamente presos.
Os aparentes contendores por sua vez, trataram logo de sair do posto policial.
Silvério então, mandou chamar Lúcio, que até então, aguardava ser chamado para prestar seu depoimento.
O moço aflito, sabia que assim que fosse chamado pelo delegado, teria problemas.
E assim, ao ser conduzido até a sala do delegado, respirou fundo.
Passara horas sozinho na cela.
Ao ser conduzido a presença do delegado, o moço olhou-o com firmeza.
Silvério, ao perceber a altivez do homem, comentou irônico:
- O senhor me parece bastante seguro! Vamos conversar um pouco e ver se esta segurança permanecerá estampada no seu rosto, depois de algumas perguntas.
Lúcio respondeu que estava pronto para quaisquer esclarecimentos.
Silvério começou a fazer-lhe as perguntas de praxe, perguntou-lhe a filiação, local de nascimento, escolaridade.
Lúcio respondeu a todas as perguntas, disse que era peão, que já fora tropeiro, que seus pais eram falecidos, e que até conhecer Ludmila e formar uma família com ela, era sozinho no mundo.
Silvério, ao perceber o modo como o rapaz se referia a esposa, o quanto se preocupava com a família, começou a insinuar que Ludmila poderia não ser tão dedicada a ele, quanto se poderia supor.
Conhecedor do fato de que a moça já fora casada com um fazendeiro, comentou que não se tratava de uma mulher inexperiente.
Lúcio, ao ouvir as palavras do militar, pediu para que ele fosse mais direto.
Silvério desconversou.
O peão por sua vez, argumentou que Ludmila era uma pessoa ímpar, rara e exemplar. Mulher de fibra, como poucas. Mencionou que uma das maiores qualidades, era ser uma pessoa correta.
O delegado, ao ouvir as palavras do moço, bateu palmas.
Comentou que nunca vira tanta dedicação e devoção a uma mulher.
Relatou que histórias como as do casal, eram raras.
Em dado momento mencionou que lamentava ter de separar um casal tão bonito.
Lúcio, ao ouvir as palavras do delegado, estremeceu.
Silvério por sua vez, continuou a falar.
Comentou que tinha testemunhas que afirmavam tê-lo visto a praticar ações armadas na região. Pessoas que o viram defender as ligas camponesas, Francisco Julião, e a criticar o modo de vida dos campesinos, a pobreza em que viviam, a suposta exploração a que eram submetidos.
Enquanto dizia estas palavras, um funcionário datilografava o depoimento.
Lúcio, por sua vez, respondeu que de fato era contra a forma como os camponeses eram tratados.
Dizia que seu modo de vida na maior parte das vezes, era aviltante. Contudo, jamais partiria para a luta armada. Ressalvou que combater uma injustiça cometendo outros crimes, não era razoável.
Silvério, ao ouvir estas palavras, perguntou:
- Então o senhor considera crime, a luta armada?
Lúcio respondeu que a luta armada em sim, na sua opinião, não era crime e sim a forma como era conduzida, com ações terroristas, roubos, assaltos, seqüestros de embaixadores, mortes de civis, abusos de militares – estas sim, condutas criminosas .
Silvério por sua vez, não gostou do comentário.
Mas, tentando arrumar argumentos para manter o rapaz na prisão, disse ao escrevente que anotasse que Lúcio não era contrário a luta armada.
Lúcio ao ouvir isto, argumentou que não era a favor das ações terroristas, da violência, e que portanto, jamais faria parte da luta armada.
Ao perceber que seu depoimento estava sendo distorcido, Lúcio relatou que não responderia mais qualquer pergunta.
Silvério disse que ele estava obstruindo a justiça.
Lúcio irritado, bateu na mesa.
Disse que não estava para ser usado como bode expiatório. Argumentou que somente falaria, na presença de um advogado. Dizia que tinha direito a isto.
Silvério começou a rir.
Falou-lhe que ele não tinha direito a nada, que a lei ali era ele, e seria ele quem determinaria as regras.
Lúcio mencionou que aquilo era uma arbitrariedade.
Silvério retrucou dizendo que não estava preocupado com o que ele pensava.
Relatou que quem estava em má situação era ele, e cabia a ele provar que não estava envolvido na luta armada.
