Era uma tarde bonita, onde toda a família estava reunida em volta do antigo fogão a lenha.
As crianças corriam em volta das árvores e os adultos aproveitavam o momento para se recordarem
de sua infância, de sua adolescência, e de outras histórias.
O espaço amplo, o quintal imenso, a cobertura, o amplo salão onde estava o fogão, o forno a lenha,
os utensílios de cozinha, como colheres de pau, tachos de cobre, tudo o que guarnecera a antiga
cozinha de Dona Carolina.
Matriarca da família e proprietária de uma imensa quantidade de terra a serem perderem de vistas
por estas plagas.
As plantações, a criação de galinhas, e de gado.
Por anos a fio vivera sozinha, em meio a companhia dos criados e as poucas visitas da família que
restara.
Sem qualquer razão aparente se impusera um exílio em terras pátrias.
A mulher que gostava de cuidar de sua cozinha, preparando belas refeições para o parceiro, agora
não tinha mais para quem cozinhar.
Também não tinha disposição para tanto.
Tampouco precisava.
Nos últimos tempos, gostava de se sentar em sua cadeira de balanço, e ficar no alpendre do velho
casarão, apreciando a bela paisagem a se perder de vista.
Campos verdes, plantações.
As pessoas a trabalharem, as aves a cantarem.
A tarde a cair calma e
sossegada.
Nesta contemplação, permanecia por horas a fio.
Isolamento o qual somente sua filha, de mesmo nome, Carolina, entendia.
As duas pareciam partilhar um mistério.
Histórias as quais não dividiam com ninguém.
Nem mesmo com os entes mais chegados.
Tratavam-se de mulheres firmes, resolutas e reservadas.
Donas de histórias similares, criaram seus filhos sozinhos.
Nenhuma delas veio a se casar.
Como nenhuma das mulheres da família, desde uma ancestral comum.
Venâncio e Vandré, só conheciam parte desta história.
Com efeito, a velha senhora tivera um filho.
Deste filho, Venâncio e Vandré pouco sabem.
Apenas que a criança fora apartada da mulher, não se sabendo o paradeiro dela.
Curiosos, quando em criança, tentaram por diversas vezes saber o que teria ocorrido com este
descendente da família, que tão poucos homens possuía.
Sempre que tentavam descobrir algo, Vandré e Venâncio, eram interrompidos e informados que
não deveriam fazer perguntas inconvenientes a Dona Carolina.
E assim, só sabiam deste fato, em razão de uma suposta descendência deixada por este filho.
Duas
filhas, e três crianças.
As mesmas que corriam em volta do fogão a lenha e eram repreendidas com severidade pela
cozinheira, Djanira, que dizia a elas que era perigoso correr em volta do fogo, pois quem brinca
com ele, amanhece molhado.
As duas meninas louras, claras, de imensos e belos olhos verdes, observavam a empregada
corpulenta e se assustavam com suas palavras.
O menino, André, nascido em São Paulo, também de tez clara e cabelos alourados, menor que as
meninas, achava graça nas palavras da mulher e ficava a rir.
A criada fingiu ficar aborrecida com as crianças, mas ao ouvir o riso do menino, abrandou o tom
e mandou as crianças brincarem longe dali.
Mencionou que havia muito espaço para que
pudessem correr e brincar, sem necessidade de correr riscos.
Nisto indicou um lugar especialmente feito para elas.
Para as meninas, Helena e Tereza, uma casinha de boneca, onde podiam entrar, e se sentirem
donas da casa.
Para o menino, uma pequena escada levava a uma espécie de casa na árvore.
Atenta, Lara, a mãe das meninas, conduziu as crianças para lá e ficou observando-as entretidas em
suas brincadeiras.
Lara e Antonia, eram filhas de Tarcísio, mas pouco falavam do pai.
Talvez por recomendação do restante da família, talvez por respeito a Dona Carolina.
