Poesias

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 18

Agradecidos, devotavam a ela uma profunda consideração. Negra com eles, a única coisa que os separavam dela era o fato desta possuir uma melhor condição social. Somente isso. Generosa, toda vez que ela sugeria algo para melhorar a vida dos empregados, Abelardo, orgulhoso da esposa, não cansava-se de elogiá-la.
Aliás quanto a isso, Abelardo também era benquisto por todos. Igualmente generoso, chegou inúmeras vezes a acompanhá-los na feitura dessas obras.
Abandonando qualquer vaidade, chegava até a amassar barro com eles.
Os empregados da fazenda, quando o viam assim, sujo, coberto de barro, sentiam que ele era um igual. Contudo, nem tão igual assim. Cientes disso, nunca se esqueciam de que ele era seu patrão.
Os fazendeiros ao saberem das inovações que Thereza fazia na administração de sua fazenda, ficaram espantadíssimos. Temendo que seus escravos se rebelassem ao tomar conhecimento da novidades que aconteciam na fazenda de Thereza, os fazendeiros se queixavam padre.
Preocupados, perguntavam a Lívio:
-- Onde é que vamos parar com isso?
Diplomático, o sacerdote procurava explicar-lhes que Thereza não estava nem um pouco interessada em se indispor com eles. Porém, devido sua condição, sendo mulher e negra, ela sentia-se na obrigação de ajudar seus irmãos de cor. Assim, eles deviam ter paciência com ela.
Thereza, ao saber da reação dos fazendeiros, fez questão de pedir a Padre Lívio para que esse realizasse um encontro entre ela, seu marido e os fazendeiros.
O sacerdote, honrado com a presença da benfeitora da região, aquiesceu com a proposta.
E assim e lá foi ele novamente ter com os fazendeiros. Dizendo a eles que Thereza estava disposta a conversar com eles, disse que ela possuía a melhor das intenções.
Os fazendeiros, relutantes, demoraram para aceitar a proposta de entendimento. Contudo, como não tinham nada a perder, acabaram concordando.
E assim, depois de alguns dias, lá estavam eles conversando.
Thereza dizendo que não tinha interesse em causar uma revolução no lugar, comentou que sabia que os negros eram necessários para a economia da região.
No entanto, conhecendo o sofrimento dos mesmos, a moça comentou que se sentia na obrigação de auxiliá-los. Contudo, sabendo que eles não concordavam com ela, Thereza, fez questão de afirmar que ninguém era obrigado a agir como ela. Todavia, eles até podiam continuar a tratar seus escravos como vinham tratando, mas não tinham o direito de se intrometerem na administração de sua fazenda.
Os fazendeiros, ao ouvirem as palavras de Thereza, perguntaram a Abelardo se ele não tinha algo a acrescentar.
O rapaz cauteloso, respondeu que não. Dizendo que cada qual sabia o que era melhor para sua fazenda, não cabia a eles, que haviam acabado de se mudar para lá, se intrometerem na administração de tão novéis fazendeiros.
Os homens, ao ouvirem as palavras elogiosas de Abelardo, ficaram profundamente envaidecidos.
Com o ego massageado, quando tornaram a falar com o casal, fizeram questão de os cumprimentar. Thereza e Abelardo, percebendo a mudança de atitude, fizeram questão de retribuir a gentileza.
Isso por que, desde que passaram a viver ali, nunca foram cumprimentados. Somente os escravos, corajosamente lhe dirigiam cumprimentos. Ao ver o casal negro andando pelas ruas da vila, os cativos chegavam a acreditar que algum dia também poderiam ter a vida que eles tinham. Inicialmente surpresos com a novidade, que correu rapidamente pela região, os negros passaram a se sentir mais confiantes ao saberem de tal fato.
Alguns, atrevidamente chegavam a enfrentar seus donos depois que conheciam a história de Abelardo e de Thereza.
Isso contribuiu e muito para que os fazendeiros não os vissem com bons olhos.
Com o passar do tempo porém, os mesmos percebendo que Thereza estava até mesmo disposta a ajudá-los a cuidar dos negros de suas fazendas, conversando, comentou que se eles lhes dessem melhores condições de vida, certamente trabalhariam com mais afinco.
Num primeiro momento, os fazendeiros rejeitaram veementemente sua oferta. Depois, visitando a fazenda da moça e vendo a forma como os negros eram tratados, a vida que tinham, a forma com que se dedicavam ao trabalho, acabaram por se convencer pelas palavras da moça.
E assim, Thereza acompanhada por eles, mostrou que com poucos investimentos podiam fazer tudo o que ela fizera.
Thereza, ao mostrar as vantagens de seu sistema, comentou, que como era ela quem providenciada praticamente tudo o que precisavam, ainda com eles ganhando um módico salário, não despendia uma grande fortuna para tanto.
Os fazendeiros então, dizendo que podiam fazer todas aquelas melhorias, comentaram que a despeito das boas intenções da moça, que decerto eram boas mesmos, eles não podiam libertá-los.
Thereza, reconhecendo que os fazendeiros estavam numa solução difícil, concordou com eles. Isso por que, vendo que eles se propunham a melhorar a vida dos negros na fazenda, Thereza achou por bem concordar.
Abelardo ao saber que eles não tinham intenção nenhuma de libertar os negros, não ficou nem um pouco satisfeito. Mas o pior não fora saber disso. O que mais lhe decepcionou foi saber que Thereza concordara com aqueles fazendeiros retrógrados.
A moça então, tentando se explicar, contou que se não concordasse com eles, os mesmos não aceitariam nem fazer as melhorias.
O rapaz ao ouvir a explicação da moça, continuou decepcionado com ela. Dizendo que esperava uma atitude mais firme de sua parte, comentou que era uma vergonha existir escravidão no Brasil.
Thereza concordou, mas dizendo que não seriam de uma hora para outra que mudariam toda aquela situação injusta que se perpetuava por séculos, comentou que precisavam fazer tudo aos poucos. Assim no final das contas, todos sairiam satisfeitos.
Abelardo porém, teimoso que era, não concordou com a esposa, e dizendo que a mesma estava acovardando, acabou discutindo seriamente com ela.

Cleide, ao tomar conhecimento do desentendimento dos dois, ficou deveras preocupada.
Procurando conversar com os dois, constatou que não seria nada fácil fazer com o ambos se entendessem.
Enfim, as coisas não estavam tão boas para Thereza.
Apesar de gozar de prestígio na região, seu relacionamento com Abelardo, não ía nada bem.
Mas coisas iriam piorar ainda mais.
Isso por que Abelardo, determinado a acabar com aquela injustiça que se perpetuava naquelas paragens, passou a organizar um movimento abolicionista na região. Fazendo uso da outra sede, localizada no sítio que Thereza adquirira, Abelardo passou a se encontrar com pessoas que não concordavam com aquela situação.
Desafiando os fazendeiros, passou a incomodá-los.
Embora não soubessem quem era o atrevido que ousava se insurgir contra eles, os homens estavam determinados a descobrir o autor dos escritos apócrifos que os desmoralizavam publicamente.
Thereza, afastada do marido, nem sequer imaginava que ele estava envolvido nesta confusão.
Contudo, depois de um longo tempo, percebendo que ele adotara um comportamento muito estranho, Thereza, decidida a esclarecer a história, mandou que Antenor o seguisse.
Foi assim que ela descobriu que Abelardo estava envolvido até o pescoço naquela história toda. Temendo que seus planos ruíssem, a mulher pediu reiteradas vezes para que ele desistisse de tudo.
Abelardo, tentando negar, dizia que ela estava enganada.
Thereza porém, dizendo que sabia que era ele quem produzia os jornais que passaram a circular na região, comentou que os fazendeiros eram homens perigosos. Se eles descobrissem que ele estava envolvido naquela história, acabariam com ele. Pior, certamente pensariam que ela também se envolvera em tudo aquilo.
Abelardo, ao ouvir as palavras desairosas da esposa, disse que ela era igual a todos aqueles fazendeiros. Chamando-a de covarde, Abelardo fez questão de dizer que estava envergonhado com sua atitude. Decepcionado com a esposa, relembrou-se de sua justificava para se mudar para lá. Mas, segundo ele, qual fora sua atitude? Simplesmente aceitou o que os fazendeiros pensavam dos negros.
Thereza, irritada com Abelardo, discutiu mais uma vez com ele. Dizendo que ela fizera muitas coisas boas, não só para os negros como para todos na cidade, comentou que preferia fazer uso de sua inteligência e não da brutalidade. Ao dizer que ela só perderia se tentasse resolver tudo por meio da violência, comentou que estava obtendo mais resultados com sua estratégia, do que ele com a idéia de enfrentar os fazendeiros.
Irritado, Abelardo disse que não havia nada de errado em acreditar em uma causa. A dele por acaso era a dos negros. Poderia ser qualquer outra. Mas ele era abolicionista e lutaria de qualquer forma para impedir os desmandos dos fazendeiros.
Depois de proferir essas palavras, o rapaz saiu deixando Thereza para trás. Mais tarde, voltando para o local dos encontros, conversou com os outros integrantes do movimento. Planejando uma ação, Abelardo cuidou dos últimos detalhes.
No dia seguinte, invadiriam uma das fazendas da região e libertariam os escravos.
Assim o fizeram.
Durante a madrugada do dia seguinte, cinco homens invadiram uma das fazendas e abrindo os portões da senzala, libertaram os escravos.
Encapuzados, renderam um dos homens que guardavam a senzala. Atacando-o de surpresa, trataram de amarrá-lo ao tronco.
Assim, enquanto ele tentava se soltar, os escravos fugiam.
Durante a manhã, quando o fazendeiro deparou-se com a senzala vazia, vendo que o homem que fazia a guarda da senzala estava amarrado, ordenou ao capitão-do-mato para que fosse atrás dos escravos homiziados.
Como todos os escravos haviam fugido, o homem precisou de reforços. Mesmo assim, dispersos pelo mato, muitos negros conseguiram fugir.
E assim apesar da recaptura de escravos, o fazendeiro, sem ter como continuar a colheita, ordenou ao capitão-do-mato que continuasse a procurá-los. O homem acatou a ordem. Procurando pelos negros, vasculhou todos os lugares. Por fim, percebendo que não seria possível encontrar mais alguém, recomendou ao fazendeiro que adquirisse novas peças.
O homem, preocupado, respondeu que seria muito difícil conseguir novos escravos. Com as medidas do governo, para conseguir comprar algumas peças teria que negociar com comerciantes estrangeiros.
Sem saída, o homem acabou indo até Santos.
Nisso, Thereza, quando soube da invasão, foi conversar com Abelardo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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