Dias depois, ao passarem pelo Vale do Jequitinhonha, os turistas se depararam com a região
considerada a mais pobre do Brasil.
Lá o vale da fome, das lágrimas, da marcha à ré, dos absurdos
constantes de riquezas naturais e misérias humanas convivem lado a lado.
Do Jequitinhonha já se
falou quase tudo de triste.
Menos que este talvez seja o único lugar do país, onde ainda é possível
encontrar mulheres bonitas e bonitas em bando.
Não uma ou outra, que isso tem em toda a parte,
mas muitas, andando sempre juntas, rindo à toa, timidamente assanhadas.
Certa vez, em Serro
Frio, o jornalista Franklin de Oliveira, flagrou o botânico George Gardiner em pleno encantamento.
Ao deparar-se com um desses bandos, o cientista não se conteve: ‘São morenas de olhos azuis,
retendo na flama da pupila, os macios tons da turqueza celestial’.
A região, pouco muda com o passar dos tempos.
A enchente e a seca, a falta e a fartura, a
turmalina e o cascalhão, o Banco do Brasil e o comercinho, o velho sem família, e o menino sem
pai, as moças vistosas das boates, e as meninas sofridas dos garimpos, o trabalho duro, e o ócio
total, as cafuas e os palacetes, o sol de rachar de dia e frio de rachar à noite – enfim, os extremos
das profundezas do Jequitinhonha.
A existência nestes ermos de vidas humanas, de sorrisos de
bocas sem dentes, é uma pungente prova de força.
Se até aqui chegaram, homens e mulheres
podem supor, com todo direito, que sobreviverão, apesar de tudo.
São mais de um milhão, nesse
Brasil arcaico das carvoarias e do trabalho semi-escravo, salpicado por ranchos cobertos de folhas
de pindoba.
Resistem à colonização predatória e à exploração do homem e da natureza, desde a
pioneira corrida ao ouro e às pedras preciosas, no século dezoito, quando surgiram os primeiros
povoados em torno dos garimpos, no tempo das bandeiras paulistas e baianas, de Fernão Dias Paes,
do quinto e do dízimo pago à Coroa, dos escravos, da violência.
Depois, no século passado, o gado
se espalhou.
E o sertão virou pasto: um homem a tocar mil reses, a queimar as matas dos
latifúndios, fazendo-as carvão.
Por último, na década de setenta, a chegada da nova ordem do
‘milagre brasileiro’ – do dinheiro a rodo, dos incentivos fiscais para as grandes empresas de
reflorestamento e mineração, das máquinas, carros, televisores – causou traumas nestas cidades
centenárias: os nativos corriam para casa quando alguém chegava de fora, pelo simples e bom
motivo de que não tinham roupas para vestir – ao menos as que a civilização exige.
Cortado
emblematicamente em cruz – no sentido horizontal, pelo Rio Jequitinhonha: no vertical, pela Rio-Bahia –, o vale abre suas portas na histórica Diamantina, a maior cidade da região, que parece viver
de costas para o Jequitinhonha.
Daí para a frente, é um outro mundo: pirambeiras de todo o tipo e
tamanho, montes rochosos, vegetação pobre, arbustos engruvinhados, chupados e secos, córregos
raquíticos.
De Mendanha, parada de ônibus que liga o vale a Belo Horizonte, até Almenara, a paisagem
não muda.
A impressão é a de que se atravessa uma grande fazenda: gado, pastos, raros vaqueiros,
mata-burros, casas de agregados, pequenas plantações de fundo de quintal, galinhas ciscando na
estrada.
Quando vêem um carro, as crianças saem correndo, eufóricas.
Levantam o polegar,
sorriem, como se agradecessem a deferência de alguém passar por ali.
Em Minas Novas, as mulheres tecem arraiolos e fazem das feiras de sábado uma grande
festa: compram e vendem de tudo, num formidável mercado de trocas.
E fazem fila diante das
pessoas que sabem ler.
Querem saber as novidades contidas naqueles garranchos, seu principal
ponto de contato com o mundo.
São as viúvas de marido vivo.
Seus homens são bóias-frias em
São Paulo e no Paraná.
Foram embora arrumar dinheiro para pagar as dívidas.
Quem se dá bem, volta no fim do ano, época de carpir, plantar a lavoura: depois, vai embora de novo – e o vale vai
ficando cada vez mais das mulheres.
A pequena Araçuaí, é filha valente de uma delas.
Destruída por enchentes, em 1919 e 1929,
reergueu-se e virou sede de uma das seis microrregiões do vale, por força de Luciana Teixeira.
Expulsa por um padre, do garimpo que havia na confluência dos Rios Araçuaí e Jequitinhonha, na
Barra do Pontal, Luciana subiu vinte quilômetros com seu comércio de quarenta mulheres, e criou
a Fazenda Bela Vista, hoje Araçuaí.
São dessa época as ruas estreitas da parte velha da cidade, à
beira do rio, como a do Cochicho, a principal da zona das moças de vida livre, que repartiria mais
tarde suas casas baixas e toscas, com os artesãos de barro, couro e madeira.
Há quem se recuse a deixar o vale, como uma garimpeiro de pedras brancas que encontrei
por lá.
‘Dizem que o dinheiro tá é correndo em São Paulo. mas se aqui, que ele tá parado, eu não
consigo pegar, quanto mais em São Paulo, que ele tá correndo...’
Para quem fica, uma das poucas opções de trabalho regular são as carvoarias, abundantes entre Couto de Magalhães e Itamarandiba.
Pau-d’alho, araçá, canjiquinho, toda madeira branca vira carvão para mover as siderúrgicas de Sete
Lagoas.
A fumaça sai dos fornos, acompanha as estradas, e se junta à poeira.
E as grotas parecem
cobertas de neblina.
Cada um se vira como pode e, nisto, o vale é um grande manual prático de sobrevivência.
Tiririca, por exemplo, vendia pintos de um dia, peixe velho, fazia o diabo.
De repente, começou a
aparecer cada dia com um carro.
E a notícia correu: sua conta bancária em Diamantina era a
primeira a ultrapassar a barreira do bilhão (nos idos do cruzeiro velho).
Diante do mistério da
riqueza súbita, Tiririca esclareceu: tornara-se representante de um grupo catarinense que exportava
para a Europa e Estados Unidos, a sempre-viva, uma flor seca do semi-árido, muito usada para
decoração.
Foi uma só àquelas flores sem graça, que cresciam feito mato nas chapadas do vale, a
ponto de ameaçá-las de extinção.
Já se foram o ouro e os diamantes, a madeira e a sempre-viva, muitos homens e empresas.
Ficaram o pobre rico vale, e suas mulheres bonitas, que ainda andam em bando, esperando, quem
sabe?, por alguma nova corrida de homens em busca de riquezas – que bobos! – com tantas belezas
que andam por lá.
Em seguida, em Diamantina, os turistas constataram, que é um lugar para se chegar por
terra.
Antigamente tinha o trem, que percorria uma das estradas mais lindas do Brasil, a qual os
militares destruíram.
Vindo de Belo Horizonte, passado o Curvelo, a estrada que leva aos
diamantinos, a de rodagem, é de fazer inveja ao John Ford: os melhores bangue-bangues que já se
viram, foi lá.
Aproximar-se da cidade, é por isso mesmo, conhecer o que Minas Gerais tem de mais
profundo: límpido de água e sólido de pedra.
A natureza deslumbrante prepara o turista para o
encontro com o mais solar dos mineiros.
Com sua gente inteligente e simples.
O homem
diamantino é um homem vivo.
Vivo por entender que a história não é só passado.
É presente.
Ele
a faz a cada dia.
E foi assim, que mergulhados em uma profunda atmosfera, os turistas foram conhecer a
casa onde Juscelino Kubitschek passou a infância.
A construção é simples, e o quarto talvez seja
o cômodo mais modesto.
Na cozinha, o velho fogão a lenha, as panelas de pedra-sabão e a receita
de seu prato predileto, o ‘Chico Angu’ – frango com quiabo e angu de fubá.
O violão, o cavaquinho
e a flauta das serestas que recepcionavam Juscelino nas escadarias da catedral quando ele visitava
a cidade, também estão na casa museu.
Um anexo reconstitui o consultório médico dele.
No andar
de baixo, o Bar do Nonô – homenagem ao boêmio pé-de-valsa que não recusava uma pinguinha
com caldinho de feijão ao som de serestas.
Foi igualmente nesta cidade que viveu Chica da Silva.
Escrava e mulata, foi a grande paixão
de João Fernandes, um contratador de diamantes, rico com um nababo e poderoso como um
príncipe.
Chica foi morar com ele em seu palacete e se tornou a mulher mais influente do arraial:
sua vontade era lei.
Tinha cadeira cativa na antiga Igreja Matriz de Santo Antônio.
Chegava de
liteira, coberta de brilhantes, carregada por quatro escravos, e acompanhada de doze mucamas
esplendidamente trajadas.
Quem quisesse algum favor de João Fernandes tinha de passar pelo
beija-mão da mulata.
Sua decadência ocorreu quando João Fernandes foi mandado para Portugal
pelo Marquês de Pombal, e proibido de voltar ao Brasil.
