Felipe, empolgado com seus escritos, passou a escrever sobre ‘Como Surgiram os
Diamantes’.
Aconteceu no tempo em que os bandeirantes entravam pelos sertões de Minas, atrás de
ouro.
O ouro era o principal objetivo, mas havia outros, como, por exemplo, escravizar os índios.
Com esse intuito, os bandeirantes, atacavam as aldeias que encontravam, e as destruíam
sem piedade. Os índios que conseguiam sobreviver eram transformados em escravos.
Como os
bandeirantes agiam sempre da mesma maneira, sua fama chegou até as aldeias que ainda não os
conheciam.
Assim, quando os índios destas aldeias percebiam a aproximação dos bandeirantes,
tratavam de se defender o melhor que podiam, pois a derrota significaria escravidão.
Uma vez, um grupo de bandeirantes acampou perto do local onde viviam os índios Puris.
Os índios concentraram-se numa colina, onde se erguia, majestosamente, a Acaiaca.
Para os Puris, a Acaiaca era de enorme importância.
Representava a vida e dela recebiam
as forças necessárias para a luta.
Assim, se ela lhes faltasse, eles morreriam.
Todos a adoravam.
Era sob a tranqüilidade de sua sombra, que o Conselho se reunia para as grandes decisões.
Os pais diziam aos filhos pequenos:
-- Admirem essa grande e bela árvore! É a mãe de nosso povo. A ela devemos tudo o que
temos, É ela que nos dá inspiração nos grandes momentos de nossa vida. Dá forças ao jovem
guerreiro, para que vença, e sombra protetora ao ancião, para que repouse em paz, depois de tanta
luta!
A criança crescia amando e respeitando a bela e imponente árvore.
Graças a Acaiaca, os índios sentiam-se unidos, irmanados, constituindo uma só família.
Foi sob a proteção da Acaiaca que os índios se refugiaram.
Dali, partiam em grupos e
atacavam, de surpresa, o inimigo, que, por sua vez, os repelia com seus arcabuzes.
Aqueles ataques e contra-ataques prosseguiram por algum tempo.
Os bandeirantes, porém, já estavam ficando impacientes.
Por isso reuniram-se para discutir
o assunto.
-- Há muito ouro nesta região, e não haverá de ser um bando de selvagens que vai-nos
atrapalhar – disse o chefe.
-- Acho que o único recurso é efetuarmos um ataque maciço contra eles e liquidá-los de
uma vez – opinou alguém.
-- Não dará certo. – respondeu o chefe.
– Eles são muitos e nós somos poucos. Acabaríamos
sendo vencidos.
-- Não esqueça de que há uma grande diferença entre as nossas armas e as deles. – tornou
a responder o outro.
– Eles guerreiam com flechas, e nós com arcabuzes. Nem há comparação!
-- Mesmo assim. – disse o chefe, pensativamente.
– Não podemos esquecer a situação
privilegiada em que se encontram. Eles estão no alto da colina e nós, embaixo. Até que conseguíssemos chegar lá, estaríamos todos mortos, apesar de nossos arcabuzes. – os outros foram
obrigados a concordar com a argumentação do chefe.
Após um prolongado silêncio, um outro sugeriu:
-- Já sei o que fazer! Uma vez que não é possível vencê-los, vamos propor-lhes sociedade
no ouro que encontrarmos!
Foi uma risada só!
No que o chefe explicou:
-- Você pensa que estamos negociando com gente civilizada? Eles estão pouco ligando
para o ouro! O que desejam é que nos afastemos daqui, para viverem em paz! Têm medo de ser
escravizados por nós! De qualquer modo, não vamos sair daqui. Se eles pensam que vamos
abandonar, assim, o nosso ouro, estão enganados. Uma hora ou outra haveremos de encontrar um
modo de nos livrarmos deles.
E permaneceram onde estavam.
Os índios, por sua vez, já estavam cansados de tolerar a presença dos seus persistentes
inimigos e começaram a preparar um formidável ataque, que deveria liquidar os bandeirantes de
uma só vez.
-- É uma grande humilhação, para nós, a presença desses homens em nosso território. –
disse um guerreiro.
