Poesias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 6

E assim, muito embora tivesse conhecimento de sua condição, não gostava de Ataúfo. Não gostava por que, sempre que o mesmo se reportava a ela, fazia questão de ser severo.
Sim, Thereza permaneceu na fazenda de Ataúfo. Porém desde pequena sempre fora tratada como uma reles escrava. Além disso, apesar de toda sua dureza com os escravos, ainda assim, com Thereza era ainda pior.
Isso por que, para desapontamento de Ataúfo, a moça agora, com treze anos, passara a trabalhar na casa grande, junto com outras escravas. Exigência de Rodrigo, que gostava dela e fazia todo o possível para ajudá-la.
Percebendo que ela não adaptava na colheita do café, Rodrigo sugeriu a Ataúfo que este providenciasse para que uma de suas escravas passasse a cuidar da sede. Contudo, sem saber, o fazendeiro levou para casa Thereza, fruto da tragédia que se abateu sobre sua vida.
No entanto, quando soube do engano, já era tarde para corrigir.
Além disso, Rodrigo, igualmente filho de um branco com uma escrava, fez questão de enfrentá-lo e dizer que se mandasse Thereza de volta para a plantação, ele também o faria, deixando de lado seus estudos e afazeres domésticos.
Sim por que Rodrigo, era um excelente cavaleiro.
Ataúfo então, sem ter alternativa, concordou em mantê-la em casa. Porém, sempre que podia, aproveitava para implicar com ela.
Isso para Thereza era muito estranho, já que não havia motivo nenhum para tanta implicância.
Seus pais porém, sabedores de seu passado e temendo que ela desconfiasse de algo, resolveram lhe dizer que Ataúfo sempre fora implicante e que não havia nada de errado com ela.
Mas Thereza não estava convencida disto.
No entanto, apesar da sistemática implicância de Ataúfo com ela, Thereza passou a deixar isso de lado. Afinal de contas, para conseguir trabalhar na casa grande foi preciso muito empenho de seu amigo Rodrigo.
Sim, por que ali, em meio a tantas pessoas hostis e desconfiadas, Rodrigo era o único amigo que tinha por ali.
Isso por que, mesmo os outros escravos a olhavam com desconfiança.
Estes a olhavam com desconfiança por que sabiam de sua triste história. Além disso, temendo represálias de Ataúfo, não queriam saber de aproximação com ela.
Por essas e por outras que Thereza cada dia mais, ficava desconfiada de que havia algo errado. Porém, para evitar a preocupação dos pais, passou a evitar comentar esses assuntos perto deles. Mas ela sabia que todos escondiam alguma coisa. Algo que talvez até, tivesse alguma relação com ela.
No entanto, sabia que não poderia pressionar as pessoas para que contassem. Se assim procedesse, fatalmente conseguiria o efeito reverso. Assim, para descobrir alguma coisa, precisava ter cautela.
Dito e feito. Para diminuir a prevenção que tinham com ela, Thereza passou a se dedicar mais aos serviços domésticos.
Prestativa, sempre se oferecia para ajudar as outras escravas quando terminava suas tarefas.
Com isso, pouco a pouco foi ganhando a confiança de todos os escravos que trabalhavam na sede da fazenda.
E assim, procurando desempenhar cada vez melhor o seu trabalho, passou até a dormir na cozinha da casa grande, tudo isso para que pudesse estar o mais cedo possível, na casa trabalhando.
Assim, depois de um certo tempo, todos os escravos – que antes a aceitavam com relutância entre eles –, passaram a dirigir-se a ela e a lhe perguntar sobre o que estava achando de trabalhar na casa grande.
Isso causou espanto em Ataúfo. Este, acostumado a sempre ver Thereza sozinha, ficou incomodado ao saber que a moça tinha conquistado tantos amigos.
Para ele, a mágoa do passado não havia diminuído nem um pouco, e movido ainda por um sentimento de vingança, sentia cada vez mais ódio por aquela moça.
Contudo, não queria demonstrar sua insatisfação. Assim, sempre que seu feitor ou qualquer outra pessoa fazia um comentário a respeito de Thereza, Ataúfo fazia questão de deixar bem claro que não estava nem um pouco interessado em saber dela.
E assim, encerrava a conversa.
No entanto, apesar do desinteresse do fazendeiro pela sorte da moça, o que assegurava sua permanência na sede não era isto. O que garantia que ela continuasse a cuidar da casa era a insistência de Rodrigo em ajudá-la, e Thereza sabia muito bem disso.