Lúcio gritou dizendo que não era terrorista, que nunca fizera parte da luta, que não era militante político.
Silvério, ao se ver diante do descontrole do rapaz, retrucou dizendo que ele devia se controlar, ou as coisas ficariam muito piores do que estavam.
O peão então calou-se.
Nisto, como o rapaz ser recusasse a responder as perguntas do delegado, Silvério ameaçou fazer uso de instrumentos de tortura.
Lúcio permaneceu aparentemente indiferente.
Apenas seu olhar o traiu, demonstrando apreensão.
Com efeito, os funcionários trouxeram baldes com água.
E assim, a cada pergunta não respondida, o moço tinha a cabeça mergulhada em um dos baldes.
Conforme a resistência do rapaz não diminuía, aumentava o tempo em a cabeça do mesmo ficava dentro dos baldes.
Lúcio já estava quase perdendo os sentidos.
O mal estar se intensificava, a sensação de que a vida estava por um fio, só aumentava.
Um dos funcionários do posto, ao perceber que o moço estava quase desmaiando, recomendou ao delegado que retomasse os depoimentos no dia seguinte.
Silvério, irritado, recomendou que o moço seria reconduzido a sua cela.
Lúcio, que mal se agüentava em pé, foi conduzido pelos policiais a cela.
Quase desfalecido, o moço foi arrastado a cela e jogado no chão.
No dia seguinte, o rapaz foi novamente levado a presença do delegado.
Novamente submetido a tortura, Silvério mandava os policiais mergulharem a cabeça do moço nos baldes.
Como o moço resistia, o delegado mandou aplicar choques no rapaz.
Com o tempo o moço passou a ser espancado.
As torturas começavam com os mergulhos nos baldes, e descambavam para surras e choques.
Certo dia, depois de horas de espancamento, o moço foi conduzido inconsciente para sua cela.
Depois de um choque, Lúcio perdeu os sentidos e foi levado da sala.
Lacerda, um dos funcionários, comentou com o delegado, que se as coisas continuassem daquela forma, o homem morreria antes de se descobrir qualquer coisa.
Nesse meio tempo, Ludmila procurou novamente o delegado, acompanhada de Nilton e Emerson.
Silvério, percebendo o empenho da moça em preservar a vida do marido, insistiu para conversar a sós com ela.
Ludmila, tentando de todas as formas possíveis preservar a vida do marido, concordou.
Nilton e Emerson, ao perceberem a artimanha do delegado, tentaram convencê-la a não ceder as pressões do homem.
Cochichando, disseram que era perigoso, ficar a sós com aquele homem.
Ludmila contudo, aceitou a imposição do delegado, mas também impôs uma condição.
Queria ver o marido.
Silvério tentou argumentar, mas Ludmila respondeu que somente ficaria a sós com ele, se fosse possível ver Lúcio.
O militar, sem ter outra alternativa a não ser atender o pedido, concordou.
E assim, a fazendeira reviu o marido.
Ao ver o moço jogado em uma cama, todo machucado, os olhos de Ludmila encheram-se de lágrimas.
A mulher, ao perceber que o jovem estava sofrendo torturas, olhou furiosa para o delegado.
Silvério não teve como se explicar.
Aflita, Ludmila chamou pelo marido.
Lúcio, ao ouvir aquela voz longínqua, começou a se mexer.
O moço, ao notar a familiaridade da voz, despertou. Mal podia acreditar que Ludmila estava ali, diante dele.
Com um fio de voz, chamou-a, sorriu para ela.
Ludmila chorou ao vê-lo.
Enfraquecido, o moço tentou levantar-se.
Não conseguiu.
Ludmila, ao perceber o estado físico do marido, afligiu-se.
Silvério, notando que se a moça permanecesse no local, poderia descobrir coisas que não seriam convenientes para ele, resolveu interromper o encontro.
Ludmila tentou argumentar, mas ao perceber que o delegado não a deixaria ficar mais tempo com o marido, disse que estava cuidando para que ele saísse da prisão. Relatou que havia um advogado cuidando do caso. Chorando, disse que não havia se esquecido dele.
Lúcio, com os olhos inchados, respondeu que sabia que ela não iria abandoná-lo.
Num fio de voz, agradeceu o empenho, mas respondeu ter consciência de que talvez a ajuda não chegasse a tempo.