A verdade é que Vandré e Venâncio, sempre curiosos por saber mais detalhes da família,
permaneciam sem resposta.
Sempre que faziam perguntas a este repeito a mãe, a mesma respondia que pouco sabia deste
irmão.
O pouco que eles sabiam da história, é que este suposto filho de Dona Carolina, morrera cedo,
tivera duas filhas, as quais tiveram filhos.
Aparentemente a história terminava aí.
Curioso, Vandré se prontificou a verificar nos cartórios da região, a existência de registros em
nome de Tarcísio.
Acreditando que por ser um nome pouco comum, teria mais facilidade em
descobrir algo a respeito de sua origem, investiu-se nessa missão.
Enquanto isto, os preparativos para a confraternização em família, seguiam a toque de caixa.
Eram comes e bebes, a decoração de flores por todos os cantos da casa e arredores.
As músicas escolhidas para serem tocadas no dia da festividade, as lembrancinhas.
Tudo em virtude do natalício de Dona Carolina, que estava a fazer oitenta anos.
Vandré e Venâncio, ao serem intimados para o evento, questionaram o por quê de tudo aquilo.
Afinal de contas, se a velha senhora permanecera tanto tempo reclusa, qual a necessidade de
reunir toda a família a esta altura?
Os dois irmãos possuíam vidas independentes.
Vandré seguia sua vida lecionando em uma universidade da capital.
Estava prestes a terminar seu
doutorado.
Venâncio mais velho, tinha a idade de 35 anos.
Era um profissional liberal.
Formado em direito, estava ganhando dinheiro e notoriedade em seu trabalho como advogado.
Cada qual possuía sua residência, e se falavam muito pouco.
A mãe deles havia voltado a viver com a mãe, Dona Carolina.
Porém, às vésperas da viagem, os irmãos resolveram se ligar.
Trocaram algumas palavras.
Venâncio intrigado com o convite, perguntou ao irmão se ele tinha ideia do que se tratava.
Vandré respondeu-lhe que sabia tanto quanto ele.
Nisto comentaram sobre os mistérios que cercavam vida da avó.
Das curiosidades que tinham a
respeito da família.
Ambos achavam todos e tudo muito estranho.
Sempre havia algo a ser escondido.
Não entendiam o por quê de tanto mistério.
Foi nesta oportunidade que veio a baila a possibilidade de investigar a origem de Tarcísio.
Vandré
sugeriu vasculhar os cartórios da região.
Venâncio topou.
Afinal se ficariam tanto tempo em outro estado, por que não aproveitar a ocasião para desvendar
alguns mistérios?
Com isto, arrumaram as malas e seguiram viagem.
Embarcaram no mesmo voo.
Vandré estranhou a ausência de Ester, mas Venâncio explicou sua ausência.
Disse que a moça estava adoentada, e que não poderia viajar.
Ao chegarem no aeroporto, foram recepcionados pelo administrador da fazenda, que os conduziu
de carro até a cidade, e depois a propriedade.
Nisto, quando chegaram na sede da fazenda, os rapazes foram levados cada qual para um quarto.
Em seus quartos, os moços arrumaram suas malas.
Aproveitaram para descansar um pouco da viagem.
Dona Carolina encontrava-se acamada.
Razão pela qual não foi recebê-los.
Mais tarde, ao descerem para a sala, os moços foram recebidos pela mãe Carolina.
A mãe ao vê-los, cumprimentou-os.
Abraçou os filhos e disse-lhes que estava com muitas saudades.
Em seguida, a mulher recomendou-lhes que não fizessem muitas perguntas e informou, que a avó não tinha
conhecimento da festa que estavam organizando para ela.
Disse-lhes para que deixassem suas
curiosidades para mais tarde.
Em seguida, disse que avó estava dormindo, e que mais tarde poderiam vê-la.
Neste momento, Carolina – a filha, foi chamada por duas empregadas, para que as orientassem na
cozinha.
