Quanto a ‘Lenda do Saci’, Felipe escreveu que é um serzinho muito arteiro, que vive de
pregar peças nas pessoas.
É como um duende idealizado pelos indígenas brasileiros, como apavorante guardião das
florestas.
A princípio ele era um curumim perneta, de cabelos avermelhados, encantador de crianças
e adultos que pertubava o silêncio das matas.
Em contato com o elemento africano e a supertição dos brancos, recebeu o cognome de
Taperê, Pererê Sá Pereira, etc.
Tornou-se negro, ganhou um gorro vermelho e um cachimbo na
boca.
Em alguns lugares, como às margens do rio São Francisco, adquiriu duas pernas e a
personalidade de um demônio rural, que faz travessuras, e gosta de enganar pessoas.
É o famoso
Romão ou Romãozinho.
Na zona fronteiriça ao Paraguai, ele é um anão do tamanho de um menino de sete a oito
anos, que gosta de roubar criaturas dos povoados, e largá-las em lugar de difícil acesso.
Talvez devido aos vestígios culturais trazidos pelos bandeirantes em suas andanças pelo
sul do Brasil, o saci mineiro recebeu, além dessas qualidades do "Yaci-Yaterê" guarani, um bastão,
laço ou cinto, que usa como a "vara de condão" das fadas européias.
Sincretizado freqüentemente
como o capeta, tem medo de rosários e de imagens de santos.
Quando quer desaparecer,
transforma-se num corrupio de vento.
Através de Tio Barnabé, um dos seus personagens, Monteiro Lobato descreve o SaciPererê:
“O saci é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de
toda sorte: azeda o leite, quebra pontas das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os
novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão
que está no fogo, gora os ovos das ninhadas.
Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba
para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim, é sempre arte do saci.
Não contente com isso,
também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o
sangue deles.
O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.
Tio Barnabé continua:
Tinha anoitecido e eu estava sozinho em casa, rezando as minhas rezas.
Rezei, e depois me
deu vontade de comer pipoca.
Fui ali no fumeiro e escolhi uma espiga de milho bem seca.
Debulhei o milho numa caçarola, pus a caçarola no fogo e vim para este canto picar fumo
pro pito. Nisto ouvi no terreiro um barulhinho que não me engana.
"Vai ver que é saci!" – pensei
comigo. – E era mesmo.
Dali a pouco um saci preto que nem carvão, de carapuça vermelha e pitinho na boca,
apareceu na janela.
Eu imediatamente me encolhi no meu canto, e fingi que estava dormindo.
Ele
espiou de um lado e de outro, e por fim pulou para dentro.
Veio vindo, chegou pertinho de mim, escutou os meus roncos e convenceu-se de que eu
estava mesmo dormindo.
Então começou a reinar na casa.
Remexeu tudo, que nem mulher velha, sempre farejando o ar com o seu narizinho muito
aceso.
Nisto o milho começou a chiar na caçarola e ele dirigiu-se para o fogão.
Ficou de cócoras
no cabo da caçarola, fazendo micagens.
Estava "rezando" o milho, como se diz.
E adeus pipoca!
Cada grão que o saci reza não rebenta mais, vira piruá.
Dali saiu para bulir numa ninhada de ovos que a minha carijó calçuda estava chocando num
balaio velho, naquele canto.
A pobre galinha quase que morreu de susto.
Fez cró, cró, cró... e voou do ninho feito uma
louca, mais arrepiada que um ouriço-cacheiro.
Resultado: o saci rezou os ovos e todos goraram.
Em seguida pôs-se a procurar o meu pito de barro.
Achou o pito naquela mesa, pôs uma brasinha dentro e paque, paque, paque... tirou
justamente sete fumaçadas.
O saci gosta multo do número sete.
Eu disse cá camigo:
"Deixe estar, coisa-ruinzinho, que eu ainda apronto uma boa para você. Você há de voltar
outro dia e eu te curo."
E assim aconteceu.
Depois de muito virar e mexer, o sacizinho foi-se embora, e eu fiquei
armando o meu plano para assim que ele voltasse.
Na sexta-feira seguinte apareceu aqui outra vez, às mesmas horas.
Espiou da janela, ouviu os meus roncos fingidos, pulou para dentro.
Remexeu em tudo,
como da primeira vez, e depois foi atrás do pito que eu tinha guardado no mesmo lugar.
Pôs o pito
na boca, e foi ao fogão buscar uma brasinha, que trouxe dançando nas mãos.
Tem as mãos furadinhas bem no centro da palma; quando carrega brasa, vem brincando
com ela, fazendo ela passar de uma para a outra mão pelo furo.
Trouxe a brasa, pôs a brasa no pito e sentou-se de pernas cruzadas para fumar com todo o
seu sossego.
Quando quer, cruza as pernas é como se tivesse duas!
São coisas que só ele entende e
ninguém pode explicar.
Cruzou as pernas e começou a tirar baforadas, uma atrás da outra, muito
satisfeito da vida.
Mas de repente, puf! aquele estouro e aquela fumaceira!...
O saci deu tamanho pinote que
foi parar lá longe, e saiu ventando pela janela fora.
Eu tinha socado pólvora no fundo do pito – exclamou tio Barnabé, dando uma risada
gostosa. – A pólvora explodiu justamente quando ele estava dando a fumaçada número sete, e o
saci, com a cara toda sapecada, raspou-se para nunca mais voltar.4
4 Folclore Brasileiro / Nilza B. Megale - Petrópolis: Editora Vozes, 1999. O Saci / Monteiro Lobato. - São Paulo: Editora Brasiliense. S.A. sem/data.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário