Sobre a origem da figura de Malasartes, Felipe pesquisou e descobriu que
Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo
do burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos
e sem remorsos.
O episódio mais tradicional é a venda de uma pele de cavalo, urubu ou outro pássaro vivo,
tido como adivinho, por anunciar o jantar escondido pela adúltera e expor o amante como sendo
um demônio.
O nome de Pedro se associa ao apóstolo São Pedro, com anedotário de habilidade
imperturbável, nem sempre própria do seu estado e título.
Na Itália, França, Espanha e Portugal, São Pedro aparece como simplório, bonachão, mas
cheio de manhas e cálculo, vencendo infalivelmente.
Rodriguez Marín registra o Cinco
Contezuelos Populares Andaluzes, onde o divino chaveiro, é um exemplo de finura velhaca e
simplicidade ladina.
Pedro Malasartes é a figura humana que determinou um ciclo de facécias em maior
quantidade, de exemplos e com atração irresistível.
Com isso, Felipe passou a escrever sobre as:
Três Aventuras de Pedro Malasartes no Céu.
A primeira é esta:
Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou
com três dias de viagem.
Bateu no portão do paraíso e esperou.
Pouco depois ouviu a voz de São
Pedro:
-- Quem é?
-- Sou eu.
-- Eu quem?
-- Pedro Malasartes.
– Que vem você fazer aqui no céu?
-- Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro.
-- Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo.
-- Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha…
-- Nada, não é possível!
-- Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a
cabeça aí dentro…
E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para
que espiasse.
Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a
porta, e foi-se deslizando para dentro do céu.
São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo havia se comprometido a
deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo...
O chaveiro celeste não outro teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é
como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já
estava o corpo dele inteirinho…
A segunda é esta:
Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola.
Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor, que fez-lhe presente de um
gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele
objeto.
Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio
ao céu.
Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem, batia no portão de São Pedro.
O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu.
Perguntou o que
desejava, e respondeu.
O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto
chorou que ele consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco.
Mal viu a fresta, Malasartes atirou o gorro pra dentro e começou a gritar:
-- Quero o meu gorro, quero o meu gorro!
São Pedro prontificou-se a ir buscá-lo, mas o burlão protestou:
-- Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de
Nosso Senhor.
São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia.
De
formas que, não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.
Assim Malasartes conseguiu entrar no céu.
Mas não se demorou lá muito tempo...
A terceira é a seguinte:
Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a
esperteza; teve que marchar.
Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria, e resolveu, em primeiro lugar,
ir bater à porta do céu.
Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara.
Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava
até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia, e foi correndo avisar o seu rei.
Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos.
O próprio
Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar
o hóspede.
E disse-lhe:
-- Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir
aqui revolucionar a minha gente.
– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.
– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?
– Feito!
-- Se você perder, irá diretinho para o caldeirão.
-- Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo.
Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro.
Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e
assim outras.
Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas,
postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.
Malasartes andou vagando como alma penada, por muito tempo, sem saber onde havia de
se aboletar... Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu.
Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho.
São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:
-- Quem bate a estas horas?
-- Sou eu, meu santo…
-- Eu, quem? Diga o que quer, e toca!
-- Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro
Malasartes.
-- Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui?
-- Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste
lugar de glória…
-- Então vamos ver. O que quer?
Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a
porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu.
Tanto pediu e
tanto fez, que São Pedro o atendeu.
Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.
São Pedro bufou e descompôs o patife.
Tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos, e de justos ali junto da
porta.
Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu
lhe podia tocar.
Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar,
não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse.
E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.
Mas o atrevimento não ficou sem castigo.
Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho, e mandaram-no contar os grãos
um por um. Malasartes, que remédio!
Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de
tempo a amontoar os grãozinhos para um lado.
Quando já estava acabando a contagem, veio um
anjo e misturou tudo.
E Malasartes teve de contar de novo…
E até hoje lá está contando e
recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.8
A seguir, Felipe passou a escrever sobre:
Uma Aventura de Pedro Malasartes:9
“Era um turco muito rico
Tinha fazendas de gado
Traficante em seus negócios
Como nunca tinha achado
Quem se metia com ele
Sempre saía logrado
Morava em sua fazenda
Se orgulhava da riqueza
Era um sujeito orgulhoso
Só pensava na grandeza
Nunca ligou importância
Às misérias da pobreza
Em outro lugar distante
Morava um velho ancião
Tinha dois filhos rapazes
Que era Pedro e João
Era pobre de dinheiro
Mas tinha bom coração
Um dia João saiu
À procura de serviço
E foi na casa do turco
Que era um precipício
O turco quando viu ele
Parece que fez feitiço
João lhe pediu dormida
Depois em conversação
Perguntou se ali não tinha
Alguma colocação?
O turco disse:
Você
Veio em boa ocasião
Eu tenho muito serviço
Porém sou muito exigente
Quem quer trabalhar aqui
Não se queixa de doente
Por mais que seja a doença
O freguês faz que não sente
João disse – eu gosto muito
De quem me diz a verdade
Pois eu indo trabalhar
Me arrependo mais tarde
Me queixo de estar sofrendo
Por minha livre vontade
Disse o turco – meu amigo
Se não agüentar o tombo
Se arrependendo eu lhe tiro
O couro todo do lombo
Você voltará daqui
Todo cheio de calombo
O turco tinha um costume
Que todo seu empregado
Se não fizesse o serviço
Por ele determinado
Voltava da casa dele
Pra toda vida aleijado
João assinou o contrato
Conforme o turco queria
E ainda lhe garantiu
Que nunca se arrependeria
O turco disse sorrindo:
--Você só trabalha um dia
O turco no outro dia
Mandou João trabalhar
E disse: esta cachorra
Vai contigo te ensinar
Você só vem pro almoço
A hora que ela voltar
João lhe disse: sim, senhor
Está tudo combinado
Se a cachorrinha morrer
Eu fico lá no roçado
O turco disse à mulher:
Este sujeito é danado
João saiu para o roçado
Junto com a cachorrinha
Saiu pensando na vida
Sem saber que hora vinha
E dizendo – este negócio
Foi uma desgraça minha
A cachorrinha chegando
No roçado foi deitar-se
Era meio-dia em ponto
João largou e foi sentar-se
Pois só voltava pra casa
Quando a cachorra voltasse
Deu quatro horas da tarde
E a cachorrinha deitada
João danado de fome
Já não valia mais nada
Disse ele: esta cachorra
É muito bem ensinada
Às oito horas da noite
Foi que a cachorra voltou
– João saiu atrás dela
E quando em casa chegou
O turco disse sorrindo:
És muito trabalhador
Então João respondeu:
Eu gosto de trabalhar
Mas esta sua cachorra
Só falta mesmo é falar
O turco disse: ela faz
Tudo quanto eu mandar
No outro dia saiu
Novamente pro roçado
E a cachorra também
Como no dia passado
Ela praticou o mesmo
Que já tinha praticado
Neste dia João chegou
Com a enxada no ombro
E foi dizendo ao turco:
Tire-me o couro do lombo
Antes que eu morra de fome
Pois da desgraça não zombo
O turco disse: eu sabia
Que tu não agüentava
E o couro do teu lombo
Com minha faca eu tirava
Porque aquele contrato
Só você mesmo aceitava
Tirou a tira de couro
Do espinhaço de João
Este voltando pra casa
Contou tudo ao seu irmão
Ele disse: aquele turco
Me paga esta judiação
E arrumou a bagagem
Se despediu do irmão
E disse ao pai: se eu morrer
Reze na minha intenção
Só quero que não me falte
A sua santa benção
Pedro foi até a casa
Que o irmão tinha ensinado
Chegou lá, pediu dormida
Porque estava enfadado
Em conversa, o turco disse:
Preciso de um empregado
Pedro disse – estou aqui
À procura de serviço
E não encaro trabalho
Nem tampouco precipício…
O turco disse: comigo
A coisa não é só isso
O turco disse – pois bem
Faço um contrato consigo
De nós quem se arrepender
Fica sujeito ao castigo
Pedro disse: sendo eu
Faça o que quiser comigo
Aí o turco o chamou
Lhe dizendo – veja lá
Aquelas tiras de couro
Que estão naquele lugar
Sou eu que tiro do lombo
De quem não quer trabalhar
Pedro disse – eu lhe garanto
Que o senhor fica contente
Pois eu tenho trabalhado
Com toda raça de gente
E com quinze dias de febre
Não digo que sou doente
Então respondeu o turco
Amanhã vás trabalhar
E aquela cachorrinha
Vai pra roça te ensinar
Você só vem pro almoço
A hora que ela voltar
Quando foi no outro dia
Pedro foi para o roçado
A cachorra foi com ele
Como estava combinado
Ele dizia consigo:
O turco está enganado
Chegando ele ao roçado
Começou a trabalhar
A cachorrinha deitou-se
E ele pôs-se a pensar
Depois disse – às onze horas
Eu preciso ir almoçar
Quando foi às onze horas
Ele pegou a enxada
Descarregou na cachorra
Uma tão grande pancada
Que ela saiu pra casa
Numa carreira danada
Quando Pedro foi chegando
O turco lhe perguntou:
Tu deste nesta cachorra
Que ela tão cedo voltou?