Por esta razão, Thereza pensando melhor sobre isso, passou a desconfiar de tamanha influência. Sim, por que tudo o que Rodrigo pedia ao sinhô era atendido. Além disso, o rapaz, ao contrário de todos os outros trabalhadores da fazenda, não era escravo e sim, liberto.
Era muito estranho.
Por esta razão Thereza começou a pensar.
Por que tanta proteção para Rodrigo? Acaso o Sinhô Ataúfo tinha alguma predileção por ele? E se tinha, como ficavam seus filhos Diego e Ricardo nessa história?
Realmente, era tudo muito estranho. Até por que, pelo histórico de Ataúfo. Um homem duro e cruel com os escravos. Ele jamais faria qualquer coisa boa para um deles, se não houvesse uma forte razão para isso.
Obcecada pelo mistério que circundava a sua história e a de seu amigo, Thereza prometeu a si mesma que faria todo o possível para descobrir o que havia acontecido.
Certa vez, entrando em um dos quartos da sede para recolher roupas para lavar, escutou uma briga entre Diego e Rodrigo.
A briga tinha um motivo específico. Diego – que nesta época já era um rapaz de dezessete anos –, sentia-se incomodado com a atenção excessiva de seu pai a Rodrigo.
Pois Rodrigo não era um simples negro como os outros? Então pra quê tanta proteção?
Sim por que Rodrigo, ao contrário do que se poderia imaginar, estava tendo o mesmo tipo de educação, que Diego e Ricardo. E qual a razão de tudo isso?
Mas Rodrigo, sem qualquer interesse em se envolver em discussões, disse ao mancebo que se havia algo que o incomodava tanto nessa história, devia perguntar ao seu pai, o por quê disso. Por que ele, de nada sabia, e assim, não tinha como responder aos seus questionamentos.
E assim, mesmo diante de provocações, Rodrigo afastou-se e caminhou em direção a sala.
Thereza então, antes que o amigo saísse, escondeu-se e entrou furtivamente em outro quarto, passou a trocar as roupas de cama e recolher as peças sujas para que fossem lavadas.
Contudo, apesar de ter ouvido toda a discussão, nem por um momento pensou em comentar nada com o amigo sobre isso. Temerosa de aborrecê-lo, resolveu guardar para si a história.
Entretanto, conforme aumentava a sua convivência com os escravos, mais e mais percebia que havia algo errado.
Um dia, ao perguntar ao seus pais, detalhes sobre seu nascimento, sua mãe, pega de surpresa, ficou sem palavras. Porém, procurando contornar a situação, disse que fazia algo tempo que tudo havia acontecido, e por ter sido um parto complicado, não se lembrava muito bem.
Mas mesmo diante das desculpas da escrava, Thereza não ficou inteiramente convencida.
E assim, cada vez mais constatava que estava próxima de descobrir a verdade.
No entanto, procurando disfarçar seu interesse em descobrir o havia de errado em sua vida, passava a ficar cada vez mais tempo na casa grande.
Contudo, ao contrário do que freqüentemente acontecia, Ataúfo, que passava o tempo todo a implicar com ela, nos últimos tempos, parecia não se importar com sua presença.
Mas, ao contrário do que o fazendeiro esperava, Thereza ficou espantada com seu estranho comportamento. Sim, por que para ela, acostumada com aquela vida, ninguém mudava assim, de repente. Para ela, parecia que realmente havia algo a ser escondido.
Uma vez, ao começar mais um dia de trabalho, antes de entrar na cozinha da sede, ouviu surpresa os comentários feitos por duas escravas sobre ela.
-- Thereza está bem empenhada em permanecer na casa grande.
-- É mesmo. Nem parece que a filha daquela sinhá desavergonhada, é ela. Mais parece uma escrava comum.
-- E o que vosmecê pensa, acaso pensou que o Sinhô Ataúfo iria deixá-la permanecer aqui se não fosse um pedido de Rodrigo?
-- É mesmo. Essa moça tem muita sorte.
Provavelmente a conversa prosseguiria não fosse Thereza derrubar inadvertidamente, um vaso de barro que estava no chão.
As escravas ao ouvirem isso, assustaram-se e trataram de mudar de assunto. Temendo que fosse Ataúfo que estivesse a entrar na cozinha, começaram a trabalhar.
Mas eis quem surge entrando na cozinha.
Era Thereza, igualmente pronta para mais um dia de trabalho.
A moça de vez em quando aproveitava para dormir na senzala junto com os pais. As generosas pessoas que cuidaram dela durante todo esse tempo.
