Poesias

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 1

Manhã. Outubro de 1853. Neste dia nasceu Thereza, filha ilegítima de uma ilustre dama.
Dama esta que casou-se com um rico barão, produtor de café, da região do Vale do Paraíba. Mas não nutria por ele, nenhum sentimento de afeto.
Muito embora ele gostasse muito dela.
Por essa razão, por sentir-se infeliz ao seu lado, envolveu-se com outra pessoa, e desse envolvimento veio a ter um filho. Filho este que destruiu a vida do casal, já com dois filhos. Ambos advindos do relacionamento conjugal do casal.
Eram dois meninos. Na época, com dois e três anos, respectivamente. O senhor Ataúfo, os adorava. De vez em quando, adentrava o quarto de ambos e ficava a velar-lhes o sonho. Poderia passar a noite inteira vendo-os dormir.
Daí se podia constatar que sempre fora um pai presente. Gostava dos filhos. E amaria mais ainda esta criança, se ela fosse fruto de seu casamento.
Mas não era.
Depois de alguns dias de nascida, a criança, que nascera clarinha, começou a adquirir uma coloração mais escura.
Diante disso, Seu Ataúfo passou a desconfiar. Como uma criança, sangue de seu sangue, poderia ter aquela cor? Logo ele que era tão branco e sua esposa, era igualmente clara.
Incerto quanto a origem da criança, dirigiu-se furioso aos aposentos onde estavam a mulher e o bebê, e interpelou-a.
-- De quem é esta menina?
Assustada, diante de tão inesperada indagação, só pôde responder:
-- Como de quem é? É sua filha.
Ao ouvir isso, furioso, Ataúfo aproximou-se da esposa e começou a sacudi-la violentamente.
-- Não. Não é minha filha. Não minta pra mim. Diga-me, quem é o pai desta criança? Quem é o autor desta desonra? - disse gritando, certo de que havia sido traído.
-- Eu já disse, é sua filha. – insistia desesperada, a esposa.
-- Eu vou descobrir quem foi o autor disto, e quando eu descobrir, vocês três serão mortos.
Disse isso e saiu do quarto, enfurecido.
Obstinado que era, Dona Rosália sabia, que era só uma questão de tempo, seu marido descobrir o que se sucedera. Por isso, temia pelo futuro da filha.
Contudo, em decorrência do parto, não conseguia ficar em pé por muito tempo. Para piorar, não podia contar com a ajuda de ninguém da família.
Para salvar sua filha, precisaria agir sozinha, portanto. Mas o que faria? Pensava, pensava, e nada lhe vinha a mente. O que a fazia ficar mais alvoroçada. Não podia deixar a filha entregue a própria sorte.
Se ela morresse, não poderia permitir que a filha tivesse o mesmo final que ela.
Assim, quando sua mãe adentrou o quarto, logo lhe pediu:
-- Mãe, por favor. Me ajude a salvar minha filha.
-- Que filha?
-- Mãe. Como que filha? Thereza, minha filha.
-- Essa bastarda?
-- Mãe. Ela não tem culpa de nada. – disse visivelmente nervosa.
-- Tem sim. Ela é nossa vergonha, assim como vosmecê. Como tivestes coragem de trair seu marido?
-- Mãe, me perdoe. Por favor, me perdoe. – implorou quase chorando.
-- Não sou eu quem tem que perdoar-te. É o teu marido.
-- Por favor, peça a ele que não mate a menina. Por tudo o que há de mais sagrado. Não deixe minha menina morrer. Por favor. – insistiu sem poder conter as lágrimas que rolavam por seu rosto. -- Por favor, mãe.
-- Não envolva Deus nessa imundice. Tu não és digna de pronunciar o seu nome.
Disse isso, e saiu do quarto batendo a porta. De dentro do quarto Rosália gritou desesperada, para que sua mãe a ajudasse a proteger Thereza. Enfraquecida, não podia tomar para si a defesa da filha. Precisava ficar deitada a maior parte do tempo. Ainda não estava totalmente recuperada do parto.

Com isso, conforme os dias se passavam, mais desesperada ficava.
Não traziam a menina para que ela pudesse ser amamentada. Desesperada, chegou a gritar para o marido que ele era um assassino.
No que o mesmo negava ter feito alguma coisa com a criança.
Afinal, depois de algum tempo, ao ouvir o choro de bebê pela casa, tranqüilizou-se. Muito embora soubesse que sua filha não estava a salvo, decerto, o esposo traído estava esperando a melhor hora para se vingar de todos.
Realmente.
Para concretizar sua vingança, Ataúfo primeiro precisava descobrir o nome do amante da esposa.
Nome este que Rosália guardava a sete chaves. Nem sob a promessa de poupar a menina, Dona Rosália se animou a contar o nome do amásio. Não queria que toda a ira do marido se voltasse contra ele.
Sabia que Ataúfo, direcionaria toda sua ira contra o jovem escravo com quem tivera um caso.

Com Rubens, teve bons momentos. Sentia-se feliz ao seu lado. Não fossem as circunstâncias, teria fugido com ele para longe dali.
Mas não podia. Tinha dois filhos com o marido. Não podia simplesmente abandoná-los. Também não poderia levá-los consigo.
Seu marido os caçaria a vida inteira se tentasse fugir com os meninos.
Assim, não lhe restara outra alternativa a não ser viver alguns momentos ao lado do escravo.
Apesar de não ser escravo da casa grande e trabalhar na lavoura, possuía um bom porte. Era alto, forte, e além de tudo, notava-se que possuía alguma instrução. Tudo isso atraiu a atenção de Dona Rosália, quando o conheceu.
Precisando sair, o Senhor Ataúfo imediatamente o chamou para conduzir a Senhora Rosália de carruagem até a cidade. Por precaução, a ilustre dama foi acompanhada de uma de suas criadas que fazia as vezes de dama de companhia.
Inúmeras vezes, Rosália fez esse trajeto na companhia do escravo. Apesar da boa impressão que teve do rapaz, na primeira vez que o viu, não passou disso.
Mas, conforme iam se sucedendo os passeios, Rosália se sentia cada vez mais interessada pelo jovem escravo.
Quanto ao jovem, salvo nas vezes em a ajudava a subir na carruagem, este não demonstrava nenhum grande arroubo ao vê-la. Discreto, preferia admirá-la à distância.
O escravo, conduzia a carruagem pela estrada até chegar a uma pequena vila, onde Rosália comprava algumas miudezas para si e para os filhos, e também, algumas coisas para a casa.
Era um trajeto longo. O que possibilitava encontros. Não havia como se precisar o tempo que gastavam na viagem. Dependendo das condições da estrada, poderia se demorar menos ou mais para chegar na cidade.
Com isso, o escravo, calado, seguia a viagem, conduzindo a ilustre dama e sua acompanhante.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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