Conforme escrevia, lembrou-se de uma lenda muito interessante.
Ouvia-a quando em
passeio pela região do Estado de São Paulo.
A lenda era conhecida na localidade como sendo: ‘A Lagoa Azul’.
Ainda na época dos bandeirantes – homens que desbravaram o país em busca de ouro e
pedras preciosas – surgiu a lenda de uma linda lagoa situada em terras que atraíram o interesses
destes desbravadores.
Tão logo souberam que estas terras eram ricas em ouro e diamantes, diversos homens
ousados e ambiciosos rumaram para lá, na esperança de enriquecer.
Nem todos alcançaram seu objetivo.
Uns ficaram mais pobres do que eram.
Outros contudo, conseguiram remediar-se, e
alguns poucos ficaram realmente ricos.
Estes eram, de fato, poderosos e sua vontade era lei.
Entre estes últimos estava o pai de Dalva.
Ele possuía importantes garimpos de ouro e diamantes, de onde inúmeros escravos
extraíam a riqueza necessária para seu amo viver luxuosamente.
A moça era filha única, e seu pai lhe dava o que havia de melhor: roupas trazidas do
estrangeiro especialmente para ela, jóias que fariam inveja a uma rainha, perfumes finíssimos...
Enfim, a jovem, vivia uma vida luxuosa.
O mal era o orgulho dele, que escravizava a filha de tal modo que, muitas vezes, ela desejou
ser pobre, mas viver com mais liberdade.
-- Por que não posso ser como as outras moças? Por que hei de sair sempre com o rosto
coberto, como se estivesse escondendo-me de alguém? – perguntou ela, um dia.
-- Ora, será que você não compreende? Você é a filha do homem mais rico deste lugar! –
resmungava ele.
-- E o que tem isso?
-- Não é qualquer um que tem o direito de ver seu rosto! Essa gente não merece tal
privilégio!
A moça não tinha outro recurso, senão continuar a sair com o rosto coberto.
Às vezes, um moço menos avisado aproximava-se da casa do ricaço, movido pela
curiosidade de conhecer a bela Dalva.
Pobre dele!
Se o homem percebia, mandava alguns de seus escravos mais fortes fazer-lhe uns carinhos
com chicotes e porretes...
Um dia, Dalva quis saber:
-- Por que o senhor faz isso, meu pai?
-
-- Ora, por quê?! Não vê? São uns aventureiros. Pretendem casar-se com você para ficar
com o meu dinheiro. Mas podem desistir. Não vai ser fácil, não. Pelo menos, enquanto eu estiver
vivo...
-- O senhor não deveria preocupar-se com isso. Sabe que nem tomo conhecimento da
presença deles. Não há necessidade de maltratá-los tanto.
-- Como não? Eles precisam aprender.
Por esta razão, os escravos já estavam cansados de tanto surrar os rapazes que tentavam
conhecer Dalva.
Em certa ocasião, quando ela saiu a passeio pelo campo com algumas escravas, resolveu tirar
o véu, com o qual sempre cobria o rosto.
-- Olhe, Sinhá, seu pai não vai gostar disso. Pode ficar bravo. – disse uma das mucamas.
A moça achou graça:
-- Ele não quer que os estranhos vejam meu rosto. Mas quem é que vai encontrar-me neste
lugar? Só se forem as aves, os bichos.
-- Sabe como o patrão é. – tornou a mucama – Quando dá uma ordem, é para ser cumprida.
-- Não tenho medo. – afirmou a moça. – A ordem que ele deu é para a cidade. No campo,
não tem valor.
As escravas acabaram por concordar com a argumentação da moça.
Dalva e as mucamas sentaram-se então na relva e começaram a conversar sobre os mais
variados assuntos.
Uma das escravas era muito engraçada, e sabia contar anedotas como ninguém.
Dalva e as outras riam até não poder mais.
Estavam assim, distraídas, quando surgiu um cavaleiro.
Vinha devagar, e seu cavalo
aparentava cansaço.
Aproximou-se das moças, tirou o chapéu, e perguntou-lhes diversas coisas
sobre a região.
Enquanto falava não conseguia tirar os olhos de Dalva.
Nem ela, nem as escravas lembraram-se da ordem de seu pai.
O cavaleiro ficou encantado com Dalva e ela, por sua vez, não deixou de se impressionar
com o porte do forasteiro: forte, decidido, desenvolto.
Porém de uma simplicidade encantadora.
Contou-lhe que era um garimpeiro à procura de fortuna.
Antes de ir embora, o moço perguntou onde era a casa de Dalva.
Ela deu a informação, diante dos olhos surpresos das mucamas.
Uma das escravas não resistiu:
-- Sinhá! Se ele se aproximar da casa será espancado por ordem de seu pai!
-- Eu ia avisá-lo! – respondeu a moça, e contou ao jovem como era seu pai.
