Poesias

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 5

Quanto a ‘Lenda do Saci’, Felipe escreveu que é um serzinho muito arteiro, que vive de pregar peças nas pessoas. 
É como um duende idealizado pelos indígenas brasileiros, como apavorante guardião das florestas. 
A princípio ele era um curumim perneta, de cabelos avermelhados, encantador de crianças e adultos que pertubava o silêncio das matas. 
Em contato com o elemento africano e a supertição dos brancos, recebeu o cognome de Taperê, Pererê Sá Pereira, etc. 
Tornou-se negro, ganhou um gorro vermelho e um cachimbo na boca. 
Em alguns lugares, como às margens do rio São Francisco, adquiriu duas pernas e a personalidade de um demônio rural, que faz travessuras, e gosta de enganar pessoas. 
É o famoso Romão ou Romãozinho. 
Na zona fronteiriça ao Paraguai, ele é um anão do tamanho de um menino de sete a oito anos, que gosta de roubar criaturas dos povoados, e largá-las em lugar de difícil acesso. 
Talvez devido aos vestígios culturais trazidos pelos bandeirantes em suas andanças pelo sul do Brasil, o saci mineiro recebeu, além dessas qualidades do "Yaci-Yaterê" guarani, um bastão, laço ou cinto, que usa como a "vara de condão" das fadas européias. 
Sincretizado freqüentemente como o capeta, tem medo de rosários e de imagens de santos. 
Quando quer desaparecer, transforma-se num corrupio de vento.
Através de Tio Barnabé, um dos seus personagens, Monteiro Lobato descreve o SaciPererê: 
“O saci é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte: azeda o leite, quebra pontas das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. 
Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa.  Tudo que numa casa acontece de ruim, é sempre arte do saci. 
Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. 
O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça. 
Tio Barnabé continua: 
Tinha anoitecido e eu estava sozinho em casa, rezando as minhas rezas. 
Rezei, e depois me deu vontade de comer pipoca. 
Fui ali no fumeiro e escolhi uma espiga de milho bem seca. 
Debulhei o milho numa caçarola, pus a caçarola no fogo e vim para este canto picar fumo pro pito. Nisto ouvi no terreiro um barulhinho que não me engana. 
"Vai ver que é saci!" – pensei comigo. – E era mesmo. 
Dali a pouco um saci preto que nem carvão, de carapuça vermelha e pitinho na boca, apareceu na janela. 
Eu imediatamente me encolhi no meu canto, e fingi que estava dormindo. 
Ele espiou de um lado e de outro, e por fim pulou para dentro. 
Veio vindo, chegou pertinho de mim, escutou os meus roncos e convenceu-se de que eu estava mesmo dormindo. 
Então começou a reinar na casa. 
Remexeu tudo, que nem mulher velha, sempre farejando o ar com o seu narizinho muito aceso. 
Nisto o milho começou a chiar na caçarola e ele dirigiu-se para o fogão. 
Ficou de cócoras no cabo da caçarola, fazendo micagens. 
Estava "rezando" o milho, como se diz. 
E adeus pipoca! 
Cada grão que o saci reza não rebenta mais, vira piruá. 
Dali saiu para bulir numa ninhada de ovos que a minha carijó calçuda estava chocando num balaio velho, naquele canto. 
A pobre galinha quase que morreu de susto. 
Fez cró, cró, cró... e voou do ninho feito uma louca, mais arrepiada que um ouriço-cacheiro. 
Resultado: o saci rezou os ovos e todos goraram. 
Em seguida pôs-se a procurar o meu pito de barro. 
Achou o pito naquela mesa, pôs uma brasinha dentro e paque, paque, paque... tirou justamente sete fumaçadas. 
O saci gosta multo do número sete. 
Eu disse cá camigo: 
"Deixe estar, coisa-ruinzinho, que eu ainda apronto uma boa para você. Você há de voltar outro dia e eu te curo." 
E assim aconteceu. 
Depois de muito virar e mexer, o sacizinho foi-se embora, e eu fiquei armando o meu plano para assim que ele voltasse. 
Na sexta-feira seguinte apareceu aqui outra vez, às mesmas horas. 
Espiou da janela, ouviu os meus roncos fingidos, pulou para dentro. 
Remexeu em tudo, como da primeira vez, e depois foi atrás do pito que eu tinha guardado no mesmo lugar. 
Pôs o pito na boca, e foi ao fogão buscar uma brasinha, que trouxe dançando nas mãos. 
Tem as mãos furadinhas bem no centro da palma; quando carrega brasa, vem brincando com ela, fazendo ela passar de uma para a outra mão pelo furo. 
Trouxe a brasa, pôs a brasa no pito e sentou-se de pernas cruzadas para fumar com todo o seu sossego. Quando quer, cruza as pernas é como se tivesse duas! 
São coisas que só ele entende e ninguém pode explicar. 
Cruzou as pernas e começou a tirar baforadas, uma atrás da outra, muito satisfeito da vida. 
Mas de repente, puf! aquele estouro e aquela fumaceira!... 
O saci deu tamanho pinote que foi parar lá longe, e saiu ventando pela janela fora. 
Eu tinha socado pólvora no fundo do pito – exclamou tio Barnabé, dando uma risada gostosa. – A pólvora explodiu justamente quando ele estava dando a fumaçada número sete, e o saci, com a cara toda sapecada, raspou-se para nunca mais voltar.4

4 Folclore Brasileiro / Nilza B. Megale - Petrópolis: Editora Vozes, 1999. O Saci / Monteiro Lobato. - São Paulo: Editora Brasiliense. S.A. sem/data.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário