Era uma tarde bonita, onde toda a família estava reunida em volta do antigo fogão a
lenha.
As crianças corriam em volta das árvores e os adultos aproveitavam o momento para
se recordarem de sua infância, de sua adolescência, e de outras histórias.
O espaço amplo, o quintal imenso, a cobertura, o amplo salão onde estava o fogão, o
forno a lenha, os utensílios de cozinha, como colheres de pau, tachos de cobre, tudo o
que guarnecera a antiga cozinha de Dona Carolina.
Matriarca da família e proprietária de uma imensa quantidade de terra a serem
perder de vistas por estas plagas.
As plantações, a criação.
Por anos a fio vivera sozinha, em meio a companhia dos criados e as poucas visitas da
família que restara.
Sem qualquer razão aparente se impusera a um exílio em terras pátrias.
A mulher que gostava de cuidar de sua cozinha, preparando belas refeições para o
parceiro, agora não tinha mais para quem cozinhar.
Também não tinha disposição para tanto.
Tampouco precisava.
Nos últimos tempos, gostava de se sentar em sua cadeira de balanço, e ficar no alpendre
do velho casarão, apreciando a bela paisagem a se perder de vista.
Campos verdes, plantações.
Nesta contemplação, permanecia por horas a fio.
Isolamento o qual somente sua filha, de mesmo nome, Carolina, entendia.
As duas pareciam partilhar um mistério.
Histórias as quais não dividiam com ninguém.
Nem mesmo com os entes mais chegados.
Tratavam-se de mulheres firmes, resolutas e reservadas.
Donas de histórias similares, criaram seus filhos sozinhos.
Nenhuma delas veio a se
casar.
Como nenhuma das mulheres da família, desde uma ancestral comum.
Venâncio e Vandré, só conheciam parte desta história.
Com efeito, a velha senhora tivera um filho.
Deste filho, Venâncio e Vandré pouco sabem.
Apenas que a criança fora apartada da mulher, não se sabendo o seu paradeiro.
Curiosos, quando em criança, tentaram por diversas vezes saber o que teria ocorrido
com este descendente da família, que tão poucos homens possuía.
Sempre que tentavam descobrir algo, eram interrompidos e informados que não
deveriam fazer perguntas inconvenientes a Dona Carolina.
E assim, só sabiam deste fato, em razão de uma suposta descendência deixada por este
filho.
Duas filhas, e três crianças.
As mesmas que corriam em volta do fogão a lenha e eram repreendidas com severidade
pela cozinheira, Djanira, que dizia a elas que era perigoso correr em volta do fogo, pois
quem brinca com ele, amanhece molhado.
As duas meninas louras, claras, de imensos e belos olhos verdes, observavam a
empregada corpulenta ,e se assustavam com suas palavras.
O menino, nascido em São Paulo, também de tez clara e cabelos alourados, menor que
as meninas, achava graça nas palavras da mulher e ficava a rir.
A criada fingiu ficar aborrecida com as crianças, mas ao ouvir o riso do menino,
abrandou o tom e mandou as crianças brincarem longo dali.
Mencionou que havia
muito espaço para que pudessem correr e brincar, sem necessidade de correr riscos.
Nisto indicou um lugar especialmente feito para elas.
Para as meninas, uma casinha de boneca, onde podiam entrar, e se sentirem donas da
casa.
Para o menino, uma pequena escada levava a uma espécie de casa na árvore.
Atenta, Lara, a mãe das meninas conduziu as crianças para lá e ficou observando-as
entretidas em suas brincadeiras.
Lara e Antonia, eram filhas de Tarcísio, mas pouco falavam do pai.
Talvez por recomendação do restante da família, talvez por respeito a Dona Carolina.
A verdade é que Vandré e Venâncio permaneceram sem resposta.
Sempre que faziam perguntas a este repeito a mãe, a mesma respondia que pouco sabia
deste irmão.
O pouco que sabiam da história, é que este suposto filho de Dona Carolina, morrera
cedo, tivera duas filhas, as quais tiveram filhos.
Aparentemente a história terminava
aí.
Curioso, Vandré se prontificou a verificar nos cartórios da região, a existência de
registros em nome de Tarcísio.
Acreditando que por ser um nome pouco comum, teria
mais facilidade, investiu-se nessa missão.
