Ajustados entre si, Vandré e Venâncio percorreram os cartórios da região, em busca de registros
da família.
Foi uma busca demorada e trabalhosa.
Com efeito, a criança de nome Tarcísio, fora registrada em outra cidade, pois na época em que
Dona Carolina era moça, o cartório não abrangia a circunscrição onde ficava a propriedade do
Valongo.
Para chegarem neste ponto, os moços realizaram três idas em cartórios da região, inclusive da
cidade onde estava localizada a fazenda.
Desanimados, sempre que se dirigiam aos cartórios e não encontravam informações, ficavam
desapontados.
Um dia, conversando na venda que havia na vila próxima a fazenda, os moços comentaram entre
si, como fariam, para descobrir o registro de uma pessoa nascida por volta do final dos anos
quarenta e início dos anos cinqüentas.
Nisto, um frequentador da venda informou que naqueles tempos, os registros de nascimentos,
quando eram feitos, eram realizados num cartório localizado em outro município.
Disse aquelas
terras e toda a região fizera parte do município, sendo posteriormente desmembrado.
Desta forma, os rapazes agradeceram a informação, e no dia seguinte rumaram em direção ao
cartório.
Lá, depois de uma certa peregrinação, finalmente descobriram onde estava localizado o registro
de Tarcísio, filho de Carolina e Adroaldo.
Vandré, ao consultar o registro, ficou exultante.
Finalmente estava a encontrar vestígios da origem da família.
O moço solicitou ao funcionário, uma cópia do documento.
Dias depois, o moço regressou ao cartório, onde retirou a cópia solicitada do documento.
Em casa, na sede da fazenda, o moço guardou o documento com todo o cuidado.
Afinal, ninguém poderia desconfiar que estava investigando o paradeiro e a origem do homem.
Como já soubessem que o homem não havia sido criado na região do Valongo, Venâncio e Vandré,
começaram a divagar sobre em que lugar o tal Tarcísio vivera, e onde estava sepultado.
Com isto, nos dias em que estiveram na fazenda, aproveitaram para conversar com as primas Lara
e Antonia.
Falavam sobre as crianças, sobre a importância de se ter uma família.
Elogiaram os filhos das moças.
Lara e Antonia disseram que estavam vivendo em São Paulo, circunstância que motivou Vandré
a convidá-las a visitar sua casa.
Argumentou que eram uma família, mas que conviviam muito pouco.
Venâncio respondeu que a correria do dia a dia afasta e priva as pessoas da convivência diária.
Lara e Antonia concordaram.
Eram moças e um pouco mais jovens que Venâncio, regulando a idade de Vandré.
Conversando com as jovens, os mesmos descobriram que as moças haviam se casado, mas os
relacionamentos pouco duraram.
Ao ouvir isto, os moços curiosos, perguntaram da maldição imposta sobre a família.
Rindo, as moças comentaram que casamento era forma de falar, já que viveram em união estável,
circunstância que se equipara a um casamento.
Curioso, Venâncio perguntou-lhes se não tiveram nenhum interesse em se casar.
Lara respondeu-lhe que não.
Argumentou que o que fazia a união de um casal não era um pedaço de papel, e sim a confiança,
e o amor existente entre eles.
Vandré concordou.
Venâncio brincando, respondeu que agora entendia por que o irmão não havia se casado.
Vandré então rindo, pediu ao irmão para que se calasse.
Em dado momento da conversa, Venâncio falou às moças, em tom de brincadeira, que já sabia por
que não haviam se casado no civil.
Curiosas, as moças perguntaram por que.
E Venâncio respondeu:
- Por que estavam com medo da maldição!
As mulheres se entreolharam e começaram a rir.
Descontraídas, as mulheres chegaram a dizer que estavam fartas da história da maldição.
Da praga que uma velha maluca lançara sobre a família.
Antonia disse que isto só atingia quem realmente acreditava nestas besteiras.
