Poesias

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 2

Com isso, conforme se passavam os dias, Seu Ataúfo, passou a se despreocupar com as idas constantes da esposa a cidade. Para ele, não passavam de passeios que a esposa fazia para se distrair.
Exatamente, nessa época, os dois começaram a trocar algumas palavras. Sempre que a via, o jovem escravo a cumprimentava, no que ela retribuía o cumprimento.
Apesar, do comportamento ousado do escravo, Seu Ataúfo não chegou a levantar suspeitas sobre isso. Sua esposa sempre foi muito discreta. Zelosa dona de casa, sempre fora muito cuidadosa com as crianças.
A noite, contava-lhes histórias para dormir.
Com isso, quando chegava a noite, os meninos ansiosos, mal podiam esperar pela hora de dormir. Adoravam ouvir as histórias que a mãe contava.
Seu Ataúfo, diversas vezes, tentou entretê-los enquanto lia algumas histórias. Mas, não possuía a mesma habilidade para a leitura que Rosália. Aborrecido, desistiu da idéia, devolvendo a incumbência para a esposa.
E ela, noite após noite, ficava a contar histórias para os filhos. Branca de Neve, Rapunzel, entre outras. Chegava até a interpretar as personagens da história. E era justamente isso que encantava as crianças.
Por isso, Ataúfo não possuía motivos para desconfiar da esposa.
Apesar dos passeios constantes, nada havia mudado em relação a família.
Rosália continuava cuidando da família, da casa. Impecável, tratava até mesmo os escravos com toda a consideração. Cumprimentava-os, pergunta-lhes como estavam.
Ao contrário de Ataúfo, que os tratava com grande severidade. Açoitava os escravos que considerava indolentes, e os impunha uma dura rotina diária. Mesmo os escravos que trabalhavam na casa grande, estes sempre tinham que voltar para a senzala no final do dia.
Percebendo isso, Dona Rosália, começou a insistir com o marido para que construísse algumas casas de pau-a-pique, para que eles pudessem morar com suas famílias. Pelo menos, os escravos que trabalhavam na sede da fazenda.
Assim, do seu modo, Rosália se preocupava com a sorte dos escravos. O que incomodava um pouco o marido, que discordava de sua posição. Não gostava de protegê-los. Sempre achara que eram pessoas sem almas, como os bugres. Não mereciam consideração.
No entanto, mesmo diante disso, Rosália, sempre teve firme sua opinião. Mesmo antes de conhecer o escravo e se interessar por ele, sempre nutrira uma grande simpatia pela luta dos escravos. Sentia compaixão por seu sofrimento. Não achava certo que fossem tratados como animais. Sempre odiou a atitude de dominação dos homens.
Assim se denota, que a convivência com o marido, em muitos momentos, não era das mais tranqüilas. No tocante ao tema da escravidão, sempre foram discordantes.
Ataúfo, autoritário sempre queria dizer a última palavra. Não admitia que sua esposa questionasse as suas atitudes duras com os escravos. Sempre detestou ser censurado. Ainda mais quando as censuras partiam de sua esposa. Não tolerava essa atitude.
Essa aliás, era apenas uma das inúmeras outras opiniões da qual o casal divergia. Muitas vezes discutiram sobre a educação dos filhos. Ataúfo não queria que eles fossem criados tão apegados a mãe. Queria eles fossem mais chegados a ele. Sentia ciúmes da atenção que Dona Rosália dispensava aos filhos. Também não gostava de ser preterido pelos filhos nas suas diversões. Quase nunca, conseguia brincar com os filhos. Estes preferiam ficar com a mãe, e isso o irritava deveras.
Com isso, se denota que a relação entre os dois era conflituosa.
Ainda mais, depois do nascimento das crianças, as quais passaram a ocupar as tardes de Rosália. Ataúfo, sentia-se preterido pela esposa, desde que os meninos nasceram. Sua esposa não lhe devotava a mesma atenção de outrora.

Quando se casara, Rosália, assim como Ataúfo, não pode escolher seu par. O noivado foi imposto pelas respectivas famílias. Ademais, conforme o já dito, Rosália não amava o marido.
Por conta disso, não pôde ser feliz no casamento, ao se ver obrigada a casar-se.
No entanto, apesar de sua resistência em relação a isso, sabia perfeitamente que ele também não se casou com ela por escolha própria. Fora um casamento arranjado. Infelizmente, um costume da época.
Mas ao contrário de Rosália, Ataúfo, gostava dela. Nutria por ela um sentimento de afeto, talvez até mesmo de amor. Durante o pouco tempo em que casados foram, sempre fora atencioso com ela.
Por isso, ao descobrir-se traído, não podia crer na traição. Não merecia isso.
Sentindo-se torturado pela verdade, fez todo o possível para descobrir o autor da traição. Durante semanas torturou todos os escravos jovens da fazenda. Todos os que possuíam uma boa aparência. Todos os que pudessem chamar a atenção de Rosália por sua beleza.
Odiou ter que fazer isto, mas não se preocupou nem um pouco em infligir mais sofrimento, a nobre negra raça. Só queria fazer uma coisa. Se vingar da traição. Nem que para isso fosse preciso torturar todos os escravos da fazenda.
No entanto, somente depois de algumas semanas, é que seu deu conta de uma coisa.
Quem era o negro que passara diversas tardes conduzido-a até a cidade mais próxima? Quem era aquele escravo que a ajudava a se acomodar na carruagem por diversas vezes? Que a cumprimentava sempre que a via, fingindo uma atitude de reverência e respeito? Que sempre educadamente se dirigia a ela?
Transtornado, mandou chamar a escrava que a acompanhava nestas viagens.
No que esta sentindo-se pressionada, ao ver que não lhe restava outra alternativa senão confessar, contou que, apesar de sempre partir com a patroa, depois de um certo tempo de encontros, passou a não mais acompanhá-la. Ficava em uma casa, próxima ao vilarejo. Nesse local, conforme prometido pela patroa, podia passar as tardes com seu filho. Filho este que Dona Rosália comprara de volta de um rico senhor de escravos.
Tudo isso por que Ataúfo havia vendido a criança para outro fazendeiro, amigo seu, que também vivia naquelas cercanias.
Diante disso, Rosália, ao descobrir o paradeiro da criança, tratou de comprá-la. Comprou também o pai da criança, que também por lá vivia. Ao tê-los como sua propriedade, tratou de libertá-los. E cuidou também, para que tivessem onde morar. Para isso, adquiriu a casinha que ficava no caminho para a vila. Com todo o cuidado, os instalou ali, para que assim pudessem se reencontrar com ela, toda vez que por lá passassem.
E assim, Corina passava as tardes com sua família, enquanto sua patroa ficava a sós com o escravo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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