Muito embora ela ainda não soubesse de sua verdadeira origem, devotava aos dois escravos o mais profundo respeito. Isso por que, apesar do ambiente em que viviam, conseguiram com dignidade manter a família unida.
E Thereza grata, guardava com carinho as lembranças de uma época muito difícil em sua vida.
Isso por que, viver numa senzala não era fácil.
Além disso, desde de cedo foi compelida a trabalhar, assim como todas as outras crianças, filhas de escravos. Não havia desculpas.
Contudo, por serem pequenos, não sabiam trabalhar direito. Por isso, freqüentemente eram castigados.
Mas Thereza, ao contrário das outras crianças, era quem mais sofria com os rigores daquela vida.
Constantemente repreendida por Ataúfo, Thereza sentia um verdadeiro horror quando este se aproximava. Isso por que, sabia que ouviria pesadas recriminações e críticas. Mesmo sem nunca ter sido espancada por ele, sabia perfeitamente o quanto ele podia ser duro e cruel. Com uma só palavra, ele conseguia atingi-la tão fundo, que ela poderia ficar chorando por horas.
No entanto, as coisas foram mudando. Conforme ela crescia, muito embora a implicância aumentasse, cada vez mais ela passava a ignorá-lo. Com o passar dos anos, passou a não se importar com suas palavras.
E assim, muito embora não desse mais importância a suas palavras, não simpatizava nem um pouco com sua figura. Porém, isso não era nenhuma novidade. Nem mesmo os demais escravos gostavam dele.
Ataúfo era considerado um escravocrata duro e insensível.
Somente Diego e Ricardo – seus filhos –, se importavam com ele.
Assim, como já era de se esperar, tanto o mais velho Diego, como Ricardo – um ano mais moço –,eram muito parecidos com seu pai.
Isso por que, desde cedo acostumaram-se a vê-lo tratar duramente os escravos.
E estes, ao ver que os escravos obedeciam a vontade férrea de Ataúfo, ficavam fascinados.
Com o passar dos anos, o pai passou a ser um exemplo a ser seguido.
Tanto que agora se comportavam igual a ele. Diego principalmente. Este sempre que via um escravo, fazia questão de humilhá-lo. Fazia isso como forma de mostrar quem passaria a mandar na fazenda quando Ataúfo partisse.
Mas Ricardo era o oposto disso. Apesar de exigente com os escravos, não concordava com a idéia de que maltratá-los seria a melhor forma de fazer com que trabalhassem.
Entretanto, Ricardo era um só, para discordar.
E com isso, os escravos continuavam submetidos ao jugo do cruel fazendeiro.
Porém, apesar das divergências seus filhos gostavam de acompanhar o pai em seu trabalho de cuidar da fazenda.
Em razão disso, Ataúfo, seguindo o exemplo de seu pai, que desde cedo lhe ensinou o valor do trabalho, passou ainda na infância dos mesmos a lhes ensinar montaria e a como cuidar de uma fazenda.
Tanto que agora, crescidos, os dois ajudavam e muito a cuidar da propriedade.
No entanto, ainda eram muito jovens para administrarem a fazenda sozinhos. Mas, ciente de que seus filhos dariam continuidade a seu trabalho, passou pouco a pouco a lhes ensinar os segredos da fazenda.
Mas, voltemos ao que interessa, Thereza, ao ouvir os comentários das escravas, fez o possível para disfarçar sua surpresa. Ao ver as escravas assustadas, tentando disfarçar, tratou de ignorá-las. Procurando por panos e esfregões para limpar a sala, assim que os achou, tratou logo de sair dali.
Foi então que comentaram:
-- Será que ela ouviu alguma coisa?
-- Eu acho que não.
E continuaram o trabalho.
Nisso Thereza passou a limpar a sala.
Ricardo que ainda estava na casa, apareceu na sala.
Este, ao vê-la trabalhando, fez questão de cumprimentá-la e perguntar-lhe o que estava fazendo.
-- Trabalhando. – respondeu.
Foi então que ele comentou que realmente a casa estava precisando de um cuidado maior. Assim, percebendo que ela estava ocupada, desculpou-se e saiu.
Precisava percorrer a fazenda com o pai e o irmão.
Ricardo, apesar de trabalhar com os dois, procurava sempre tratar os escravos com respeito. Mesmo sendo censurado pelo pai e pelo irmão, não gostava de humilhá-los. Para ele as surras no tronco só deveriam ser aplicadas se nada mais resolvesse.
Mas como já foi dito, ele era apenas um contra a dura vontade de seu pai e o gênio irascível de seu irmão.
 
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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