Poesias

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 22

Enquanto isso, a pequena Rosália, criada para ser uma grande dama, desde cedo, ficou sob os cuidados de Cleide, que exigente, lhe ensinava sobre boas maneiras.
A menina, obediente, seguia a todas as recomendações da prestimosa preceptora.
Tranqüila Rosália era o xodó de todos os empregados da fazenda.
Isso por que, por ter nascido em um ambiente de fazenda, a menina estava mais do que acostumada a ver cavalos e plantações. Mesmo assim, a criança não se cansava de admirar a beleza daquelas várzeas. A veiga daqueles campos a encantava sobremaneira.
Thereza, percebendo isso desde cedo estimulava Rosália a se interessar pelos assuntos da casa. Ensinando-a a cavalgar, Thereza aproveitava para lhe mostrar lugares da fazenda que a pequena desconhecia.
Rosália, ávida por novas descobertas, sempre que era chamada por Thereza ou por seu pai para passearem por aquelas terras, aceitava o convite, e cavalgando, se encantava cada vez mais com aquele ambiente bucólico.
Certa vez, ao ver a casa do sítio contíguo a fazenda, Rosália, curiosa, quis logo saber o que havia lá dentro. Thereza, lembrando-se que ali eram realizados os encontros de Abelardo, proibiu veementemente a menina de se aproximar da casa. Dizendo que aquele lugar não lhe trazia boas recordações, insistiu com a menina para que ela nunca mais se aproximasse da casa.
Rodrigo, percebendo que Thereza estava assustando a menina, pediu a mulher que não fosse tão rigorosa com ela.
Thereza, percebendo que a menina estava quase chorando, deixou-a voltar com Rodrigo para casa.
Ela por sua vez, dizendo precisava ficar um pouco por ali, esperou eles desaparecerem do seu campo de visão para adentrar a casa.
Apreensiva, ao ver o interior da construção abandonada, Thereza, percebeu que permaneciam intactos todos os equipamentos que Abelardo usara para produzir seus jornais. Emocionada, ao ver jogado em gavetas vários escritos do marido, descobriu desolada o quanto Abelardo produzira enquanto viveu apartado dela.
Apaixonado como sempre fora por ela, Abelardo, durante o período em que permaneceu longe de suas vistas, dedicou-lhe inúmeras poesias.
Curiosa e enternecida com a descoberta, Thereza passou a ler os escritos do falecido esposo.
Um a um a mulher foi lendo-os todos.
Emocionada, percebia que a cada poesia que lia mais e mais os sentimentos de Abelardo pareciam se depurar. Pesarosa, Thereza chegou a pensar se não havia sido dura demais com ele. Isso por que, sempre soube que ele fora idealista. Assim, não seria uma simples mudança de ares que o faria deixar de ser o que ele era. De tão idealista, sacrificou sua vida pela causa.
Thereza ao se dar conta disso, plangeu dolorosamente.
Reflexiva, passou longas horas naquela casa.
Pensando nos curtos anos em que pôde privar da companhia do moço, Thereza pensou que tivera o privilégio de receber dele o que ele tinha de melhor. Sua paixão pela vida.
Paixão esta que Rodrigo também possuía, embora esta fosse canalizada para interesses diferentes.
Imbuída deste pensamento que não lhe saía da mente, Thereza finalmente decidiu voltar para casa.
Ao chegar na sede da fazenda, Rodrigo preocupado, foi logo lhe perguntando:
-- Onde você estava? Demorou tanto.
Com isso, conforme os anos se passaram, Diego, em situação financeira cada vez pior, vendeu as últimas propriedades que a família tinha.
Ricardo, pesaroso com a notícia, pediu reiteradas vezes para que ambos fossem ter com Rodrigo. Dizendo que o irmão estava em boa situação, Ricardo comentou com Diego que se pedissem um empréstimo a ele, certamente o mesmo não furtaria a ajudá-los.
Diego, porém, sentindo-se desconfortável com a possibilidade de pedir um favor a Rodrigo, foi veemente. Dizendo que não precisavam da ajuda de Rodrigo, respondeu que ele podia perfeitamente salvar sozinho a fazenda.
Ricardo dizendo que há anos ele vinha com a mesma ladainha, revelou que estava cansado de ouvir sempre a mesma história.
Thereza, lembrando-se do boato que lançara há anos atrás, determinada a completar sua vingança, ao viajar novamente para São Paulo, teve o cuidado de espalhar entre os investidores da cidade que vários fazendeiros da região estavam arruinados.
