Poesias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 11

Com isso, talvez tentando reparar os anos de desprezo que Thereza teve que suportar, levaram a moça até onde o fazendeiro pudesse vê-la.
Procedendo dessa forma, queriam mostrar ao fazendeiro que ele nunca mais poderia dispor de sua vida como bem entendesse.
O fazendeiro, então, talvez pressentindo que algo de errado poderia acontecer, ao ver a moça, objeto de seu ódio à sua frente, pediu-lhe que ouvisse mais uma vez.
A última, por sinal.
Ao ouvir isso, Thereza resistiu a idéia.
Mas o fazendeiro insistiu. E insistindo faria tudo o que fosse preciso para convencê-la a ouvi-lo.
Diante disso, não restou a moça senão ouvi-lo, mais uma vez.
Os escravos no entanto, preocupados com o estado da moça, alertaram o fazendeiro de que deveria ter cuidado com o que ía dizer, ou fatalmente iria se arrepender.
E diante deste aviso, conversou com a moça.
Convidando-a para entrar, o fazendeiro pediu licença aos escravos para levá-la para dentro de sua casa.
Mas os mesmos estavam reticentes.
Contudo o impasse foi resolvido quando uma das escravas sugeriu aos seus companheiros que concordassem, desde que dois deles entrassem juntos na casa, devidamente armados.
Ataúfo aquiesceu, concordando.
E ao entrarem na casa, os escravos guardaram uma certa distância dos dois. Porém, não estavam longe o suficiente para atirarem se fosse o caso.
Nisso, Ataúfo relatou detalhes dos anos de matrimônio com Rosália à moça. Contou-lhe que o casamento ía mal nos últimos anos da vida de Rosália. Tanto que ambos arrumaram amantes e tiveram filhos fora do casamento.
Com isso o fazendeiro contou detalhes da vida da esposa, seus últimos momentos, e seu desespero para salvar Thereza.
Contou tudo, não omitiu nenhum detalhe.
Thereza ouviu tudo calada.
Porém ao ouvir cada uma das palavras do fazendeiro, ficava mais e mais desalentada.
Contudo, ao ouvir o que Ataúfo queria lhe contar, descobriu que sua mãe queria que a criança vivesse, pouco se importando com que iria acontecer a ela. Isso a fez se interessar pela mãe, tanto que pediu para ver seu túmulo.
Ataúfo então, compadecido do sofrimento de Thereza, resolveu atender ao seu pedido.
E assim a levou até perto do bosque onde sua mãe estava enterrada.
Acompanhando-a, estavam seus pais de criação, que faziam questão de segui-la em todos os seus passos.
Entristecidos com o sofrimento da filha, queriam confortá-la, consolá-la.
Mas infelizmente, neste momento nada podiam fazer. Porém, não queriam deixá-la só.
Thereza então, ao ver a cruz no túmulo, percebeu que a mãe havia sido ali enterrada para que ninguém descobrisse onde estava.
Contudo, apesar das circunstâncias, aproveitou todos os minutos em que esteve defronte a seu túmulo, para rezar, e conversar um pouco com ela. A se ver diante da última morada de sua mãe passou a conversar com ela, como se a mesma estivesse ali presente.
Emocionada não pode conter as lágrimas.
Neste instante seus pais de criação, a consolaram.
Após, curiosa para saber onde o pai havia sido enterrado, pediu para ver também o seu túmulo.
Novamente a emoção e as lágrimas queimaram seu rosto.
Emocionada com a história de amor dos pais, sentia-se entristecida por saber o quanto sofreram muito em seus últimos momentos.
Sua mãe ao vê-la tão emocionada, pediu que a levassem para perto da sede.
Assim, novamente voltaram para a sede.
Ataúfo, ofereceu então sua casa para que a moça repousasse um pouco. Mas Thereza recusou o oferecimento.
Assim, o fazendeiro, acompanhado de dois escravos armados, entrou novamente em casa e relatou aos filhos, – que ficaram na casa como reféns – e não sabiam o que estava acontecendo, que os escravos haviam tomado conta da fazenda.
Diego então, tentou enfrentar os escravos, mas Ataúfo receoso de que pudessem atirar, pediu ao filho que se acalmasse.
Rodrigo então, preocupado com Thereza, perguntou aos escravos, como ela estava.
Ao ouvir que a moça estava bem, tranqüilizou-se. Porém, preocupado com seu pai, tentou dialogar com os escravos, para que estes voltassem ao trabalho. Tentando uma negociação, argumentou que ambas as partes poderiam chegar a um acordo.
Mas os negros não queriam saber de conversa.
E assim, as negociações encerraram-se antes mesmo de começarem.
E o clima ficou mais tenso.
Ao contrário do que imaginara, Ataúfo não conseguiu convencer os escravos a retornar ao trabalho.
Estes, prevenidos com relação ao fazendeiro, não quiseram saber de conversas e de promessas. Estavam decididos a se vingarem pelos anos de martírio nas mãos do cruel latifundiário. Não acreditavam em suas palavras. Para eles, o fazendeiro só estavam sendo gentil agora, por que não tinha como fazer valer a sua força.
Rodrigo então, vendo que tudo poderia terminar muito mal, resolveu intervir.
Preocupado com o que poderia vir a acontecer com a Ataúfo, tentou oferecer ajuda aos escravos.
Mas os cativos não estavam interessados em sua oferta.
Enfurecidos, resolveram incendiar a senzala e todas as demais construções da fazenda.
Ao ouvir isso, Ataúfo ficou furioso.
-- Vocês estão loucos? Jamais vou permitir que incendeiem minha fazenda. Sumam daqui. Podem ir embora, mais deixem tudo como está.
Os negros que estavam reunidos na sala da sede começaram a rir.
Afinal, quem era ele, para naquele momento, impedir alguma coisa?
Ataúfo não era nada. Neste momento não passava de uma triste figura apenas.
Por isso seus três filhos, ao presenciarem tão triste momento, insistiram para que ele deixasse os negros fazerem o que quisesse. Isso por que, o melhor era que fossem embora o quanto antes.
E aqueles negros estavam sequiosos de vingança. Assim, não era bom enfrentá-los.
Mas Ataúfo era teimoso e por esta razão, lutou até o fim, para a preservação de sua propriedade. A fazenda fruto de longos anos de trabalho – nas mãos de seu pai, Seu Valério, e depois nas suas –, não poderia jamais ser destruída. Aquele enorme pedaço de terra era parte de sua vida, e destruir tudo aquilo, era como destruí-lo também. Os negros sabiam disso.
Por isso decidiram acabar com tudo.
Porém, queriam que o mesmo estivesse vivo para poder presenciar a destruição.
E assim o fizeram.
Tudo saiu conforme o planejado.
Ataúfo, ao perceber as casas dos agregados e a senzala ardendo em chamas, começou a gritar dizendo que os negros estavam proibidos de incendiar a sede.
Mas eles eram mais fortes e em maior número, assim, a família não teve com impedir que a destruição acontecesse.
E a família foi retirada da casa.
Contudo, como um gesto de generosidade, os cativos deixaram que todos pegassem alguns de seus pertences, e os levassem para fora da casa.
Com isso, depois de serem colocados para fora, os negros continuaram o intento diabólico.
E assim, colocaram fogo na casa.
Ataúfo ao ver a casa sendo devorada pelas chamas, enlouqueceu.
Desesperado, só conseguia gritar que tudo aquilo era um despropósito, que não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo, e que não era justo.
A certa altura ao ver tudo em volto em meio as chamas, implorou aos escravos para que parassem com aquilo.
Mas já era tarde. A casa já estava toda destruída.
Ao dar-se conta de o seu sonho, e o sonho de seu pai fora destruído, tomado por um profundo ódio pelos negros, resolveu investir contra um deles.
Contudo, ao enfrentar o negro, acabou se machucando. O negro, além de ser mais forte, era muito mais jovem que o fazendeiro, e acostumado com a dura lida do campo, sabia como ninguém, se defender de certas agressões.
E foi assim, que conseguiu dar uma surra em Ataúfo.
Ricardo e Rodrigo ao verem a surra, tentaram conter o pai, para impedir que este apanhasse mais.
Mas Ataúfo insistiu em brigar.
Enraivecido pela perda dos escravos e o incêndio que destruiu a morada da família, Ataúfo desejava se vingar de todos aqueles negros.
Assim, para concretizar seu desejo, resolveu tirar, com o cuidado, uma arma que havia guardado entre seus pertences.
E iria atirar em algum deles, não fosse o fato de alguém ter visto o fazendeiro armado e avisado aos negros que estavam próximos dele.
Foi o necessário, para que um dos negros armados atirasse no fazendeiro, atingindo-o em cheio.
O fazendeiro fora baleado.
Diego, Ricardo, – filhos legítimos de Ataúfo – e Rodrigo, então, desesperados, começaram a gritar com ele. Queriam que ele respondesse e dissesse que estava tudo bem.
Mas não estava. Ataúfo no entanto, ao perceber o desespero dos filhos, pediu a eles que cuidassem da fazenda. Um sonho lindo como aquele, não podia ser abandonado.
Porém, ao ver o rosto molhado de Rodrigo, disse-lhe:
-- Me perdoe, por não ter sido um bom pai.
Foram suas últimas palavras. Em seguida morreu.
Rodrigo, ao perceber isso, ficou desesperado. Ricardo também.
Diego, apesar de visivelmente abalado, não demonstrou desespero. Contudo, ao ver os negros em volta do corpo do pai, ordenou a todos que se afastassem. Era indignos de viverem naquelas terras, e indignos de permanecerem ali. Por isso, gritou para que todos saíssem de lá.
Mas os negros, não obedeciam.
Porém, alguns deles, aproveitando a confusão, resolveram sair dali.
Rodrigo então, percebendo que não teria como continuar vivendo ali com Diego e Ricardo, resolveu se despedir.
Ricardo ao ver-se sozinho, pediu ao irmão e amigo que não fosse embora.
Mas Rodrigo disse que tinha que ir. Afinal, sem a proteção de Ataúfo, sabia que Diego lhe criaria embaraços.
Foi então que Ricardo lhe disse que ele era herdeiro de seu pai.
Mas Rodrigo sabia que ainda assim, se ali ficasse, fatalmente Diego descobriria uma forma de tirá-lo do testamento. Assim, precisava partir. Contudo, prometeu que um dia voltaria. Além disso, prometeu a Ricardo, manter contato.
E assim o faria, nos anos que se seguiriam.
Naquele momento no entanto, prometeu apenas, que iria embora em busca de uma outra possibilidade de vida. Mas que nem por isso, os laços que uniam os dois estavam desfeitos.
Tanto que chegou a convidar Ricardo para acompanhá-lo.
Mas Ricardo sabia que precisava ficar com o irmão. E assim, não pôde ir com Rodrigo.
-- Sentirei saudades. – disse Ricardo.
Esta foi a despedida dos irmãos.
Com isso, ao ver os negros festejando na fazenda a morte de Ataúfo, procurou por Thereza.
Intranqüilo, depois de muito procurá-la, temeu que ela houvesse partido.
Angustiado com esta possibilidade, começou a correr em direção a estrada. Agindo assim, acreditava que se ela estivesse na estrada, acabaria a encontrando.
Porém, não foi isso o que acabou acontecendo.
Ao abandonar a fazenda, embora muito tivesse procurado, não conseguiu nem chegar perto de Thereza.
A moça havia desaparecido.
Com isso cada vez mais desesperado, não sabia o que fazer.
Como encontrá-la? A cada dia que passava ficava cada vez mais difícil.
E assim, conforme os dias, as semanas, os meses e os anos se passaram, já vivendo na Capital da Corte, acabou por desistir de procurá-la.
Desanimado, acreditou que nunca mais a encontraria.
Por isso acabou desistindo da procura.

Assim, enquanto o mancebo, com a ajuda de um nobre generoso se preparava para a vida na Corte, Thereza, lutava a cada dia por sua sobrevivência.
Depois que fugira da fazenda, juntamente com outros escravos em direção a liberdade, passou fome e necessidade.
Tanta que chegou até a roubar.
Certa vez, já cansada de muito caminhar pelas matas com seus companheiros, ao perceber a aproximação de uma carruagem, resolveu assaltá-los.
E assim o fez.
Com a ajuda de alguns negros, Thereza, se escondeu atrás de uma árvore e utilizando-se de pedras que começaram a atirar na carruagem, conseguiram fazer com que o condutor parasse.
Desta forma, armados de pedaços de paus e pedras, roubaram tudo de valor que o casal de aristocratas carregava. Roupas, sapatos, jóias, dinheiro.
Depois de roubá-los, Thereza então, juntamente com mais dois escravos levou o casal e o cocheiro para longe da estrada, em direção oposta a que estavam indo. E assim, abandonaram as vítimas, amarradas, em meio a um descampado.
Desta forma, levaria muito tempo para que alguém os encontrasse.
Isso ajudaria os mesmos a ganhar tempo para saírem de onde estavam.
E por conta disso, demoraram a retornar.
Contudo, antes de assim procederem, dividiram o produto do roubo entre si.
Quando retornaram ao local de onde saíram para o assalto, Thereza e seus amigos combinaram de rumar para outras paragens. Isso por que, se ali ficassem, fatalmente seriam pegos.