Venâncio concordou.
Argumentou que por conta de uma bobagem, as mulheres de sua família, deixaram de lado a
possibilidade de serem felizes.
Para ele, as histórias de insucessos amorosos e filhos varões que não vingaram, eram fruto de um
tempo de grandes dificuldades, sem acesso a informação, e sem o mínimo acesso à condições
básicas de saúde.
E que tal desinformação deu origem a lendas e a crendices.
Nisto Lara argumentou que as Carolinas acreditavam seriamente nisto.
Venâncio retrucou dizendo que adorava a mãe e a avó, mas que se tratavam de pessoas simples, e
muito impressionáveis.
O jovem por seu turno, mudaria o seu modo de pensar.
Isto por que ainda quando estava no velho casarão, o jovem e parte da família, se depararam com um estranho, que surgira na cozinha da residência.
Era um homem idoso, cujo nome não foi declinado.
Estava agitado, andando de um lado para o outro.
Dizia querer falar com Josué.
Foi quando todos os que estavam na sala, se entreolharam, já bastante assustados com a visita
inesperada.
Ninguém conseguia compreender o que estava acontecendo.
Nisto, o homem desapareceu.
Sumiu da mesma forma que entrou.
Sem deixar vestígios.
Vandré e Venâncio, que estavam na sala ao lado da mãe, e das primas, ficaram perplexos.
Nenhum dos empregados viu o homem entrando na casa e tampouco saindo.
Quando a velha senhora, Carolina, tomou conhecimento do ocorrido, ao ouvir nome Josué,
lembrou ser este um dos nomes de um dos filhos da primeira Carolina.
O garoto morreu ainda em criança.
Intrigada, a mulher procurou se lembrar de alguém que vivia ou que vivera na região e que possuía
o mesmo nome.
Por mais que se esforçasse, a mulher não conseguia se lembrar.
Dizia que sua memória já não era mais a mesma.
Sua filha por sua vez, dizia para a mãe descansar.
Visando tranquilizá-la, disse que fariam orações em memória a todos os antepassados, e também
para que este homem encontrasse seu rumo, e que não viesse mais importuná-los.
Nisto, recomendou para que os funcionários trancassem a porta da residência, mesmo durante o
dia, observando que entrasse e quem saísse do casarão.
Os visitantes por seu turno, avisariam quando saíssem da casa, se iriam para algum lugar e quando
voltariam.
Todos concordaram com a recomendação.
E precavidos, trataram de fazer as orações.
Chegaram a organizar um terço, onde toda a família se reuniu para rezar.
A mãe de Vandré e Venâncio, também mandou celebrar missas, na igreja que havia na vila.
Com isto, sempre que os convidados saíam da sede, avisavam.
Também informavam a hora aproximada em que voltariam.
Vandré e Venâncio continuaram com suas andanças pelos arrabaldes.
Continuaram as conversas com Lara e Antonia, na esperança de descobrir algo sobre a história de
Tarcísio.
Mas as moças não comentavam sobre o assunto.
Parecia que não gostavam de falar sobre o pai.
Circunstância que os deixou bastante intrigados.
Afinal de contas, por que tanto segredo?
Conversando com a mãe, Vandré tentou trazer a baila a memória de Tarcísio.
Carolina rapidamente desconversou.
Em nova conversa com as moças, Lara e Antonia, comentaram que o pai era bastante ausente, e
que não tinham muito a dizer a seu respeito.
Venâncio, percebendo que não lhes agradou o tema, resolveu mudar o rumo da conversa.
Gentil, perguntou das crianças, já que tudo parecia tão silencioso.
Lara e Antonia concordaram.
Preocupadas, foram atrás dos filhos, para verificar o que estava acontecendo.
Para variar, as crianças estavam na cozinha, a mexer nas panelas, nos tachos de cobre, e demais
utensílios domésticos.
Sempre que viam algo que não conheciam, perguntavam o que era.
