Poesias

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 12

Sobre a origem da figura de Malasartes, Felipe pesquisou e descobriu que Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo do burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos. 
O episódio mais tradicional é a venda de uma pele de cavalo, urubu ou outro pássaro vivo, tido como adivinho, por anunciar o jantar escondido pela adúltera e expor o amante como sendo um demônio. 
O nome de Pedro se associa ao apóstolo São Pedro, com anedotário de habilidade imperturbável, nem sempre própria do seu estado e título. 
Na Itália, França, Espanha e Portugal, São Pedro aparece como simplório, bonachão, mas cheio de manhas e cálculo, vencendo infalivelmente. 
Rodriguez Marín registra o Cinco Contezuelos Populares Andaluzes, onde o divino chaveiro, é um exemplo de finura velhaca e simplicidade ladina. 
Pedro Malasartes é a figura humana que determinou um ciclo de facécias em maior quantidade, de exemplos e com atração irresistível. 

Com isso, Felipe passou a escrever sobre as: 
Três Aventuras de Pedro Malasartes no Céu
A primeira é esta: 
Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou com três dias de viagem. 
Bateu no portão do paraíso e esperou. 
Pouco depois ouviu a voz de São Pedro: 
-- Quem é? 
-- Sou eu. 
-- Eu quem? -- Pedro Malasartes. 
– Que vem você fazer aqui no céu? 
-- Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro. 
-- Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo. 
-- Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha… 
-- Nada, não é possível! 
-- Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a cabeça aí dentro… 
E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para que espiasse. 
Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a porta, e foi-se deslizando para dentro do céu. 
São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo havia se comprometido a deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo... 
O chaveiro celeste não outro teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já estava o corpo dele inteirinho… 

A segunda é esta: 
Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. 
Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor, que fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto. 
Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. 
Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem, batia no portão de São Pedro. 
O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu. 
Perguntou o que desejava, e respondeu. 
O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. 
Mal viu a fresta, Malasartes atirou o gorro pra dentro e começou a gritar: 
-- Quero o meu gorro, quero o meu gorro! 
São Pedro prontificou-se a ir buscá-lo, mas o burlão protestou: 
-- Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor. 
São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. 
De formas que, não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro. 
Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. 
Mas não se demorou lá muito tempo... 

A terceira é a seguinte: 
Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar. 
Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria, e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu. 
Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. 
Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia, e foi correndo avisar o seu rei. 
Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. 
O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. 
E disse-lhe: 
-- Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente. 
– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico. 
– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita? 
– Feito! 
-- Se você perder, irá diretinho para o caldeirão. 
-- Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo. 
Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. 
Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras. Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno. 
Malasartes andou vagando como alma penada, por muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar... Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. 
Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. 
São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou: 
-- Quem bate a estas horas? 
-- Sou eu, meu santo… 
-- Eu, quem? Diga o que quer, e toca! 
-- Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes. 
-- Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui? 
-- Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória… 
-- Então vamos ver. O que quer? Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. 
Tanto pediu e tanto fez, que São Pedro o atendeu. 
Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta. 
São Pedro bufou e descompôs o patife. 
Tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos, e de justos ali junto da porta. 
Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. 
Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse. 
E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso. 
Mas o atrevimento não ficou sem castigo. 
Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho, e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! 
Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. 
Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. 
E Malasartes teve de contar de novo… 
E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.8 

A seguir, Felipe passou a escrever sobre: 
Uma Aventura de Pedro Malasartes:9 

“Era um turco muito rico
Tinha fazendas de gado 
Traficante em seus negócios
Como nunca tinha achado 
Quem se metia com ele 
Sempre saía logrado 

Morava em sua fazenda 
Se orgulhava da riqueza 
Era um sujeito orgulhoso 
Só pensava na grandeza 
Nunca ligou importância 
Às misérias da pobreza 

Em outro lugar distante 
Morava um velho ancião 
Tinha dois filhos rapazes 
Que era Pedro e João 
Era pobre de dinheiro 
Mas tinha bom coração 

Um dia João saiu 
À procura de serviço 
E foi na casa do turco 
Que era um precipício 
O turco quando viu ele 
Parece que fez feitiço 
João lhe pediu dormida 
Depois em conversação 
Perguntou se ali não tinha 
Alguma colocação?