– Vamos unir nossas forças e, com a ajuda de nossa deusa Acaiaca,
conseguiremos derrotá-los.
-- Muito bem. – disse outro.
– Comecemos já os preparativos. Se demorarmos, eles
acabarão por se estruturar de tal forma, que não mais nos será possível vencê-los!
Logo reinava no acampamento dos índios o maior movimento.
Os guerreiros discutiam o melhor modo de atacar e o momento mais favorável.
Por fim,
decidiram que o ataque seria na manhã seguinte, pouco antes do nascer do sol.
Foi quando o grande chefe Cururupeba se lembrou de um casamento que aconteceria dentro
de poucos dias:
-- Não convém estragarmos, com lutas e preocupações, a alegria que precederá a festa.
Depois do casamento, faremos o ataque aos brancos.
A palavra do chefe não podia ser desobedecida e os guerreiros foram obrigados a se
conformar.
Entre os índios vivia um mestiço chamado Tomás Bueno.
Ele resolveu trair os companheiros, em troca de algum favor dos bandeirantes.
Procurou-os e contou-lhes o que acontecia.
Os bandeirantes ficaram alarmados.
De nenhum modo conseguiriam resistir a um ataque
maciço dos indígenas.
O que fazer?
O mestiço disse-lhes:
-- Haverá um casamento, dentro de alguns dias, e todos os índios se retirarão para as
margens do rio, onde será realizada a festa. Esta será a oportunidade para vocês conseguirem a
vitória.
-- Não entendo. – respondeu o chefe dos bandeirantes. – O que tem isso?
O mestiço deu um sorriso e respondeu:
-- É simples. Na colina, há uma árvore que é uma verdadeira deusa para eles. A crença que
possuem nela, é o que os mantém unidos e lhes dá forças para a luta. Se essa árvore lhes faltasse,
eles não mais se entenderiam e acabariam guerreando entre si, compreenderam? Assim, poderiam
ser derrotados por vocês.
Os bandeirantes nem piscavam, tanto era o interesse com que escutavam as palavras do
mestiço, cujo nome indígena era Peropiranga, que quer dizer branco e vermelho, porque ele
possuía sangue europeu e índio.
-- Tão logo eles partam – ensinou o traidor. – Vocês subirão a colina e derrubarão a árvore
sagrada. Quando eles voltarem e virem o que aconteceu, sucederá o que eu lhes disse: lutarão entre
si e os sobreviventes serão facilmente derrotados.
Os bandeirantes não sabiam o que fazer de tanto contentamento: sorriam, apertavam-se as
mãos, abraçavam o mestiço.
Passados os primeiros momentos de euforia, o chefe perguntou a Tomás Bueno:
-- E como saberemos que eles não estão mais na colina? Daqui não dá para ver!
-- Será na próxima lua cheia, mas não se incomodem, que darei um jeito de avisá-los. –
prometeu ele.
Como os índios estavam agora preocupados com os preparativos da festa, não realizavam
sequer os pequenos ataques contra os brancos, que aproveitaram a oportunidade para garimpar
sossegadamente.
Surgiu a lua cheia.
O mameluco veio correndo, confirmar a partida dos índios para as margens do rio.
Alguns bandeirantes ficaram guardando o acampamento, mas a maioria tomou a direção
da colina.
Apesar da confirmação do mestiço e do silêncio que demonstrava estar deserto o lugar, os
invasores caminhavam atentos, desconfiados.
Não seria uma cilada, na qual iriam cair como mosca em teia de aranha?
Não.
Era
impossível que o mestiço, que seguira com os índios, tivesse pregado uma mentira.
Interessante
que só agora estivessem pensando nesta possibilidade.
Assim foram-se aproximando com exagerada cautela, os arcabuzes prontos para o tiro.
Três
homens levaram os machados para abater a secular Acaiaca, a deusa sagrada dos índios Puris.
Logo verificaram que o mameluco não os havia ludibriado.
Percorreram toda a colina, e
não viram sequer a sombra de um índio.
Todos tinham seguido para as margens do rio, onde se
realizaria o ritual do casamento.
Lá demorariam o tempo suficiente para que os bandeirantes
pudessem cumprir seu intento.