No que o estranho ficou horrorizado e disse que dinheiro nenhum pagava aquele
sofrimento.
Ele partiu, prometendo escrever-lhe.
E, assim começou a troca de bilhetes.
Uma das mucamas, a mais amiga de Dalva, foi
escolhida para ser a recadeira.
Os bilhetes iam e vinham cada vez em maior quantidade, e o namoro
foi ficando cada vez mais firme.
Como para todo segredo existe um traidor, uma das mucamas incumbidas de fazer
companhia à Dalva concluiu que, se falasse ao pai da moça sobre o namoro, por certo seria
recompensada.
O pai de Dalva ao saber disso, porém, ficou furioso e tomou todas as providências para
castigar o audacioso garimpeiro.
Colocou escravos espiões atrás do moço, para que ele fosse
surpreendido no momento de enviar algum bilhete.
Mandou que os escravos acompanhassem a
mucama e lhes disse:
-- Procurem ter certeza de que ele é o homem. Depois, fiquem atrás dele, até surgir uma
boa oportunidade. Aí... já sabem o que fazer, não é mesmo? – e fez um gesto significativo.
Por outro lado, avisado pela escrava traidora, surpreenderia a mucama recadeira, para lhe
dar o castigo que achava merecido.
Guiados pela escrava, não demorou muito, para que vissem a mucama de confiança de
Dalva receber um bilhete de um moço.
Então, era aquele!
Trataram de ir atrás do namorado.
Ele saiu a cavalo e os escravos, também.
Enquanto isto, a mucama foi entregar o bilhete à sua patroa.
Neste exato momento exato, o pai de Dalva apareceu.
-- Muito bem! Quer dizer que você esqueceu as minhas ordens?! Pois nunca mais esquecerá
nada, pode ficar sossegada! – disse ele, resoluto.
Imediatamente, ele chamou alguns escravos e mandou que levassem a mucama para o
tronco, pois merecia sofrer o devido castigo.
De nada valeram os gritos da infeliz.
Dalva implorou ao pai que não castigasse a escrava, pois a culpa era sua e de mais ninguém.
Ele contudo, não quis saber de nada.
Mandou que a filha fosse para o quarto e de lá não
saísse, até segunda ordem.
Depois, ele foi assistir ao castigo da mucama.
O homem, mandou então que amarrassem a
escrava num poste de madeira, e ordenou aos escravos que batessem, até que ela não se queixasse
mais.
A coitada não resistiu às chicotadas e morreu ali mesmo.
Um pouco mais distante, os escravos, que estavam seguindo o namorado de Dalva,
encontraram a esperada oportunidade.
O garimpeiro apeou perto da lagoa, conhecida por Lagoa Azul, para dar de beber ao seu
cavalo.
Um escravo apontou-lhe uma espingarda e atirou.
Ao ver-se ferido de morte, teve tempo anos apenas, para pronunciar o nome de Dalva.
E assim, depois de realizado o serviço, o escravo tratou de lhe enterrar.
O garimpeiro, foi enterrado ali mesmo, na beira da lagoa.
O pai de Dalva ficou muito satisfeito com o resultado.
Tanto, que resolveu dar pessoalmente à sua filha o que ele considerava uma boa notícia.
-- Pois é, minha filha. – disse ele, com uma expressão de alegria. – Posso afirmar-lhe que
a mucama recadeira não fará mais o que fez. Creio que ela ganhava dinheiro daquele malandro,
que só queria a minha riqueza. Agora, ele não tem mais quem lhe traga os recados. Sabe por que?
Porque ela está morta. E também, ele não precisará mais dela, já que não poderá escrever mais.
A moça, percebendo que algo de ruim tinha acontecido ao namorado, perguntou, aflita:
-- Por que? O que aconteceu a ele?
O ricaço deu uma gargalhada e respondeu bem devagar:
-- A esta hora, ele está descansando, para sempre, perto da Lagoa Azul.
Dalva, completamente transtornada, correu para fora da casa, montou um cavalo e partiu
para a lagoa, em cujas águas se atirou.
Em sua perseguição, vinham o pai e diversos escravos, mas, com a força do desespero, ela
corria mais depressa que o vento, e eles não conseguiram alcançá-la.
Dalva nunca mais foi encontrada.
Os garimpeiros têm muito medo de chegar perto deste lugar.
Alguns afirmam já ter visto ali, a pobre moça, chorando na beira da lagoa, em noites de
luar.
Como até hoje ela tem esperanças de encontrar o seu namorado, costuma atrair, com seus
olhos lindos e luminosos como diamantes, o garimpeiro que se aproxima, levando-o para o fundo
das águas.
Ela quer ver, de perto, se ele não é o seu amado...1
1 Histórias e Lendas do Brasil (adaptação do texto original de Gonçalves Ribeiro) – São Paulo: APEL Editora,
sem/data, tirado do site: www.terrabrasileira. net/folclore/regioes/3contos/entesnor.html.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário