Para todos os efeitos a criança de Adélia, foi registrada como filha legitima.
Carolina era seu nome.
Foi esta jovem, que resolveu vender as terras de seus antigos ancestrais, e seguindo ao lado
daquele, que acreditou ser seu companheiro de vida, seguindo rumo a outro Estado.
Nascida na última década do século dezenove, a moça, ao lado do amante aventureiro, estabeleceu
moradia em velhas terras do Valongo.
O local tem este nome, por ali se encontrar um antigo mercado de escravos.
E as terras do Valongo deram origem a uma vistosa fazenda.
O moço, militar, foi convocado para conter algumas das revoltas ocorridas naqueles tempos, não
mais regressando ao lugar.
Rosália nasceu por volta de 1912.
Filha de Carolina e Olavo, a criança nasceu longe do pai, que partira para longínquas plagas,
convocado para conter uma revolta em terras do sul.
Conflito armado em terras limítrofes de dois estados, em razão de disputa por terras.
Convém, explicar: Os camponeses estabelecidos nas propriedades não possuíam documentos
regulares que comprovassem a posse como escrituras.
Estes homens diziam que ocorreram fraudes nos registros e que por este motivo não tinham como
comprovar a posse, ou melhor, a propriedade das terras.
Diziam que estavam ali há décadas, que ali nasceram seus filhos.
Alguns, possuíam até netos nascidos naquelas terras.
E nenhum deles estava disposto a abandonar o local.
Na região também havia líderes religiosos, que viviam vida simples e praticavam curas.
Os moradores do local, chegavam a fazer menção de milagres ocorridos.
Como a historia de uma moça que fora encontrada morta pelo monge José Maria, e que foi
ressuscitada por ele.
Os caboclos eram muito gratos ao religiosos.
Muitos contavam histórias de curas, e de como eram administradas ervas curativas.
Com isto, quando Olavo chegou àquelas paragens, a revolta estava armada.
O conflito se agravara com o progressão da construção de uma estrada de ferro na região.
Em conversas com os funcionários da Ferrovia, Olavo descobriu que o governo havia declarado
que se tratavam de terras devolutas.
Os funcionários atônitos não sabiam mais o que fazer.
Circunstância que culminou com a convocação de soldados para a região dos conflitos.
Olavo era um deles.
Conversando com os funcionários da ferrovia, descobriu que muitos foram demitidos e
debandaram para os lados dos camponeses, seguindo a seita criada pelo monge, de que o jovem já
havia ouvido falar.
Olavo estava impressionado com o poder de convencimento do monge.
Em conversas, descobriu que o mesmo levava vida simples, tendo recusado a oferta de terras e de
dinheiro, pela cura da esposa de um fazendeiro.
Por se tratar de um militar, o moço no entanto, não era bem visto pelos camponeses da região.
Vieram as batalhas.
As primeiras lutas foram sangrentas, com diversas mortes para ambos os lados, que sofreram com
as baixas.
Na Batalha do Banhado Grande, por exemplo: morreu o Coronel João Gualberto que liderava as
tropas.
Era uma tentativa de fazer os insurretos regressarem a Santa Catarina.
E o monge teve sua primeira vitória.
Olavo e outros militares, auxiliaram no resgate dos feridos, e tratam de traçar estratégias de
batalha, junto as lideranças que restaram.
Com efeito, a morte do coronel é comunicada através de telegrama para o Marechal Hermes da
Fonseca.
Este acontecimento acirrou ainda mais os ânimos.
A esta altura, fazendeiros que estavam perdendo suas terras para construção da ferrovia, passaram
a se unir aos camponeses.
Com o tempo, este exército informal passou a ser denominado Exército de São Sebastião.
E os camponeses, considerados insurretos, criaram uma nova ordem social.
Foram anos difíceis.
No ano do Senhor de 1914, o governo federal organizou uma grande expedição, com cerca de 700
soldados para Taquaruçu, sob pretexto de contenção de um sublevação.
Operação realizada com êxito, com a destruição do acompanhamento formado, mas sem grandes
perdas, pois os camponeses, percebendo o perigo, trataram logo de fugir se instalando em novas
paragens.
Com o tempo, passaram a saquear propriedades rurais, e destruíram uma serraria.
Quando souberam da morte do líder religioso do grupo, muitas lideranças militares acreditavam
que os revoltosos se desentenderiam, e a revolta se esvaziaria.
Contudo, não foi o que o ocorreu.
Uma jovem de cerca de quinze anos de idade, de nome Maria Rosa, assumiu o dom do profeta.
Com sua morte, dizia ouvir sua voz, e que faria cumprir suas determinações.
Foi o bastante para se tornar a líder espiritual do grupo.
Os campônios costumavam dizer que a jovem combatia montada em um cavalo branco, com
arreios forrados de veludo, vestida de branco, e com flores nos cabelos e no fuzil.
Tornando-se
uma figura mítica e admirada até por quem não a conheceu.
Segundo diziam, tratava-se de uma linda jovem, destemida e corajosa.
Com efeito, depois da derrota em Taquaruçu, os revoltosos se instalam em Caraguatá.
Foram muitas lutas e batalhas perdidas para o exército, operações mal sucedidas, até que as coisas
mudassem para os militares.
O General Carlos Frederico de Mesquita, após algumas batalhas ganhos, bem como a dispersão
dos revoltosos, chegou a considerar o conflito encerrado.
Errou por precipitação, pois os revoltosos dispersos se reagruparam, organizando-se em Santa
Maria, atacando Curitibanos e ameaçando outras localidades, fazendo com que a população fugisse
em desespero.
Com o tempo, novas lideranças passaram a elaborar novas estratégias de guerra.
Neste tempo, o general Fernando Setembrino de Carvalho, passou a evitar o confronto direto,
cercando os insurretos e deixando-os sem comida.
Foi o suficiente para que alguns jagunços se rendessem.
Adeodato porém era implacável, e aplicava pena de morte a todos os que ameaçassem se render.
Com o tempo, os jagunços passaram a lutar entre si.
Novos ataques aconteceram, com muitos mortos e feridos entre os militares.
O capitão Tertuliano Potyguara, encaminhando-se com seus homens para Santa Maria, acabou
por sofrer uma emboscada onde houve a perda de vinte e quatro vidas.
Neste conflito, faleceu Olavo, deixando Carolina com uma filha para criar.
Tomar conhecimento do fato, deixou a mulher sem chão.
Estava a limpar um vaso quando recebeu a visita de um militar e uma carta, relatando todo o
ocorrido.
Ao ler o conteúdo da missiva, a mulher derrubou o vaso, quase caindo no chão.
Foi amparada por uma das empregadas do casarão.
Sentou-se.
Bebeu água.
Mas nada a acalmava.
Olavo estava morto.
Na correspondência, havia menção de que o homem participara de inúmeras batalhas, vindo a
travar amizades com inúmeros militares.
E o corpo do homem foi levado ao Valongo.
Lá, foi sepultado no cemitério da cidade, e com honras militares.
A saudade ficou, só lhe restando as recordações.
Com efeito, a mulher, ao tomar conhecimento da convocação, pediu, insistiu para que o mesmo
não fosse.
Olavo argumentava dizendo que não poderia deixar de ir, ou estaria desertando.
Mencionou que já havia abandonado sua família, e pedido uma licença, para reorganizar sua vida.
Contudo, argumentou que não poderia ficar mais tempo afastado do exército.
Argumentou que
vinha de uma família de militares.
Carolina respondeu-lhe que havia vendido suas terras no Sul, deixando tudo para trás.
Argumentou que o caminho que escolhera não tinha volta e que não gostaria de ficar sozinha nas
terras que tanto lutaram para adquirir.
Carolina vendera suas terras, e Olavo, possuía uma soma em dinheiro que usaram para adquirir as
terras do Valongo.
Juntos cuidaram das terras.
O dinheiro foi utilizado para comprar as terras e construir uma moradia.
As sobras, ficaram bem guardadas.
Com o tempo, se tornou um casarão.
Moradia não que serviu de pouso para o jovem militar que faleceu em campo de batalha.
Com efeito, o corpo foi trasladado para a propriedade para que fosse sepultado nas terras do
Valongo.
Conheceram-se no Sul, nos tempos em que Adélia ainda era viva.
A mulher se opôs tenazmente a união de ambos.
Olavo era filho de um administrador de fazenda e de uma empregada.
Adélia dizia aspirar algo melhor para a filha.
Ou melhor dizendo, um pretendente endinheirado.
Carolina porém a enfrentou, dizendo que iria escolher com quem iria se casar, como Abaeté e
todas as mulheres da família o fizeram.
Adélia a esbofeteou.
Furiosa, a moça se recolheu em seu quarto.
Naqueles tempos, sua mãe já estava bastante doente e debilitada.
Mas ainda tinha forças para se impôr.
Carolina mal teve tempo de sentir raiva, ou mágoa.
Adélia faleceu pouco tempo depois.
Helena havia falecido tempos depois.
As mulheres foram sepultadas no túmulo da fazenda.
Rosália não conheceu o pai, mas Carolina não se cansava de enaltecer a memória do jovem militar
morto, para a filha.
Trazia a foto do moço, em um porta retrato pesado, que mostrava constantemente para a filha.
Rosália tinha em suas memórias a figura de um jovem em trajes militares, galhardamente fardado,
montado em um cavalo imponente.
Com efeito, alguns meses transcorreram entre a morte dos homens e o desfecho da revolta.
Em seguida houve um novo assalto a Santa Maria, onde tudo fora destruído, até mesmo as
habitações, com muitos revoltosos se evadindo para outras paragens.
E assim, em 1916, o líder Adeodato, foi encurralado, e com isto foi dado fim a Guerra do
Contestado.
Rosália neste tempo já tinha quase quatro anos.
Fora a única filha de Carolina, que tratou de cuidar da fazenda.
Com tempo, a casinha simplória deu lugar a um casarão.
Rosália foi crescendo enquanto as condições de vida na fazenda foram melhorando.
Transformou-se em um bela moça.
Motivo de orgulho de sua mãe Carolina, por ser tão prendada e dedicada as lidas do lar.
Rosália conseguiu ficar noiva do filho de um fazendeiro da região.
Isto por que, Carolina, temerosa do destino da filha, fez de tudo para que a moça arrumasse um
bom casamento e não fosse mãe solteira com as demais mulheres da família.
Dizia que esta era uma mácula que precisava ser sanada.
Por vezes chegou a mencionar a maldição, para depois dizer que tudo não passaria de uma
bobagem, encerrando-se os malefícios, assim que se casasse.
Mas o infortúnio se fez presente mais uma vez na vida da família.
Abelardo foi atropelado ao atravessar uma estrada.
Rosália, então tornou-se mãe solteira.
Ao nascer, a criança foi registrada como filha legítima.
Luciana Celestino dos Santos
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