Voltaram-se, pois, para a Acaiaca e não conseguiram reprimir a emoção que sentiam diante
da árvore sagrada.
Era mesmo linda e majestosa!
A lua cheia iluminava-a serenamente e dava-lhe uma
misteriosa tranqüilidade, que convidava a falar baixo, a meditar.
Isto não foi suficiente, porém, para modificar a vontade dos invasores, em sua fome de
ouro e poder.
À uma ordem do chefe, os que empunhavam os machados principiaram a abatê-la.
As pancadas se sucediam, soando lugubremente no silêncio da noite.
Bastaram alguns momentos para destruir o que a natureza levara tantos anos para criar.
A
deusa dos índios tombou pesadamente, turvando o ar com a poeira levantada pelo impacto.
Depois,
o ar ficou novamente límpido e eles puderam admirar, com um sorriso, o resultado de seu trabalho.
Instintivamente, percebiam que, junto com a Acaiaca, tombara o espírito de concórdia e
compreensão, que matinha unidos aqueles selvagens.
Só restava esperar.
Os bandeirantes voltaram ao acampamento.
Os índios regressavam contentes da festa, rindo e falando alto.
Cururupeba marchava à frente, com imponência e gravidade, preocupado com o combate
de vida e morte que deveria travar com os invasores.
De repente, ele gritou, apontando para o lugar onde antes se erguia a árvore sagrada:
-- Olhem! Que aconteceu à nossa deusa?
Ficaram todos paralisados pela surpresa.
Só se recobraram ao ver seu chefe correr em direção ao lugar em que antes estava a Acaiaca.
Correram também.
Foi um gemido só, quando deram com a árvore sagrada, a deusa que os protegia, tombada
no chão.
Não podiam compreender o que acontecera.
-- Foram os brancos, disse Paracaçu, o pajé. Foram os brancos que a destruíram!
O chefe ordenou que os profanadores fossem atacados imediatamente.
Seriam aniquilados
sem piedade.
Pagariam o que tinham feito.
Com gritos furiosos, os guerreiros foram à luta.
Foi quando o pajé falou:
-- Jamais conseguiremos derrotá-los.
-- Por que? – estranhou o chefe.
-- Porque seremos derrotados por nós mesmos.
-- Como assim?
-- Sem a proteção de nossa deusa, não teremos mais união nem paz entre nós. Haverá inveja
entre as mulheres, e disputa entre os guerreiros. Faremos a nós mesmos, o que os brancos não
conseguiram fazer.
E nisso, o que o pajé dissera, começou a acontecer: os guerreiros, que se davam como
irmãos, puseram-se a brigar como inimigos.
As mulheres discutiam por qualquer bobagem.
As
crianças gritavam.
Começaram todos a se bater por nada.
Quando o mestiço traidor contou aos bandeirantes o que acontecera, eles atacaram
imediatamente e não encontraram nenhuma resistência.
Os índios que se salvaram, fugiram para a mata.
Finalmente, os brancos eram donos da região.
Agora poderiam procurar, em paz, o seu
ambicionado ouro.
Estavam eles na colina quando apareceu, recortada contra o céu, a figura do pajé.
Magro, sujo pela batalha, com tanto ódio estampado no rosto que inspirava medo.
Foi então
que correu para a árvore tombada e ateou-lhe fogo, com um gesto.
Em seguida, ele entrou no meio das labaredas, gritando aos bandeirantes:
-- Por causa de sua ambição, destruíram uma tribo. Querem riquezas? Pois nossa deusa lhes
dará tanta riqueza, que nem poderão acreditar! Mas esta mesma riqueza haverá de destruí-los!
E desapareceu nas chamas da Acaiaca.
Um violento temporal desabou.
Depois, a terra tremeu.
Então, a árvore sagrada explodiu e
suas brasas, arremessadas por todos os cantos, transformaram-se em diamantes.
Assim que perceberam a beleza das pedras, os bandeirantes espalharam-se em todas as
direções, cada um querendo pegar mais pedras que os outros.
Por causa delas, começou uma briga
tão acirrada, que não sei se algum deles conseguiu sobreviver. 12
12 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora,
sem/data.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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