Ludmila respondeu que a ajuda estava chegando.
Ao se afastar do moço, respondeu que ele não estava sozinho.
Lúcio, exausto, voltou a dormir.
Com isto, Silvério conduziu-a novamente para sua sala.
Ao lá chegar, Ludmila caiu em prantos.
Silvério, ofereceu-lhe um lenço.
Disse constrangido, que Lúcio havia se acidentado, razão pela qual se encontrava acamado.
Aproveitando o ensejo, o homem comentou que tinha amigos influentes, que poderiam auxiliar na fuga de Lúcio.
Ludmila, ao ouvir a palavra fuga, não compreendeu.
Silvério respondeu-lhe que não havia tempo para se provar uma suposta inocência, e que a única medida cabível, seria fazer com que o rapaz saísse de circulação.
Ludmila tentou argumentar, mas Silvério argumentou que faria isto, mediante uma troca.
Diante destas palavras, a mulher ficou observando-o, como que esperando que o homem continuasse a falar.
Silvério respondeu então que para ajudá-la, precisava contar com sua colaboração.
Ludmila perguntou o que ele queria dizer com colaboração,
Com um sorriso cínico, o policial respondeu:
- A senhora deve compreender que Lúcio está sendo procurado pela justiça. E assim ... fica muito difícil ajudá-lo. Para auxiliá-lo na fuga, eu vou comprometer minha carreira, eu também vou precisar sumir. Razão pela qual eu mereço uma compensação, ou não?
Ludmila espantada, perguntou-lhe se queria dinheiro.
Rindo, o homem respondeu que dinheiro apenas, não resolveria a questão.
Nisto, começou a aproximar-se da moça.
Disse a ela que era muito bonita, interessante, atraente.
Ludmila, ao ouvir as palavras do delegado perguntou como se daria a fuga de Lúcio.
Silvério respondeu que ainda não tinha um plano montado, mas que pensaria no assunto.
A fazendeira então, tentando encerrar a conversa, pediu para que o delegado elaborasse um plano de fuga, pois no dia seguinte, voltaria a conversar.
Nesse período, vários empregados da fazenda, foram interrogados pelo delegado.
Jurema, Rosa, Valdomiro, Leocádia e outros.
Como a fazendeira prometera, todos foram acompanhados pelo advogado, o senhor Nilton, que de passagem, resolveu permanecer na cidade.
Ludmila, afastada do marido, sofria com sua ausência.
No dia da prisão, após o retorno a fazenda, a mulher recolheu-se.
Não quis saber de jantar e passou toda a noite chorando e a olhar para o firmamento.
Os últimos meses foram de imensa tristeza para ela e para Lúcio, que também só fazia sofrer.
Diuturnamente torturado, o moço permanecia poucas horas desperto, pois as dores físicas eram muitas e permanecer acordado era deveras penoso.
Geralmente, quando era chamado para os interrogatórios, estava dormindo, e era bruscamente despertado pelos policiais, que chutavam a cela, faziam barulho, batendo correntes.
A cabeça do prisioneiro rodava, latejava.
Atordoado, o moço sentava-se na cama e os policiais faziam com que se levantasse.
Amparado pelos policiais, era conduzido a sala de Silvério.
Certo dia, Lacerda comentou que Silvério estava sendo muito duro com Lúcio e que se os interrogatórios não fossem interrompidos, o preso não suportaria por muito tempo.
Silvério foi aconselhado a parar os interrogatórios.
O homem porém, não aceitava conselhos de subalternos.
A certa altura, toda a vila estava a ouvir gritos esparsos.
Lúcio tentava resistir, não demonstrar fraqueza, espantar a dor, mas não conseguia.
Silvério, a certa altura, passou a amordaçar o moço, que gemia de dor.
Tomava choques, banhos de água gelada, surras.
O delegado sentia prazer em esbofeteá-lo.
Emerson, que havia prometido ajudar Ludmila, ficava sondando os moradores da vila. Descobriu que Lúcio era perseguido pelo delegado.
Por diversas vezes, compareceu na delegacia e alertou o homem dizendo que se Lúcio continuasse a ser maltratado, seria obrigado a relatar o ocorrido as autoridades competentes.