O turco disse: 
Você 
Veio em boa ocasião 
Eu tenho muito serviço 
Porém sou muito exigente 
Quem quer trabalhar aqui 
Não se queixa de doente 
Por mais que seja a doença 
O freguês faz que não sente 

João disse – eu gosto muito 
De quem me diz a verdade 
Pois eu indo trabalhar 
Me arrependo mais tarde 
Me queixo de estar sofrendo 
Por minha livre vontade 

Disse o turco – meu amigo 
Se não agüentar o tombo 
Se arrependendo eu lhe tiro 
O couro todo do lombo 
Você voltará daqui 
Todo cheio de calombo 

O turco tinha um costume 
Que todo seu empregado 
Se não fizesse o serviço 
Por ele determinado 
Voltava da casa dele 
Pra toda vida aleijado 
João assinou o contrato 
Conforme o turco queria 
E ainda lhe garantiu 
Que nunca se arrependeria 

O turco disse sorrindo: 
--Você só trabalha um dia 
O turco no outro dia 
Mandou João trabalhar 
E disse: esta cachorra 
Vai contigo te ensinar 
Você só vem pro almoço 
A hora que ela voltar 
João lhe disse: sim, senhor 
Está tudo combinado 
Se a cachorrinha morrer 
Eu fico lá no roçado 

O turco disse à mulher: 
Este sujeito é danado 
João saiu para o roçado 
Junto com a cachorrinha 
Saiu pensando na vida 
Sem saber que hora vinha 
E dizendo – este negócio 
Foi uma desgraça minha 

A cachorrinha chegando 
No roçado foi deitar-se 
Era meio-dia em ponto 
João largou e foi sentar-se 
Pois só voltava pra casa 
Quando a cachorra voltasse 
Deu quatro horas da tarde 
E a cachorrinha deitada 
João danado de fome 
Já não valia mais nada 
Disse ele: esta cachorra 
É muito bem ensinada 

Às oito horas da noite 
Foi que a cachorra voltou 
– João saiu atrás dela 
E quando em casa chegou 
O turco disse sorrindo: 
És muito trabalhador 
Então João respondeu: 
Eu gosto de trabalhar 
Mas esta sua cachorra 
Só falta mesmo é falar 
O turco disse: ela faz 
Tudo quanto eu mandar 

No outro dia saiu 
Novamente pro roçado 
E a cachorra também 
Como no dia passado 
Ela praticou o mesmo 
Que já tinha praticado 
Neste dia João chegou 
Com a enxada no ombro 
E foi dizendo ao turco: 
Tire-me o couro do lombo 
Antes que eu morra de fome 
Pois da desgraça não zombo 
O turco disse: eu sabia 
Que tu não agüentava 

E o couro do teu lombo 
Com minha faca eu tirava 
Porque aquele contrato 
Só você mesmo aceitava 
Tirou a tira de couro 
Do espinhaço de João 
Este voltando pra casa 
Contou tudo ao seu irmão 
Ele disse: aquele turco 
Me paga esta judiação 
E arrumou a bagagem 
Se despediu do irmão 
E disse ao pai: se eu morrer 
Reze na minha intenção 
Só quero que não me falte 
A sua santa benção 

Pedro foi até a casa 
Que o irmão tinha ensinado 
Chegou lá, pediu dormida 
Porque estava enfadado 
Em conversa, o turco disse: 
Preciso de um empregado 
Pedro disse – estou aqui 
À procura de serviço 
E não encaro trabalho 
Nem tampouco precipício… 

O turco disse: comigo 
A coisa não é só isso 
O turco disse – pois bem 
Faço um contrato consigo 
De nós quem se arrepender 
Fica sujeito ao castigo 
Pedro disse: sendo eu 
Faça o que quiser comigo 
Aí o turco o chamou 
Lhe dizendo – veja lá 
Aquelas tiras de couro 
Que estão naquele lugar 
Sou eu que tiro do lombo 
De quem não quer trabalhar 

Pedro disse – eu lhe garanto 
Que o senhor fica contente 
Pois eu tenho trabalhado 
Com toda raça de gente 
E com quinze dias de febre 
Não digo que sou doente 
Então respondeu o turco 
Amanhã vás trabalhar 
E aquela cachorrinha 
Vai pra roça te ensinar 
Você só vem pro almoço 
A hora que ela voltar 

Quando foi no outro dia 
Pedro foi para o roçado 
A cachorra foi com ele 
Como estava combinado 
Ele dizia consigo: 
O turco está enganado 
Chegando ele ao roçado 
Começou a trabalhar 
A cachorrinha deitou-se 
E ele pôs-se a pensar 
Depois disse – às onze horas 
Eu preciso ir almoçar 
Quando foi às onze horas 
Ele pegou a enxada 
Descarregou na cachorra 
Uma tão grande pancada 
Que ela saiu pra casa 
Numa carreira danada 

