Poesias

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 19

Cauteloso, procurou pensar um pouco antes de começar a falar. Não queria falar mais do que o necessário. Por isso o esforço em ser contido.
Com isso depois de muito pensar, começou a contar que não era nascido naquela cidade. Mas desde sua morte vivia ali.
No entanto, muito antes disso acontecer, passou a residir naquele município. Estava instalando uma filial de seu banco, o famoso Banco Lopes. Estava tudo indo muito bem.
Contudo, alguns anos depois, o banco passou por uma pequena crise. Crise esta que fez o Senhor Morales perder uma significativa quantia em dinheiro, fato este, que diminuiu sua credibilidade, e lhe prejudicou os planos de entrar para a política.
Por isso, Seu Morales teve que adiar os planos para ser prefeito da cidade. Com o patrimônio abalado, não pôde fazer investimentos na cidade por um longo tempo.
Foi então que Raíssa impaciente, perguntou:
-- E onde foi que o senhor e a Senhorita Morales se conheceram?
Aborrecido, o cavalheiro pediu-lhe que não interrompesse e continuou sua narrativa.
Eu a conheci depois da crise pela qual meu banco passou. Muito embora tivesse tido problemas, logo pude resolvê-los e ressarci todos os que investiram no meu estabelecimento, através de aplicações que havia feito com meu próprio capital reinvestido.
No entanto, mesmo assim, o Senhor Morales me acusou de desonestidade.
Dizia-me que se eu não tinha cuidado com o dinheiro alheio, não deveria ser dono de um banco.
Tentei ressarcir seus prejuízos, mas mesmo assim ele não me perdoou. Mesmo ciente de que tivera prejuízos com investimentos em outros bancos, só se preocupou em acusar a mim.
E nisso ficou falando dos enfrentamentos que teve com o respeitável aristocrata.
Disse que estava dando continuidade aos negócios de seu pai, mas não era um deles. Não era um aristocrata, era um homem rico que nascera pobre, mas que lutou para mudar sua sorte.
Com dinheiro passou a se preocupar em ter um certo nível cultural. Contratou professores para se aprimorar. Aprendeu a se vestir melhor, a falar melhor, a se comportar melhor. Enfim, era um perfeito cavalheiro. Tão refinado que chegou até a ser mais sofisticado do que muitos dos aristocratas tradicionais com quem tratava.
Viajou, conheceu outros países.
Por fim, era uma companhia interessante, e um ótimo partido para as mulheres das cercanias.
E o homem continuou conversando com Raíssa, contando-lhe muitas coisas.
Contou-lhe que fundou o primeiro banco na cidade onde nasceu. Que retornou diversas vezes para lá, depois que passou a residir na cidade vizinha.
E assim, continuou comentando sobre sua vida de luxo em Água Viva, de como foi bem recebido pela sociedade do lugar. De que, com o passar do tempo, passou a ser respeitado em toda a região. Região, leia-se, todas as cidades próximas. Sim, viajava muito. Por isso, conheceu boa parte das cidadezinhas do lugar.
Se envolveu com algumas mulheres.
Mas só se apaixonou de verdade pela Senhorita Morales. Conhecera a moça, em baile organizado por amigos em comum dele, e da família da moça. Daí o encontro.
Quando a viu pela primeira vez, num baile de máscaras, não sabia que era a filha do Senhor Morales.
Assim, sem defesas, interessou-se pela moça. Dançou com ela durante quase todo o baile.
Conversaram sobre coisas prosaicas. Encantados que ficaram um pelo outro, chegaram até a sair, por poucos instantes, do salão. Ficaram passeando no jardim, admirando esculturas, lindas estátuas que enfeitavam o jardim. Felizes, observaram a lua.
Foi nesse instante em que ficaram a sós, que finalmente tiraram as máscaras e puderam ver os respectivos rostos.
O homem misterioso então continuou:
-- Foi então que eu percebi, naquele instante, que aquela era a mulher da minha vida.
-- Tocante. – interrompeu Raíssa.
Mas o cavalheiro não se incomodou, continuou sua narrativa.
Contou que retornaram ao salão, continuaram dançando durante mais algum tempo.
Até que finalmente o Senhor Morales puxou-a pelo braço e a obrigou a ficar perto dele.
Foi aí que ele descobriu que havia dançado durante quase todo o baile, com Beatriz, a filha do Senhor Morales.
Desconcertado, não sabia o que fazer, mas sabia que dependia dela para alcançar sua felicidade. Estranhamente, a partir do momento em que a viu, passou a ter certeza de que ela era a pessoa certa para ele. Obcecado, pensava nela a todo instante.
Teimosamente, passou a procurá-la em todos os lugares que sabia que freqüentava.
Apaixonado, tentou diversas vezes, conversar com seu pai. O que não resultou em nada.
Irritado que estava com o Senhor Frederico Lopes, a última coisa que queria, seria, encontrar-se com ele. Odiava-o.
Assim, inúteis resultaram suas tentativas de uma trégua.
Com isso, não lhe restou mais nada, senão passar a se encontrar furtivamente com a moça.
Embora admitisse que isso era desonroso para um homem que sempre fora correto como ele, sabia que, se não o fizesse, nunca mais poderia ver sua amada. E como gostava muito dela, não poderia deixar que isso acontecesse.
Por esta razão, o casal, passou a se encontrar escondido.
Nas rápidas vezes em se viam, planejavam os tão esperados encontros.
Além disso, podiam contar com a discrição da dama de companhia de Beatriz, que sempre os avisava quando alguém estava por se aproximar.
Contudo, apesar de apaixonados, não puderam concretizar seu amor em toda sua plenitude.
Em razão disso, o misterioso cavalheiro parou de falar.
Raíssa, então, ao ver que o estranho homem vacilava, insistiu para que ele prosseguisse em seu relato. Curiosa, queria saber o final da história.
Como o homem pensava em terminar a conversa, Raíssa ficou irritada e lhe disse que, se não terminasse o que começou, ela não sairia dali.
Por isso, diante de tão decisiva e abrupta manifestação, não lhe restou outra alternativa, senão continuar o seu relato.
E nisso, melancólico, o misterioso homem, que só sentia saudades do que conseguia se lembrar, lembrou-se dos inúmeros encontros que tivera com a jovem senhorita.
Lembrou-se de um encontro que tiveram num lago. Mesmo com o risco de serem pegos, uma única vez fizeram um pequenique no parque. Lá havia um lindo lago com alguns patos, que recebiam alimento dos visitantes.
Ali viveram uma de suas mais belas tardes juntos.
Conversaram, fizeram planos de futuro. Nesse dia o jovem Frederico lhe confessou que a adorava, que sentia que era a mulher de sua vida. Contou-lhe sobre seu passado. Que nascera pobre, mas que progredira. Alegou que não teve culpa pelo que acontecera a seu pai. Disse-lhe ainda que, diversas vezes tentou reembolsá-lo dos prejuízos que sofrera muito embora não tivesse sido o seu causador. Mas não logrou êxito em suas tratativas com o Senhor Morales.
Atenciosa como sempre, a moça lhe disse que ele não deveria se sentir culpado pelo ocorrido. Afinal, se tentou acertar as contas com o ilustre aristocrata, não poderiam lhe acusar de inescrúpuloso.
E assim, entre sorrisos e palavras, passaram a tarde deleitando-se com saborosos quitutes elaborados por sua criada.
Para que não levantar suspeitas, o jovem cavalheiro mandou preparar uma bela cesta com quitutes para um convescote.
Feliz, lembrou-se que puderam até admirar o pôr-do-sol e a beleza de suas luzes se refletindo no lago.
No volta, a jovem senhorita seguiu na carruagem de Frederico, até a saída do parque. Lá, os dois se despediram, e a jovem seguiu a pé.
Gentil, o rapaz tentou oferecer-lhe carona até a praça central da cidade, mas a ilustre dama recusou.
Temendo ser descoberta, resolveu não aceitar o oferecimento. Mesmo insistindo para que ela fosse na carruagem e ele seguisse a pé, ela não aceitou. Poderiam descobrir que se tratava dele.
Enfim, retornou a pé para casa.
Preocupado, o Senhor Lopes quis se certificar, com a dama de companhia da jovem, do que acontecera quando ela chegou em casa.
Cautelosa, a escrava disse-lhe que apesar de ter ela sido admoestada, o Senhor Morales não desconfiou, nem por um momento, de que esta encontrava-se com seu desafeto.
No entanto, ficaria de castigo até segunda ordem. Afinal de contas, como pode demorar-se tanto em seu passeio? Como reprimenda impingiu-lhe ainda mais um castigo, ficaria sem cear.
Quanto a escrava, esta ficaria afastada de suas funções por um bom tempo.
Maçada! Isso deixou o Senhor Lopes deveras desolado. Afinal como faria agora?
Impaciente, não lhe restava mais nada senão esperar. Não tinha escolha.
Se enfrentasse o pai da moça, provavelmente ela sofreria as conseqüências de seu gesto impensado.
Não, realmente não poderia expô-la dessa maneira. Além disso, não era chegada a hora em que poderia confessar-se.
Primeiro precisava restabelecer a confiança do Senhor Morales nele. Mesmo ciente de que isso seria quase impossível de se conseguir.
O cavalheiro, enquanto confidenciava sobre seu passado com Raíssa, contou-lhe que tencionava casar-se com a jovem. Disse que sentia saudades dos encontros com a jovem. Que a adorava.
Falou dos passeios que freqüentemente faziam, longe da cidade. Ainda melancólico, revelou que algumas vezes chegaram a se tocarem.
No que Raíssa interrompeu-o:
-- Fizeram sexo.
Aborrecido, o Senhor Lopes lhe disse:
-- Mas que falta de modos. É isso que se aprende na escola?
No que ela retrucou:
-- Não. O que se aprende na escola é muito pior.
Nisso, o misterioso cavalheiro, continuou sua narrativa.
Confessou que realmente, tiveram relações. Durante algumas semanas, chegaram até a viver como se casados fossem. Isso porque a moça viajaria por algumas semanas para longe.
Essa fora uma forma do Senhor Morales, afastar a filha, por algum tempo, da cidade.
Precavido, tratou logo de arrumar uma nova dama de companhia para ela.
Assim, como responsável pela moça, uma outra dama de companhia acompanhara esta em sua viagem.
Entrementes, apesar de inicialmente isso ser um obstáculo, a mulher solidária, concordou em não contar nada ao pai dela.
Cautelosos, planejaram tudo cuidadosamente, para que pudessem ficar juntos por algum tempo.
Assim, rumaram para a cidade de Água Branca.
Lá, passaram-se por casados. Foram convidados para inúmeras festas, ceias.
Passearam pela cidade.
Nesses passeios, cumprimentavam os moradores do local. Conhecido que era por todos, Frederico não teve trabalho nenhum para inserir sua suposta esposa, no seio da melhor sociedade do lugar.
Afinal, era amigo do prefeito e dos demais políticos, que lhe deviam favores. Mas, gentis ou não, todos se encantaram com sua esposa.
Dedicada, Beatriz cuidou muito bem da casa do ‘marido’, enquanto por lá permaneceu.
Admirados e queridos pelos moradores do lugar, chegaram até a organizar uma festa convidando os mais importantes moradores de lá, para participarem.
Por duas semanas, enquanto ele trabalhava, já que ali estava a matriz de seu banco, Beatriz se encarregou de preparar uma suntuosa recepção para todos os moradores da cidade.
A festa seria um verdadeiro baile de gala para que, finalmente fosse conhecida por toda a sociedade do lugar.
Fora uma festa memorável.
Segundo o misterioso cavalheiro, os dois dançaram por toda a noite. Em alguns momentos, enquanto dançavam, os convidados paravam todos para admirar o casal.
Encantados, comentavam:
-- Como são felizes.
-- Com são bonitos. Parecem que nasceram para ficarem juntos.
-- Nunca vi um casal tão bonito, e tão feliz.
Os dois eram realmente, objeto de adoração dos moradores da cidade. Dois seres encantadores.
Foi então que Raíssa, novamente interrompeu-o:
-- Que comovente! Isso tudo é verdade, ou é fantasia de sua imaginação delirante?
Nisso, o homem misterioso, lhe pediu para não o interromper novamente.
E entretido que estava, continuou sua narrativa.
Disse então, que de tão entrosados que estavam, chegaram até, a fazer curtas viagens para lugares mais afastados.
Conheceram outras cidades, outros lugares. Visitaram fazendas, lugares históricos, museus. E também, dormiram na mesma cama.
Durante todo o tempo em que estiveram juntos, pôde contar-lhe melhor sobre sua origem, sua família, sua história.
Apaixonado, também ouviu com atenção a história da aristocrata, a origem nobre de sua família. Contou-lhe que foram seus ancestrais que há quase cem anos, fundaram a cidade.
Enfim, para todos eram um casal apaixonado e feliz. Tão feliz que não despertaram suspeitas sobre os moradores do lugar com relação ao verdadeiro estado civil dos dois.
Aliás, tão felizes, que chegaram em certos momentos, a esquecer-se de que tudo aquilo era uma brincadeira. Que mais cedo ou mais tarde, precisariam retornar para Água Viva.
Foi então que ele sugeriu que se casassem. Poderiam ir para outra cidade mais longe dali e se casarem. Assim, quando voltassem para lá, seu pai, o Senhor Morales, nada poderia fazer para impedir que ficassem juntos.
O jovem Frederico insistiu com a jovem para que ficassem juntos, para que ela não voltasse para casa. Prometeu que a manteria e que depois poderiam convencer a seu pai de que não tiveram alternativa, se amavam e precisavam ficar juntos.
Mas ela se sentia insegura. Não queria afrontar o pai. Queria que tudo acontecesse de uma maneira mais tranqüila.
No que Frederico não concordava com ela. Sabia que o velho senhor era teimoso. Talvez, jamais o aceitasse, e ele, apaixonado que estava, não iria aceitar separar de sua amada.
Decepcionado que ficou com o comportamento reticente da moça, chegou diversas vezes a lhe perguntar se realmente sentia por ele, o que ele sentia por ela. Disse-lhe que a amava e que faria de tudo para não perdê-la. Mas disse também, que, se soubesse que o sentimento que lhe devotava, não era reciproco, aí, nada poderia fazer. Simplesmente a deixaria ir. Muito embora com pesar, mas não lutaria por alguém que não nutrisse o mesmo sentimento por ele.
Surpresa com a atitude do amado, Beatriz disse-lhe então, que não era por falta de afeto que estava recusando a proposta feita por ele. Era apenas por respeito e consideração a seu pai, que sempre cuidou dela. Um pai que embora não parecesse aos olhos dele, sempre fora muito amável e gentil com ela. Assim, não achava justo magoá-lo.
Crédula, achava que poderia convencê-lo a aceitar o rapaz que escolhera para conviver para o resto de sua vida, e assim, optou por não se casar.
Mas infelizmente, não convenceu.
Ao retornar para casa, foi recebida carinhosamente pelo pai.
Saudoso, só queria saber como fora a viagem, se tudo correra bem.
Atento, percebeu que sua filha, trazia novas cores no rosto. Parecia feliz.
Apesar de ter ficado quase três meses longe de casa, não parecia estar com muita saudade.
Diante disso, seu pai perguntou:
-- O que fizeste ficar assim, tão feliz?
-- Nada demais, adorei poder viajar. Poderíamos viajar juntos da próxima vez.
-- Realmente, quem sabe. Minha querida, você sabe muito bem que eu precisava ficar para resolver os problemas que ocorreram com minhas aplicações, com meus investimentos, principalmente com aqueles que foram realizados no Banco Lopes. O banco daquele crápula.
-- Meu pai, não digas isso. Ele tentou ressarcir-lhe os prejuízos.
Ao ouvir isso, o Senhor Augusto Morales enervou-se:
-- Como pode dizer isso? Sabes muito bem, que não se trata disso. Com os investimentos realizados, perdi o dinheiro que tencionava investir em projetos para a cidade. Sabes que sonho ser prefeito. Para poder continuar o trabalho de nossos ancestrais.
