Poesias

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 15 - VERSÃO OFICIAL

Quanto a descendência deixada por Abaeté, o primeiro filho casal nasceu morto, para desespero de Helena, que chorava desconsolada.
Aflita, segurava o filho nos braços, tentando revivê-lo.
Em vão.
Coube a Thereza a dura tarefa de convencer a mulher, que seu filho estava morto, e que precisava ser enterrado.
Abaeté chorou escondido.
Temia que de fato a maldição, se abatera sobre a família.
Aflito, chegou a procurar um pajé.
Disse que tentaria por todos os modos, desfazer a maldição.
E passou a vida inteira tentando.
Quando Helena engravidou pela segunda vez, o moço ficou preocupado.
Feliz, mas temeroso do que poderia ocorrer no parto.
Por conta disto pedia a todos que rezassem por Helena.
Abaeté também rezava escondido.
Somente quando a mulher deu luz a uma filha, que nasceu forte e saudável, o moço deixou um pouco de lado suas preocupações.
A criança se chamaria Carolina, em homenagem a sua mãe.
Dois anos depois tiveram outra filha de nome Eurídice.
A este tempo Thereza, vivia sozinha em casa próxima a sede da fazenda.
Nestes tempos, um tropeiro se arranchara pelo lugar.
Chamava-se Tarcísio, e auxiliava nas lidas da fazenda.
Ajudou a reformar o celeiro, entre outras instalações da propriedade.
Gostava de cantigas e de contar as histórias de suas viagens pelo mundo.
Era valente, e trazia uma espingarda consigo.
Certo dia, ao ver Thereza sair para cavalgar, resolveu ir ao seu encontro.
A moça cavalgou em direção a um rio, e lá apeou do cavalo, deixando-lhe beber um pouco de água.
Acariciou o animal rindo e perguntando-lhe se estava com sede.
Nisto o tropeiro chegou, observou a moça de longe.
Depois de algum tempo, a moça percebeu a presença do peão.
Por um momento assustou-se.
O homem ao notar o susto da moça, pediu-lhe desculpas.
Disse que não tivera a intenção de assustá-la.
Argumentou, que estava apenas se certificando de que estava tudo bem.
Thereza então, recuperando-se do susto, comentou que estava tudo bem, e que não havia com o que se preocupar.
Nisto, montou em seu cavalo e partiu.
Mas tarde, o moço bateu na porta da moça.
Thereza admirou-se com o gesto.
Tarcísio então procurou se desculpar, dizendo que seus modos era horríveis e que não tivera a intenção de assustá-la.
A moça argumentou que estava tudo bem, e que já havia se esquecido do ocorrido.
Nisto, o homem insistiu para que lhe dissesse que estava perdoado.
Thereza então disse que sim.
Estava desculpado.
Contudo, pediu para que não mais a seguisse.
Abaeté por seu turno, se preocupava com seu futuro, e dizia em várias das conversas que tiveram, que ela precisava casar-se.
A moça retrucava dizendo que no momento certo, apareceria alguém.
O rapaz porém, dizia que aquilo não estava certo, e com isto informou-a que iria procurar algum pretendente para ela.
Ao ouvir isto, Thereza protestou.
Em vão.
Sabia que Abaeté não desistira facilmente de seu intento.
E nisto, o jovem soube, em conversas com o sogro, que vários moços a viram na festa de casamento da família, com seu vestido de rendas e cabelos presos em uma diadema de esmeraldas.
Otacílio lhe disse que todos ficaram encantados com a moça.
De fato, Abaeté recordou-se que Thereza foi convidada para dançar com vários deles.
Com a morte dos pais, o rapaz se sentiu na incumbência de cuidar da irmã.
Helena via com bons olhos o cuidado de Abaeté, com a irmã Thereza.
Thereza contudo, por vezes reclamava dos cuidados.
Nisto a moça foi convidada para diversos almoços na sede da fazenda.
Neles sempre havia algum parente de Helena.
Invariavelmente nestas ocasiões Helena e Abaeté mencionavam as qualidades do convidado e, também, exaltavam as habilidades domésticas de Thereza.
Mas a moça não se impressionava com os convidados.
A certa altura, passou a inventar desculpas para não participar dos almoços.
