Nestes tempos, ao lá chegar, passaram antes por pequenas vilas, onde Abaré fazia pequenos
serviços.
Carolina e Abaeté ficavam instalados em celeiros.
Quando não dormiam ao ar livre.
Com isto, quase três anos depois do ocorrido, a moça voltou a estância.
Triste, deparou-se com um ambiente de desolação.
O velho casarão todo queimado, tachos revirados, restos de cinzas espalhados por todos os lados.
Nervosa, entrou no que restara da casa.
Emocionada encontrou algumas lembranças, entre o que fora queimado, como a caixinha de
costura de sua mãe.
Encontrou também, uma velha caixinha de música, que para sua admiração, ainda funcionava.
Neste momento, muitas lembranças de fatos até então esquecidos, voltaram à tona.
Lembrou-se das cantigas de roda.
De brincar de se esconder por entre as construções.
Do poço de onde costumava retirar água.
Do riacho, dos pássaros que vinham cantar em sua janela.
Das frutas colhidas no pomar.
Dos passeios de charrete com os pais, na vila.
Das compras que faziam no armazém.
Dos cumprimentos dos conhecidos.
Das novenas organizadas no casarão, onde sempre tinha que participar.
Por conta disto chorou.
Abaré do lado de fora, segurava o filho, que a certa altura, começou a chorar.
O índio então, buscou acalmar a criança, que parecia impaciente.
Nisto, um passante, ao notar a presença de estranhos no lugar, comentou que aquelas terras tinham
dono.
Abaré respondeu ao estranho que conhecia um dos donos do lugar, e que fora o próprio dono
quem o convidara a entrar naquelas terras e se acomodar, como fosse possível.
O estranho perguntou seu nome.
Abaré respondeu, perguntando o nome do estranho.
O fazendeiro riu.
Procurando resolver o impasse, respondeu que se chamava Arnaldo.
Abaré ao ouvir o nome, ficou intrigado.
Isto por que este era o nome do noivo de sua mulher.
Abaré então, disse seu nome.
Arnaldo curioso, perguntou ao índio, de onde conhecia os donos das terras.
Nisto Carolina saiu do casarão.
Ao avistar Abaré e o filho ao lado do moço, ficou perplexa.
Arnaldo ao vê-la, ficou pasmo.
- Carolina? - era a única coisa que conseguiu dizer.
Neste momento, uma lágrima correu de seus olhos.
O que ele poderia dizer depois de tantos anos acreditando que a jovem fora assassinada com toda
a sua família?
Aflito, levou meses para acreditar que a moça estava morta.
Como não encontraram o corpo para
ser enterrado, ele chegou a pensar que tivesse conseguido fugir, que pudesse estar sã em salva em
alguma plaga, e que não havia voltado por medo de represálias.
Lembrou-se de como esta dúvida o consumiu, e das dificuldades que teve em aceitar uma nova
noiva.
Mas por fim, diante da ausência de noticias, e da morte quase certa de Carolina, Arnaldo acabou
por se casar com a filha de um estancieiro da região.
Homem de posses do lugar.
Desta forma, deparar-se com a jovem Carolina, diante de seus olhos, causou-lhe alegria, mas
também tristeza.
Carolina por sua vez, ao ver Arnaldo tão bem alinhado, lembrou-se do moço de bombachas que
havia conhecido.
Estava mudado.
A moça, aproximou-se então de Abaré e passou a segurar o filho nos braços.
Arnaldo percebeu então, que a moça havia retomado sua vida.
Abaré perguntou a moça, se conhecia o rapaz.
Arnaldo se aproximando, resolveu se apresentar a família.
Carolina então declinou seu nome, e o nome do filho, Abaeté.
Ao ouvir a palavra filho, Arnaldo demonstrou estar decepcionado.
Contudo, procurando disfarçar o sentimento, perguntou-lhe há quanto tempo havia chegado a
vila.
Carolina respondeu que há um dia.
Arnaldo perguntou então se sabia o que havia ocorrido com a família, onde estavam sepultados os
corpos, e todas as providências legais a serem tomadas.
Carolina respondeu que só tinha conhecimento do que havia presenciado naquela época, as
mortandades de parentes e de escravos, os homens colocando fogo na casa.