Os que se curvaram diante dela trataram
de vingar-se: rasgaram-se ou queimaram-se documentos, objetos pessoais, tudo.
Pois bem, foi com
essa mulher que João Fernandes viveu, teve filhos e filhas, deixando-lhes de herança a maior parte
de sua fortuna.
Na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, turistas se depararam com uma
construção de 1731, erigida pelos escravos como sede da Irmandade dos Pretos, e que é a mais
antiga da cidade.
Originalmente uma simples capela, com fachada em estilo rococó, com uma só
torre.
O douramento do altar e a pintura do teto da capela-mor são de José Soares de Araújo,
tesoureiro da irmandade.
Imagens originais dos santos negros – Santo Elesbão, São Benedito e
Santo Antônio Categeró.
Passando pela Igreja de Nossa Senhora das Mercês, os viajantes
descobriram que esta surgiu, em decorrência de um cisão com a Irmandade dos Pretos e os
Crioulos.
Estes criaram sua própria entidade e uma capela, erguida entre 1772 e 1785.
De fachada
simples, tem torre central e escadarias de pedras.
Ricos entalhes dourados na capela-mor e a
decoração da nave, tem traços neoclássicos, apesar do estilo barroco rococó, dos brasões e dos
enfeites de madeira recortada das tribunas, que parecem camarotes de teatro.
Os rapazes, ao visitarem a Capela Imperial do Amparo, descobriram que a mesma foi
edificada entre 1756 e 1776, pela Irmandade dos Pardos do Arraial do Tijuco.
Mais tarde recebeu
o título de Imperial Capela, passando a exibir na portada o emblema com as armas imperiais.
A
torre central foi reconstruída e a pintura do teto da nave é de Silvestre de Almeida Lopes.
O
presépio do século dezoito foi decorado com conchinhas.
No pátio externo, tumbas dos membros
da Irmandade.
Na Capela de Nosso Senhor do Bonfim, os turistas observaram a torre lateral e o
frontão com duas sacadas de ferro batido, encimadas por um óculo envidraçado.
Na capela-mor, o
altar é ricamente trabalhado a ouro, e a pintura do teto de Jesus sendo retirado da cruz – é de autoria
de algum discípulo de José Soares de Araújo.
Passeando na Capela de Nossa Senhora da Luz, os turistas observaram a construção erigida
a partir de 1803, para pagar uma promessa feita pela portuguesa Teresa de Jesus Perpétua Corte
Real, salva do terremoto de Lisboa, em 1755.
Quase nada restou da construção original.
A fachada
atual, é decorada com lambrequins, torre central esguia e três sacadas de ferro batido.
A parte
interna não foi concluída.
Visitando o Museu do Diamante, os turistas, se depararam com um
amplo casarão, construído em 1789, que foi casa de um dos principais inconfidentes o Padre José
de Oliveira e Silva Rolim.
Com o padre preso e enviado a Portugal, seu imóvel foi confiscado pela
Fazenda Real.
O acervo conta a história da mineração no Brasil: crivos para classificar o tamanho
das pedras, balanças, cadinhos para medir o ouro em pó, cofre inglês do século dezenove,
ferramentas do garimpo, instrumentos de suplício dos escravos.
No Museu de Arte Sacra, os turistas observaram um oratório do século dezoito de madeira
pintada a ouro, ex-votos, imagens de santos barrocas, folheadas a ouro.
Na Casa da Glória, os
turistas visitaram uma casa de dois pavimentos, uma do século dezoito e outra do século dezenove,
uma de cada lado da rua, unidas, por uma passarela suspensa no segundo andar.
A mais antiga, foi
da coroa portuguesa e ficou famosa como cenário de festas luxuosas, como a da coroação de Dom
João VI, em 1818.
Na Casa de Chica da Silva, os turistas observaram um sobrado do século do
século dezoito com quatorze cômodos, onde viveu de 1763 à 1771, a escrava e seu amante, o
contratador João Fernandes de Oliveira.
As janelas têm treliças de madeira, costume árabe
introduzido pelos portugueses, para proteger as mulheres dos olhares curiosos.
Tem também
vedação de treliça, uma imensa varanda que serve de corredor e dá para o pátio interno, de onde
se vê a rua.
Na lateral direita da casa, foi restaurada a fachada da capelinha, para uso exclusivo de
Chica da Silva.
Mais, tarde, depois de se encantarem com a Casa de Chica da Silva, os turistas
foram conhecer a Casa do Muxarabiê.
Também uma casa do século dezoito, que possuí três
sacadas de madeira torneada.
Numa delas, há um muxarabi – espécie de balcão de madeira com
treliças, de origem mourisca, para que as mulheres pudessem ver a rua sem serem vistas.