Disse Pedro – não fiz nada
Foi a fome que obrigou
A mulher do turco disse:
-- Dispense este rapaz
O que fizeste com os outros
Com este você não faz
Este moço tem astúcias
Para vencer Satanás
O turco disse: ele perde
Pois um contrato que faço
Não tem homem que agüente
Nem sendo feito de aço…
A velha disse – ele tira
Couro do teu espinhaço
Ainda disse – amanhã
Tu vais ver como te enganas
Porque eu vou mandar ele
Roçar o mato das canas
Só deixar ficar em pé
As touceiras de bananas
Pedro disse – eu faço tudo
Quanto meu patrão quizé
Amanhã lá no roçado
Não fica uma cana em pé
No outro dia saiu
Nem esperou o café
Chegando lá no roçado
Fez tudo quanto dissera
Deixou o roçado limpo
Como se fora tapera
O turco ficou danado
Que parecia uma fera
O turco disse – amanhã
Tens um serviço melhor
Eu quero um carro de lenha
Que não se encontre um nó
Pedro disse – eu trago é dez
Se não for preciso um só
No outro dia saiu
E ganhou as capoeiras
Cortou o carro bem cheio
De rolos de bananeiras
O turco disse: você
Só vive de brincadeiras
Pedro disse: neste mundo
Nada me merece dó
O que fizeste com vinte
Agora pagas a um só
Eis o pau que neste mundo
Nasceu e cresceu sem nó
Aí o turco lhe disse:
Eu ando um pouco doente
E vou passar alguns meses
Desta fazenda ausente
Quando voltar quero os bichos
Tudo sorrindo contente
Disse Pedro isto é o menos
Muito mais tenho passado
Quando eu souber que ele vem
Eu mando juntar o gado
Quando ele chegar encontra
Tudo de beiço cortado
Já faziam cinco meses
Que o turco tinha saído
Um dia ele escreveu
Perguntando o ocorrido
E como estava seu gado
Se estava muito lutrido?
Pedro recebeu a carta
E leu com toda atenção
O turco mandou dizer
Que voltava no verão
E Pedro fosse esperá-lo
Na porta da estação
Quando foi no outro dia
Pedro lhe escreveu dizendo:
O seu gado está tão gordo
Que de gordo está morrendo
Ainda não está sorrindo
Porém está aprendendo
O turco ao ler a carta
Que Pedro tinha mandado
Disse consigo: é capaz
Dele matar o meu gado
Se assim for eu chego lá
E dou parte ao delegado
Um dia ele escreveu
Dizendo que vinha embora
Pedro mandou juntar o gado
E disse: chegou a hora
De pôr meu plano em ação
E vou cuidar sem demora
Mandou chamar dois vaqueiros
E disse: juntem esse gado
Eu quero estes animais
Tudo de beiços cortado
Pra quando o dono chegar
Ficar bastante espantado
E quando o turco chegou
Que foi olhar no curral
Os bichos tudo sorrindo
Com alegria geral
Disse: agora desta vez
Meu espinhaço está mal
E disse: você seu Pedro
Deu-me um grande prejuízo
O serviço que fizeste
É de quem não tem juízo
Pedro disse: não senhor
Só fiz o que foi preciso
Aí o turco lhe disse
Dou-te cem contos em ouro
Pra você não tirar
De meu espinhaço o couro
Pedro disse: eu não dispenso
Nem que me dê um tesouro
O turco disse – pois bem
Como me aleijaste o gado
Também não faço questão
De me deixar aleijado
Tira o couro do meu lombo
E fica como empregado
Pedro lhe disse – não fico
Porque tu me faz traição
Tu já tiraste o couro
Do lombo do meu irmão
Eu vim somente vingar
Esta tua judiação
Tirou o couro do turco
E saiu no outro dia
Quando chegou em casa
O pai chorou de alegria
Pedro disse: eis o couro
Que prometi que trazia-10
Felipe, fascinado com as histórias de Pedro Malasartes escreveu mais algumas de suas
aventuras.
Assim, começou contando a história de ‘Um patrão zangado’:
Era uma vez um casal de velhos camponeses que tinha dos filhos: João, o mais velho, e
Pedro, o mais novo, chamado de Malasartes por ser muito arteiro.