Os preparativos para a confraternização em família ocorriam em virtude do natalício
de Dona Carolina, que estava a fazer oitenta anos.
Vandré e Venâncio, ao serem intimados para o evento, questionaram o por quê de
tudo aquilo.
Afinal de contas, se a velha senhora permanecera tanto tempo reclusa, qual a
necessidade de reunir toda a família a esta altura?
Os dois irmãos possuíam vidas independentes.
Vandré seguia sua vida lecionando em uma universidade da capital.
Estava prestes a
terminar seu doutorado.
Venâncio mais velho, tinha a idade de 35 anos.
Era um pequeno empresário.
Cada qual possuía sua residência, e se falavam muito pouco.
A mãe deles havia voltado a viver com a mãe.
Porém, às vésperas da viagem, os irmãos resolveram se ligar.
Trocaram algumas palavras.
Venâncio intrigado com o convite, perguntou ao irmão se ele tinha ideia do que se
tratava.
Vandré respondeu-lhe que sabia tanto quanto ele.
Nisto comentaram sobre os mistérios que cercavam vida da avó.
Das curiosidades que
tinham a respeito da família.
Ambos achavam todos e tudo muito estranho.
Sempre
havia algo a ser escondido.
Não entendiam o por quê de tanto mistério.
Foi nesta oportunidade que veio a baila a possibilidade de investigar a origem de
Tarcísio.
Vandré sugeriu vasculhar os cartórios da região.
Venâncio topou.
Afinal se ficariam tanto tempo em outro estado.
Por que não aproveitar para desvendar
alguns mistérios?
Com isto, arrumaram as malas e seguiram viagem.
Embarcaram no mesmo voo.
Vandré estranhou a ausência de Ester, mas Venâncio explicou sua ausência.
Quando chegaram na fazenda, os rapazes foram levados a cada qual para um quarto.
Em seus quartos, os moços arrumaram suas malas.
Aproveitaram para descansar um pouco da viagem.
Dona Carolina encontrava-se acamada.
Razão pela qual não foi recebê-los.
Mais tarde, ao descerem para a sala, os moços foram recebidos pela mãe Carolina.
A mãe ao vê-los, cumprimentou-os.
Abraçou os filhos e disse-lhes que estava com
muitas saudades.
Em seguida, a mulher recomendou-lhes que não fizessem muitas perguntas e que a avó
não tinha conhecimento da festa que estavam organizando para ela.
Disse-lhes para
que deixassem suas curiosidades para mais tarde.
Em seguida, disse que a avó estava
dormindo, e que mais tarde poderiam vê-la.
Neste momento, Carolina – a filha, foi chamada por duas empregadas, para que as
orientasse na cozinha.
Vandré e Venâncio decidiram então dar uma volta pela fazenda, onde tão pouco
visitaram.
Cavalgaram as terras.
Venâncio mais animado, resolveu continuar a cavalgada.
Vandré depois de um longo passeio, resolveu voltar para casa.
Venâncio demonstrou interesse em visitar a vila.
O homem percorreu os caminhos.
Apreciou a vegetação natural da região.
Avistou
riachos, apreciou a beleza das árvores, o ornato das flores.
Ao chegar na vila, avistou uma venda.
Aproximando-se, apeou do cavalo.
Amarrou-o a uma árvore e adentrou o
estabelecimento.
Sedento, pediu uma garrafa de água.
Pagou e consumiu o produto ali mesmo.
Sentado, observava a paisagem, e os tipos humanos que circularam pelo lugar.
Viu muitos trabalhadores circulando pelo lugar.
Sapatos gastos, roupas puídas.
Dois deles adentraram o estabelecimento.
Compraram
arroz, feijão, óleo, macarrão e batata.
Pagaram e saíram do estabelecimento.
Depois de algum tempo, outros entraram no estabelecimento e compraram produtos
semelhantes.
Venâncio observou um calendário, e verificou que o movimento se devia
provavelmente ao fato de que se tratava de dia de pagamento.
Mais tarde, o moço levantou-se e saiu da venda.
Caminhou pelos arredores.
Avistou casas simples, onde os campônios moravam.
Provavelmente, saíam de suas
casas humildes para fazerem suas modestas compras na venda.
Venâncio incomodou-se com a pobreza do lugar.
Nisto pegou seu cavalo e voltou para a fazenda.
Duas moças que circularam pelo lugar, ao ver o moço, admiraram-se com sua figura.
Perguntavam-se de onde teria vindo, posto que não o conheciam.
Acaso seria filho de
algum fazendeiro da região?
Venâncio voltou então para a fazenda.
Vandré ao regressar, conversou com a mãe, que confidenciou-lhe que Carolina não
andava bem de saúde.
O moço compreendeu então o interesse em se comemorar o aniversário da matriarca.
Carolina ofereceu-lhe algo para comer.
Vandré aceitou.
Almoçou um prato composto de arroz, carne, legumes, e tomou um suco de laranja.
De fruta natural, colhida na propriedade, para orgulho de Carolina.
A mulher dizia que cuidava da mãe, mas que quando ela não exigia tantos cuidados,
aproveitava para trabalhar no campo.
Plantava, e pessoas contratadas faziam a colheita.
Animada, dizia que já haviam sido feitas algumas melhorias na fazenda.
Mais tarde Venâncio regressou do passeio.
Carolina ao vê-lo, perguntou-lhe se gostaria de almoçar.
O moço respondeu-lhe que sim.
Dizia estar faminto.
E comeu.
Vandré caminhando pela casa, deparou-se com um cômodo afastado.
Contudo, ao tentar abrir a porta, verifico que a mesma encontrava-se trancada.
Sua mãe ao vê-lo bisbilhotando, repreendeu-o.
Disse que poderia circular à vontade
pela casa, mas que não lhe fora dado o direito de ficar bisbilhotando as coisas.
Vandré desculpou-se e voltou ao quarto.
Ao mexer em sua mala, pegou um caderno e abriu.
Lá estavam anotadas todas as informações que tinha a respeito da família.
Anotado ali, estavam todos os endereços de cartórios da região.
Olhava aquelas anotações como se fossem uma bússola apontando-lhe o caminho.
Mais tarde ele e o irmão foram conversar com a avó, que já havia despertado.
Dona Carolina parecia bem.
Pediu para que os netos se aproximassem.
Conversou com eles, tocou-lhes os rostos.
Disse-lhes que eram seus herdeiros.
Carolina sua filha, disse a ela que o restante da família estaria chegando pelos próximos
dias.
De fato Vandré e Venâncio foram os primeiros a chegarem a fazenda.
Emocionada, a mulher dizia que não se pareciam muito com a mãe, sendo mais
assemelhados a seus pais.
Ao ouvirem isto, os dois ficaram a se olhar.
Isto porque pouco sabiam de seus pais.
Informação que a mãe sempre omitia.
Argumentava que se eles não foram homens para ficarem a seu lado e ajudá-la a criá-los,
não mereciam sequer serem lembrados.
Os rapazes lembravam-se de quantas brigas e discussões para que pudessem ao menos
saber os nomes de seus pais.
Mais Carolina se negava a informá-los.
Em seus registros de nascimento constava a informação de que eram filhos de pais
desconhecidos.
Ah! Quantos problemas esta informação lhes custou.
Quantas dificuldades, quanto
sofrimento, desdém.
Carolina acompanhou o sofrimento dos filhos, mas ainda assim, permanecia inflexível.
Ela mesma fora objeto de preconceito.
Para eles, foi este o fator preponderante que culminou com a mudança de sua mãe para
São Paulo.
Isto por que na grande metrópole do sudeste, uma mãe solteira ficaria incógnita.
Foi lá que Venâncio nasceu.
E naquelas plagas conheceu o pai de Vandré, vindo o caçula a nascer na mesma cidade.
De fato, em São Paulo, a mulher encontrou trabalho, voltou a estudar, formou-se e
passou a lecionar.
Trabalhou por trinta anos até se aposentar.
Foi então que optou em voltar a viver na fazenda ao lado da mãe.
Fazia dois anos que estava ao lado da mãe.
Neste ínterim Venâncio conheceu Ester e passaram a namorar.
Carolina – sua mãe, ainda não conhecia a moça.
Com efeito, assim que pode conversar melhor com o filho, perguntou da moça, sendo
então informada que a mesma encontrava-se adoentada.
Carolina, que não tinha meias palavras comentou contrariada:
- Doente? De novo? Esta moça não goza de boa saúde.
Venâncio, constrangido, comentou que de fato ela não estava muito bem.
Nisto, tratou
de dizer que os negócios estavam indo muito bem, e que provavelmente muito em
breve iria se casar.
Carolina ao ouvir isto, perguntou-lhe se ele estava realmente seguro do que estava
fazendo.
Venâncio titubeou, mas respondeu afirmativamente.
Argumentou que ele havia
tomado a iniciativa de pedir a moça em casamento.
Carolina por seu turno, não estava bem convencida disto.
Mas procurando evitar
discussões, desejou ao filho toda felicidade do mundo.
Chegou até a parabenizá-lo.
Nisto conforme os dias foram se seguindo, o restante da família foi chegando.
Lara e suas filhas.
Antonia e seu filho.
Também vieram agregados e amigos da velha senhora.
Vandré e Venâncio também auxiliaram nos preparativos.
Ajudaram a fincar um
mastro no descampado.
Afixaram bandeirolas no local da festa.
As crianças gostaram de conhecer os primos mais velhos, e que lhes dedicavam toda a
atenção.
Vandré e Venâncio brincava com as crianças, e as distraíam enquanto as mães
ajudavam nos preparativos.
Carolina ao ver os filhos brincando com as crianças, dizia-lhes que estavam prontos
para serem pais.
No dia seguinte, a festa começou cedo.
Logo cedo, uma bonita ceia foi preparada para os convidados, como um lauto café da
manhã.
Com frutas variadas, sucos, pães, geléias, doces, sobremesas, café, leite, açúcar.
As crianças sem terem algo melhor para fazer, corriam de um lado para o outro.
Dona Carolina sentou-se no lugar principal.
Sua cadeira tinha almofadas para que ficasse mais confortável.
Observava a todos sorridente.
Todos conversavam animadamente sobre tudo.
Falavam sobre a correria do dia a dia,
de suas lembranças.
Dos momentos felizes que viveram ali.
Quase todos comentavam sobre as poucas oportunidades que tiveram para conviver
com Dona Carolina.
Era uma senhora misteriosa, mas que quando se dispunha a receber a família, o fazia
de maneira exemplar.
Impecável.
Dona Carolina também tinha do que se recordar.
A certa altura, a matriarca da família, começou a se recordar também, de seus tempos
de mocidade, onde jovem e muito bonita, conheceu um rapaz, que mais tarde viria a
ser o pai de seu filho.
Recordou-se do fato de que não chegaram a se casar, e que por
razões as quais nunca contou aos familiares, foi levado para longe de si, e por esta
razão, acreditou que o mesmo havia morrido.
Sempre que lhe perguntavam detalhes da história, Carolina se fechava em copas.
Não
queria falar nada para ninguém.
Estava muito longe das terras de sua família.
Muito embora sua história esteja
entrelaçada as memórias de um Sul, que não conhecera pessoalmente.
Apenas das
histórias de seus ancestrais, que pisaram naquelas terras e construíram uma família no
lugar.
Mas a vida separa.
Leva as pessoas para rumos diversos.
Afasta.
E lá a velha Carolina, a se lembrar de suas antecessoras.
Nem todas com o mesmo
nome, mas todas com nomes fortes, marcantes.
Sentada em sua cadeira almofadada, a mulher pediu a criada que trouxesse uma caixa
grande com vários retratos da família.
Era um recipiente grande.
Com várias fotos antigas.
Fotos em preto e branco.
Fotos de seus pais, avós.
Baú com documentos, cartas.
Venâncio e Vandré, ao verem fotos suas, ainda crianças no baú, começaram a rir.
Olhavam para si e diziam o quanto haviam mudado.
Carolina então, comentou que eles eram filhos de sua filha Carolina.
A mulher disse-lhe que só estavam vivos, por que sua mãe decidiram viver longe dali.
Lugar de lembranças tristes e palco de uma maldição.
Curioso, Venâncio perguntou do que se tratava a tal maldição.
Carolina, percebendo a ironia, disse-lhe em tom sério, que não se brinca com este tipo
de assunto, e que não se pode ficar jogando praga nas pessoas.
Dizia que praga pegava.
Nisto, passou a dizer que a família fora amaldiçoada por uma velha, que falava que
nenhum varão nascido naquelas paragens, iria sobreviver.
Quanto as mulheres, esta seriam atingidas em sua honra, e no sentimento que lhe era
mais caro.
O afeto.
E assim nenhum das mulheres da família, teriam frutos advindos
do casamento.
Ou seja, seriam todas mães solteiras, e somente mães de filhas mulheres.
Venâncio e Vandré, se entreolharam.
De fato Carolina, não fora casada e nem mesmo
filhos do mesmo pai, os irmãos eram.
Contudo, o fato de estarem vivos e adultos, desacreditava a
história da maldição.
Carolina então comentou que eles não nasceram naquela região.
Que viveram toda a
sua vida longe dali, e que poucas vezes visitaram a propriedade da avó como naquela
ocasião.
Vandré comentou que não entendia, por que sempre eram dificultadas as visitas a avó.
Recordou-se de quando em criança, pedindo a mãe para que a levasse para conhecer a
avó.
Contudo, ainda assim, considerava tudo aquilo crendice e bobagem.
Carolina percebendo isto, comentou que não esperava compreensão por parte deles,
mas disse-lhes que gostaria de mostrar fotos da família.
A mulher então, mostrou fotos de sua juventude, do pai de Carolina, de uma festa em que
ambos dançaram juntos.
Comentou que após a foto, só viu Adroaldo, duas outras vezes.
A velha senhora também mostrou fotos de seus pais, sua mãe e seu pai.
Comentou que
o fato de não serem casados escandalizou a todos, mas que o modo digno de viver de
Rosália a fez ser aceita por todos e a continuar a viver naquela sociedade.
Rosália ficou impedida de casar-se com o pai de sua filha, por que o homem falecera
antes mesmo de tomar conhecimento de que se tornaria pai.
Foi atropelado ao atravessar a estrada.
Tal fato, deixou Rosália desesperada.
Visando protegê-la, e ajustada com um funcionário do cartório, a criança foi registrada como se
fosse filha legítima.
Era década de trinta.
Tempos de carestia e de racionamento, por conta da Segunda
Grande Guerra.
Mostrou ainda, fotos de Rosália ainda criança, também fruto de uma relação
considerada espúria.
Nascera no começo dos anos dez.
Sua mãe também se chamava Carolina.
Nascida na última década do século dezenove.
Antes dela veio Adélia, nascida na década de setenta do século dezenove.
Sua mãe
chamava-se Thereza, filha de Carolina.
A primeira, a que dera origem a todas as outras
diziam a velha senhora, Dona Carolina.
De todas havia ao menos uma foto ou pintura.
Era a primeira vez que a mulher se interessava em mostrar a todos o álbum com fotos.
Também era a primeira oportunidade em que animava a contar algo mais sobre a
história da família.
Vandré e Venâncio também se recordavam de sua história.
Vandré era um jovem bonito, mais novo que o irmão, e bastante apegado a família.
Sempre que podia, participava das reuniões em família.
Gostava de ouvir as histórias
de seus ancestrais.
E munido de informações, anotava os relatos dos parentes.
Possuía até uma espécie de
diário.
Venâncio, ao saber disso, brincava com o irmão dizendo que ele seria escritor.
Era o mais velho dos irmãos.
Estava noivo de Ester, uma moça muito bonita.
Mas a jovem, nem um pouco interessada nos assuntos da família do noivo, e assim, argumentou
que não estava muito bem de saúde e que não poderia ir.
Venâncio ficou bastante desapontado, mas não insistiu.
Somente argumentou que não
era a primeira vez que a moça ficava indisposta às vésperas de uma viagem para
conhecer sua família.
Mas para evitar brigas, respondeu-lhe que iria sozinho e depois contaria como foi a
viagem.
Conheceram-se em uma festa.
A moça muito bonita, e bem vestida, chamou a atenção de todos.
Inclusive de Venâncio, que a convidou para dançar.
Ester, receptiva, dançou com o moço.
Conversaram, e em pouco tempo, começaram a
namorar.
Atencioso, o moço levava a jovem para almoçar em restaurantes sofisticados.
Levava Ester a festas badaladas e presenteava a moça com roupas de grife.
A moça, mal acostumada, levava o rapaz para passear em frente a lojas caras, joalherias.
Contudo, até o momento não havia presenteado a namorada com uma jóia.
Em que
pese as sugestões da moça.
Ester estava impaciente com isto.
