Anos antes, Abaeté libertou os poucos escravos negros, que trabalhavam em sua fazenda.
Libertou-os anos antes da Abolição da Escravatura promovida pela Princesa Isabel.
Por conta disto, ganhou a admiração da população simples do povoado, gerando alguns problemas
com os fazendeiros da região.
Para convencê-los de que era o melhor a ser feito, argumentou que manter escravos se tornara
uma atividade pouco lucrativa, além de perigosa.
Argumentou que estava proibido o comércio de
escravos, e que quem fosse pego comprando-os, estaria incorrendo em um crime.
Mas os fazendeiros diziam que muitos ainda compravam escravos, e que havia os filhos dos
escravos.
Abaeté argumentou que descendia de um povo que também fora escravizado, e que não possuía o
direito, de reduzir outras pessoas a mesma condição.
Disse que os índios sofreram muito com a
escravidão.
Ressaltou que, ainda lhe aborrecia, as ideias de que os índios não tinham alma.
Os fazendeiros então, se calaram.
Com a abolição dos escravos, todos tiveram que libertá-los.
E assim, começou a diáspora dos negros.
Homens, mulheres, crianças e idosos, que não tinham
para onde ir.
Abaeté acolheu alguns, e ao contrário dos demais fazendeiros que contrataram mão de obra
estrangeira para cuidar de suas terras, o homem continuou a trabalhar com os índios e os homens
e mulheres agora libertos.
Já havia negros livres em sua fazenda.
Mas o homem havia ganho escravos de seu sogro.
A mucama da esposa, por exemplo: era escrava.
Com isto, logo que se apercebeu da condição injusta de escravos, libertou a todos.
E muitos permaneceram em sua fazenda.
Devido a maneira como tratava a todos.
Sempre com justiça, não exigindo mais de uns e menos de outros.
Todos ali, trabalhavam muito.
Helena com o tempo, passou a auxiliar nos trabalhos domésticos, para espanto de Abaeté, que lhe
dizia que isto não era necessário.
Mas a mulher desejava ser útil, e passou a acompanhar Thereza nos trabalhos da casa.
Carolina e Eurídice estavam com seus casamentos marcados, quando eclodiu uma revolta por
aquelas paragens.
Com as notícias que o Partido Republicano Rio-Grandense (PRP) era favorável ao republicanismo
e apoiava o novo governo de Júlio de Castilhos, aliado de Floriano, os fazendeiros da região não
se mostraram nem um pouco satisfeitos.
Consideravam o homem uma péssima escolha para o governo da província, um tirano e
autoritário.
Razão pela qual o Partido Federalista (PF) era composto por integrantes contrários ao
governo Júlio de Castilhos e defensores de uma maior autonomia dos estados por meio de um
regime parlamentarista.
Abaeté, que já fora intendente da localidade, acabou se envolvendo na disputa e apoiando o
Partido Federalista.
Para desespero de Helena, que temia que aquela história, não acabasse bem.
Por diversas vezes, a mulher, auxiliada por Thereza, tentou convencer Abaeté não se envolver no
conflito.
Contudo, há tempos os homens da província estavam insatisfeitos com a política da região.
E com,
a imposição do governador Julio de Castilhos, piorou o quadro político da região.
Com isto, inconformados com a imposição presidencial, os federalistas liderados por Gaspar
Silveira Martins e Gumercindo Saraiva, pegaram em armas para exigir a anulação do Governo
Castilhista, em fevereiro de 1893.
Abaeté pegou em armas, assim como inúmeros fazendeiros e agregados da região.
Os noivos de Carolina e Eurídice também participaram das lutas.
As moças, ao tomarem conhecimento do fato, tentaram demover os jovens da ideia, mas eles
diziam estarem imbuídos do espírito patriótico que havia tomado conta de todos.
E assim, acompanhados de Abaeté, e de seus pais, de outros filhos de fazendeiros e estanceiros da
região, além de empregados de confiança, Arthur e Ulisses, partiram para os campos de batalha.
Lutaram por meses.
Nisto, a rápida reação das tropas governamentais acabou obrigando os federalistas a recuarem para
regiões do Uruguai e da Argentina.
As mulheres por seu turno, ao tomarem conhecimento de forma esporádica dos acontecimentos
do conflito, ficavam cada vez mais preocupadas.
Thereza tentava consolar a todas, mas Carolina e Eurídice eram as mais preocupadas.
Temiam pelo pior.
Diziam que Arthur e Ulisses não lhes escreviam mais.
Nervosas, não sabiam o que estava acontecendo.
Nisto, a reação dos federalistas foi articulada com a conquista da cidade de Bagé.