Quando chegou à idade de trabalhar, João se empregou numa fazenda, mas o fazendeiro
exigia contratos impossíveis de serem cumpridos e, por isso, não pagava os empregados.
Ao fim
de um ano, João voltou para casa mais morto do que vivo, inclusive sem a pele das costas, que
tinha sido esfolada pelo fazendeiro.
Furioso, Pedro Malasartes resolveu vingar o irmão e foi trabalhar para o fazendeiro.
Este
lhe impôs duas condições: nunca enjeitar trabalho e quem primeiro se zangasse, perdia o couro
para o outro.
Pedro aceitou.
Sua primeira tarefa foi capinar o mato numa plantação de milho.
Parecia simples, mas o patrão mandou uma cachorrinha com Pedro, e advertiu o rapaz de que só
poderia suspender o trabalho quando a cachorrinha resolvesse voltar para casa.
Pedro trabalhou da madrugada até o meio-dia e a cachorrinha, deitada na sombra, nem se
mexia, de modo que ele percebeu que havia uma combinação entre ela e o fazendeiro.
Mas, ao invés de fazer como seu irmão João, que na mesma situação tinha continuado
trabalhando, Pedro deu uma paulada na cachorrinha, que disparou ganindo e só foi parar para
lamber a ferida no alpendre da casa.
De acordo com o trato,
Malasartes já podia parar a capina.
No outro dia, o fazendeiro mandou Pedro limpar uma roça de mandioca.
Pedro não teve dúvidas: “limpou” mesmo, arrancando toda a plantação de mandioca,
deixando o terreno completamente nu.
Pedro sabia que o patrão não poderia se zangar, do contrário
teria seu couro esfolado.
Por isso, quando o patrão, furioso, viu o mandiocal destroçado,
Pedro lhe perguntou,
matreiro: “Zangou-se, patrão?”
Embora espumando de ódio, o fazendeiro teve de dizer que não.
No terceiro dia, Pedro recebeu a tarefa de encher um carro de boi com paus sem nós.
Mais
uma vez, não teve dúvidas: cortou todos os pés do bananal e disse depois ao fazendeiro que,
evidentemente, tronco de bananeira é um típico pau que não tem nó...
Ou o patrão ia querer ficar
zangado?...
No quarto dia, o patrão mandou Pedro à feira vender um bando de porcos.
O rapaz vendeu
os porcos por bom dinheiro, mas, antes, cortou todos os rabos e ficou com eles.
De volta à fazenda,
enterrou todos os rabinhos num lamaçal e foi avisar o fazendeiro que os animais tinham morrido
atolados.
O patrão descobriu o truque, mas, como não podia se mostrar zangado, Pedro acabou
ficando com o dinheiro...
Só foi despedido.
A seguir escreveu sobre a lenda da ‘Panela Mágica’:
Tendo deixado de trabalhar no seu primeiro emprego numa fazenda, Pedro Malasartes, que
andava por uma estrada no campo, sentiu que estava apertado para defecar.
Aliviou sua necessidade
ali mesmo, no mato à beira da estrada.
Foi quando percebeu, que por perto andava um caçador.
Rápido como um raio, Malasartes cobriu seus excrementos com o chapéu, segurando as
abas como se estivesse guardando uma coisa preciosa.
O caçador chegou perto, ficou curioso e
perguntou:
-- O que é que você está guardando aí?
Pedro respondeu:
-- O passarinho mais lindo do mundo. Foi muito difícil, levou muito tempo, mas consegui
apanhá-lo. Estou só esperando passar algum conhecido para mandar buscar uma gaiola e, depois,
vender o passarinho.
É claro que Pedro Malasartes havia percebido que o outro, como bom caçador, devia adorar
passarinhos.
E não deu outra:
-- Eu compro o passarinho – disse o caçador, e nem discutiu o preço, pagou a Pedro uma
quantia absurda e então lhe pediu.
– Agora, monte no meu cavalo e vá buscar uma gaiola.
É também claro que Pedro Malasartes havia calculado desde o início que o caçador ia
justamente, lhe oferecer o cavalo e também que ele não ia querer levantar o chapéu, pois o tal
passarinho poderia fugir.
Com isso Pedro Malasartes desapareceu a cavalo, para nunca mais voltar, imaginando com
que cara o caçador ia ficar, quando finalmente perdesse a paciência e levantasse o chapéu, tentando
agarrar depressa o que estava embaixo dele, para não deixar o ‘passarinho’ fugir.
De noite, Malasartes chegou numa tapera abandonada e acendeu fogo para esquentar sua
panelinha de comida.
