Poesias

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 25 - VERSÃO OFICIAL

O moço ansioso, no dia combinado, vestiu uma de suas melhores roupas, para visitar a moça na fazenda.
Otacílio o esperava no alpendre.
Simpático, convidou-o para entrar.
Abaeté timidamente, adentrou a propriedade.
O fazendeiro comentou então, que em sua casa, as moças eram muito bem educadas.
Sabiam bordar, costurar, cozinhar, tocar piano, cantavam e sabiam ler e escrever.
Otacílio afirmava com orgulho, ser um dos poucos fazendeiros que permitiram as filhas estudarem com professoras particulares.
Disse que Helena sabia até um pouco de francês.
Abaeté disse ao fazendeiro que quando tivesse filhos, todos estudariam, fossem homens ou mulheres.
O moço comentou que Thereza sabia ler e escrever e que Laura também fora iniciada no mundo dos livros.
Ao ouvir o suspiro do índio ao falar da irmã, o fazendeiro disse ter lamentado a morte.
Abaeté respondeu-lhe que o tempo passava, mas a saudade da irmã não.
Otacílio se solidarizando com o moço, comentou que infelizmente a morte se fazia muito presente naquelas paragens.
Comentou que ele próprio também perdera diversos filhos.
Abaeté lamentou o ocorrido, dizendo sentir muito.
Otacílio então comentou que aquele não era o momento de lembranças tristes.
Disse ao moço para que seguisse até a sala de jantar, indicando-lhe o caminho.
Nisto chamou Helena.
Abaeté então se deparou com uma mesa repleta de bolos, biscoitos, frutas e demais quitutes.
Uma escrava apareceu para servi-lo.
Abaeté então se acomodou.
Em seguida apareceu Helena.
O moço levantou-se.
Quando a jovem sentou-se em seu lugar de costume, o rapaz ofereceu-se para ajeitar sua cadeira.
Helena com um gesto concordou.
Abaeté ajeitou sua cadeira.
Helena agradeceu e o moço tornou a se sentar.
Sem jeito, o moço lhe ofereceu bolos, suco.
A sinhazinha tinha que a todo o momento recusar os oferecimentos.
Só aceitou um pedaço de bolo de fubá e o café.
Abaeté sugeriu servi-la, no que a moça retrucou, dizendo possuir criadas para tanto.
O moço rindo, concordou.
A escrava então serviu-lhe um café fresquinho.
Conforme as próprias palavras da criada.
Abaeté e Helena se olhavam.
Depois de algum tempo, apareceram os pais da moça.
Abaeté novamente se levantou para cumprimentar a mãe da jovem.
Eurídice agradeceu a gentileza do jovem.
Nisto Otacílio perguntou como ia a fazenda.
Abaeté respondeu que lá havia muito trabalho, mas também muita alegria.
Otacílio mencionou que em suas terras não era muito diferente.
Havendo muito trabalho, mas também festas.
O rapaz comentou que as recepções da família na cidade eram famosas.
Abaeté, acrescentou que suas celebrações na fazenda eram animadas, mas nada que se aproximasse em requinte, das festas do senhor Otacílio.
O fazendeiro riu.
Comentou que também apreciava a simplicidade.
Acrescentou que tinha interesse em ser convidado para os eventos ocorridos em sua fazenda.
Abaeté sorriu e comentou que certamente seria convidado.
Mais tarde, o homem recomendou que a mulher e a filha se retirassem.
Disse que tinha assuntos particulares a tratar com o moço.
Nisto, Abaeté e Otacílio conversaram sobre a proposta do moço.
Abaeté reiterou sua intenção, e perguntou se a jovem estava disposta a se casar com um nativo, que não era branco, e cuja ascendência europeia se originava da mãe.
O estancieiro comentou que havia conversado com a mulher e com a filha.
Ressaltou que da parte dele, não haveria nenhum impedimento para o casamento.
Argumentou não se importar com o fato dele não ser um legítimo descendente de europeus e sim, um legítimo filho da terra.
O fazendeiro comentou que ele sim tinha direito de se dizer brasileiro, pois nascera naquelas terras e conhecia aquelas matas.
Mencionou que a diferença de costumes não o incomodava, tendo em vista que havia se adaptado a convivência com os brancos.
Abaeté ressaltou que sempre vivera em companhia dos brancos, mas que nunca abandonara sua cultura, apenas se adaptando, a uma nova condição.
O fazendeiro concordou.
Argumentou que os primeiros portugueses, também tiveram que desbravar florestas.
Rindo, o índio comentou que quanto a isto, não haviam muitas diferenças entre as duas culturas.
O fazendeiro concordou.
Dizendo que estavam se entendendo, Otacílio pediu licença, e se afastou.
O fazendeiro então, chamou a filha e a esposa.
Com as mulheres na sala, o homem informou que em conversa com a família, ficou ajustado que a moça receberia visitas na fazenda, afim de conhecê-lo melhor.
Abaeté novamente cumprimentou a moça.
Em seguida o fazendeiro comentou que assim que estivessem firmes e decididos, poderia marcar a data para o casamento.
Abaeté concordou.

Thereza sua irmã, assim como Laura, em que pesem serem filhas de Abaré, não possuíam os traços indígenas tão marcantes quanto os do irmão.
Eram mais parecidas com a mãe.
Até na cor da pele.
Quanto a isto, Thereza era a que mais se parecia com Abaré.
Com seus cabelos lisos, trazia-os sempre presos numa trança, enfeitada com uma fita branca.
Às vezes colocava uma flor na ponta para enfeitar.
Vaidosa, adorava cantar modinhas.
Abaeté sempre que podia, levava a irmã em suas incursões pela cidade.
A moça sabia ler e escrever, e adorava as modinhas.
Certo dia, em passagem pela cidade, Abaeté e Thereza, puderam acompanhar uma festa de fantasiados, os quais lançavam objetos, uns nos outros.
O moço respondeu-lhe que se tratava de uma festa trazida pelos portugueses.
Thereza, ficou chocada com a agressividade da comemoração.
Pediu para o irmão levá-la de volta para casa.
Abaeté comentou rindo:
- Depois os índios e os negros é que são considerados selvagens!
Nisto o rapaz segurou a irmã pelo braço.
Seguiram em direção a um armazém, onde o moço comprou alguns utensílios.
Thereza, encantou-se por uma caixinha de música.
Abaeté ao perceber que a mulher ficou o tempo todo a mexer no objeto, tratou de adquiri-lo para a irmã.
A moça agradeceu.
Por fim, os irmãos seguiram de coche para casa.
A moça estava elegantemente vestida de vestido e anáguas, espartilho.
Trazia em seu pescoço um camafeu.
Joia que pertencera a mãe.
Abaré, após o falecimento de Carolina, triste e abatido, ofereceu a lembrança a filha.
Abalado, dizia não ter condições de se desfazer dos pertences da esposa.
Tanto que os objetos foram cuidadosamente guardados em um quarto afastado da casa.
Abaeté, após o falecimento do pai, resolveu deixar os pertences de ambos juntos.
Também não tivera coragem de se desfazer de nada.
Triste, dizia que tudo no casarão lembrava os pais, e que precisava honrar a memória dos dois.

Com o tempo, e com a frequência das visitas, Helena acabou se afeiçoando a Abaeté, e por fim, concordou com a proposta de casamento do moço.
Eurídice e Otacílio festejaram.
O homem comentou por fim, que a filha mais nova se casando, estando todas as demais encaminhadas, podia morrer tranquilo.
Para celebrar a data, foi agendado um jantar de noivado, na propriedade da família, na vila.
Abaeté vestiu sua melhor roupa.
Thereza, estava encantadora em seu vestido com várias anáguas.
Helena ao vê-la, elogiou sua elegância.
Conversaram, e a jovem aristocrata, ao perceber que Thereza era uma moça instruída, passou a lhe falar de livros e de modinhas.
Tornaram-se amigas.
Quando Abaeté faleceu, deixando para ambas a propriedade, as duas mulheres, reuniram forças para administrar o patrimônio deixado por ele.

Enquanto lia os relatos, Vandré percebeu ao vasculhar os volumes, que faltavam alguns detalhes.
Chegou a se perguntar se sua mãe Carolina havia feito registros, como as suas ancestrais.
Em conversas com a mãe, Vandré exigiu que ela apresentasse seu diário.
Argumentou que somente entenderia como desfazer a maldição, se soubesse de todos os relatos, toda a trajetória da família.
Mencionou que lendo os diários das mulheres da família, descobriu a origem de Tarcísio, e por que o mesmo carregava este nome.
Contudo, faltavam detalhes sobre sua vida, como teria morrido.
Carolina tentou argumentar dizendo que não sabia de detalhes da vida do irmão.
Relatou que não conviveram.
Ressaltou que quando nasceu, o menino já havia sido afastado da convivência da família.
Mencionou que a mãe, Carolina, acreditava estar protegendo-o, em assim procedendo.
Mas Vandré, em visita a mãe, insistiu que ela apresentasse o diário.
Argumentou que sem aquela ferramenta, pouco poderia fazer para que a maldição lançada sobre a família fosse desfeita.
Carolina relutou, mas com o tempo, acabou concordando em entregar os diários.
Argumentou que escondeu parte da história, tentando proteger a ele a ao irmão.
Por fim, mostrou um livro guardado de Carolina.
Comentou havia achado o objeto, enquanto fazia a limpeza do quarto.
Mencionou que estava guardado em uma caixa, junto ao vestido de noiva que Rosália fizera para ela, o qual usara na cerimônia realizada para celebração da união do casal.
A mulher não se casou, mas usou o vestido feito pela mãe.
E assim, antes mesmo que a moça tivesse um pretendente, sua mãe preparou as escondidas, um bonito vestido de casamento.
Quando Carolina conheceu Adroaldo, a mulher se encheu de esperanças.
Tanto que em dado momento, mostrou o bonito vestido branco bordado, para a filha, que se encantou com a delicadeza da peça.
Chegou a vestir o modelo, e a mostrá-lo para mãe, andando de um lado para o outro do quarto.
Por fim, Rosália recomendou que a filha, guardasse a roupa.
Carolina então, guardou com todo o cuidado em um baú, a peça.
Por vezes, trancava a porta e vestia a roupa.
Imaginava-se entrando em uma igreja enfeitada de flores, sendo conduzida pelo capataz da fazenda até o altar.
Empolgada, chegou a descrever em detalhes o vestido no diário.
Vandré, descobriu a história do vestido, ao ler o diário da avó.
Também procurou observar detalhes da peça.
Era um lindo vestido de renda, que seria o sonho de qualquer moça daqueles tempos.
O jovem emocionou-se ao ler o relato de Carolina e a frustração por nunca ter podido usar o vestido em um casamento de verdade.
No diário, havia menção ao fato de que a moça enfrentou a mãe para poder usar o vestido na cerimônia realizada pelo padre.
Mas enfim, usou a peça.
Por fim, descobriu que a mulher, mesmo tendo que enfrentar a mãe e da sociedade da época para ficar ao lado de Adroaldo, conseguiu se afirmar e ser respeitada.
Com o tempo, a despeito do descontentamento da mãe com o relacionamento, acabou por auxiliá-la na administração da fazenda.
Adroaldo por sua vez, passou a fazer a contabilidade dos negócios da família, sempre sob o crivo de Rosália e de Carolina.
Carolina foi feliz ao lado de Adroaldo, tendo dois filhos.
Tarcísio fora criado longe da família, pelos pais de Adroaldo, que se encantaram com a criança. Diziam em cartas, que o menino não dava trabalho algum.
Que era estudioso e aplicado.
Além de muito obediente.
A única coisa que preocupava o casal, era a saúde frágil do garoto.
Ana e Estênio por diversas vezes, tiveram que levar o garoto para o hospital.
Com efeito, a saúde do garoto só melhorou, após a família se mudar para o litoral.
Longe da localidade onde haviam morado, e bem longe das terras de Carolina.
Nisto, o garoto recuperou sua saúde, e sua disposição melhorou a olhos vistos.
O garoto fez amizade com os meninos do lugar.
Brincava de jogar bolinhas de gude, de futebol, empinava pipa.
Brincava de esconde-esconde e importunava as meninas, que gostavam de brincar de boneca.
Certo dia, quando uma delas ficou chorando, Ana, ao tomar conhecimento do fato, ralhou com o menino, dizendo que ele não devia maltratar as pessoas.
Dizia que isto não era certo.
Mas o triste mesmo, aconteceu quando um dos garotos, em uma briga para ver quem dava o pontapé inicial em uma bola de futebol, mencionou que ele Tarcísio, era criado pelos avós, por que não era bem-vindo na casa dos pais.
Ao ouvir isto, o moleque afirmou que aquilo era mentira.
Argumentou que por motivo de saúde, era criado pelos avós.
Como o menino parecia não acreditar em suas palavras, Tarcísio esbofeteou o moleque, que lhe deu uma rasteira.
Disse-lhe que estava expulso do jogo.
Tarcísio e levantou dali e foi mancando para casa.
Quando Ana o viu mancando, e com os olhos vermelhos, perguntou-lhe o que havia acontecido.
O garoto então, subiu as escadas e ficou em seu quarto.
Ana preocupada, foi atrás do garoto, para verificar o que havia acontecido.
O menino então, comentou o que haviam lhe dito no campinho.
A mulher retrucou dizendo que aquilo era bobagem, que Carolina o adorava, que o amava tanto que não mediu esforços para que ele ficasse bem e se recuperasse de seu problema de saúde.
Revoltado, o menino disse que não acreditava.
Questionou o fato da mãe pouco visitá-lo.
Ana respondeu-lhe que não podia, que Carolina tinha que trabalhar, e que raras vezes podia se ausentar da fazenda.
Mas Tarcísio não queria saber de entender.
Por muito tempo se sentiu abandonado e posto de lado.
Ana e Estênio procuravam estar sempre presentes.
Participavam das festinhas na escola, dos eventos da comunidade.
Com o tempo, Tarcísio passou a considerá-los como seus pais de verdade.
Adroaldo por seu turno, era quem mais visitava o garoto.
Quando nasceu Carolina, a mãe e o pai da criança, a apresentaram ao garoto.
Tarcísio ficou revoltado ao saber que ela seria criada na fazenda, ao lado dos pais, enquanto ele era privado disto.
Com o tempo, o garoto passou a evitar as visitas dos pais.
Por algum tempo, estudou em colégio interno onde era sempre visitado por Ana e Estênio.
Ao se tornar adulto, despedindo-se de Ana e Estênio, o moço passou a residir em uma república de estudantes, assim que ingressou em uma universidade.
Passaria a estudar longe dali, em outro estado, ainda mais longe da propriedade de Carolina.
Ao ser aprovado no vestibular, participou a novidade a Ana e Estênio, que ficaram felizes.
O homem porém, ao percebeu o quão distante ficava a faculdade, lamentou que teria dificuldades em visitá-lo.
Sorrindo, Tarcísio comentou que ele poderia visitá-lo usando o velho carro da família.
Dias mais tarde, de malas prontas, o moço seguiu de carro com o pai, para a localidade.
Animando, comentou no caminho, sobre os planos de se formar.
Contou que sentiria saudade dos dias de sol, do contato com a areia da praia, o sal do mar, as garotas bonitas de maiô.
Estênio achava graça nas palavras do moço.
Quando finalmente chegaram na república, o moço deixou suas malas no chão.
Logo foi apresentado aos colegas de quarto, que também conheceram Estênio.
Tarcísio fez questão de apresentá-lo como seu pai.
O homem cheio de orgulho, comentou que havia ajudado a criá-lo e que poderia sim, ser considerado seu pai.
Nisto o moço seguiu com Estênio pela a universidade.
Caminharam pelos longos corredores da instituição, conheceram seus jardins, o lago.
Estênio comentou que o lugar era muito bonito.
Argumentou que diante de tanta beleza era impossível não encontrar estímulo para estudar.
Tarcísio rindo, comentou que havia entendido o recado.
Carolina, ao tomar conhecimento do êxito do filho, ficou apreensiva.
Contudo, ao tomar conhecimento de que a instituição ficava distante de sua propriedade, tranquilizou-se.
Nisto, ao tentar visitá-lo, a mulher foi impedida por Ana e Estênio, que disseram que não poderiam fornecer o endereço da instituição.
Argumentaram que não tinham autorização de Tarcísio.
Carolina, comentou que eles não precisavam da autorização do moço, por que ela era a mãe dele.
Mas o casal estava decidido.
Não forneceram o endereço.
Lamentaram as circunstâncias, mas disseram que não poderiam trair a confiança do moço.
Argumentaram que se o fizessem, perderiam Tarcísio para sempre.
Carolina furiosa, dizia que eles não tinha direito de esconder-lhe esta informação.
Argumentou que eram eles que estavam traindo sua confiança.
Nisto, retirou-se da casa.
Carolina recordou-se do falecimento de seu companheiro.
Adroaldo, falecera em poucos anos de convivência.
Quando o homem morreu, o garoto fora chamado às pressas para comparecer no velório do pai. Tarcísio resistiu a ideia, mas por insistência de seus pais de criação, seguiu até a Fazenda Valongo. Lá, o garoto avistou o caixão e um homem deitado dentro dele.
A referida visão, causou-lhe uma má impressão.
O garoto quis sair dali, mas Ana o abraçou, disse-lhe para que não tivesse medo.
Dizia que não iria sair de perto dele.
E nisto Ana e Tarcísio permaneceram juntos durante todo o velório.
Carolina tentou se aproximar, mas o garoto se mostrou bastante arredio.
A mulher ao perceber isto, ficou magoada.
Mas entendendo a situação, procurou não insistir.
O garoto estava magoado, pois acreditava ter sido preterido.
Adulto, a mulher chegou a enviar-lhe cartas para explicar o por quê da distância.
Sem êxito.
Tarcísio sequer se deu ao trabalho de ler as missivas, devolvendo-as.
Vandré, de posse dos diários, também pode observar a existência de cartas guardadas.
Lendo os textos dos diários e o conteúdo das cartas, Vandré descobriu que o tio se formou em engenharia, vindo a encontrar um emprego na região em que estudara.
Para o litoral, só voltou para visitar os pais de criação, e tomar banhos de mar.
Em uma nova cidade, conheceu uma moça com a qual veio a se casar.
Chamava-se Marília, e foi apresentada a Ana e Estênio, que gostaram da moça.
Com o tempo, se casaram.
Em cartas, o moço relatar ter conhecido Marília em seu tempo de estudos.
A moça era uma mulher avançada para a época.
Circunstância que chamou a atenção do rapaz, que dizia estar cansado de mocinhas provincianas.
Dizia que Marília era moderna, tinha um trabalho de meio período, e não era obcecada por casamento, como algumas moças que frequentavam a instituição.
Tarcísio dizia que a maioria delas não estava interessada em ter uma profissão, e sim, em encontrar um bom casamento.
Nas cartas dirigidas aos pais, dizia que havia conhecido algumas das moças, mas que nunca conseguiu engatar um namoro, pois as mesmas só estavam interessadas em se casarem.
Ana e Estênio achavam graça nas palavras do moço, pois sabiam que isto era fase, que passaria com o tempo, e que o casamento é condição natural da vida humana.
Ana dizia estar certa de que ele acabaria encontrando uma boa moça e se casando.
Dito e feito.
O casamento foi realizado no litoral, com direito a lual, fogueira e trajes como batas indianas.
Ana e Estênio parecia um casal hippie.
Os pais de Marília, mais tradicionais, usaram roupas mais formais.
A mulher usava um vestido florido e sandálias, e o homem, bermuda e camisa.
A cerimônia foi registrada por um fotografo.
Ana ficou com algumas fotos, e o álbum ficou em poder de Marília, que não se cansava de mostrar aos amigos.
O casal teve duas filhas, Lara e Antonia.
Tarcísio trabalhou por vinte anos como engenheiro.
Faleceu quando as filhas eram adultas, mas não chegou a conhecer os netos.
As moças, educadas com o jeito livre da mãe, não se interessaram em casamento.
Lara teve duas meninas, Tereza e Helena, de diferentes relacionamentos e sua irmã tivera um menino, de nome André.
Antonia não vivia mais com seu antigo convivente, e Lara havia optado por dar um tempo em seu relacionamento.
Quando o pai faleceu, Marília se encarregou de cuidar das filhas.
Tarcísio faleceu dormindo.
Para surpresa de todos, tendo em vista de se tratar de alguém jovem ainda.
Tarcísio morreu com cinquenta anos incompletos.
Com a dedicação e o trabalho da mãe, as duas moças se formaram.
Lara era formada em letras, e Antonia havia se formado em engenharia.
As duas trabalhavam.
Vandré e Venâncio, quando tomaram conhecimento da luta das moças, as admiraram.
Marília ainda estava viva, mas havia optado em não conviver com a família de Tarcísio.
Com o tempo, descobriu a história da maldição e a justificativa para o afastamento de Tarcísio do convívio com a família.
Contudo, não concordava com a atitude de Carolina.
Quando a conheceu, Marília a cumprimentou formalmente, mas nunca procurou se aproximar da mulher.
Dizia não querer magoar o marido, já tão machucado com a história.
A aproximação, só começou após o falecimento de Carolina, e mediante muita insistência das filhas.
Marília então foi apresentada a toda a família.
Vandré e Venâncio ao conhecê-la, logo simpatizaram com a mulher.
Em conversas com Marília, descobriram que Tarcísio era um homem trabalhador, e dedicado a família.
A mulher comentou que fora ele quem a convencera a se casar.
Rindo, comentou que naqueles tempos, não acreditava em convenções, e que o casamento era uma instituição falida.
Nisto, contou que Tarcísio não queria um relacionamento sem compromisso.
Argumentou que relacionamento já pressupõe comprometimento.
E assim, como jeitinho, comentou que namoro não implicava em um futuro casamento, que podiam primeiro se conhecerem, para depois se casarem.
Marília por sua vez, disse que Tarcísio era insistente e que acabou a convencendo, depois de um certo tempo de namoro, a se casar.
Feliz, comentou que se casaram na praia, em um lual.
Contou que sentia falta do marido, e de Ana e Estênio, sempre tão bons com ela.
Marília comentou que quando o marido morreu, ambos já eram falecidos.
Triste relatou, que foi melhor assim, pois deve ser muito difícil para um pai e uma mãe ver um filho partir antes da hora.
Venâncio e Tânia, se encantaram com a história.
Com a convivência com Marília, nas visitas a fazenda, que se tornaram frequentes, a certa altura, Vandré perguntou-lhe, por que uma mulher ainda tão bonita, não havia tentado reconstruir sua vida com outro relacionamento.
Rindo, a mulher agradeceu o elogio e comentou que embora não tivesse um relacionamento firme, não estava sozinha.
Vangloriando-se, comentou que nunca precisou pagar por companhia.
Vandré, respondeu que tinha certeza que não.

Quanto a história de sua mãe, o moço descobriu em leituras ao diário, que Carolina havia se envolvido com um funcionário da fazenda, vindo a engravidar de Venâncio.
Seu nome era Pedro.
Para se encontrarem, o casal se dirigia as ruínas do Valongo.
Lá, conversavam por longas horas, riam, e ficavam correndo entre as ruínas, como duas crianças.
Com o tempo, a moça engravidou, e sua mãe, ao tomar conhecimento do ocorrido, deu-lhe dinheiro para que passasse a residir em outra cidade.
Ficou revoltada com o ocorrido, mas não havia mais nada a ser feito.
Carolina então, mudou-se para São Paulo, onde deu a luz Venâncio e criou o filho.
Pedro, por sua vez, temendo a reação de Dona Carolina, ao tomar conhecimento da gravidez da moça, se evadiu da fazenda, nunca mais sendo visto.
Mais tarde, e após algum tempo de namoro com Licurgo, Carolina acabou por fica grávida de Vandré.
Com isto, quando sua mãe Carolina, tomou conhecimento da segunda gravidez da filha, recriminou-a.
Disse a ela que estava destruindo a reputação da família.
A moça, ao ouvir isto, comentou que não havia sido ela quem havia dado início a história da maldição, e a todos os relacionamentos malfadados da família.
Foi o bastante para ser esbofeteada por sua mãe.
Furiosa, Carolina dirigiu-se ao quarto onde estava hospedada no Valongo, arrumou suas coisas e foi embora.
Não sem antes dizer que Licurgo estava disposto a assumir o filho, bem como a paternidade de Venâncio, que nem sequer era seu filho.
Com isto, partiu.
Dona Carolina por sua vez, ao se ver sozinha, sem a companhia da mãe ou da filha, resolveu escrever-lhe missivas.
Nelas dizia que queria conhecer Licurgo e saber de suas intenções com Carolina.
Com efeito, o moço chegou a apresentar a moça a sua família.
Foi marcada a data do casamento e tudo.
Mas o homem, para infortúnio de Carolina, faleceu um mês antes do casamento.
Grávida, a moça optou levar a gravidez adiante, amparada pela família do noivo.
Contudo, nunca mais pensou em se casar.
Vandré, ao ler o relato da mãe, ficou emocionado.
Mais tarde, mostrou o diário ao irmão, e pediu-lhe para que lesse.

Venâncio então, guardou o diário, e junto com Tânia, leu os relatos da mãe.
Ao término da leitura, que se estendeu por alguns dias, o moço respondeu que nunca tinha conhecido a história de uma família, com uma sina mais triste que a sua.
Vandré, por seu turno, ao tomar conhecimento da história da mãe, pediu-lhe desculpas.
Disse-lhe que passara a vida inteira cobrando um pai, que ela não poderia lhe dar.
Confidenciou ainda, que gostou de saber que o seu pai queria assumir a ele e ao irmão.
Contudo, não conseguia entender, por que a mãe havia escondido a história.
Argumentou que não havia desonra alguma em sua origem.
Carolina respondeu-lhe que como não havia se casado, não faria nenhuma diferença contar ou não a história.
Argumentou que escondera o fato para melhor protegê-los.
Mencionou que quanto menos soubessem sobre a própria origem, menos se exporiam.
Vandré, por seu turno, argumentou que isto não os livrou de preconceitos e comentários maldosos.
Disse que nem todas as crianças aceitavam brincar com eles, por serem filhos de mãe solteira.
Ao ouvir isto, Carolina chorou.
Comentou que nunca fora sua intenção infligir sofrimento aos filhos, mas que ela própria fora a maior castigada pelo ocorrido.
Disse que as pessoas apontavam para ela nas ruas, e que fora alvo de assédio, em locais de trabalho, por conta de ser mãe solteira.
Relatou que por reagir as investidas, perdeu inúmeros empregos.
Comentou que por ser mãe solteira, não era nada fácil encontrar emprego.
Mas estudou e se formou professora, conseguindo se aposentar na profissão.
Nisto, comentou que pessoas amigas a ajudavam nestes momentos de dificuldades, inclusive Dona Carolina.
Chorando, a mulher comentou que ela e os filhos não passaram fome em certos períodos difíceis, por conta da ajuda da velha matriarca, que mesmo sendo contrária ao modo como levava sua vida, nunca deixou de ajudá-la.
Vandré então, abraçou a mãe.
Compreendendo suas atitudes, comentou que nem sempre a atitude mais certa era esconder a verdade.
Contudo, como mesmo a verdade não mudaria em nada as circunstâncias, compreendeu que as pessoas agiam conforme seu entendimento.
Entendeu que a mãe agira da forma como agira, por considerar que era o melhor a ser feito.
Sozinha, sem o apoio da família, como deve ter sofrido para aprender a viver.
Nisto, Carolina comentou que após a morte de Licurgo, os pais do moço a auxiliaram financeiramente.
Com o tempo, chegaram a oferecer dinheiro para que sumisse dali e não contasse a ninguém que Licurgo era o pai de Vandré.
Diziam que não ficava bem um morto, ter um filho com uma mulher solteira.
Carolina, ao ouvir isto, ficou revoltada.
Expulsou o casal de sua casa, e os pais de Licurgo nunca mais apareceram.
Neste momento, ao se recordar de fatos passados, a mulher comentou que reconhecia que havia errado ao não procurar os pais do moço.
Afinal de contas ele tinha direito a parte do patrimônio da família.
Vandré ao ouvir isto, comentou que Venâncio lhe dissera que o patrimônio era do casal, e que não havia herança de pessoa viva.
Argumentou que talvez o casal pudesse pagar uma pensão para ele, enquanto fosse menor de idade e incapaz de prover sua subsistência.
Mais tarde, foi a vez de Venâncio conversar com a mãe.
Curioso, perguntou-lhe se nunca mais havia ouvido falar de Pedro.
Carolina respondeu-lhe que não.
Venâncio insistiu em perguntar se o homem nunca tivera interesse em procurar pelo filho.
A mulher respondeu-lhe novamente de forma negativa.
Ouvir estas palavras, lhe causou profundo pesar.
Disse que perdera mais que o irmão, pois Vandré ao menos tinha um pai que o queria.
Carolina ao ouvir isto, disse-lhe que quem havia perdido naquela história toda fora Pedro que perdera a oportunidade de conhecer um garoto de valor.
Menino dedicado, estudioso, que a enchia de tanto orgulho que mal cabia dentro dela.
Insistiu em dizer que quem havia perdido era Pedro, o qual perdera a oportunidade de conhecer o homem de valor, no qual havia se transformado.
Carolina acrescentou ainda, que o homem era um traste, que não valia o trabalho de ser procurado, mas que não iria ficar chateada, se ele demonstrasse interesse em tentar localizar o pai.
Apenas o advertiu que ele poderia não encontrar o que estava procurando, e pior, poderia arrumar uma encrenca para o resto de sua vida.
Abraçando o filho, e depois segurando o seu rosto, comentou que se o encontro fosse realmente necessário, o tempo se encarregaria de aproximá-los.
Venâncio, ao ouvir as palavras de sua mãe, disse que sabia que poderia se decepcionar, mas que ainda assim, pretendia procurar seu pai, ao menos para saber por que nunca se interessara por ele.
Carolina, olhando-o nos olhos disse que entendia seu lado.

E Venâncio, ao voltar para São Paulo, contratou os serviços de um detetive particular.
Por meses o homem buscou o paradeiro de Pedro.
O homem porém, havia sumido.
Ao tomar conhecimento do insucesso na localização de Pedro, Carolina, que havia descrito o homem, e colaborado para sua localização, ficou aliviada.
Contudo, percebendo a decepção de Venâncio, tratou de consolar o filho.
Tânia também procurou alentá-lo.
Carolina com o tempo, passou a reconhecer as qualidades de Tânia, passando a elogiar a moça publicamente.
Para ela seria um orgulho ter a moça como nora.
Mais tarde, Vandré, após muita pesquisa leitura, conversando com pajés e outros pesquisadores, achou por bem, realizar um ritual para a família.
Conversando com Venâncio e Tânia, o moço decidiu que a cerimônia, deveria abarcar, vários rituais.
E assim foi feito.
A fazenda mais parecia um centro de convenções de eventos indígenas.
Foram vários dias de orações e danças.
Alguns rituais, mais pareciam festas.
Um dos pajés disse que havia muito sofrimento naquelas terras, não só herança da maldição lançada sobre a família, mas também dos castigos de antigos escravos que eram vendidos no local.
Vandré disse que o local de fato, fora antigo mercado de escravos.
O pajé respondeu-lhe muitos deles foram espancados no lugar.
Lara e Antonia por sua vez, chegaram a chamar um padre para celebrar uma missa na propriedade e abençoar a casa, as ruínas, e todas as construções da propriedade.
Marília por sua vez, comentou que após os rituais, passou a sentir um pouco mais de leveza ao circular pelo lugar.
Vandré, em pesquisas mais detalhadas, ao analisar a papelada da fazenda, descobriu que se tratava de uma antiga fazenda abandonada, quando Carolina e Olavo adquiriram a propriedade.
Descobriu também documentos relativos a venda das terras sulinas, bem como documentos atestando a localidade da fazenda.
Tempos depois, o moço viajou para o estado gaúcho.

Luciana Celestino dos Santos
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