Lideranças políticas do lugar, fizeram espalhar a boa nova.
Notícia que chegou aos ouvidos de Abaeté e de seus comandados.
E assim, com a realização de ataques surpresa em diferentes pontos do estado, os revoltosos
conseguiram avançar no território nacional, tomando regiões em Santa Catarina e no Paraná.
Neste mesmo ano, a Revolta da Armada, ocorrida no Rio de Janeiro, se uniu à causa dos federalistas
gaúchos, conquistando a região de Desterro, em Santa Catarina.
Nesta época, uma nova falta de notícias, afligiu a família Abaré Chagas.
As mulheres, diante da ausência de notícias, não sabiam se os homens estavam bem, se estavam
feridos, ou mesmo mortos.
Ataíde, se prontificou a lutar ao lado dos homens, mas Abaeté, inconformado com seus modos,
recusou sua ajuda.
Disse que ele seria mais útil, trabalhando na fazenda.
Com efeito, pediu a Thereza para que ficasse de olho na filha.
A mulher prometeu que Adélia ficaria muito bem guardada.
Contudo, não poderia impedir algo, se isto tivesse que acontecer.
Abaeté ao ouvir isto, ficou revoltado.
Não fosse a intervenção de Helena, teria mandado matar o homem.
Com isto, ao notar um aparente distanciamento de Adélia e Ataíde, o homem ficou mais tranquilo.
E assim, partiu para a batalha.
Mais tarde, quando a família soube de notícias sobre o conflito, descobriu que mesmo com o apoio
dos militares cariocas, a tentativa de golpe acabou enfraquecendo.
Isto por que, o apoio ao governo de Floriano Peixoto contava com setores muito mais importantes
da população.
Desta forma, a tentativa de golpe acabou não se consolidando.
Os federalistas perderam a luta.
Contudo, em que pese este fato, a violência empregada nos confrontos, foi marcada por cerca de
dez mil mortes, o que deixou a Revolução Federalista popularmente conhecida como a “Revolução
da Degola”.
Com efeito, durante os anos de conflito, as mulheres receberam poucas correspondências de seus
homens.
Nas últimas cartas recebidas, Carolina e Eurídice descobriram que seus noivos foram mortos em
campo de batalha.
Vindo a falecer primeiramente o noivo de Eurídice, Arthur e já ao fim do
conflito, Ulisses, o noivo de Carolina.
As moças não chegaram a enterrar os corpos dos noivos.
Ficaram por casar, morrendo solteiras e sem deixar descendência.
Mais tarde, Ataíde, imbuído do mesmo sentimento de patriotismo, resolveu se alistar junto as
forças federalistas.
Morreu em campo de batalha.
Ao término das batalhas, Adélia recebeu uma correspondência do moço, relatando as dificuldades
do conflito.
Mais tarde soube que o homem morreu.
Para seu desespero e tristeza.
Abaeté sobreviveu ao conflito.
Em que pese este fato, as lutas e as batalhas enfrentadas pelo índio, se fizeram sentir.
E assim, cerca de dois anos depois, o homem faleceu.
Viveu apenas para ver a concessão da anistia pelo governo.
Com efeito, em junho de 1895, os conflitos da revolução chegaram ao fim, com as lutas ocorridas
no campo de Osório.
O federalista Saldanha da Gama lutou até a morte com os últimos quatrocentos homens
remanescentes em suas tropas.
Para dar fim a outros possíveis levantes, um acordo de paz foi assinado, em agosto de 1895,
concedendo anistia a todos os que participaram do conflito.
Procedimento que restabeleceu a segurança da família e das mulheres, que passaram a administrar
a propriedade.
Adélia então, deu a luz uma menina de nome Carolina, como sua bisavó.
Com efeito, quando a mãe e a tia faleceram, a moça, vendeu parte das terras a que tinha direito.
Carolina e Eurídice, sua primas, concordaram com a venda.
Iriam viver juntas na cidade.
E viveram na capital da província até falecerem, com idade avançada.
Gostavam de se lembrar da memória do pai, e dos tempos felizes em que viveram na fazenda.
Com
tantas perdas, ficaram desgostosas de tudo, e decidiram vender as terras, vivendo da renda que a
venda lhes havia proporcionado.
Como herança, deixaram diários e relatos de suas ancestrais.
Quando a morte das mulheres, Rosália recebeu os objetos, que foram enviados ao Valongo.
Isto por que, ao se estabelecer no Valongo, Carolina participou as primas o fato,
informando-lhes seu paradeiro.
Enfim, as memórias não se perderam.
Luciana Celestino dos Santos
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