Único
exemplar dessa arquitetura que marcou época em Minas Gerais.
No Mercado Municipal, os turistas
se depararam com uma construção de 1835, toda em azul e vermelho, com arcos de madeira, erguido num rancho que abrigava tropeiros, com suas mulas abarrotadas de mercadorias.
Seus arcos
invertidos teriam inspirado Oscar Niemeyer, amigo de Juscelino e autor de duas construções na
cidade, a projetar a fachada do Palácio da Alvorada, em Brasília.
No Casarão da Prefeitura e Câmara Municipal, os viajantes observaram, que este data do
início da povoação do Arraial do Tijuco (1733 à 1735), foi a Casa da Intendência dos Diamantes.
A fachada exibe janelas do tipo guilhotina.
Restaram algumas paredes de taipa e beirais do telhado
– típicos da época da construção.
Ao passearem pelo Casarão do Fórum, os turistas se depararam
com mais uma construção colonial do antigo Tijuco, que foi residência, sede da Câmara Municipal,
Fórum e Cadeia Pública.
Já na Casa do Intendente, os rapazes observaram uma construção do
século dezoito, com rica arquitetura, sacadas de madeira torneada, ‘sobrancelhas’ sobre as janelas.
Além disso, dois salões do segundo pavimento têm teto de gamela, um deles com pintura
policrômica e cores suaves, mostrando cenas românticas de um casal.
A seguir, na Rua Burgalhal,
os turistas ficaram encantados com as casas coloniais do século dezoito, o primeiro núcleo do
Arraial do Tijuco. ]
No Caminho dos Escravos, os rapazes se depararam com vinte quilômetros de
blocos de pedra construídos pelos escravos no século dezoito.
É a única ligação de Diamantina
com o norte do estado.
Está sendo restaurado.
Ao passearem no Cruzeiro do Cula, os turistas percorreram de carro, uma estrada de terra.
Após, na Serra do Espinhaço, puderam contemplar uma vista de trezentos e sessenta graus da
cidade.
Na Cachoeira Sentinela, os turistas se deslumbraram com várias quedas, cercadas por
vegetação rasteira.
A seguir, na Cachoeira dos Cristais, os turistas observaram um lago de águas
transparentes, ótima para banhos.
Mais tarde, os rapazes foram conhecer a Fábrica de Tecidos de Biribiri.
Lá, construções do
final do século dezoito formam uma pequena vila em torno da fábrica de 1876, hoje desativada.
Em meio a palmeiras-imperiais, a Igrejinha do Sagrado Coração de Jesus, com campanário
externo, possuí refeitório, orfanato, escola, e o velho galpão da indústria.
Na Gruta do Salitre, os turistas se depararam com uma estrutura geológica de sessenta
metros, e com uma galeria ampla, que forma uma espécie de palco no centro.
Depois, os rapazes foram ouvir as serestas da cidade.
O ‘Peixe Vivo’ e ‘Luar do Sertão’
podem ser ouvidas pela cidade no dia da seresta, aniversário do presidente Juscelino Kubitschek.
No resto do ano, seresteiros, só nos barezinhos.
Os turistas, também foram assistir a Festa de Nossa Senhora do Rosário.
Trata-se da festa
mais tradicional de Diamantina.
A parte religiosa acontece na Igreja do Rosário – levantamento
do mastro, missa e procissão ao som de bandinhas.
A parte profana celebra um dos folclores mais
antigos da região – com marujadas, catopês e caboclinhos, com músicas e danças ligadas à figura
de Chico Rei, líder tribal trazido da África para ser escravo em Vila Rica, que liberta a si e a tribo.
20 Texto de Ricardo Kotscho, com algumas adaptações.
DICIONÁRIO:
cafua - substantivo feminino
1. cova, caverna.
2. POR EXTENSÃO
lugar escuro e isolado; furna.
Pindoba - substantivo feminino
[Brasil] Planta da família das palmáceas.
Palmáceas - substantivo feminino plural
[Botânica] Grande família de plantas monocotiledôneas que se caracterizam por apresentarem o tronco alto e nu, encimado por um fascículo de grandes folhas, e à qual pertencem o coqueiro, a palmeira etc.
Etimologia (origem da palavra palmáceas). Do latim palma, palmeira + áceas.
(...) Festas de Agosto com seus catopês (que homenageiam os negros na formação do povo brasileiro), marujos (que exaltam os marinheiros portugueses e os princípios do catolicismo) e caboclinhos (que simbolizam a mistura de raças em nosso país), (...) Extraído do site: https://onorte.net/cultura/festas-de-agosto-l%C3%A1-v%C3%AAm-os-catop%C3%AAs-marujos-e-caboclinhos-1.484522
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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