Ao chegar ao hotel, pagou a corrida e entrou no prédio.
Preocupada com o ocorrido, preparou-se para dormir, mas ao deitar-se na cama, não conseguiu dormir. Impressionada com a ousadia de Handolph, no dia seguinte, ao entrar em contato com a portaria do hotel, pediu ao gerente para que passasse instruções aos funcionários para que Handolph fosse impedido de adentrar as dependências do mesmo enquanto ela estivesse ali hospedada.
Cumpridas as ordens, Handolph não pôde mais se aproximar da moça.
Herman, porém, ao contrário de Handolph, continuava se encontrando com Eleonora.
Eleonora contudo, temendo que a história se repetisse com ele, comentou que nos próximos dias estaria de partida e assim, não poderiam mais se encontrar.
Herman, ao perceber que agora a despedida era definitiva pediu novamente para que ela passeasse com ele no boulevard.
Assim, mesmo quando ela fosse embora, ele a teria sempre por perto em suas lembranças.
Eleonora, ao ouvir o comentário, sorriu.
Depois, dizendo que quando ele encontrasse uma pessoa especial ele se esqueceria dela, ouviu como resposta, que ele nunca se esqueceria dela.
Eleonora achou graça nas palavras do rapaz. Contudo, diante da insistência acabou concordando com seu pedido.
E assim, finalmente numa tarde dessas, a moça seguiu com ele até o boulevard.
Lá, como ela fizera diversas vezes com Handolph, tomaram café, compraram jornais e revistas, e depois, avistando um fotografo, os dois tiraram vários retratos juntos.
Herman, encantado com a moça, prometeu guardá-los todos.
Eleonora então, despediu-se dele e retornando ao hotel, preparou suas malas.
Arrumando tudo com o maior cuidado, já estava pronta para partir.
Ansiosa, já havia até colocado suas malas no carro.
Não fosse Handolph aparecer furioso, Eleonora teria conseguido fugir.
Mas o rapaz, ao descobrir que o insucesso de sua empreitada se devia a ela, começou a fazer um escândalo e puxando-a para longe dali, jogou-a dentro de um táxi e levou-a dali.
Enfurecido, Handolph trancou Eleonora num quarto e dizendo que eles tinham contas a acertar, jurou que ela pagaria muito caro pelo que havia feito.
A moça ao ouvir as palavras do moço, esperou pelo pior.
Nisso Herman, sabendo que ela estava de partida, resolveu tentar se despedir novamente.
Porém, qual não foi sua surpresa ao saber do ocorrido.
Preocupado, o rapaz tratou logo de pedir ajuda. Assim, foi questão de tempo para que ele conseguisse localizar a ambos.
Enquanto isso, Handolph tomado de um ódio repentino de Eleonora, comentou que acabou ligando as coisas, ao constatar que ela sempre tivera curiosidade com relação ao seu trabalho.
Foi desta forma que Handolph chegou a conclusão, que ela poderia estar envolvida com o insucesso dos seus planos.
O rapaz, dizendo que aquele era o único fornecedor que estava disposto a vender as matérias-primas, comentou que perdeu muito dinheiro com aquela história. Aborrecido, o rapaz comentou que até esclarecer o mal entendido e voltar a trabalhar com o estrangeiro, levaria muito tempo, e assim não poderia ajudar no esforço de guerra como queria.
Eleonora, tentando despistar, comentou que não estava entendendo o que ele estava querendo dizer com aquilo.
Handolph, irritado com a atitude de Eleonora, desferiu um soco em seu rosto.
Eleonora, com o impacto soco, virou o rosto para trás. Depois colocando a mão na boca, percebeu que a pancada ocasionou um corte.
A moça, então, pegou um lenço para limpar o corte.
Handolph, ao ver a cena, comentou que aquele era apenas o começo.
O rapaz, revoltado, começou a falar sem parar.
Chamando-a de mentirosa e leviana, Handolph fez questão de deixar bem claro que ela pagaria muito caro por tudo o que havia feito.
Eleonora só ouvia.
Nisso, Herman, com a ajuda de alguns amigos, ao chegar no lugar onde Eleonora estava presa, arrombou a porta e entrando na casa, e depois de passar algum tempo procurando pelos dois, acabou encontrando-os numa sala.
Herman ao ver os dois juntos, pediu para que o amigo não fizesse nada sem pensar.
Handolph que até então estava voltado para a moça, olhou para Herman e dizendo para que ele não se intrometesse, apontou uma arma em sua direção.
Eleonora então, percebendo o perigo, pediu para que ele fosse embora.
Herman, ao ver que Eleonora não podia se defender, respondeu firme, que não sairia dali.
Handolph, irritado com a teimosia do amigo, resolveu então lhe contar tudo o que ela havia feito. Dizendo que ela era uma espiã e que só havia se envolvido com eles para descobrir informações úteis para ela, o rapaz deixou bem claro que desejava vê-la morta.
Herman, atarantado com a revelação, sem acreditar nas palavras do amigo, perguntou a moça se era verdade tudo o que Handolph havia dito.
Eleonora, percebendo que não adiantava mentir, assentiu com a cabeça concordando.
Herman ficou desapontado.
Por um instante, concordando com o amigo, chegou a pensar que o melhor a fazer seria matá-la.
Mas depois de alguns instantes, pensando em sua vida e em tudo de bom que ela havia proporcionado a ele, Herman, que estava interessado nela, resolveu reconsiderar.
Handolph, observando o comportamento do amigo, por um instante chegou a acreditar que ele o apoiaria em seus planos.
Contudo, Herman, tomado de um ímpeto, lançando-se em direção a Handolph, revelou que não o deixaria executar seus planos.
Handolph, percebendo que o rapaz investia contra ele, resolveu atirar. Não fosse sua pontaria ruim, e certamente o teria atingido.
Herman ao se aproximar de Handolph tomou sua arma, e em seguida, pediu para que Eleonora saísse dali.
A moça atendeu o pedido do rapaz.
Voltando ao hotel, vendo um táxi na porta, entrou e sem nem se preocupar com suas malas, partiu. Saindo da Riviera, parou na cidade mais próxima e pegando um trem, viajou para bem longe dali.
Foi assim que Eleonora escapou.
Nisso, conforme as coisas foram se acalmando, a moça tomando coragem, escreveu uma carta agradecendo a ajuda de Herman.
O rapaz a leu.
A carta trazia a seguinte mensagem:
‘Caro Herman.
Gostaria de ter me despedido, mas, diante das circunstâncias, que você bem o sabe, não foi possível. Muito embora tenha me ajudado, seu perfeitamente que eu te enganei e o prejudiquei. Saiba porém que o fiz pensando em um bem maior que você provavelmente ainda não viu.
Sinto por isso.
No entanto, ainda que estejamos em lados opostos devo-te minha vida. Obrigada.
Não fosse a sua galhardia e destemor, hoje eu não poderia escrever-te esta diminuta carta.
Obrigada por tudo.
Eleonora.’
Herman ao ler o conteúdo da mensagem, tentou por diversas vezes verificar nas entrelinhas, se havia alguma mensagem.
Muito embora estivesse magoado com a moça, não gostava da idéia de que nunca mais a veria.
E assim, embora tivesse um pouco de raiva dela, guardou com todo o cuidado as fotos que tiraram. Como prometido ele nunca se esqueceria dela.
Eleonora, ao desempenhar sua missão, foi bastante elogiada pelos chefes da organização.
Como prêmio pelo sua contribuição valiosa para o bom desempenho da missão, Eleonora poderia finalmente gozar de suas merecidas férias.
A moça, ficou profundamente agradecida, mas dizendo que o dever era mais importante que o descanso, pediu para ser designada para uma nova missão.
Assim foi feito.
Foi assim que corajosamente, infiltrada entre os oficiais nazistas, Eleonora conseguiu novamente, resgatar judeus que haviam embarcado como prisioneiros em um trem.
Usando de artimanhas, unida a um grupo de agentes, simulou uma invasão.
Durante a missão, os passageiros da primeira classe nem perceberam o que se passava. Somente os oficiais nazistas que guardavam os vagões dos judeus foram atacados.
Pegando os oficiais desprevenidos, soltaram os prisioneiros e usando de auxílio externo, pararam o trem e conduzindo os prisioneiros para longe dali, conseguiram levá-los para outros países.
Bem sucedida a operação, mais uma vez Eleonora recebeu congratulações.
E novamente ela estava disposta a se aventurar em mais uma missão.
Assim, terminou mais uma fascinante história.
Na rádio, os locutores disseram: ‘E assim, terminam as aventuras de nossa charmosa espiã. Aguardem nas próximas semanas mais uma emocionante história. Um homem, uma cidade...’
Clarissa ao terminar de ouvir a rádio-novela, desligou o rádio.
Cansada de ficar em casa aguardando as últimas decisões de Bruno, a garota resolveu contatá-lo. Dizendo que estavam há muito tempo parados, a moça disse que já estava na hora de agirem.
Bruno, percebendo então que já haviam ficado muito tempo parados, concordou. Sim, já estava mais do que na hora de voltarem a agir.
E assim, ao término da algumas semanas o grupo voltou a se reunir.
Animados, trataram de confeccionar uma nova edição para o jornal.
O jornal ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’, tinha que voltar a circular.
E assim, todos se puseram a trabalhar.
Clarissa, para sua satisfação, finalmente pôde escrever. Empolgada, colocou toda a sua emoção no texto que redigiu com todo o cuidado.
Depois de dois dias, com o texto pronto, foi levá-lo para ser aprovado por Bruno. O rapaz, dizendo que estava ótimo, comentou que ela era sabia melhor do que ninguém o que estava bom e o que não estava, assim não precisava pedir sua autorização para publicar nada do que quisesse.
Clarissa tratou de imediatamente levar o artigo para a prensa.
Os demais redatores então, ao terminarem seus textos foram logo levá-los para que Clarissa os lesse. A moça, percebendo que os mesmos podiam ser publicados, autorizou os demais integrantes do grupo a imprimirem os artigos.
Assim, foi questão de tempo para que o jornal voltasse a circular e causasse mais alvoroço pela cidade.
Os empresários, ao lerem as matérias do jornal, não gostaram nem um pouco de saber que os operários não haviam desistido.
Muito embora tivessem ficado um longo tempo sem circular, na sua segunda edição as matérias do jornal causou ainda mais furor.
Mesmo que os empresários se referissem a ele como jornaleco, o certo é que ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’, estava tirando a tranqüilidade de todos aqueles homens de negócio.
Contudo, mais irritados do que antes, os empresários começaram a agir.
Com o auxílio da polícia, foram vasculhados todos os ambientes suspeitos de atividades subversivas.
No entanto, apesar dos policias terem descoberto o local das reuniões e destruído todo o maquinário que os operários utilizavam, os mesmos não conseguiram arrefecer seus ânimos.
E assim os operários, ao verem a destruição no galpão, percebendo que precisavam tomar medidas drásticas, resolveram enfim, realizar uma greve na fábrica.
Bruno, preocupado com a segurança dos operários decidiu realizar a reunião longe dali.
Clarissa, percebendo a exaltação de ânimos, pediu a todos os operários para que se acalmassem.
Afinal de contas, se ele havia dito que a reunião não poderia ser realizada ali, era por que, em razão da destruição do maquinário, certamente os policiais, sabendo que eles se reuniam ali, só estavam esperando o momento oportuno para pegá-los.
Assim, quando todos ouviram as palavras da garota, percebendo então que todo o maquinário que possibilitava a impressão do jornal fora destruído, concordaram em sair dali, e aguardando novas decisões, esperariam para pôr o plano de fazer greve em prática.
Para não levantarem suspeitas, os operários foram saindo pouco a pouco do galpão.
Por fim, Clarissa e Bruno, vendo que todos já haviam saído, resolveram também sair.
Quando saíram da velha fábrica, por pouco não foram pegos pelos policiais.
Isso por que, dois pastores alemães, rondando o local, logo notaram que havia pessoas por ali.
Clarissa ao ver os dois cachorros se aproximando, perguntou a Bruno, o que fariam.
O rapaz, ao ver os cães se aproximando, puxou Clarissa pela mão, e mandando-a segui-lo, encaminhou-se para a outra saída.
Clarissa que não viu nenhuma saída, estranhou a atitude do rapaz, mas este, ao levantar uma tábua solta, ensinou a rota de fuga para Clarissa. Lá, como havia imaginado, não havia ninguém esperando por eles.
Saída perfeita.
Clarissa e Bruno, ao se verem longe da confusão, até riram do incidente.
Contudo, a moça percebeu que não fosse a presença de espírito do amigo, certamente os dois estariam presos.
Bruno no entanto, comentou que não fosse ela tê-lo avisado, os dois teriam sido pegos de qualquer jeito.
Clarissa contudo, agradeceu o amigo, e despedindo-se dele, voltou para casa.
Lá mais uma vez Raquel inquiriu querendo saber onde ela havia estado.
Mais uma vez a moça disse que ficara fazendo serão.
Raquel que já conhecia a história, tornou a ficar preocupada. Contudo, como não tinha como controlar a sobrinha, a mulher resolveu deixar a questão de lado. Dizendo que não sabia o que fazer, falou que deixaria tudo nas mãos de Deus.
Bartolomeu ao perceber a preocupação de Raquel, resolveu conversar com Clarissa.
Chamando a atenção para o fato de que Raquel estava muito preocupada com ela, Bartolomeu pediu para que ela não voltasse mais tão tarde.
Clarissa dizendo que não podia prometer algo que não podia cumprir, deixou Bartolomeu igualmente preocupado.
E assim a moça, decidida a lutar pelo que acreditava, continuou a deixar seus tios cada vez mais preocupados.
Isso por que, cada vez mais ausente, nos últimos tempos, só preocupava em se ocupar dos detalhes da greve que realizariam. Visando captar o maior número de adeptos, Bruno e Clarissa não mediam esforços. Por isso mesmo, diversas vezes os dois foram vistos fazendo discursos para arregimentar forças para a luta.
Dizendo palavras de ordem, os dois tentavam a todo custo convencer os operários que aquela luta não era de um ou de outro, mas sim de todos eles, e desta forma arregimentavam até mesmo os corações mais empedernidos.
Contudo, nem todos os operários estavam convencidos de que esta era a melhor solução e temendo represálias, alguns resolveram desistir de participar da greve.
Clarissa e Bruno no entanto não se deram por vencidos.
Tentando a todo custo convencer a todos de que aquela luta era importante e que não podiam temer nada, ainda assim nem todos aderiram a idéia.
Contudo, diante do enorme quadro de pessoas que aceitou integrar o movimento operário, havia gente mais do que suficiente para fazer pressão no dono da fábrica.
Assim, nos dias que se seguiram, os operários, reunidos em outro local, combinaram com detalhes quando e como se desenrolaria a greve.
Preparando faixas e cartazes, os operários estavam prontos para fazer um grande barulho. Dispostos a acabarem com o despotismo dos patrões, os mesmos não tinham a menor idéia das proporções que aquela greve tomaria.
Isso por que, quando chegou o dia combinado, em que finalmente ocorreria a greve, os operários, munidos de faixas, cartazes e todo o mais necessário para mostrarem que não estavam brincando, postaram-se diante dos portões abertos da fábrica e não entraram.
O dono da fábrica percebendo que os operários estavam medindo forças com ele, ficou profundamente irritado. Contudo, não deixou por menos.
Dizendo que não podia deixá-los tomar conta da situação, tratou logo de chamar a polícia.
Sim por que, se ele não podia resolver tudo sozinho, os policiais certamente podiam.
E assim depois de meia-hora diante da fábrica, os operários, aguardando os últimos acontecimentos, pacientemente esperaram que o dono da fábrica se apresentasse diante deles para discutirem suas reivindicações.
No entanto, o que eles menos esperavam aconteceu.
Os policiais chegando até lá com patrulhas, avançaram contra os grevistas.
No meio da confusão a massa se dispersou.
Houve tiros, manifestantes que enfrentaram a policia foram agredidos e no fim da confusão, alguns manifestantes, sem terem como fugir, foram pegos. Bruno e Clarissa estavam entres.
Levados até a delegacia, logo foram apontados pelos outros presos como os líderes do movimento grevista.
Bruno ao ser delatado, contou ao delegado que Clarissa não tinha nada a ver com aquilo, e pedindo para que ela fosse liberada, alegou que ela só estava no meio da confusão por que estava passando por ali.
O delegado ao ouvir a história, começou a rir.
Depois visivelmente irritado, perguntou ao rapaz se ele tinha cara de idiota.
Bruno tentando desconversar, respondeu:
-- Desculpe. Eu não entendi o que o senhor perguntou.
O delegado, que já estava impaciente, mandou então levar os dois para a cela.
Bruno percebendo que não convencera o delegado, gritou pedindo para que soltassem Clarissa.
O homem, irritado com a balbúrdia que o rapaz estava provocando, mandou que o guarda lhe desse um recado: Ou ele se mantinha calado, ou então as coisas iriam ficar muito ruins para ele.
Depois que ele foi levado para sua cela, um outro policial, foi logo levar o recado ao preso.
Bruno então se calou.
Nisso chegaram os outros prisioneiros. Entre eles, estavam os delatores.
Alguns dos presos, fiéis a Bruno, não gostaram nem um pouco de saber que ficariam na mesma cela que notórios traidores da causa.
Contudo, não podiam fazer nada para impedir.
Nisso, conforme a noite caía e as horas passavam, Raquel e Bartolomeu, percebendo que Clarissa não voltava, começaram a ficar preocupados.
Porém, sabendo que ela costumava demorar para voltar para casa, os dois resolveram esperar mais um pouco.
Esperaram tanto que um novo dia surgiu.
Todavia, nada de Clarissa aparecer.
Preocupados, os dois foram até a tecelagem onde a moça trabalhava, e ao lá chegar, descobriram que no dia anterior houve uma grande confusão em frente o portão da fábrica e enquanto a questão não se resolvesse, os portões da mesma não seriam abertos.
Raquel, ao ouvir as meias-palavras do porteiro, percebeu tudo o que se sucedera ali.
E mesmo sem ter certeza que a sobrinha estava envolvida na confusão, a mulher pediu ao irmão para que a levasse até a delegacia.
Bartolomeu também preocupado com o sumiço de Clarissa, tratou de levar a irmã até lá.
Ao chegarem na delegacia, o escrevente, dizendo que o delegado não atenderia ninguém, recomendou aos dois que retornassem a delegacia no dia seguinte. Raquel ao ouvir o escrevente tentou argumentar, mas o homem irritado, respondeu:
-- Ô mulher. Não ouviu o que eu disse? O delegado está ocupado.
Bartolomeu, ao notar que Raquel estava nervosa, puxou-a pelo braço e levando-a para fora da delegacia, prometeu a ela que voltariam no dia seguinte.
Raquel tentou convencer Bartolomeu a conversar com o escrevente.
Ele no entanto, dizendo que precisavam falar com o delegado, alertou a irmã de que não adiantaria gastar saliva com o escrevente. O certo seria aguardar e esperar para falar com o próprio delegado.
Sim, por que falando com ele, certamente saberiam se Clarissa estava lá ou não.
Enquanto isso, Bartolomeu, aventando a possibilidade de ter ocorrido o pior, falou com a irmã, que precisavam percorrer os hospitais para saber se ela não estava ferida.
Raquel ao ouvir as palavras do irmão, começou a chorar. Porém, ciente de que ele tinha razão, resolveu acompanhá-lo.
Bartolomeu tentou convencer a irmã a ficar em casa, mas ela dizendo que não iria conseguir ficar calma, teimou em ficar com ele.
E lá se foram os dois. Percorrendo os vários hospitais da cidade, descobriram que Clarissa não havia sido internada em nenhum deles.
Mais tarde visitando o Instituto Médico Legal, também constataram que a moça, para alívio deles, não estava lá.
Diante disso, Clarissa só poderia estar presa.
Muito embora essa não fosse a melhor notícia do mundo, saber que ela estava viva e bem, era reconfortante para eles.
Contudo, a moça não passaria incólume pela cadeia.
Isso por que, o delegado sabendo que havia outras pessoas envolvidas na confusão, começou a pressionar os dois para que revelassem o nome dos demais responsáveis.
Como Bruno e Clarissa diziam que eles haviam sido os únicos mentores da idéia, o delegado ficou irritado.
Acreditando que havia muita gente envolvida, ele queria saber os nomes.
Como porém, nenhum deles passava as informações que ele queria ouvir, tanto Clarissa como Bruno sofreram horrendas torturas.
Muito embora Bruno tenha tentado proteger Clarissa, a moça percebendo que não tinha como esconder sua responsabilidade por tudo o que havia ocorrido, destemida, resolveu assumir sua participação em tudo.
Bruno ao constatar que Clarissa não se escondera, nem negara nada do que era acusada, tentou ralhar com ela, mas ela decidida, respondeu-lhe que não tinha por que se arrepender de nada que fizera.
Bruno ficou orgulhoso da moça ao ouvi-la dizer isso.
No entanto, a moça assinou sua sentença ao proferir essas palavras.
O delegado, sabendo da atenção que Bruno dedicava a ela, aproveitando-se disso, usou a moça como arma.
E assim, torturando-a na frente do rapaz, fez com que ele revelasse os nomes dos demais participantes do movimento operário.
O delegado no entanto, só resolveu usar a moça, depois que percebeu que não importava o que fizesse, o rapaz nada falaria.
Contudo, foi só envolver Clarissa na história para ele revelar tudo o que sabia.
Esse golpe foi duro para ele. Isso por que ele, ao entregar seus amigos, seus companheiros, estava traindo a causa. Tal fato era indefensável para ele. Mesmo tendo que fazê-lo para proteger uma amiga, ele nunca se perdoaria por isso.
Clarissa combalida, depois de muito apanhar, nem sequer imaginava o que se passava com Bruno.
Enquanto isso seus tios, preocupados com seu sumiço, ao descobrirem que ela estava presa, fizeram de tudo para tirá-la da prisão.
Contudo, não foi nada fácil libertá-la.
O delegado estava determinado a dar uma lição nos baderneiros.
No entanto, depois que Raquel conseguiu levar o caso para os jornais, o delegado acabou libertando a moça.
Contudo, quando Raquel falou nisso pela primeira vez, o delegado rindo, comentou que era o presidente quem controlava os jornais. Assim, só seria publicado o que ele quisesse.
Raquel percebendo o desdém da autoridade, comentou que havia um jornal que aceitaria publicar a história.
O homem então, percebendo que Raquel não estava brincando, resolveu colocá-la a prova.
A mulher aborrecida, pediu para que ele aguardasse.
Determinada, Raquel, sabendo que havia um jornal clandestino que publicava matérias contra o governo, resolveu denunciar o que vinha acontecendo.
Os jornalistas, comprometendo-se a publicar a matéria, trataram logo que a mulher saiu do local, de averigüar a autenticidade da informação.
Quando descobriram que a notícia era verdadeira, trataram de publicá-la. E assim, um jornal operário, de pequena circulação, ao parar na porta das casas das melhores famílias de São Paulo, acabou por causar uma grande comoção.
O delegado, ao saber disso, passou a ameaçar a mulher.
Mas Raquel dizendo que não tinha medo dele, comprometeu-se a fazer um acordo com ele. Se o mesmo soltasse sua sobrinha, nunca mais ele ouviria falar dela.
O homem, sem ter alternativas, acabou concordando.
Mandou aos policiais que libertassem a garota.
Mas Clarissa dizendo que não podia sair sem seu amigo, recusou a liberdade.
Somente depois do delegado concordar com sua soltura, a moça concordou em sair dali.
Incomodado com a situação o homem pediu para os três nunca mais aparecessem em sua frente.
Clarissa, ajeitando sua boina, tratou de sair dali.
Triste, passou muito tempo sem vontade de nada.
Trabalho para ela era, passou a ser só para ajudar a família.
Raquel ao vê-la sem ânimo e sem coragem, resolveu contar a história de seu pai.
Clarissa, mesmo desalentada, parou um instante para ouvir.
Sua tia contou então, que quando ela ainda era muito pequena, ele partira para lutar na Revolução de 1932. Segundo suas palavras, lá ele lutou. Lutou duramente. Lutou bravamente. Contudo, a certa altura do confronto, alvejado pelos inimigos, foi atingido por vários tiros e acabou morrendo no campo de batalha.
Clarissa ao ouvir isso, ficou comovida com a história.
Raquel então, ao observando o semblante da moça, comentou com ela que apesar de tudo o que se passara, ela ainda tinha a oportunidade de escolher. Escolher entre viver do passado, vagando com uma sombra ou então tentar construir um futuro.
Clarissa ao ouvir as palavras da tia, perguntou a ela que futuro podia ter. Dizendo que não havia esperança, comentou que tudo o que acreditara até então ruíra, e que não havia mais nada em pudesse colocar sua fé.
Revoltada, a moça chegou a perguntar:
-- De que adiantou eu ter chegado até aqui? Nada valeu a pena. Nada mudou. Nada vai mudar.
Ao proferir essas palavras, Clarissa conseguiu atravessar o coração de sua tia com a mesma precisão de uma flecha.
Isso por que a pobre mulher ao ver a sobrinha naquele estado lastimável, não sabia mais o que fazer. Desde que a mãe de Clarissa morreu, era ela quem cuidava da garota, com o mesmo desvelo de uma zelosa mãe.
Todavia, por mais que se esforçasse, sabia que nada a seguraria ali por muito tempo. Sentindo que o melhor seria libertá-la, Raquel falou que se ela não se sentia feliz ali, ela deveria buscar a felicidade que estava procurando.
Dito isto, foi preparar o almoço.
Nisso, Bruno, amargurado com o que tivera que fazer, depois de ser liberado pelo delegado, resolveu se afastar da luta operária e indo para longe dali, por pouco quase não se despediu de Clarissa.
A moça porém, ao saber de sua partida, foi logo se despedir do amigo. Não fosse um colega da fábrica avisá-la e o moço teria partido sem se despedir dela.
Clarissa então ao saber da partida do amigo, foi até seu encontro.
Correndo muito, – pois Bruno estava prestes a partir – finalmente depois de passar por ruas e mais ruas, finalmente encontrou o lugar onde o rapaz morava.
Bruno, segurando uma mala em uma das mãos, estava pronto para partir.
Clarissa ao vê-lo de partida, comentou decepcionada:
-- E você nem ía se despedir de mim!
Bruno ao perceber o desapontamento da amiga, pediu-lhe desculpas, mas dizendo que precisava partir, achou melhor não encontrá-la para se despedir, ou acabaria desistindo.
Clarissa, surpresa com a resposta, perguntou:
-- Então! Por não fica?
Bruno sorriu.
E assim, dizendo que se sentia culpado por tudo de errado que fizera, contou a ela que apesar de ter delatado os companheiros de luta para ajudá-la, nunca se perdoaria por isso.
Clarissa tentando consolá-lo comentou que ele não devia se sentir culpado por isso.
Afinal de contas, se ele havia feito isso para ajudá-la, não havia feito por mal. Ademais se havia alguém que era responsável por tudo o que esses homens suportaram, esse alguém era ela.
O rapaz contudo, discordou, e dizendo que eles entenderam a razão de tudo o ele fizera, disse ela para que não se culpasse por nada.
Clarissa, ao ouvir as palavras de conforto do amigo, comentou:
-- Eu queria consolá-lo e quem acaba sendo consolada sou eu.
O rapaz ao ouvir essas palavras, abraçou-a.
Bruno dizendo que não voltaria mais, sugeriu que a amiga fizesse o mesmo.
Clarissa triste, prometeu que pensaria.
E assim os dois se despediram.
Quando Bruno pegou sua mala, Clarissa, acenando para ele, disse adeus.
Ele por sua vez, ao vê-la acenar-lhe, fez o mesmo.
Ao virar uma rua, enquanto o rapaz continuava caminhando, Clarissa continuou acenando. Só parou quando ele sumiu na distância.
Emocionada, no caminho de volta para casa, não parou de pensar nem por um minuto na certeza de que nunca mais o veria...
Quando finalmente Ludovico voltou da guerra, Raquel emocionada, assim que o viu entrando pelo corredor do cortiço, correu em sua direção. Sem perceber que o mesmo estava ferido, abraçou-o e feliz disse que não acreditava que o veria mais.
Os vizinhos ao verem-no ali, perguntavam a ele, por que os outros não voltavam.
Com pesar, ele respondeu que a guerra não havia acabado, e que muitos morreram. As famílias dos mortos, quando tiveram a notícia, ficaram desoladas.
Foi nesse momento que Bartolomeu voltando do trabalho, ao ver o irmão, abraçou-o. Em seguida, percebendo que o mesmo estava ferido, chocou-se ao ver que ele havia perdido parte de sua perna esquerda.
Para a família, perceber que ele havia voltado mutilado da guerra, causou-lhes profundo pesar.
Clarissa ao saber disso, chorou copiosamente.
Desiludida com a luta operária e cansada das injustiças da terra, também resolveu partir. Cansada de viver a vida que queriam impôr a ela, arrumou suas coisas, e sonhando em viver uma vida de aventura como Eleonora – a heroína da rádio-novela –, lá se foi Clarissa.
Clarissa porém, sem coragem para se despedir da família que a acolhera, resolveu escrever um bilhete.
Assim, cuidando para que ninguém a visse partir, Clarissa aproveitando a neblina da noite, sumiu na escuridão da noite.
Como o amigo lhe dissera dias antes quando ela se despediu dele, nunca mais voltaria, e seus tios também nunca mais a veriam.
E assim, quando Raquel, Ludovico e Bartolomeu deram por sua falta, já era tarde demais. Clarissa, já estava muito longe dali.
Raquel, ao ver um bilhete em cima da cama da moça, antes mesmo de o ler, teve a certeza de que ela havia ouvido seu conselho.
Apreensiva por saber o que dizia a carta, não teve coragem de pegá-la.
Bartolomeu então, vendo a carta, pegou e abriu. Ao ler a mensagem, contou a todos, desesperado, que Clarissa havia partido...
Mesmo sabendo que a partida era inevitável, Raquel ficou sentida ao ver que ela partira sem ao menos de se despedir dela.