Abaeté, aborrecido com o jeito desinteressado da irmã, alertou-a para que escolhesse logo um pretendente, ou então, ele o faria.
Nisto, a moça passou a se entreter em conversas com o primo intelectual de Helena.
O moço havia demonstrado interesse na jovem, mas tímido, não ousou se apresentar.
Tarcísio, ao tomar conhecimento dos encontros da moça com o rapaz, ficou deveras incomodado com a história.
Braço direito de Abaeté, o moço passou a auxiliar o rapaz na administração da fazenda.
Com o tempo, acabou se estabelecendo no lugar.
Alegando estar cansado daquela vida sem pouso certo, o moço acabou por encontrar acolhida na fazenda.
Abaeté sempre precisava de braços para o trabalho, e a ajuda de Tarcísio era mais que bem vinda.
Com o tempo, Abaeté construiu uma casa para o homem.
Os índios construíram uma pequena e confortável casa para o rapaz.
Certa vez, vendo a moça lendo um livro, o jovem resolveu se aproximar.
Curioso, perguntou-lhe o que estava lendo, e Thereza respondeu que tratavam-se de poemas brasileiros.
Animado, o moço começou a declamar um poema de Camões.
A mulher, ao ouvir as palavras de Tarcísio, perguntou se ele conhecia poesias.
Tarcísio respondeu-lhe que sim.
Argumentou que havia muitas coisas que as pessoas não sabiam a seu respeito.
Thereza então perguntou-lhe o que mais sabia de poesia.
O moço então, comentou que gostava de muito de algumas poesias de Castro Alves.
Dizia que o fervor de sua poética o encantava.
Thereza achou graça nas palavras do moço.
Afinal nas lidas diárias, nunca notou refinamento no modo de se expressar do rapaz.

Pelo contrário.
Inicialmente o considerou rude.
Como boa parte dos trabalhadores da fazenda.
O moço, ao ser apresentado a moça, encantou-se com o seu jeito simples, sua beleza delicada e seu ar reservado.
Thereza por sua vez, cumprimentou-o com um leve movimento, vindo logo em seguida, a retirar-se do ambiente.
Por diversas vezes o homem a viu passar roupas em sua casa.
Tecendo cestas, bordando e lendo.
Abaeté dizia a Tarcísio para que não se enganasse com a irmã.
Embora por vezes se parecesse uma camponesa, tratava-se de uma dama.
O homem distraído, chegou a comentar que era uma bela dama.
Abaeté ao ouvir isto, recomendou-lhe que mantivesse distância da moça.
Argumentou que Thereza era solteira, mas que dentro em breve iria se casar, e não ficaria bem ser vista ao lado de um homem com o qual não era comprometida.
Tarcísio desculpou-se.
Disse que não fora sua intenção desrespeitar Thereza.
Argumentou que tinha um profundo respeito pela moça.
Recordava destes momentos, mas também estava alegre.

Tarcísio estava feliz por finalmente haver prendido a atenção da moça.
Nisto, percebendo que precisava manter a conversa, pediu licença para ver o livro que estava lendo.
Thereza então entregou-lhe o livro, que Tarcísio tratou logo de segurar.
Aproveitando a oportunidade, o moço segurou de leve a mão da moça.
Com isto, pegou o livro e passou a folheá-lo.
Olhando as páginas, escolheu aleatoriamente uma poesia de Casimiro de Abreu, na qual dizia que simpatia era quase amor.
Ao término da leitura, a moça elogiou-o.
Disse-lhe que declamava bem.
Demonstrava com exatidão, a emoção do poema.
Tarcísio agradeceu, fazendo gestos de mesura.
Thereza achou graça.
Nisto, Tarcísio se afastou.
Prometeu que no dia seguinte mostraria seus livros de poemas para a moça.
Com efeito, conforme prometido, Tarcísio apresentou uma série de livros.
Em alguns deles, várias poesias de Camões.
Conhecia alguns poemas de cor.
Tarcísio, declamou-os.
Thereza elogiava os poemas.
Encantou-se com os livros do rapaz.
Quando viu uma das obras do moço, comentou que tentou muito comprar o livro, mas não conseguiu encontrá-lo.
Nisto, Tarcísio entregou-lhe o livro.
Disse-lhe que poderia ler e depois devolvê-lo.
A jovem tentou recusar a oferta, mas Tarcísio insistiu.