Não podiam arriscar portanto.
E assim procederam.
Embrenhados no mato, caminharam por horas a fio, a noite ainda, para se distanciarem do local em que estavam e assim, não serem capturados. Muito embora as vítimas tenham sido colocadas bem longe de qualquer estrada, não podiam contar com a sorte, e assim, resolveram sumir.
Com isso, depois de caminhar durante toda a madrugada pela mata, acabaram chegando até uma estalagem.
Ao ver isso, um dos negros, reclamando do cansaço da caminhada, sugeriu que os mesmos ali parassem.
Mas Thereza temia que se ali parassem, por serem negros, estarem todos juntos, acabariam por chamar a atenção, e por isso, resolveu que os mesmos deveriam continuar caminhando em direção a uma paragem mais distante.
No entanto alguns dos negros começaram a reclamar.
Thereza então, resolveu adverti-los da possibilidade de o casal já ter sido encontrado e a polícia da região já estar no encalço deles.
Ercílio no entanto – um dos negros que queria ficar na estalagem –, não concordava. Afinal, se já poderiam estar procurando por eles, continuar embrenhado na mata não ajudaria em nada.
Thereza ao ouvir isso concordou, porém, tentando contornar a situação, pediu aos mesmos para que continuassem caminhando mais um pouco.
Isso por que, estava temerosa. Depois de tudo o que passara, não queria mais ser cativa. Por isso, se precisasse caminhar mais um pouco, o faria sem problemas. Contudo, jamais se arriscaria, se expondo publicamente. Ainda mais sabendo que todos eles estavam sendo procurados. Se não pelo casal assaltado, pela família de Ataúfo, que havia perdido os escravos na confusão do incêndio da fazenda.
Com isso, Thereza achava muito perigoso aparecerem assim.
Mas Ercílio não queria saber de desculpas. Estava decido a ficar, e assim o fez. Junto com ele, outros negros seguiram.
Thereza, porém, decidiu continuar caminhando. No entanto, não ficou sozinha. Seus pais de criação, e mais alguns companheiros permaneceram juntos com ela.
E assim, Thereza, sua família e seus amigos continuaram a caminhada.
Porém, temendo que Ercílio fosse pego, e sabendo que se algo assim ocorresse, não haveria tempo para fugir, resolveram então se esconder.
E nos altos das árvores encontraram o lugar ideal para se esconderem.
Contudo, como fariam para levar os objetos que adquiriram com o roubo?
Não sabiam o que fazer. Por isso, quando um deles sugeriu que enterrassem os objetos, todos concordaram. E assim foi feito.
Enterram roupas sapatos, jóias e dinheiro e aguardaram o dia seguinte para continuarem a caminhar pelas matas.
E caminharam ainda por muitos dias.
Nisso, novamente uma carruagem se aproxima na estrada.
Novamente os negros se mobilizam para assaltar.
Com isso, ao pegarem todos os objetos de valor, Thereza e seus companheiros, amarrando os aristocratas, colocam os mesmos de novo na carruagem e os levam para uma paragem dista dali. Em um caminho oposto ao que faziam.
Novamente levam horas para voltar onde os demais companheiros estavam.
Mais uma vez precisavam continuar se embrenhando e se escondendo pela mata, para não serem pegos.
Desta forma, visando amealhar dinheiro para uma nova vida, Thereza e seus companheiros, resolveram se tornar assaltantes.
Afinal, precisavam de dinheiro.
E com os freqüentes assaltos que realizavam, estavam conseguindo reunir uma bela quantia em dinheiro.
Porém ao final de semanas embrenhados nas matas, decidiram parar um pouco com os assaltos e decidirem para saber qual seria o melhor lugar para se estabelecerem.
Uma difícil decisão.
Isso por que, precisavam ir para um lugar onde ninguém os procuraria. Um lugar onde as pessoas não desconfiassem que eram escravos. Um lugar onde certamente não seriam indagados sobre suas origens.
Contudo, tal lugar não existia, por isso, inicialmente, para não levantarem suspeitas, os pais de Thereza sugeriram a todos para primeiramente, arranjarem uma carta de alforria. Mesmo falsa, ela os ajudaria a evitar problemas mais tarde.
Todos concordaram. Porém, onde poderiam encontrar alguém que redigisse esses documentos com tanta fidelidade que parecesse um documento verdadeiro?
Esta era uma pergunta realmente difícil de ser respondida.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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