Silvério, ao ouvir isto, respondeu que ele poderia fazer o que quisesse, mas que tomasse cuidado, ou poderia ser o próximo a ocupar uma cela e a fazer companhia a Lúcio.
Ludmila, por sua vez, amuada, saía para trabalhar, mas passava a maior parte do tempo diante da cachoeira, ou no riacho.
Tristonha, ficava a se recordar dos momentos felizes vividos ao lado de Lúcio.
Chorava ao constatar que aqueles tempos não voltariam.
Jurema e Rosa percebiam o abatimento e a tristeza e o abatimento da patroa.
Lamentavam não poder ajudar.
Com isto, a mulher tentava se acostumar a ausência do marido.
Procurava se ocupar, cuidando da filha.
Mas isto não bastava, alguém não estava mais ali.
Por este motivo, quando o delegado acenou com a proposta de auxiliar na fuga de Lúcio, a mulher encheu-se de esperança.
Emerson, sabedor do interesse do delegado na fazendeira, ao tomar conhecimento da proposta, comentou que o homem não libertaria Lúcio sem obter algo em troca.
Ludmila retrucou dizendo que provavelmente queria dinheiro.
Comentou que o homem dissera que estava arriscando sua carreira para fazê-lo.
O administrador, ao ouvir as palavras da moça, contou que Silvério não era um homem pobre. Relatou que em conversas com passantes na vila, descobriu que Silvério era um homem de posses, oriundo de uma família de militares e de gente endinheirada.
Ludmila ao ouvir isto, ficou pálida.
Triste, ficou a se perguntar o que ele queria então.
Emerson, irritado, respondeu que ela não iria a delegacia sozinha.
Ludmila respondeu quase chorando, que precisava salvar Lúcio.
O homem, ao perceber o desalento da moça, disse que lamentavelmente o rapaz estava perdido para ela. Argumentou que não havia mais o que se fazer. Confessou que havia tentado contatar autoridades e pessoas que poderiam ajudar a libertar o moço, mas que ninguém queria se comprometer e ajudar um suposto terrorista.
Ludmila, ao ouvir as palavras de Emerson, chorou. Disse que ele estava enganado, que tinha se equivocado, que Lúcio ainda poderia ser salvo. Nervosa, comentou que faria qualquer coisa para ajudar o marido.
Emerson, diante das palavras de desespero de Ludmila, comentou que se ela aceitasse a proposta de Silvério, não conseguiria garantir que Lúcio conseguiria sair do país.
Relatou que poderia ter problemas, caso tentasse ajudá-lo na fuga.
Comentou que poderia ser presa também.
Ludmila respondeu que não estava preocupada com sua segurança.
Emerson, segurando o braço da moça, pôs a mão no rosto da fazendeira.
Disse que ela tinha uma filha para criar, alguém que dependia dela.
Aflito, tentou trazer a mulher a razão.
Ludmila, a certa altura, abraçou-o.
Chorando, disse que estava sendo muito difícil aqueles meses, que sentia a falta do marido, que se sentia omissa por não poder ajudá-lo. Por saber que estava sendo torturado e não poder fazer nada para impedir.
Emerson sentiu um nó na garganta.
Embora não gostasse do moço, considerava uma injustiça o que estava acontecendo com o rapaz.
Certa vez, chegou a comentar com Valdomiro, que era uma covardia o que estavam fazendo com Lúcio.
O camponês, pediu ao homem para tivesse cuidado com as palavras, pois as paredes tinham ouvidos.
O homem sentia vontade de denunciar os abusos sofridos por Lúcio, mas não sabia a quem recorrer.
Aflito, angustiado, chegou a comentar este fato com Nilton.
O advogado comentou que chegou a escrever para organizações internacionais, mas comentou que dificilmente saberiam o que se passava nos porões da ditadura.
Dias negros.
Emerson e Ludmila, permaneceram abraçados por algum tempo.
Durante a noite, a mulher ficou a se revirar na cama.
Ansiosa, mal conseguiu dormir.
No dia seguinte, antes que os empregados da casa grande despertassem, Ludmila encaminhou-se para a vila.
Ao chegar no posto policial não esperou ser anunciada ao delegado.
Pelo contrário, adentrou intempestivamente a sala de Silvério.