Venâncio por seu turno, apaixonado que estava, não conseguia enxergar isto.
Com efeito, ninguém também tinha coragem de dizer que algo estava errado.
Neste sentido, a única pessoa que o alertava com relação a moça, era sua colega de
trabalho Tânia.
Tânia, era uma mulher de mais quarenta anos.
Divorciada.
Vivia aconselhando o moço.
Venâncio certa vez, ouviu insinuações de que a mulher estava interessada nele.
O rapaz porém, dizia que isto era maledicência.
Curiosamente, agora, longe dali, ao deduzir que esta era uma forma de proteção e que
era intencional, lhe causava estranheza.
Pensou que embora gostasse de Ester, a ponto de marcar um almoço de noivado com
a família da moça, sem ao menos, comunicar o fato à sua família, estava inseguro.
Vandré, ao tomar conhecimento do noivado às pressas, perguntou ao irmão o que teria
acontecido para que tomasse esta decisão de forma tão intempestiva.
Venâncio não sabia o que dizer.
Argumentava que agira por impulso.
Dizia estar
apaixonado pela moça.
Vandré então desejou-lhe felicidades.
Brincando, chegou a dizer que um dos solteirões
finalmente iria se casar.
Chegaram a ir até a venda próxima dali, para comemorar o noivado.
Vandré pediu uma garrafa de cerveja.
Brincando, depois da segunda garrafa, Venâncio respondeu que precisavam maneirar,
pois iriam dirigir.
Vandré argumentou que não estava dirigindo, e que iria guiá-los seriam os cavalos.
Rindo, Venâncio concordou.
Voltaram tarde.
Sua mãe Carolina, notou quando ambos chegaram, tropeçando nas escadas.
Não gostou nada do que viu.
Na festividade de aniversário da matriarca, foi preparado um novilho, a ser assado no
rolete.
As crianças gostavam de ver o preparo do prato.
E nisto a cozinheira, ao ver as crianças em volta da fogueira, repetiu o fraseado de que
quem brinca com fogo, acaba molhado.
Argumentou que aquilo não era brincadeira de
criança, e pediu para se afastassem.
Lara chamou todas as crianças para junto de si.
Ralhando com elas, disse que não
deveriam atrapalhar o trabalho das pessoas.
Com isto, chamou todas elas para um passeio pelo jardim.
Carolina nascera naquelas terras.
Filha de Rosália, a qual herdara a imensa propriedade de sua mãe, também Carolina.
Propriedade a qual estava com a família há várias gerações.
Nos últimos tempos, gostava de se lembrar da mãe, ensinando-lhe as prendas
domésticas.
Dona Carolina, a matriarca, era uma doceira de mão cheia, segundo sua filha Carolina.
Algumas vezes Vandré e Venâncio puderam se deliciar com algumas iguarias
preparadas pela mulher, quando em visitas raras a fazenda, ou então quando a mulher
encaminhava compotas para os netos via correio.
Quando as delícias chegavam em sua casa, era sempre motivo de muita festa.
Passavam dias comendo os doces.
Voltavam da escola, trocavam o uniforme, faziam a lição de casa, brincavam na rua, e
mais tarde após o banho e o jantar, comiam uma porção das sobremesas.
As delícias
duravam meses.
Carolina nunca permitiu que os filhos comessem mais do que necessário para saciar a
fome.
Não gostava de crianças gulosas.
Era o que costumava dizer.
Carolina, a matriarca, também gostava de deixar a casa arrumada e enfeitada.
Gostava de artesanato.
Na velha sede centenária, haviam várias colchas nos quartos, feitas de fuxico, além de almofadas feitas do mesmo material.
Algumas criadas que passaram pela propriedade, também deixaram suas prendas.
Dona Carolina gostava das criadas prendadas e prestativas.
Fora criada com todo o rigor por Rosália, a qual temia que a filha tivesse a sorte de
todas as suas antecessoras.
Acreditou que pelo fato da jovem ter sido registrada como filha legítima, sua sorte seria
diferente de todas as outras que a antecederam.
O tempo mostrou-lhe que estava errada.
Carolina também envolveu-se com um homem, com o qual não pode casar-se.
Como todas as outras mulheres, dona de uma história triste, a qual integra o triste
quadro de desventuras da família.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VERSÃO ALTERNATIVA
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