Quando Pedro foi chegando 
O turco lhe perguntou: 
Tu deste nesta cachorra 
Que ela tão cedo voltou? 
Disse Pedro – não fiz nada 
Foi a fome que obrigou 
A mulher do turco disse: 
-- Dispense este rapaz 
O que fizeste com os outros 
Com este você não faz 
Este moço tem astúcias 
Para vencer Satanás 

O turco disse: ele perde 
Pois um contrato que faço 
Não tem homem que agüente 
Nem sendo feito de aço… 
A velha disse – ele tira 
Couro do teu espinhaço 
Ainda disse – amanhã 
Tu vais ver como te enganas 
Porque eu vou mandar ele 
Roçar o mato das canas 
Só deixar ficar em pé 
As touceiras de bananas 

Pedro disse – eu faço tudo 
Quanto meu patrão quizé 
Amanhã lá no roçado 
Não fica uma cana em pé 
No outro dia saiu 
Nem esperou o café 
Chegando lá no roçado 
Fez tudo quanto dissera 
Deixou o roçado limpo 
Como se fora tapera 
O turco ficou danado 
Que parecia uma fera 

O turco disse – amanhã 
Tens um serviço melhor 
Eu quero um carro de lenha 
Que não se encontre um nó 
Pedro disse – eu trago é dez 
Se não for preciso um só 
No outro dia saiu 
E ganhou as capoeiras 
Cortou o carro bem cheio 
De rolos de bananeiras 
O turco disse: você 
Só vive de brincadeiras 

Pedro disse: neste mundo 
Nada me merece dó 
O que fizeste com vinte 
Agora pagas a um só 
Eis o pau que neste mundo 
Nasceu e cresceu sem nó 
Aí o turco lhe disse: 
Eu ando um pouco doente 
E vou passar alguns meses 
Desta fazenda ausente 
Quando voltar quero os bichos 
Tudo sorrindo contente 
Disse Pedro isto é o menos 
Muito mais tenho passado 
Quando eu souber que ele vem 
Eu mando juntar o gado 
Quando ele chegar encontra 
Tudo de beiço cortado 

Já faziam cinco meses 
Que o turco tinha saído 
Um dia ele escreveu 
Perguntando o ocorrido 
E como estava seu gado 
Se estava muito lutrido? 
Pedro recebeu a carta 
E leu com toda atenção 
O turco mandou dizer 
Que voltava no verão 
E Pedro fosse esperá-lo 
Na porta da estação 

Quando foi no outro dia 
Pedro lhe escreveu dizendo: 
O seu gado está tão gordo 
Que de gordo está morrendo 
Ainda não está sorrindo 
Porém está aprendendo 
O turco ao ler a carta 
Que Pedro tinha mandado 
Disse consigo: é capaz 
Dele matar o meu gado 

Se assim for eu chego lá 
E dou parte ao delegado 
Um dia ele escreveu 
Dizendo que vinha embora 
Pedro mandou juntar o gado 
E disse: chegou a hora 
De pôr meu plano em ação 
E vou cuidar sem demora 

Mandou chamar dois vaqueiros 
E disse: juntem esse gado 
Eu quero estes animais 
Tudo de beiços cortado 
Pra quando o dono chegar 
Ficar bastante espantado 
E quando o turco chegou 
Que foi olhar no curral 
Os bichos tudo sorrindo 
Com alegria geral 
Disse: agora desta vez 
Meu espinhaço está mal 
E disse: você seu Pedro 
Deu-me um grande prejuízo 
O serviço que fizeste 
É de quem não tem juízo 

Pedro disse: não senhor 
Só fiz o que foi preciso 
Aí o turco lhe disse 
Dou-te cem contos em ouro 
Pra você não tirar 
De meu espinhaço o couro 
Pedro disse: eu não dispenso 
Nem que me dê um tesouro 
O turco disse – pois bem 
Como me aleijaste o gado 
Também não faço questão 
De me deixar aleijado 
Tira o couro do meu lombo 
E fica como empregado 
Pedro lhe disse – não fico 
Porque tu me faz traição 
Tu já tiraste o couro 
Do lombo do meu irmão 
Eu vim somente vingar 
Esta tua judiação 

Tirou o couro do turco 
E saiu no outro dia 
Quando chegou em casa 
O pai chorou de alegria 
Pedro disse: eis o couro 
Que prometi que trazia-10 