Ludovico e Bartolomeu por sua vez, inconformados com o teor da carta, saíram em seu encalço. No entanto já era muito tarde.
Triste Ludovico, depois de muito procurá-la, cansado de andar pela cidade com suas muletas, deu-se por vencido:
-- Clarissa não quer ser encontrada. E infelizmente diante disso, nós não podemos fazer nada. – comentou quase chorando.
Não havia mesmo.
Nem mesmo Ataúfo ouviu o nome da sobrinha nos lugares por onde passou. Pesaroso, ao saber do que se sucedera a ela e a irmão Ludovico, prometeu que abandonaria a luta operária e mudando-se para São Paulo, ajudaria a família.
E assim foi.
Ludovico, mesmo com suas limitações, retomou sua vida e trabalhando numa bilheteria de cinema, acabou se adaptando a sua nova condição.
Quando finalmente superou a tristeza, Ludovico revelou que perdeu parte da perna, quando pisou em um campo minado. Não fosse os cuidados das enfermeiras, não estaria ali, de volta ao Brasil, retomando sua vida.
Homenageado, juntamente com os soldados que pereceram na guerra, independente da ajuda do governo, Ludovico retomou sua vida.
Ataúfo, trabalhando em São Paulo, deixou de lado a luta política. Como havia prometido, se comprometeu com Raquel a procurar Clarissa.
No entanto, a moça não queria ser encontrada.
Para consolo dos parentes, somente a carta que ela escrevera se despedindo:
‘Meus caros tios.
Antes de escrever esta missiva, pensei em muitas coisas. Temerosa de magoá-los, tentei ao máximo não escrever coisas tristes.
Por esta razão rabisquei muitos papéis.
Escrevi tanto, que por um momento, pensei não ter o que contar a vocês.
Porém, pensando melhor, achei que vocês mereciam uma explicação.
Assim, em razão de vocês terem sido os pais que nunca tive, resolvi escrever esta missiva.
Primeiramente, não pensem vocês que o fato de não me despedir significa que guardo qualquer sentimento ruim.
Pelo contrário, amo-os muito.
Amo-os tanto que não quero mais preocupá-los com meu inconformismo e insatisfação com esta vida.
Diante disso, o melhor a fazer é partir. Partir como fizera meu amigo. Partir para não magoar mais do já magoei vocês, membros da minha querida família. A melhor. A que foi constituída por pessoas que se amam de coração.
E é em razão disso que não me despeço.
Sei que seria por demais penoso para todos dar o último adeus. Bem o vi quando fui me despedir de Bruno.
Foi muito difícil vê-lo sumindo aos poucos do meu campo de visão. Não recordo de um sentimento mais triste do que este.
Assim, diante desta experiência dolorosa, não quero repeti-lo.
Sei que talvez esteja sendo covarde. Se o estiver, perdoem-me. Não foi minha intenção magoá-los, como já escrevi.
Contudo, sinto que esta carta está tão triste quanto as outras. Preciso pensar em escrever coisas alegres.
Quando vocês lerem esta carta, estarei muito longe daí. Contudo, não pensem vocês que sou ingrata. Não sejam tristes por isso. Continuem felizes, por que eu tentarei sê-lo à minha maneira.
Pensem enquanto estiverem lendo esta carta, que estarei caminhando por uma longa estrada deserta. Estrada deserta e escura, mas que em certo momento tudo se clareia e a escuridade que faz par com a minha solidão, um dia se acabará.
Não digo adeus, por que essa palavra trás em seu sentido a certeza de que nunca mais se encontrará a pessoa de quem se despede.
Digo apenas, até logo.
Até logo.
De um pássaro que anseia por novos horizontes.
Amo a todos vocês.
Clarissa.’
Raquel, sempre que lia a carta, dizia que nunca mais a veria.
Seus irmãos, quando a ouviam dizer isso, censuravam-na.
Mas Raquel, sabia perfeitamente que um novo encontro com Clarissa jamais tornaria a acontecer. Dizendo que ela era como seu pai, Raquel insistia em dizer que ela era livre demais para se conformar com a vida que levavam.
Estava certa, posto que nem ela nem Bruno, voltariam.
Para se consolar da ausência de Clarissa, Raquel preferia acreditar que os dois estavam juntos.
Porém, como saber?
A resposta para essa pergunta não estava ao alcance deles.
Somente Bruno e Clarissa podiam responder a ela.
Mas infelizmente, eles não estavam por perto para responder.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021
BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 5
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