Ouviu que vinha gente e, para não dividir o jantar, cobriu o fogo com areia, mas não teve
tempo de esconder a panela.
Chegaram então à tapera, uns homens que estranharam muito que a comida estivesse
fervendo sem haver fogo.
Pedro explicou que sua panelinha era mágica e funcionava assim mesmo, sem fogo.
Encantados, os homens quiseram comprar a panelinha, que Pedro vendeu por um bom
preço, dizendo apenas que, para se despedir da panelinha, iria comer o jantar – e que ela só voltaria
a funcionar algum tempo depois.
Então, regalado e com dinheiro, Malasartes foi embora e nunca mais voltou por aquelas
bandas.
Por fim, Felipe escreveu sobre ‘A leitoa assada’:
Continuando em suas andanças sem fim, Pedro chegou certa noite a um vilarejo e foi à casa
do juiz, pedindo pousada e dizendo-se um doutor.
O juiz não estava.
Mas filho acreditando na história de Pedro, serviu-lhe um jantar e lhe providenciou um
quarto.
Quando o juiz chegou, Pedro Malasartes estava dormindo e, assim, os dois não se
encontraram.
Mas Pedro acordou de noite enjoado.
A comida lhe fizera mal.
Ficou com vontade de
vomitar e foi à janela, abrindo-a para descomer para fora.
A cachorrada começou a latir e, para não despertar todo mundo, Pedro fechou a janela.
A situação de Malasartes era terrível: estava passando mal, suando frio, segurando o
vômito.
Então, teve uma visão salvadora: numa prateleira, imponente e lustrosa, estava a cartola
do juiz. Malasartes, um inimigo nato de toda pompa, não teve dúvidas: vomitou dentro da cartola
e, no dia seguinte de manhã, quando só os criados estavam acordados, foi embora sem se despedir
de ninguém.
Já pensaram na cara com que o juiz ficou quando foi usar aquela cartola na primeira
solenidade?
Daquele vilarejo, Pedro voltou finalmente para sua casa e descobriu que seu pai tinha
morrido e que, na partilha dos poucos bens do velho, lhe coubera apenas a porta da casa.
Pedro então saiu pelo mundo carregando aquela porta e, na estrada, deu com um bando de
urubus devorando um burro morto.
Jogou a porta sobre os urubus, que saíram todos voando, menos
um que teve uma asa e uma pata quebradas.
Pedro pôs esse urubu debaixo do braço e saiu andando.
Bem mais tarde, já faminto, passou por uma casa à beira da estrada, e sentiu cheiro de leitoa
assada.
Bateu à porta para pedir comida, mas atendeu uma senhora de meia-idade dizendo que não
podia recebê-lo porque o marido não estava.
Pedro então ficou escondido atrás de uma árvore.
Aí, viu chegar um jovem que evidentemente não era o marido da mulher, mas que foi
recebido por ela.
Algum tempo depois, o jovem foi embora e Pedro continuou escondido.
Chegou finalmente o marido, entrou em casa – e aí Pedro bateu de novo à porta, para pedir
comida, sempre com o urubu debaixo do braço.
O marido, que estava jantando, ofereceu comida
a Pedro, mas era comidinha de todo dia.
Pedro então disse:
“Meu urubu fala, quer ver?”
E deu um apertão no machucado do urubu,
que ficou grasnando.
Pedro então traduziu:
“Ele disse que neste guarda-comida tem um bom pedaço de leitoa
assada”.
A mulher, assim denunciada, foi obrigada a servir para os dois o que sobrara da leitoa que
preparara para o jovem amante.
E Pedro ainda vendeu o tal urubu falante ao espantado marido.11
8 (AMARAL, Amadeu. Tradições populares) 9 (Tadeu de Serpa Martins).
10 (CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores).
11 (Extraído de Almanaque do Globo Rural, ano I, 1987, Editora Rio Gráfica Ltda.)
DICIONÁRIO:
bur·lão
(burla + -ão)
adjectivo e nome masculino
Que ou quem pratica burla; que ou quem recorre a artifícios para enganar. = BURLADOR
Feminino: burlona.
"burlão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/burl%C3%A3o [consultado em 17-08-2020].
facécia
substantivo feminino
1. qualidade ou modo facecioso.
2. dito chistoso; chacota, gracejo, pilhéria.
Lutrido
Significado de Lutrido Por Ubaldo de Oliveira Nunes (DF) em 01-06-2009
Intrometido; atrevido.
Pra velho lutrido, toucinho ardido.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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