Felipe, fascinado com as histórias de Pedro Malasartes escreveu mais algumas de suas aventuras. Assim, começou contando a história de ‘Um patrão zangado’: 
Era uma vez um casal de velhos camponeses que tinha dos filhos: João, o mais velho, e Pedro, o mais novo, chamado de Malasartes por ser muito arteiro. 
Quando chegou à idade de trabalhar, João se empregou numa fazenda, mas o fazendeiro exigia contratos impossíveis de serem cumpridos e, por isso, não pagava os empregados. 
Ao fim de um ano, João voltou para casa mais morto do que vivo, inclusive sem a pele das costas, que tinha sido esfolada pelo fazendeiro. 
Furioso, Pedro Malasartes resolveu vingar o irmão e foi trabalhar para o fazendeiro. 
Este lhe impôs duas condições: nunca enjeitar trabalho e quem primeiro se zangasse, perdia o couro para o outro. 
Pedro aceitou. 
Sua primeira tarefa foi capinar o mato numa plantação de milho. 
Parecia simples, mas o patrão mandou uma cachorrinha com Pedro, e advertiu o rapaz de que só poderia suspender o trabalho quando a cachorrinha resolvesse voltar para casa. 
Pedro trabalhou da madrugada até o meio-dia e a cachorrinha, deitada na sombra, nem se mexia, de modo que ele percebeu que havia uma combinação entre ela e o fazendeiro. 
Mas, ao invés de fazer como seu irmão João, que na mesma situação tinha continuado trabalhando, Pedro deu uma paulada na cachorrinha, que disparou ganindo e só foi parar para lamber a ferida no alpendre da casa. 
De acordo com o trato, 
Malasartes já podia parar a capina. 
No outro dia, o fazendeiro mandou Pedro limpar uma roça de mandioca. 
Pedro não teve dúvidas: “limpou” mesmo, arrancando toda a plantação de mandioca, deixando o terreno completamente nu. 
Pedro sabia que o patrão não poderia se zangar, do contrário teria seu couro esfolado. 
Por isso, quando o patrão, furioso, viu o mandiocal destroçado, 
Pedro lhe perguntou, matreiro: “Zangou-se, patrão?” 
Embora espumando de ódio, o fazendeiro teve de dizer que não. 
No terceiro dia, Pedro recebeu a tarefa de encher um carro de boi com paus sem nós. 
Mais uma vez, não teve dúvidas: cortou todos os pés do bananal e disse depois ao fazendeiro que, evidentemente, tronco de bananeira é um típico pau que não tem nó... 
Ou o patrão ia querer ficar zangado?... 
No quarto dia, o patrão mandou Pedro à feira vender um bando de porcos. 
O rapaz vendeu os porcos por bom dinheiro, mas, antes, cortou todos os rabos e ficou com eles. 
De volta à fazenda, enterrou todos os rabinhos num lamaçal e foi avisar o fazendeiro que os animais tinham morrido atolados. 
O patrão descobriu o truque, mas, como não podia se mostrar zangado, Pedro acabou ficando com o dinheiro... 
Só foi despedido. 

A seguir escreveu sobre a lenda da ‘Panela Mágica’: 
Tendo deixado de trabalhar no seu primeiro emprego numa fazenda, Pedro Malasartes, que andava por uma estrada no campo, sentiu que estava apertado para defecar. 
Aliviou sua necessidade ali mesmo, no mato à beira da estrada. 
Foi quando percebeu, que por perto andava um caçador. 
Rápido como um raio, Malasartes cobriu seus excrementos com o chapéu, segurando as abas como se estivesse guardando uma coisa preciosa. 
O caçador chegou perto, ficou curioso e perguntou: 
-- O que é que você está guardando aí? Pedro respondeu: 
-- O passarinho mais lindo do mundo. Foi muito difícil, levou muito tempo, mas consegui apanhá-lo. Estou só esperando passar algum conhecido para mandar buscar uma gaiola e, depois, vender o passarinho. 
É claro que Pedro Malasartes havia percebido que o outro, como bom caçador, devia adorar passarinhos. 
E não deu outra: 
-- Eu compro o passarinho – disse o caçador, e nem discutiu o preço, pagou a Pedro uma quantia absurda e então lhe pediu. 
– Agora, monte no meu cavalo e vá buscar uma gaiola. 
É também claro que Pedro Malasartes havia calculado desde o início que o caçador ia justamente, lhe oferecer o cavalo e também que ele não ia querer levantar o chapéu, pois o tal passarinho poderia fugir.
Com isso Pedro Malasartes desapareceu a cavalo, para nunca mais voltar, imaginando com que cara o caçador ia ficar, quando finalmente perdesse a paciência e levantasse o chapéu, tentando agarrar depressa o que estava embaixo dele, para não deixar o ‘passarinho’ fugir. 
De noite, Malasartes chegou numa tapera abandonada e acendeu fogo para esquentar sua panelinha de comida. 
Ouviu que vinha gente e, para não dividir o jantar, cobriu o fogo com areia, mas não teve tempo de esconder a panela. 
Chegaram então à tapera, uns homens que estranharam muito que a comida estivesse fervendo sem haver fogo. 
Pedro explicou que sua panelinha era mágica e funcionava assim mesmo, sem fogo. 
Encantados, os homens quiseram comprar a panelinha, que Pedro vendeu por um bom preço, dizendo apenas que, para se despedir da panelinha, iria comer o jantar – e que ela só voltaria a funcionar algum tempo depois. 
Então, regalado e com dinheiro, Malasartes foi embora e nunca mais voltou por aquelas bandas. 