Djanira, já acostumada com o jeito das crianças, respondia com toda a paciência do mundo.
Quando Lara e Antonia apareceram na cozinha para ralhar com as crianças, a cozinheira
respondeu-lhes que se todas as perguntas e todos os problemas do mundo fossem saber o que era
um tacho de cobre, uma panela, uma escumadeira, tudo seria muito mais fácil.
Djanira, comentou que eles estavam apenas curiosos.
Mas recomendou que não era bom que permanecessem na cozinha, por não ser lugar de crianças
curiosas.
Lara e Antonia concordaram com a cozinheira.
Razão pela qual retiraram as crianças de lá.
Levaram as crianças para o alpendre e disseram-lhe que tinham um imenso campo a frente para
brincar, com a recomendação de que não poderia sair de suas vistas.
E assim,as crianças ganharam o mundo.
Brincaram de se esconder atrás das árvores.
Subiram em seu tronco, sentaram em suas raízes.
Olharam o céu e as nuvens, para dizer com o que se pareciam.
Lara e Antonia olhavam envaidecidas para os filhos.
Venâncio e Vandré observaram as crianças brincando.
Lembraram de seus tempos de criança.
Rindo, comentaram que se tivessem tanto espaço livre para brincar quando eram crianças, suas
vidas provavelmente seriam bem diferentes.
Venâncio, argumentou que gostava da vida na cidade.
Dizia que seu escritório estava indo de vento em popa e que não tinha interesse de voltar ao
campo.
Vandré, respondeu que sua vida acadêmica não lhe permitia viver no campo.
Com efeito, os rapazes e parte da família participou da festa organizada para Dona Carolina.
Forma
como era tratada por todos.
Com o passar dos dias, conforme o estado de saúde da matriarca se agravava, os rapazes
recomendaram a mãe que levassem a avó, para a capital, pois ali teria um melhor tratamento,
recebendo acompanhamento médico.
Mas a matriarca se recusava a sair de sua fazenda.
A mulher falou com detalhes sobre a história de suas ancestrais.
Dizia possuir anotações, diários e relatos da vida de quase todas elas as mulheres da família.
Venâncio e Vandré por sua vez, ouviram os relatos da velha senhora com toda a atenção.
Conforme a história era contada, os moços começaram a entender as motivações da mulher.
O por quê de levar a criança para longe de si.
De todas elas, percebeu o empenho em preservar a família, lutando pela sobrevivência de todos.
Por um momento, chegaram a acreditar que poderia ser uma sina.
Ficaram penalizados com as histórias de perda, com o sofrimento.
Diziam que era muita tristeza para uma mesma família.
Curiosos, chegaram a se perguntar se de fato havia uma maldição, e o que poderiam fazer para
livrar o restante da família, da triste sina.
Ao voltarem para São Paulo, retomando suas atividades diárias, Vandré comprometeu-se em
conversar com especialistas em cultura indígena.
Isto por que, gostaria de saber o que se pode fazer, quando uma suposta maldição é lançada sobre
uma descendência.
Venâncio não mais debochava da ideia.
E assim Vandré, conversou com alguns especialistas.
De vários deles ouviu que segundo lendas indígenas, poderia se fazer rituais, ou utilizar amuletos,
que segundo a crença dos nativos, protegiam contra os maus espíritos.
Vandré curioso, pedia detalhes, mais informações.
Chegou ao muiraquitã, mas descobriu inúmeros outros amuletos.
Cada qual com uma finalidade.
Venâncio, voltou a encontrar a noiva, que parecia aborrecida com a demora do moço em regressar
para São Paulo.
Ester, dizia que havia demorado muito por lá.
O moço perguntou-lhe então, se havia melhorado da indisposição.
Ester respondeu-lhe que sim.
Quando o moço perguntou-lhe se havia ficado em casa, a moça respondeu que sim.
Luciana Celestino dos Santos
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