Nisso, Thereza, se acostumando com a vida em fazenda, fazia cada vez mais passeios pela propriedade. Acompanhada pelo marido, visitou pela primeira vez, a pequena propriedade que adquirira da família de Diego. Bem cuidada, a construção, embora fosse bem menor do que a sede de sua fazenda, era bastante aconchegante. Além disso, as plantações, cultivadas pelos empregados, eram uma beleza.
Ousada, toda vez que Thereza passeava pelos arredores, usava calças de montaria.
Interessada pela vida de fazenda, Thereza criou o hábito de cavalgar pela propriedade. Ver de perto a nascente.
Um dia aproveitando que não havia ninguém por perto, convidou o marido para se banhar nas águas do rio.
Nisso o tempo foi passando.
Quando a igreja finalmente ficou pronta, Lívio, como havia prometido, convidou-a para participar da missa. Sentando-se na primeira fileira, a moça chocou a todos com sua presença.
Muito embora muitos fazendeiros e até mesmo suas famílias, soubessem que Thereza e seus amigos eram negros, nunca imaginaram que os mesmos teriam a audácia de frequentar a mesma igreja que eles. Julgando-se superiores, os fazendeiros, revoltados, saíram pouco a pouco da igreja.
Thereza, sem se importar com a hostilidade dos latifundiários, permaneceu na igreja.
Rodrigo ao ver Thereza, pediu aos irmãos que não saíssem da igreja.
Diego no entanto, recalcitrante, ao ouvir o apelo do irmão, não pensou duas vezes e imediatamente se retirou do recinto.
Ricardo porém, atendendo o pedido de Rodrigo, permaneceu ao seu lado na igreja. Ciente do que o irmão passara nos primeiros tempos, ao voltar para a região, resolveu ajudar a moça.
Sim, Rodrigo ao voltar para a fazenda, foi feito de escravo durante muito tempo por Diego, que não se cansava de humilhá-lo. Primeiramente, ao vê-lo elegantemente trajado, tentou tomar suas roupas, mas o rapaz, dizendo ser advogado e conhecedor de seus direitos, comentou com Diego que este não podia fazer o que bem entendesse com ele, até por que ele tinha conhecidos na Corte, que ao menor sinal de dificuldade, imediatamente acorreriam ao seu encontro para auxiliá-lo.
Diego, ao ouvir as palavras de Rodrigo, ainda insistiu na idéia, mas Rodrigo não deixou por menos. Desafiando Diego, o intimou a fazer o que estava pensando.
O mancebo porém, sabendo que Rodrigo não era nenhum tolo, deixou de lado as ameaças.
Contudo a despeito disso, Diego nunca perdia a oportunidade de destratá-lo.
Chamando-o de negro na frente dos escravos, Diego dizia a todos que Rodrigo era exatamente igual a eles.
Pensam vocês que o rapaz se ofendeu?
Absolutamente. Rodrigo agradeceu as palavras do irmão. Dizendo que ele tinha toda a razão, ressaltou que somente tinha um pouco de instrução.
Diego ao ver que o mancebo não se ofendia com suas palavras, ficava profundamente irritado.
Mas era só a irritação passar para ele novamente desprezar o irmão. Dizendo que os negros eram inferiores e que ele era um escravo, passou a lhe dar ordens.
Rodrigo, apesar de destratado, nunca aceitou as provocações de Diego. Ignorando-o, quando perdia a paciência, dizia apenas que brancos e negros eram iguais e que ele não era por melhor que ninguém quando adotava aquela atitude arrogante e prepotente.
Diego por esta razão, ficava irritadíssimo com a atitude de Rodrigo, mas como não tinha como expulsá-lo dali, aturava sua presença. Não podia expulsá-lo, por que, Ataúfo, ciente de que Diego tentaria prejudicar o irmão, deixou em testamento o direito que Rodrigo tinha de usufruir de tudo o que havia construído.
Mesmo tendo esse cuidado, isso não impediu que Diego tomasse conta de todas as propriedades do falecido pai. Dizendo-se dono de tudo, ao ver Ricardo retornando para a fazenda, depois de quatro anos de estudos na capital, deixou bem claro que era ele quem mandava. Quando Ricardo disse que ele tinha direito a parte da fazenda, ouviu como resposta que:
-- Ah! Não é não. Quem cuidou de tudo isso aqui durante todos esses anos fui eu. Por isso, se tem alguém que tem direito a isso tudo sou eu. Você permanecerá aqui apenas como hóspede que é.
Ricardo, ciente de que estava sendo passado para trás, tentou se opôr ao irmão, mas este, ganancioso que era, nem por um instante reconsiderou suas idéias. Ameaçando Ricardo, disse-lhe que se ele continuasse insistindo em dizer que também era herdeiro, corria o risco de se prejudicar.
Ricardo, preocupado, tratou logo de escrever a Rodrigo, relatando o que estava acontecendo.
Por esta razão, o rapaz voltou.
E agora Rodrigo ao ver o quanto havia lutado para ser aceito, tentava agora ajudar a amiga, e por isso permaneceu na igreja. Ricardo, apoiando o irmão, também ficou.