Mas não se lembrava
do ocorrido com detalhes, nem sabia do que havia sucedido, depois de conseguir fugir.
Arnaldo, ao ouvir as palavras da moça, deduziu que o indígena a auxiliou na fuga.
Abaré permaneceu calado.
O homem então, ao notar que aquele não era o melhor ambiente para conversarem, convidou-os
a pernoitarem em sua fazenda.
Contudo, como já estavam instalados no lugar, Abaré agradeceu a proposta mas recusou-a.
Disse que já tinham onde dormir.
Arnaldo no entanto insistiu.
Dizia que a moça não estava acostumada a dormir em qualquer lugar e que todos estavam cansados
da viagem.
Portanto tinham o direito de ficar melhor instalados.
Abaré respondeu-lhe que Carolina estava bem, e que não havia com o que se preocupar.
Arnaldo argumentou que caso mudassem de ideia, poderiam ir a fazenda.
O índio insistiu em dizer que estava tudo bem.
Mas prometeu se dirigir a propriedade no dia seguinte, para que pudessem conversar.
Arnaldo, apertando a mão do índio, mencionou que estavam combinados.
Explicou ao casal como fazer para chegar ao lugar.
Elogiou a beleza da criança, e se despediu.
Abaré, colocando a mão no ombro de Carolina, falou para saírem dali.
Com isto, seguiram a pé até a estalagem.
Lá cearam e dormiram.
No dia seguinte, foram a cavalo para a fazenda de Arnaldo.
Lá foram apresentados a mulher de Arnaldo, Leonora.
Que já alertada pelo marido, tratou de receber bem os convidados.
Abaré estava trajado como um português.
Carolina lembrava uma senhora.
Levaram consigo o pequeno Abaeté.
Leonora pediu as escravas da casa que servissem o café da manhã.
Nisto, Arnaldo conversou com Abaré e Carolina, sobre o estado de abandono do casarão.
Relatou
que até o momento, nenhum herdeiro havia reivindicado a posse das terras.
Mencionou que todos os familiares foram enterrados no cemitério da cidade, e que poderiam
visitar o túmulo da família.
Carolina, com os olhos cheios d'água, informou que iria fazê-lo.
Em seguida, perguntou dos escravos e dos agregados.
Arnaldo respondeu que foram todos enterrados em valas comuns, sem identificação dos corpos.
Triste, Carolina insistiu em saber onde haviam sido enterrados.
O fazendeiro respondeu que estavam enterrados em um lugar afastado da vila, e que para chegar
ao local, precisariam ir a cavalo.
Carolina falou que iria visitá-los.
Arnaldo tentou argumentar dizendo que era inútil, já que não seria possível saber onde estavam
sepultados.
Mas Carolina estava determinada a visitar os túmulos, todos os que fossem necessários.
O tropeiro tentou convencê-la a rezar uma missa em memória de todos os mortos, mas Carolina
queria também, visitar os túmulos.
Arnaldo chegou a dizer que sua determinação, lembrava sua mãe.
Nisto, passou a orientar o casal sobre a necessidade de se manifestarem judicialmente, com
Carolina invocando a qualidade de herdeira das terras.
Mencionou que se nenhuma providência fosse tomada o Estado, se tornaria proprietário das terras.
A moça respondeu que não sabia o que fazer.
Abaré que até então ficara calado, respondeu que seria necessário constituir um advogado para
entrar com um processo.
Arnaldo disse que poderia auxiliá-los.
Com isto, indicou um advogado da capital da província.
E assim, as terras – herança jacente, tornou-se propriedade de Carolina.
Com efeito, o regresso da herdeira considerada morta, causou rumores no lugarejo.
O fato da moça ter constituído família ao lado de um indígena, causou comentários.
Críticas e reprovações, eram as atitudes mais comuns.
Mas a jovem persistiu, recuperou as terras ao lado de Abaré.
Tornou a propriedade novamente produtiva.
Recuperou o velho casarão.
Tiveram uma descendência.
Carolina visitou as sepulturas do cemitério na estrada, e tratou de identificar os túmulos com
placas.
Em todos eles depositava flores e fazia orações.
Luciana Celestino dos Santos
Épermitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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