Ao lá chegar, deparou-se com Lúcio.
O moço, com o rosto coberto de ferimentos, levantou os olhos em sua direção, com dificuldade.
Ao vê-la, emocionou-se.
Lágrimas banharam seu rosto.
Ludmila também ficou com os olhos cheios d’água.
Chorando, perguntou:
- O que fizeram com você, meu bem?
Lúcio então, abaixou a cabeça.
Ludmila fez menção de correr ao seu encontro.
No que foi impedida pelo delegado.
Silvério, ao se ver diante da fazendeira, pediu para que os homens encaminhassem Lúcio para a cela.
Lacerda, ao se aproximar do moço, percebeu que o mesmo estava inconsciente.
Silvério, constrangido com a situação, aproximou-se do rapaz.
Ludmila, aproveitando a distração do delegado, também se aproximou.
Ao perceber que o pescoço do moço, o corpo, estavam cobertos de hematomas, ficou horrorizada.
Silvério, pediu desculpas a jovem, disse que o rapaz tinha convulsões e que ao se debater adquirira aqueles ferimentos.
Dizendo que o jovem seria medicado, pediu para que ela aguardasse na entrada.
A fazendeira tentou argumentar, mas Silvério impediu-lhe de falar.
Respondeu que assim que o moço fosse socorrido e medicado, falariam.
Aborrecido, o delegado mandou jogar um copo com água no rosto do preso.
Lacerda jogou água no rosto do peão.
O moço atordoado, despertou.
Auxiliado pelos policiais, levantou-se e foi encaminhado para a cela.
Ludmila ao ver o moço saindo da sala, tentou se aproximar dele, no que foi impedida pelo delegado.
Silvério disse que precisavam conversar.
Aflita, a mulher comentou que Lúcio estava muito machucado.
Pediu que fosse chamado um médico.
Silvério, tentando acalmar a mulher, prometeu que o faria.
Disse que antes porém, precisavam acertar os detalhes da fuga, e o que ela ofereceria em troca do favor.
Ludmila tentando ganhar tempo, respondeu que precisava primeiro saber como se daria a fuga.
O delegado respondeu-lhe que só lhe contaria o plano quando ela se comprometesse pessoalmente com a empreitada. Disse que queria algo em troca.
Ludmila respondeu-lhe que pagaria o quanto fosse necessário para que a fuga fosse bem sucedida.
Silvério, aproximando-se da moça, disse que não estava interessado em dinheiro.
Ludmila ficou de costas para ele.
Dizendo que tudo o que tinha para oferecer era dinheiro, aproximou-se da janela.
O delegado intrigado, perguntou-lhe se estava esperando alguém.
Ludmila respondeu-lhe que não. Estava apenas a observar o movimento da rua.
Silvério, aproximando-se da moça, segurando seus ombros, disse aproximando de seu ouvido, que aguardava uma resposta.
Foi o bastante para Ludmila afastar-se assustada.
Nisto, o delegado aproximou-se ainda mais, fazendo com que Ludmila ficasse contra a mesa.
Lúcio, que era conduzido com dificuldade a sua cela, ao ouvir um grito de Ludmila pedindo para que o homem a soltasse, encheu-se de forças, e aproveitando-se da surpresa dos guardas, encaminhou para a sala onde estava o delegado.
Ao se deparar com o homem agarrando sua esposa, Lúcio investiu contra o delegado.
Esmurrou-o.
Silvério desequilibrou-se vindo a cair no chão.
Aturdido, levou algum tempo para perceber que fora agredido por Lúcio.
Contudo, ao descobrir o autor da agressão, disse-lhe que iria se arrepender.
Com isto, procurando se levantar, ao se recompor, chamou os guardas e ordenou que o moço fosse levado a cela.
Lacerda e os outros policiais conduziram o rapaz arrastado para a cela.
Lúcio, percebendo que a esposa corria perigo, gritou para que Ludmila fugisse dali.
Ficou a se debater, não queria deixar a esposa sozinha com seu algoz.
Lúcio, gritou dizendo que ele receberia a paga por todo o mal que estava fazendo.
Silvério começou a rir.
Respondeu que não acreditava neste tipo de bobagem.
Ao chegar na cela, o homem foi empurrado para dentro.
Lúcio estava furioso.