-- Entendo papai, mas o estrago já está feito. Não seria melhor o senhor aceitar a oferta dele? Afinal de contas, o senhor não investiu lá somente.
-- Eu sei minha filha. Mas não quero falar sobre isso. Conte-me sobre a viagem.
-- Mas papai. Eu escrevi tanto sobre a viagem. Mandei-lhe postais, escrevi cartas quase que diariamente. Não tenho mais o que contar.
-- Não conheceu nenhum rapaz interessante? – perguntou curioso.
-- Conheci, mas não posso contar detalhes agora.
-- Por que?
-- Por que não sei se dará certo.
E nessa conversa permaneceriam por um longo tempo, se a Senhora Morales não os interrompesse para cumprimentar a filha.
Estava feliz pelo seu retorno. Afinal, desde que nascera, nunca havia passado tanto tempo longe dos pais.
Foi aí então, que pode finalmente descansar.
Descansar, para no dia seguinte contar todos os detalhes da viagem.
E nisso os meses se seguiram.
Embora o tempo passasse célere, as coisas não se tornaram amenas para os dois que continuaram a se encontrar furtivamente.
Contudo, inadvertidamente, acabaram sendo vistos por um conhecido, amigo da família Morales, que, mais do que depressa, acabou por comentar o fato de ter encontrado a Senhorita Morales, com o Senhor Lopes.
Isso por que viu-os juntos, quando retornavam de um passeio, ao ver a moça descendo da carruagem do rapaz.
Desavisado, quando se encontrou com o Senhor Morales, chegou a cumprimentar o amigo pelo provável enlace que resultaria do envolvimento dos dois. Mas, embora não rejeitasse tal possibilidade, comentou com o mesmo, que este deveria orientar melhor a filha, pois algumas pessoas poderiam estranhar tudo isso.
Afinal de contas, ele a vira descer de sua carruagem. E como toda moça de família, não deveria ficar a sós com um homem, pois isso poderia gerar falatório.
Ao ouvir isso, Augusto Morales ficou furioso.
Enraivecido, que estava, levantou-se abruptamente do sofá e saiu da sala de sua casa. De tão enfurecido que estava, nem se despediu do amigo, atônito com sua reação.
Cego de raiva, só queria encontra a filha e lhe pedir explicações.
Quanto ao petulante Senhor Lopes, lhe daria uma lição exemplar. O ensinaria a não procurar sua filha. Já havia o prejudicado, não tinha o direito de difamar sua filha também.
E assim, ficou durante horas procurando os dois. Vasculhou todos os cantos da cidade. Perguntou aos transeuntes sobre sua filha.
Mas nada de encontrar a moça. O que deixou ainda mais desconfiado e com raiva.
Como sua filha, sua adorada criança pode atraiçoá-lo desta maneira? Não sabe ela que estava proibida de se aproximar de tão inútil sujeito?
Foi então que, ao final do dia, encontrou-a rezando, na igreja. De acordo com o padre, Beatriz passara toda a tarde ali ajudando-o e rezando. Não tinha saído de lá.
No entanto, mesmo contando com as palavras do sacerdote, o Senhor Morales continuava desconfiado. Mas como tinha verdadeira adoração pela filha, não chegou a verbalizar sua raiva para ela. Planejava ir até a casa do Senhor Lopes.
Assim, levou Beatriz para casa e saiu, depois de adverti-la de que teria um castigo por ter saído de casa sem companhia, e sem avisar sua mãe, mandou-a esperar para então dizer-lhe o castigo.
Nisso saiu de casa, e se dirigiu até a casa de Frederico Lopes.
O homem misterioso então contou que Augusto Morales lhe disse palavras extremamente duras, pesadas mesmo.
Palavras capazes de humilhar até o mais indiferente dos homens. Mas, embora estivesse sendo ofendido, não respondeu as imprecações do aristocrata. Não queria dar mais motivos para ele castigar a filha.
Por fim depois de muito ofender Frederico, o Senhor Morales lhe perguntou se havia estado com Beatriz, o que ele negou negou veementemente. Disse que depois do baile, nunca mais a tinha visto. Comentou inclusive, que estava noivo de uma senhorita de família conhecida, em sua cidade natal. Assim, não havia motivos para que Augusto desconfiasse da moça.