Disse que ficaria ofendido se ela recusasse o empréstimo.
Sem jeito, a moça concordou.
Thereza interessada no texto, leu a obra em poucos dias.
E assim, no final da tarde, como sempre fazia, o moço apareceu na frente de sua casa.
Perguntou-lhe como ia.
Thereza respondeu-lhe que estava bem.
Nisto, pediu licença ao moço dizendo que iria buscar algo.
A seguir, voltou com o livro do moço.
Disse que havia lido e gostado muito.
Razão pela qual o estava devolvendo.
Tarcísio, então, perguntou se a moça havia gostado de verdade da obra.
- Muito! - respondeu a moça.
Percebendo isto, o rapaz disse que se havia gostado tanto assim de ler o texto, deveria ficar com o livro.
Thereza retrucou, dizendo que não poderia aceitar um presente seu.
Mencionou que não ficaria bem.
Tarcísio então, utilizou-se do recurso de que ela não precisaria dizer a ninguém que o livro não era seu.
Argumentou que ficaria sendo um segredo de ambos.
Thereza tentou retrucar, mas o moço respondeu que ficaria ofendido se ela recusasse o presente.
Sem alternativa, a moça ficou com o livro.
Nisto, os dois começaram a se cumprimentar sempre que se viam, e ao final das tardes sempre trocavam algumas palavras.
Quando Abaeté soube disso, chamou a irmã para uma conversa.
Repreendeu-a.
Argumentou que não ficava bem para alguém que estava quase noiva, ficar de conversa com um perfeito estranho.
Thereza argumentou que Tarcísio não era um estranho e sim seu braço direito.
Abaeté então respondeu-lhe que o moço era sim, seu braço direito na fazenda, mas que isso não se estendia a irmã, que devia ser respeitada.
Thereza ao ouvir isto, disse que em nenhum momento fora desrespeitada pelo moço.
Pelo contrário, mencionou que não havia nenhum problema em se cumprimentar um conhecido, tendo em vista que sempre cumprimentou os agregados da fazenda.
Abaeté retrucou dizendo que aquela situação era diferente.
Mencionou que eles foram vistos sozinhos.
Acrescentou que ela estava praticamente noiva de Angelo, primo de Helena, e que o rapaz poderia não ver aquela amizade, com bons olhos.
Thereza ao ouvir isto, disse que não estava comprometida com ninguém.
Disse que não prometera nada a Angelo.
Abaeté, ao ouvir as palavras da irmã, ficou muito nervoso.
Não fosse a intervenção de Helena, e o moço teria esbofeteado a irmã.
Perplexa a moça relembrou ao marido, que ele havia prometido aos pais, cuidar da irmã.
Neste momento, o moço parou.
Ficou com o braço erguido, suspenso no ar.
Thereza, encolheu-se procurando se proteger da possível, agressão.
Por fim, o moço pediu a irmã para ir embora, acrescentando que mais tarde conversariam sobre o futuro noivado.
Thereza, ao ouvir as palavras do irmão, ficou profundamente contrariada.
Mas atendeu ao pedido do irmão, retirando-se da sala.
Nisto, voltou para casa.
Abaeté então, descendo o braço, observou a esposa, que o olhava assustada.
Comentou que ela não deveria interferir na conversa.
Helena então, percebendo que o marido estava mais calmo, pediu-lhe desculpas.
Argumentou que tinha conhecimento de seu erro, mas que não o estava reconhecendo.
Abaeté então, percebendo que havia se excedido, pediu desculpas a esposa.
Prometeu-lhe que nunca mais levantaria o braço para a irmã.
Disse que iria cuidar dela, mesmo que ela não aceitasse seus cuidados.
Com isto, dias mais tarde, Abaeté, tornou a conversar com Thereza.
Disse-lhe que Angelo estava interessado em formalizar o enlace, que havia conversado com ele e demonstrado interesse em desposá-la.
Tentando convencer a irmã de que se tratava de um ótimo casamento, comentou que iria fazer benfeitorias em sua morada, ampliá-la, para que pudesse viver com conforto no imóvel.
Rindo, comentou que já estava na hora de ter sobrinhos.
Thereza, ao ouvir as palavras do irmão, disse que não interessada em Angelo.
Argumentou que não gostava dele o suficiente para se casar.