Arrastando-se, deitou-se na cama.
Começou a chorar.
Chamava por Ludmila.
Silvério irritado, respondeu a mulher que aquela agressão teria uma resposta.
A fazendeira implorou para que não fizesse nada contra seu marido.
Nervosa, argumentou que ele já havia torturado Lúcio o suficiente. Disse que não queria ficar viúva novamente, e que algo acontecesse ao seu marido, ele iria arrepender-se.
Silvério, ao ouvir estas palavras, riu.
Irônico, comentou que além do marido, ela devia gostar muito de sua filhinha. Que a criança precisava de uma mãe.
Nisto, segurando as mãos da moça, Silvério começou a barganhar.
Disse que se ela passasse a noite com ele, faria com que Lúcio fugisse do posto policial, e deixaria a todos em paz. Comentou que a vida de Lúcio, e a tranqüilidade de todos, estava em suas mãos.
Neste momento, Emerson adentrou a delegacia.
Lacerda tentou impedir a entrada do administrador, sem êxito.
O homem, ao ver a mulher paralisada, disse a Silvério que Ludmila sairia do recinto com ele.
Silvério tentou argumentar dizendo que a mulher estava sendo interrogada, mas Emerson retrucou dizendo que se ela não saísse com ele imediatamente do lugar, seria obrigado a contar a seus amigos de Brasília, o que estava acontecendo naquele posto policial.
Silvério, ao ouvir a expressão ‘amigos de Brasília’, empalideceu.
Diante da ameaça, o homem não se opôs mais, a saída da moça da delegacia.
Silvério, ao ver a dupla se afastando, prometeu que aquilo teria volta.
Nisto, mandou chamar Lúcio.
Desta forma, o moço foi novamente conduzido a presença do delegado.
Foi novamente submetido a um interrogatório.
Silvério desta vez, encaminhou o moço, para os porões do imóvel.
Lúcio foi amarrado a uma estrutura de madeira e deixado nu.
Torturado, foi submetido a espancamento, choques e tortura psicológica.
Silvério ameaçou prender sua mulher, a matar sua filha.
Lúcio ficou desesperado.
Implorou para que o homem deixasse sua mulher e sua filha em paz.
Chorou.
Gritou de dor.
Chegou a desmaiar durante a sessão de tortura.
Silvério, tomado de fúria, continuou a aplicar choques no rapaz.
Lacerda, ao ver estado lastimável do moço, aconselhou o delegado a interromper a sessão de tortura.
Nisto, Ludmila foi levada para a fazenda por Emerson.
Durante o caminho, chorou compulsivamente.
Dizia a todo o momento que Silvério iria matar Lúcio.
Emerson, tentava acalmar a moça, em vão.
Durante a noite, em seu leito, Ludmila sonhou com Lúcio lhe dizendo que seu sofrimento estava perto do fim.
Chorando a moça começou a gritar.
Dizia que era culpada pela morte de Lúcio.
Jurema, dirigiu-se então, ao quarto da patroa.
Ludmila chorava compulsivamente.
Dias depois, após ser submetido novamente a uma sessão de tortura, Lúcio desmaiou.
Silvério nervoso, tentou acordá-lo a base de socos e pontapés.
Lúcio não reagia.
Lacerda, ao examinar o homem, percebeu que ele não respirava.
O delegado, ao perceber que o peão não apresentava sinais de vida, exclamou:
- Merda!
Ao constatarem que o homem estava morto, os homens relataram que a família do rapaz precisava ser avisada.
Silvério, ao ouvir as palavras, respondeu irascível:
- Está louco? É a última coisa que eu farei!
Lacerda perguntou-lhe o que fazer.
Silvério respondeu que precisa se livrar do cadáver.
Relatou que durante a noite levariam o corpo para longe dali, onde seria enterrado.
Com isto, durante a noite os homens foram de carro até a mata que havia na região.
Ao lá chegarem, retiram o corpo do porta-malas.
Abriram uma cova e enterraram o defunto longe da vila.
Silvério fez questão de não deixar sinais de que havia um corpo enterrado no local.
Retornou a delegacia, e dias depois, alegando que o homem fugira, passou a empreender uma suposta busca na região.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 1 de abril de 2021
CARINHOSO - PARTE II - CAPÍTULO 10
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