Quando, o Senhor Morales insistiu na alegação de que haviam sido visto juntos, Frederico continuou a negar. Afirmou que quem disse isso equivocou-se. Provavelmente confundiu sua carruagem com outra, ou mesmo a moça.
Diante disso, não restou mais nada ao Senhor Morales, senão se retirar da casa dele. Não tinha mais o que fazer ali.
Contudo, mesmo com as desculpas dadas por ambos, o Senhor Morales continuava desconfiado.
Sentia que algo muito estranho estava acontecendo.
Assim, proibiu sua filha de sair de casa.
Durante algumas semanas, Beatriz ficou reclusa. Sem poder sair, só lhe restava se dedicar aos trabalhos domésticos e a leitura.
Por horas a fio, permanecia trancada dentro de seu quarto, lendo bons livros. Machado de Assis e José de Alencar, eram seus autores favoritos. Também aproveitou para tocar piano. Agora, sem ter qualquer distração fora de casa, tinha tempo de sobra para estudar e aprender novas formas de cuidar de uma casa.
Sua dama de companhia, a que agora estava com ela, que nos últimos tempos, passou a ser sua companheira constante, foi afastada dela. Assim, isolada, não podia ter contato com qualquer dos criados. Como companhia de conversas, somente os pais.
Fato este que a entristeceu deveras. Sentia-se sozinha. Como carregava um segredo, não podia conversar com os pais, estava realmente sozinha.
Para piorar, seu pai tencionava arranjar-lhe um noivo.
Por conta da história que contara quando chegou de viagem, este começou a lhe perguntar sobre o suposto rapaz. Atormentou-a tanto com a história, que Beatriz resolveu permanecer em seu quarto enquanto estivesse de castigo.
Emocionado, o cavalheiro misterioso, continuou contando, que passou semanas angustiado. Por semanas, ficou sem notícias da amada. Mesmo com informantes, não conseguia descobrir o que estava acontecendo.
Preocupado, cogitou até, ir até a casa onde morava e confessar ao Senhor Morales que pretendia se casar com a moça e resolver isso de uma vez por todas.
Mas seus amigos advertiram-no que se assim procedesse, prejudicaria ainda mais a moça. Deveria então, ser mais cuidadoso.
Em razão disso, resolveu esperar mais um pouco. Mas pouco confiante que estava, planejava retirá-la de sua casa, mesmo que tivesse que fazer isso a força.
Casaria-se com a moça, nem que fosse a última coisa que fizesse. Se a situação não se resolvesse, enfrentaria o pai da jovem, e a tiraria de lá.
Mas, infelizmente, não foi o que se deu. Segundo o relato do estranho homem, ele não logrou êxito em seu intento. Não conseguiu ajudá-la.
Indignada, Raíssa então lhe perguntou:
-- Como não conseguiu? Não enfrentou o pai da moça? Afinal de contas, que espécie de homem você é?
Ofendido, respondeu-lhe que nem tudo aconteceu como planejara.
Realmente, chegou a enfrentar o pai da jovem. Ameaçou-lhe dizendo que a levaria dali, se ele não tirasse do castigo. Isso porque, a moça já estava a meses, reclusa em sua casa. Raramente se via Beatriz fora de casa, e quando isto acontecia, era sempre para a igreja que ía.
Com isso, logo Frederico descobriu que Beatriz estava abatida. Por meio de informantes, descobriu que a moça tinha havia até emagrecido, logo ela, que já era tão frágil.
O jovem pressentia que, se a moça continuasse a viver daquela maneira, acabaria morrendo.
Por conta disso, já ecoavam pela cidade, boatos de que Beatriz havia acabado por desmoralizar a já combalida família Morales.
Alguns fofoqueiros, cruéis, chegaram a insinuar que a jovem estaria grávida.
Quando isto caiu nos ouvidos dele, enervou-se. Como poderiam difamar tão doce criatura? Nunca fizera nada de mal para eles. Não merecia ser desmoralizada.
Assim, diante dos fatos, resolveu tomar uma atitude.