Vandré e Venâncio decidiram então dar uma volta pela fazenda, a qual tão pouco visitaram.
Cavalgaram nas terras.
Venâncio mais animado, resolveu continuar a cavalgada.
Vandré depois de um longo passeio, resolveu voltar para casa.
Venâncio demonstrou interesse em visitar a vila.
O homem percorreu os caminhos.
Apreciou a vegetação natural da região.
Avistou riachos,
apreciou a beleza das árvores, o ornato das flores.
Ao chegar na vila, avistou uma venda.
Aproximando-se, apeou do cavalo.
Amarrou-o a uma árvore e adentrou o estabelecimento.
Sedento, pediu uma garrafa de água.
Pagou e consumiu o produto ali mesmo.
Sentado, observava a paisagem, e os tipos humanos que circularam pelo lugar.
Viu muitos trabalhadores circulando pelo lugar.
Sapatos gastos, roupas puídas.
Dois deles adentraram o estabelecimento.
Compraram arroz, feijão,
óleo, macarrão e batata.
Pagaram e saíram do estabelecimento.
Depois de algum tempo, outros entraram no estabelecimento e compraram produtos semelhantes.
Venâncio observou um calendário, e verificou que o movimento se devia, provavelmente ao fato
de que se tratava de dia de pagamento.
Mais tarde, o moço levantou-se e saiu da venda.
Caminhou pelos arredores.
Avistou casas simples, onde os campônios moravam.
Deduziu que provavelmente, saíam de suas casas humildes, para fazerem suas modestas compras
na venda.
Venâncio incomodou-se com a pobreza do lugar.
Nisto pegou seu cavalo e voltou para a fazenda.
Duas moças que circularam pelo lugar ao verem o rapaz, admiraram-se com sua figura.
Perguntavam-se de onde teria vindo, posto que não o conheciam.
Acaso seria filho de algum fazendeiro da região?
Venâncio voltou então para a fazenda.
Vandré ao regressar, conversou com a mãe, que confidenciou-lhe que Carolina não andava bem
de saúde.
O moço compreendeu então o interesse em se comemorar o aniversário da matriarca.
Carolina ofereceu-lhe algo para comer.
Vandré aceitou.
Almoçou um prato composto de arroz, carne, legumes, e tomou um suco de laranja.
De fruta natural, colhida na propriedade, para orgulho de Carolina.
A mulher dizia que cuidava da mãe, mas que quando ela não exigia tantos cuidados, aproveitava
para trabalhar no campo.
Plantava e pessoas contratadas faziam a colheita.
Animada, dizia que já
haviam sido feitas algumas melhorias na fazenda.
Para tanto, usava maquinários específicos.
Nem precisava mais por as mãos na terra para plantar.
Junto com ela, outras pessoas auxiliavam no trabalho.
E o serviço rendia.
Mais tarde Venâncio regressou do passeio.
Carolina ao vê-lo, perguntou-lhe se gostaria de almoçar.
O moço respondeu-lhe que sim. Dizia estar faminto.
E comeu.
Vandré caminhando pela casa, deparou-se com um cômodo afastado.
Contudo, ao tentar abrir a porta, verificou que a mesma encontrava-se trancada.
Sua mãe ao vê-lo bisbilhotando, repreendeu-o.
Disse que poderia circular à vontade pela casa, mas que não lhe fora dado o direito de ficar
bisbilhotando as coisas.
Vandré desculpou-se, e voltou ao quarto.
Ao mexer em sua mala, pegou um caderno e abriu.
Lá estavam anotadas todas as informações que tinha a respeito da família.
Anotado ali, estavam todos os endereços de cartórios da região.
Olhava aquelas anotações como se fossem uma bússola apontando-lhe o caminho.
Mais tarde ele e o irmão foram conversar com a avó, que já havia despertado.
Dona Carolina parecia bem.
Pediu para que os netos se aproximassem.
Luciana Celestino dos Santos
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