Mencionou que tinha apenas carinho por ele.
Abaeté enervou-se.
Ficou tão nervoso, que Thereza pensou que ele iria bater-lhe.
Mas o índio, lembrando-se da promessa que fizera a esposa, procurou se acalmar.
Percebendo o ar assustado de Thereza, pediu para que ela se sentasse.
Insistiu em dizer que não iria lhe bater.
Com isto, acrescentou que não poderia obrigá-la a se casar com Angelo.
Disse apenas para que continuasse a conversar com ele.
Abaeté mencionou que o rapaz era um ótimo partido, e casando-se com ele, iria se tornar uma grande proprietária de terras.
Disse que a família do rapaz tinha terras em outros estados, e que ela se casando com ele, poderia conhecer outras paragens.
Thereza sem alternativa, concordou com o irmão.
E assim, continuou a se encontrar com Angelo, nos almoços organizados pela família.
Conversavam sobre livros.
Angelo falava sobre as viagens que fizera.
Sobre a Europa, e seu desenvolvimento.
Thereza tentava se mostrar agradável.
Tarcísio certa vez, ao perceber o ar de contrariedade da moça, quando era citado o nome de Angelo, perguntou-lhe por que continuava a se encontrar com o rapaz se não gostava dele.
A moça, ao ouvir isto, tentou retrucar, mas Tarcísio lhe disse que percebia em seu semblante que ela não estava satisfeita com o compromisso.
A jovem, intrigada, perguntou-lhe como sabia do noivado.
Tarcísio comentou aborrecido, que Abaeté fez questão de contar a todos na fazenda sobre o noivado.
Thereza por seu turno, respondeu ao rapaz que tentou não aceitar o noivado, mas Abaeté chamou o moço, e seus pais para um almoço.
Recordou-se que o irmão a chamou para um canto e avisou-a de que se tratava de um almoço de noivado, que os pais do moço haviam concordado com o compromisso.
Falou-lhe que havia tido muito trabalho para organizar aquele encontro e que ela não iria desmenti-lo.
Advertiu-a de que se discordasse do ajuste, a mandaria para um convento, de onde não mais sairia.
Por isto, sorrindo, comentou que ela devia aceitar o noivado.
Acrescentou que Angelo lhe tinha verdadeira adoração, e que ninguém teria tanto apreço por ela quanto ele.
Thereza ao ouvir as palavras do irmão, ficou estática.
Lívida, disse que precisava se sentar.
Helena, ao ver a cunhada pálida, chamou uma das criadas da casa.
Pediu-lhe para que providenciasse água para a jovem.
Thereza então, tentando se recompor, bebeu o líquido.
Abaeté impaciente, disse que a aguardaria na sala.
Dos olhos de Thereza, saíram lágrimas.
Helena ao perceber a tristeza da moça, pediu-lhe para que se acalmasse.
Pedindo desculpas a jovem, disse que não conseguiu demover o marido da ideia.
Thereza argumentou, que não estava mais reconhecendo Abaeté.
Helena por sua vez, acrescentou que às vezes o marido parecia nervoso, e por conta da proposta de se candidatar a um cargo político na região, estava negligenciando a família.
Dizia que o moço passava poucas horas com a família.
Contudo, aconselhou-a não resistir a ideia.
Disse que ela fizesse algo para atrapalhar o almoço e o noivado, Abaeté cumpriria a ameaça.
Argumentou que aquele não era o melhor momento de enfrentar o moço, já que ele tinha a sua tutela.
E assim, Thereza acabou aceitando o pedido de noivado.

Tarcísio, ao tomar conhecimento dos fatos, ficou inconformado.
Mencionou que Abaeté estava diferente.
Disse que a possibilidade de acesso ao poder, o havia mudado.
Nisto, Tarcísio, se aproximou da moça e a abraçou.
Certo dia, ao vê-la em prantos, Tarcísio se aproximou da moça, que a todo custo tento afastá-lo.
Dizia que queria ficar sozinha.
Tarcísio não a ouviu, e continuou seguindo-a.
A seguiu a cavalo até o ribeiro.
Lá desceu do cavalo.
Tarcísio seguiu a moça.
Apeou do cavalo.
Acompanhou a jovem.
Thereza continuou a chorar

Luciana Celestino dos Santos
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