Enfrentou o pai da moça. Decidido, iria levá-la dali, custasse o que custasse.
E assim o fez. O Senhor Morales, sem alternativa diante de uma ameaça de escândalo, não teve outra alternativa senão concordar com o encontro.
Qual não foi o espanto de Frederico ao vê-la.
Descobriu-a pálida, enfraquecida e magra. Não parecia nem de longe a moça cheia de vida que conhecera meses antes. Realmente estava muito doente. Surpreso, constatou ainda, que a jovem estava grávida.
Por esta razão, ao vê-la em tão deplorável estado, se aproximou dela e carregando-a, retirou-a do quarto onde ela repousava e desceu com ela até a sala.
Ao descer, explicou ao Senhor Morales que a levaria dali. Levaria Beatriz para sua casa, cuidaria da jovem, e assim que esta estivesse restabelecida, se casaria com ela.
Com isso, enquanto a moça era levada para sua carruagem, continuou na sala, conversando com a família.
Esperançoso, foi duramente alertado de que a moça fora desenganada, e que não lhe restavam senão mais alguns meses de vida.
Ao ouvir isso, Frederico desesperou-se. Desabrido, disse apenas que faria esses meses se transformarem em anos.
E saiu da sala indo de encontro a sua carruagem.
Nas ruas, era encarado com desaprovação. Mesmo assim, não desistiria de seu amor.
E assim o fez. Cuidou dela até quando pode.
E continuou a dizer:
-- Eu nunca desistiria do meu amor. Enquanto pude, cuidei dela. Procurei todos os médicos que podia. Pensei até em viajar para a Europa, quem sabe lá eles tivessem a cura para seu mal. Debalde. Nada adiantou. Muito embora tenha melhorado um pouco, não conseguiu vencer a doença. Assim, em 16 de Outubro de 1862, faleceu, depois de muito lutar para continuar vivendo. Nesse dia, nesse maldito dia, eu não estava presente. De vingança, seu pai conseguiu tomá-la de mim. Por isso eu não estava por perto nos seus últimos momentos. Injustamente, eu não pude estar com ela no momento de sua partida. – disse sem poder disfarçar o choro.
Depois de se recompor do choro, disse a Raíssa, que somente depois de alguns meses de sua morte, descobriu que sua querida amada havia lhe escrito uma longa carta despedindo-se dele. No entanto, nunca soube o conteúdo desta carta. O impiedoso Senhor Morales a queimou momentos após a morte de sua única filha.
Mas o que importava, é que perdera a razão de sua existência.
Nada mais lhe importava.
Além do mais, quando soube que a moça estava morrendo, partiu desesperadamente em seu encalço, na vã tentativa de ter uma última conversa com Beatriz.
Mas, infelizmente, não conseguiu chegar a tempo.
Ao tentar vê-la pela última vez, não o deixaram se aproximar.
Desiludido, tentou se enforcar. No que foi, imediatamente impedido pelos únicos amigos que ainda conversavam com ele. Seus amigos ficaram tão preocupados com seu estado, que durante meses, tomaram conta dele.
Contudo, não poderiam ficar a vida inteira o pageando. Assim, aos 12 de maio de 1863, matou-se com um tiro na cabeça.
Espantada, Raíssa então perguntou:
-- Então você é realmente o que eu pensava. Um fantasma.
-- Sim, eu sou um espírito desencarnado.
-- Caramba. Isso aconteceu há mais de cem anos.
Silêncio.
Quando Raíssa voltou-se para continuar conversando com o fantasma, o misterioso homem havia desaparecido.
E, por mais que procurasse, não o encontrava. Foi então que, depois de muito caminhar pelo cemitério, percebeu uma sepultura. Na lápide estava inscrito ‘Frederico Lopes – 1834/1863 – Amigo querido e amado em vida’.
Depois de ler atentamente a inscrição, olhou para o céu. Ao olhar em volta, deu-se conta de que já era dia claro. Passara praticamente a noite inteira dentro do cemitério.
Dado o adiantado da hora, percebeu que precisava se apressar. Tinha que voltar para seu hotel e pegar sua bagagem. Afinal, tinha que voltar para casa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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