Por fim, Felipe escreveu sobre ‘A leitoa assada’: 
Continuando em suas andanças sem fim, Pedro chegou certa noite a um vilarejo e foi à casa do juiz, pedindo pousada e dizendo-se um doutor. 
O juiz não estava. 
Mas filho acreditando na história de Pedro, serviu-lhe um jantar e lhe providenciou um quarto. 
Quando o juiz chegou, Pedro Malasartes estava dormindo e, assim, os dois não se encontraram. 
Mas Pedro acordou de noite enjoado. 
A comida lhe fizera mal. 
Ficou com vontade de vomitar e foi à janela, abrindo-a para descomer para fora. 
A cachorrada começou a latir e, para não despertar todo mundo, Pedro fechou a janela. 
A situação de Malasartes era terrível: estava passando mal, suando frio, segurando o vômito. 
Então, teve uma visão salvadora: numa prateleira, imponente e lustrosa, estava a cartola do juiz. Malasartes, um inimigo nato de toda pompa, não teve dúvidas: vomitou dentro da cartola e, no dia seguinte de manhã, quando só os criados estavam acordados, foi embora sem se despedir de ninguém. 
Já pensaram na cara com que o juiz ficou quando foi usar aquela cartola na primeira solenidade? Daquele vilarejo, Pedro voltou finalmente para sua casa e descobriu que seu pai tinha morrido e que, na partilha dos poucos bens do velho, lhe coubera apenas a porta da casa. 
Pedro então saiu pelo mundo carregando aquela porta e, na estrada, deu com um bando de urubus devorando um burro morto. 
Jogou a porta sobre os urubus, que saíram todos voando, menos um que teve uma asa e uma pata quebradas. 
Pedro pôs esse urubu debaixo do braço e saiu andando. 
Bem mais tarde, já faminto, passou por uma casa à beira da estrada, e sentiu cheiro de leitoa assada.
Bateu à porta para pedir comida, mas atendeu uma senhora de meia-idade dizendo que não podia recebê-lo porque o marido não estava. 
Pedro então ficou escondido atrás de uma árvore. 
Aí, viu chegar um jovem que evidentemente não era o marido da mulher, mas que foi recebido por ela.
Algum tempo depois, o jovem foi embora e Pedro continuou escondido. 
Chegou finalmente o marido, entrou em casa – e aí Pedro bateu de novo à porta, para pedir comida, sempre com o urubu debaixo do braço. 
O marido, que estava jantando, ofereceu comida a Pedro, mas era comidinha de todo dia. 
Pedro então disse: 
“Meu urubu fala, quer ver?” 
E deu um apertão no machucado do urubu, que ficou grasnando. 
Pedro então traduziu: 
“Ele disse que neste guarda-comida tem um bom pedaço de leitoa assada”. 
A mulher, assim denunciada, foi obrigada a servir para os dois o que sobrara da leitoa que preparara para o jovem amante. 
E Pedro ainda vendeu o tal urubu falante ao espantado marido.11

8 (AMARAL, Amadeu. Tradições populares) 9 (Tadeu de Serpa Martins).
10 (CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores).
11 (Extraído de Almanaque do Globo Rural, ano I, 1987, Editora Rio Gráfica Ltda.)

DICIONÁRIO:
bur·lão
(burla + -ão)
adjectivo e nome masculino
Que ou quem pratica burla; que ou quem recorre a artifícios para enganar. = BURLADOR
Feminino: burlona.
"burlão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/burl%C3%A3o [consultado em 17-08-2020].

facécia
substantivo feminino
1. qualidade ou modo facecioso.
2. dito chistoso; chacota, gracejo, pilhéria.

Lutrido
Significado de Lutrido Por Ubaldo de Oliveira Nunes (DF) em 01-06-2009    
Intrometido; atrevido.
Pra velho lutrido, toucinho ardido.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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