Ricardo no entanto, sabendo da mentalidade da sociedade, comentou com Rodrigo que não seria nada fácil convencer os fazendeiros a aceitarem a moça. Ele mesmo só foi aceito depois que todos souberam que ele era filho do falecido Ataúfo. Só depois disso o rapaz passou a freqüentar a igreja. E assim, ao contrário dos demais negros, todos os brancos o cumprimentavam quando o viam passar por ali.
O padre, ao ver a reação dos fazendeiros e suas respectivas famílias, não se fez de rogado, continuou celebrando a missa.
Thereza, Abelardo, Cleide, e os demais amigos de Thereza, adentrando a igreja, juntamente com Rodrigo e Ricardo, participaram da celebração. Acompanhando a missa até o final, irritaram os fazendeiros que esperando que a moça saísse do templo, acreditaram que poderiam assistir a missa sem problemas.
Revoltados, ao perceberem que Thereza e seus acompanhantes não sairiam da igreja, resolveram voltar para casa.
Diego, irritadíssimo com a ousadia da moça, bem que tentou convencer os fazendeiros a protestar. Mas estes, acreditando que com o tempo ela desistiria de provocá-los, resolveram não brigar. Ao menos por enquanto.
Ao término da missa, o padre, agradecendo a iniciativa de Thereza de ajudar no restauro da igreja comentou que todos deviam seguir aquele exemplo.
Ricardo, ao ouvir o nome da moça, ficou surpreso. Muito embora o nome não lhe fosse incomum, o rapaz não conseguia se lembrar onde havia conhecido uma pessoa com aquele nome.
Curioso, foi logo perguntando ao irmão se ele conhecia alguma Thereza.
Rodrigo, pego de surpresa com a pergunta, respondeu que conheceu uma moça há muito tempo atrás, durante o tempo em que morou no Rio de Janeiro.
Ricardo ficou surpreso ao saber que Rodrigo a conhecia.
Com isso, ao término da celebração, Thereza ao voltar-se para trás, percebendo a presença de Rodrigo, fez uma saudação.
O rapaz fez o mesmo.
Quando todos saíram da igreja, Thereza, aproximando-se de Rodrigo, cumprimentou-o novamente e perguntando como ele ia, recebeu como resposta, um lacônico vou bem.
Ao ser indagada ao mesmo respeito, respondeu que também estava bem. Comentando que não havia nada melhor que o ar de fazenda, Thereza disse que estava se acostumando com aquele ambiente.
O rapaz, ao perceber que a moça já estava morando algum tempo na região, ficou um tanto quanto desapontado ao saber que ela não o avisara.
Thereza por sua vez, determinada a pôr seus planos em prática, nem sequer percebeu a decepção no rosto do amigo. Com isso ao se despedir de Rodrigo, a moça convidou ele e Ricardo para visitarem suas terras.
Rodrigo relutante, respondeu que ia pensar no convite.
Thereza deixando bem claro então, que fazia questão que o mesmo conhecesse suas terras, insistiu que ele e seu irmão fossem.
Ricardo que conversava com Abelardo e Thereza, descobriu que ela e ele se conheceram em São Paulo. Lá mesmo se casaram.
Com isso, com a missa havia se encerrado há algum tempo, Thereza, dizendo ao marido e amigos que precisavam voltar para a fazenda, despediu-se de Ricardo.
Em casa Thereza almoçou com os amigos.
Já Ricardo e Rodrigo, ao chegarem na fazenda, censurando a atitude de Diego, comentaram que o mesmo perdera a oportunidade de conhecer ótimas pessoas.
Ricardo, dizendo que Thereza era muito simpática, e que ajudara nas obras da igreja, insistiu com Diego para que assim que pudesse a convidasse para almoçar na fazenda.
Diego, ao ouvir as palavras de Ricardo, ficou irritadíssimo. Dizendo que jamais convidaria uma negra para sentar à mesa, rechaçou a proposta do irmão. Reclamando, respondeu:
-- Era só o que me faltava! Não bastava ter que ouvir o nome dessa negra suja, eu ainda tenho que aturá-la à mesa.
O rapaz, furioso pegou a terrina de sopa e de um só golpe, lançou-a ao chão.
Rodrigo ao presenciar a cena, quis logo discutir com Diego.
Não fosse a intervenção de Ricardo e provavelmente os dois teriam se engalfinhado.
Realmente, desta vez Diego ultrapassara todos os limites.
Todavia, aquele não era o momento para brigarem, bem o sabia Ricardo. E assim, tentando acalmar o irmão, Ricardo conversou com ele. Dizendo que conseguiriam fazê-lo aceitar os novos vizinhos, o rapaz respondeu que era apenas uma questão de tempo para convencê-lo disso.
Rodrigo foi se acalmando. Mas, descrente de que um dia Diego aceitasse Thereza e sua família, respondeu ao irmão que precisava ver para crer.
Luciana Celestino dos Santos
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Poesias
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 16
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