Poesias

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 7 - VERSÃO OFICIAL

Quando o sol começou a se pôr, o índio mencionou que naquele momento, se ainda estavam sendo procurados, não havia meio de serem encontrados.
Argumentou que poderiam descansar, já que não seria possível seguir caminho.
Com isto, pediu a moça que procurasse gravetos e madeira por perto.
Recomendou-lhe que tivesse cuidado com as cobras e os animais peçonhentos.
Abaré disse-lhe que seguiria no sentido oposto e que faria o mesmo.
Por fim, ao ver a moça se afastando, o nativo recomendou-lhe que não fosse muito longe para que não se perdesse.
Argumentou que as matas eram traiçoeiras para quem não as conheciam.
Carolina concordou e se afastou.
Diligente, coletou toda a madeira que encontrou pelo caminho e levou para o índio.
Abaré também trouxe bastante madeira.
Foram várias idas e vindas buscando e trazendo material.
Por fim, o moço preparou uma fogueira.
Montou uma pequena estrutura, que cobriu de folhas, para que a moça pudesse abrigar-se do frio.
Ao ver a palhoça montada, disse que estava tudo bom, e ofereceu a moradia para a moça.
Carolina perguntou-lhe onde dormiria, e o índio respondeu-lhe que dormiria sob o chão, embaixo de um céu coberto de estrelas.
Nisto, o nativo pediu licença a moça.
Disse que iria buscar alimentos, já que ela devia estar com fome.
Mais tarde, o índio voltou com várias frutas, as quais ofereceu a moça.
Carolina alimentou-se e o índio, então, lhe disse:
- Desculpe pela refeição. Amanhã prometo caçar e oferecer-lhe algo com mais sustância.
A moça agradeceu.
Nisto, dizendo-se cansada, dirigiu-se a cabana onde procurou se acomodar da melhor forma possível e adormeceu.
Exausta só acordou com a luz do sol batendo em sua palhoça.
Com efeito, ao despertar, percebeu que o índio não estava por perto.
Fato este que a deixou preocupada.
Caminhando sem fazer barulho, ficou a observar o lugar.
Temia que os homens que invadiram suas terras, estivessem em seu encalço.
Assustada, ao ouvir passos, sentiu o coração disparar.
Aflita tentou encontrar um lugar para se esconder.
Quando Abaré apareceu repentinamente em sua frente, a moça espantou-se.
O nativo, percebendo isto, disse-lhe que não precisava ter medo, pois havia verificado o lugar e aparentemente ninguém os havia seguido.
Carolina perguntou baixinho, o que seria de sua vida.
O índio então, segurando uma de suas mãos, disse-lhe que iria cuidar dela.
Argumentou que assim como ele, ela também estava sozinha no mundo.
Carolina ao ouvir isto, comentou que não poderia ficar ao lado de alguém que havia invadido as terras de sua família, e trucidado seus parentes.
Abaré respondeu-lhe que não havia matado ninguém de sua família, e que sempre que matou alguém, o fez para se defender.
Argumentou que não concordava com os métodos dos brancos, mas que se encontrando ao lado deles, não poderia questioná-los.
Nisto, aproximando-se mais da moça, insistiu que ela não poderia ser deixada a própria sorte.
Argumentou que se descobrissem que ela não tinha família, poderiam fazer-lhe algum mal.
Carolina nervosa, não sabia o que fazer.
Ficar ao lado de um selvagem, ou arriscar-se sozinha num mundo no qual não estava preparada para viver?
Não sabia o que fazer.
Abaré percebendo isto, disse a moça que precisavam desmanchar a palhoça e sumir com todos os vestígios de que passaram por lá.
Curiosa, Carolina perguntou o por quê.
Abaré respondeu-lhe que para se precaver era melhor que não soubessem que estiveram por ali. Carolina concordou.
Desmontaram a palhoça e enterraram as cinzas da fogueira.
Nisto, caminharam por dias pela mata.
Abaré construía palhoças para abrigar a moça.
Passou a caçar e a pescar.
Quando Carolina escorregou nas pedras, após uma caminhada por um lugar íngreme, o índio tratou do ferimento.
Rasgou uma parte do vestido da moça para enfaixar o pé.
A moça tentou resistir dizendo que estava tudo bem.
Mas ao tentar prosseguir a caminhada Abaré percebeu que precisa intervir.
Nisto segurou a moça nos braços e acomodando-a no chão, limpou o ferimento e providenciou a atadura.
Para prosseguir a caminhada, a menina precisou se apoiar no nativo, e assim prosseguiram a jornada.
Quando Carolina deu sinais de que não conseguiria mais caminhar, o índio a levou nos braços.
Mais tarde pararam.
Abaré armou uma nova palhoça e buscou caça para que pudessem se alimentar.
Como a noite apresentasse um céu sem estrelas, o índio chegou a dizer que provavelmente choveria.
Carolina ao ouvir isto, resolveu se recolher.
Entrou na palhoça.
Ao ver o índio do lado de fora olhando para o céu e se aquecendo ao redor da fogueira, encheu-se de coragem e convidou-a para entrar na palhoça.
Abaré relutou, dizendo que estava bem.
Argumentou que poderia nem chover.
Porém, ao perceber os primeiros raios riscando os céus, capitulou.
Carolina olhava para a mata e observou os raios.
Abaré então se aproximou da palhoça e entrou.
Disse que não queria incomodar e por esta razão, dormiria perto da entrada.
Carolina argumentou que ele iria se molhar.
Abaré então disse que havia construído a entrada da palhoça do lado oposto ao que corriam os ventos, e por esta razão não entraria muita água de chuva.
Carolina deitou-se então, e o índio fez o mesmo.
Durante a noite, Abaré, abriu os olhos algumas vezes para observar se a moça estava bem, como sempre costumava fazer.
Carolina não percebeu o cuidado.
No dia seguinte, ao despertar, a moça percebeu os primeiros raios da manhã a iluminarem a figura do índio.
Era alto, de tez morena.
Diferente do que sempre imaginara.
Acreditava serem os índios selvagens, de diminuta estatura, bem diferente dos tipos portugueses com o qual estava acostumada.
Imaginava todos os indígenas bem diferentes de seu noivo.
Jovem, descendente de portugueses, filho de um fazendeiro, proprietário de terras como seu pai.
Carolina havia visto o rapaz apenas uma vez.
Mal tiveram tempo de conversar.
Era alto, claro de cabelos e olhos escuros, e aparentemente havia gostado dela.
Foram apresentados no almoço em que fora selado o noivado de ambos, por suas respectivas famílias.

Lembrou-se de em criança brincar pelos campos livres da fazenda.
Ver a carne dos animais abatidos expostas, a ser preparado o charque, o sangue, e o cheiro forte.
 Do qual não gostava.
Preferia o pomar, a plantação, brincar com os animais.
A vida era simples mas feliz.
Possuía uma alcova sem janelas, onde tinha sua cama, um baú onde depositava os seus pertences, a penteadeira com espelho e alguns poucos objetos de toucador.
Lugar onde gostava de se sentar, e admirar-se.
Penteava os cabelos sem pressa e ficar a se observar no espelho.
Por vezes, sua mãe chegou a ralhar com ela.
Dizia que era vaidosa demais e que havia muito trabalho a ser feito, para ficar com bobagens.
Jurema era uma mulher dura, como as filhas daqueles tempos hostis.
Não fora diferente das outras mães daquele tempo, e de muitas outras que se seguiriam.
Quando Carolina tornou-se uma bela e deslumbrante jovem, conversando com o marido, achou por bem que o mesmo tratasse com o amigo fazendeiro, do noivado firmado quando a moça ainda era um bebê.
Juvêncio concordou.
Argumentou que não era recomendável esperar muito tempo, ou a curiosidade poderia se sobrepor ao bom senso.
Organizaram então, um belo e regalado almoço, onde Carolina auxiliou, junto com duas escravas da casa, nos preparativos.
Quando a moça foi apresentada ao noivo, usava um bonito vestido claro.
Trazia nos cabelos um arranjo feito com flores.
Jurema não se cansava de dizer aos pais do noivo, que moça mais prendada não havia.
Carolina ficava constrangida com as palavras da mãe, as quais eram devidamente endossadas por seu pai, que dizia que a esposa não estava exagerando.
Arnaldo por sua vez, observava a noiva com admiração.
Quando foram apresentados, elogiou o bom gosto do nome Carolina.
A moça, timidamente agradeceu.
No almoço, comeram bom um churrasco gaúcho.
A certa altura do almoço houve cantoria, e os noivos dançaram juntos, sob as vistas dos pais. Carolina não sabia ler.
Como quase todas as moças daquele tempo.
Leitura e ilustração era privilégios para poucos, dizia sua mãe.
A mulher argumentava que o bom era a filha ser prendada e de fato o era.
Sabia tecer, cozinhar, costurar.
Perfeita para casar.
Ao recordar-se dos dias alegres na estância, da labuta diária, das danças e das festas.
Do vozerio alegre das pessoas reunidas em dias de festas.
De como se preparava comprando tecidos e preparando bonitas vestes para se apresentar a comunidade.
Os dias santos, em que vestia sua melhor roupa para ir a igreja onde via os estancieiros vizinhos, onde rezavam.
A moça entristeceu-se.
Recordou-se quando, vez por outra seu pai recebia visitas na estância e os homens liam alguns livros.
Nestas ocasiões Jurema levava a filha para a cozinha, para preparar alguma bebida, ou comida para servir aos homens.
Dizia que eram assuntos de homens, e que não ficava bem para uma mulher ouvi-los.
Mas como quase sempre era Carolina quem servia os convidados, invariavelmente ouvia trechos dos livros.
Os homens ilustrados diziam que uma pátria se fazia com homens e livros, e que não ficava bem ao Brasil ter tantos homens iletrados.
Juvêncio argumentava dizendo que não sabia ler, e que isto nunca lhe fez falta.
Dizia que sabia fazer contas, e que ninguém o roubava.
Salientou também que sabia assinar o próprio nome e isto bastava.
Com efeito, como ninguém queria brigar, os homens aceitavam os argumentos do estancieiro.
Mas acrescentavam que com o tempo, as coisas iriam se modificar, e o que naqueles tempos era considerado desnecessário, seria melhor recebido no futuro.
Tratavam-se de pessoas idealistas.
Eram encontros regados a muita bebida, vinhos, chimarrão, carne.
Carolina aproveitava para memorizar as palavras que ouvia, e que foram retiradas dos livros lidos.
Juvêncio ouvia as histórias e considerava tudo uma grande bobagem.
Jurema, ao ver a filha entretida com as leituras, ralhava com ela, mandando-a de volta a cozinha.
Nestes momentos a jovem desejava ter aprendido a ler, para poder adentrar aquelas histórias, conhecer aquelas pessoas.
Ficava a pensar no que o escritor registrara em palavras.
Acreditava quando os amigos do pai diziam que o conhecimento transformava o mundo.
Afinal, não fora com algum conhecimento que seus pais se instalaram ali?
Como faziam para sobreviver?
Como faziam o que faziam, se não fosse por que aprenderam isto de alguém?
O conhecimento não era sabedoria?
Certo dia, a moça ficou encostada na parede a ouvir as histórias.
Um dos amigos de seu pai ao vê-la, perguntou-lhe se não gostaria de ler alguma daquelas histórias.
Foi quando a moça respondeu-lhe que não sabia ler.
Roberto, lamentou o fato, mas disse entender que era uma prática corriqueira.
Como Carolina não soubesse o significado da palavra, o homem explicou-a.
Nisto, Roberto leu algumas poesias do poeta lusitano Luiz Vaz de Camões.
Quando porém a moça notou a aproximação de pessoas, pediu licença e se afastou.
Eram outros parceiros de leitura.
Jurema estava na cozinha e Juvêncio, separando os animais para venda.
Os tais homens letrados, eram filhos de estancieiros abastados da região.
Tratavam-se de jovens que foram estudar na Europa, principalmente em Portugal, e traziam as ideias revolucionárias daqueles tempos, para as terras brasileiras.
Carolina gostava daquelas reuniões.
Juvêncio por seu turno, em que pese se tratar de um homem rude, gostava da companhia dos jovens moços.
Dizia que precisava ser relacionar bem com os vizinhos.
Que uma mão lava a outra, e que nunca se sabe como será o dia de amanhã.
Jurema porém, ficava alerta, com tantas presenças masculinas.
Temia por sua filha.
Tanto que a todo o custo procurava escondê-la. Com o tempo, passou ela mesma a servir os convidados.
Mas de vez em quando, a moça ainda aparecia vez ou outra na sala.
Jurema por seu turno, não gostava do modo como os homens olhavam para sua filha.
Dizia que ela era moça de família e que não podiam se comportar daquele modo na frente da jovem.
Juvêncio ria das preocupações da esposa, dizendo que não havia razão para tanto alarme.
Eram jovens e bem educados.
Sabiam o seu lugar, e jamais desrespeitariam a filha de um amigo, e de um vizinho que já prestara tantos favores a seus pais.
Ademais, os jovens não iam sozinhos.
E assim, não haveria problema.
Carolina adorava observar os campos a se perderem de vista.
Gostava de ir ao riacho lavar as roupas.
Também era lá que costumava se banhar, nos dias de muito calor, para escândalo de sua mãe, que reprovava a conduta.
Dizia que moça direita como ela, não deveria se comportar deste modo.
Gostava de quando, encontrava uma bonita flor no campo, e colhendo-a colocava em seus cabelos.
Gostava da cantoria das escravas, da companhia dos pais, e das outras mulheres, casadas com os colonos, que auxiliavam nas atividades domésticas.
Sentia falta das amigas que tivera e que foram mortas de forma cruel, sem ao menos terem a chance de se defenderem.
Sentia falta dos pais, dos trabalhadores da fazenda, e até dos animais.
Lembrar-se de todas essas coisas a faziam chorar, e Carolina, na primeira vez em que se deu conta de que todo o mundo que haviam construído para ela havia desmoronado, se desesperou.
Desesperou-se e chorou copiosamente.
Abaré, que dormia ao ouvir o choro, despertou.
Ao ver a moça em prantos, ficou aflito.

Luciana Celestino dos Santos
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