Auxiliada por terceiros, muito bem pagos para tanto, Thereza conseguiu deixar os investidores receosos em contratar com alguns dos fazendeiros do lugar.
A mulher, acompanhada de Rodrigo e sua filha Rosália, aproveitou a viagem para mostrar a eles como São Paulo progredia. Rosália, habituada com a vida na fazenda, não se impressionou nem um pouco com a vida na cidade. Dizendo que viver na fazenda era muito melhor, diversas vezes perguntou a mãe quando voltariam para casa.
Isso no entanto não impediu a menina de se divertir nos parques e se encantar com a beleza dos prédios. Cleide, sua preceptora, acompanhando a família aproveitava os raros momentos que a menina ficava em casa, para lhe passar algumas lições.
Como era de costume na época, desde cedo algumas crianças, nascidas em abastadas famílias, tomavam contato com o mundo do conhecimento.
Rosália, era uma dessas crianças. Por isso mesmo desde cedo, seus pais, preocupados com sua formação, recomendaram a Cleide que passasse a ensinar a menina. Assim a mulher ensinando-lhe boas maneiras, além de história, geografia, e outros conhecimentos em voga, passou a preparar Rosália para a grande dama que ela seria um dia.
Filha de negros, diferente de sua mãe, teria desde o berço, contato com o que de melhor havia em matéria de educação.
E assim, enquanto passeavam, Cleide aproveitava para passar mais um pouco dos seus conhecimentos a menina.
A garota durante a estada da família na cidade, visitou o túmulo dos avos.
No dia seguinte, voltando para a fazenda, Thereza aproveitou para conversar um pouco com a filha durante o percurso do trem.
Rosália porém, encantada com a paisagem que conhecia desde que nascera, não estava nem um pouco interessada em conversas. Assim, Thereza teve que esperar chegar em casa para conversar com a menina.
Ao chegar na sede da fazenda, Thereza, desculpando-se com a filha sobre o ocorrido tempos atrás, convidou a menina para, no dia seguinte, fazer um passeio com ela pela fazenda.
Contente, Rosália aceitou logo.
Animada, enquanto cavalgavam a menina não se cansava de dizer como toda aquela verdura era linda.
Rosália, com sete anos, era esperta e fagueira como poucas meninas de sua idade. Ágil, era com grande prazer que os empregados da fazenda diziam a menina como tudo funcionava por ali. E Rosália, lepidamente aprendia tudo com maior facilidade.
Rodrigo comentando com a esposa que precisava visitar Ricardo, sugeriu que ela o acompanhasse.
Mas Thereza, dizendo que não estava disposta a rever Diego, comentou que preferiria permanecer em sua morada.
Percebendo que Thereza não tencionava se relacionar com Diego, Rodrigo não insistiu. Prevendo que seria mal recebido por Diego, achou até melhor a esposa não acompanhá-lo.
E assim, lá foi ele até a fazenda.
Ao lá chegar, percebeu que Diego estava cuidando da plantação. Por isso mesmo só foi recebido por Ricardo, que solícito fez questão de que ele entrasse na sede.
Ricardo, casado com Dorothéa, recebeu com toda a atenção que podia.
Sim por que, diante da difícil situação da fazenda a única coisa que podiam oferecer ao irmão, era café.
Rodrigo, percebendo a situação da família, perguntou ao irmão se não seria melhor venderem as terras. Com o dinheiro que ganhariam, poderiam começar a vida em outro lugar.
Ricardo explicou então, que Diego jamais venderia a fazenda. Comentando que já propusera isso ao irmão, respondeu que Diego, vociferando, alegou que só deixaria aquele lugar quando estivesse morto.
Rodrigo ao ouvir as palavras do irmão, ficou chocado. Porém, percebendo a situação de penúria da família, prometeu ajudá-los. Oferecendo a casa em que morava com Thereza, comentou que em caso de necessidade, eles poderiam viver por lá.
Ricardo e Dorothéa agradeceram a oferta. Contudo, dizendo que precisava convencer o irmão a vender tudo, Ricardo respondeu que tentaria mais uma vez falar com Diego.

Nisso, Diego, tentando negociar a venda de novas safras de café, tomou um novo prejuízo. Ao se dirigir a São Paulo, sabendo que boa parte dos negociantes de café viviam por lá, tentando fazer um bom negócio, não conseguiu vender nenhuma saca de café.
Sem compreender o que estava acontecendo, acabou descobrindo mais tarde, que boatos sobre uma provável praga na lavoura de alguns fazendeiros, bem como a impossibilidade de muitos deles não poderem honrar seus compromissos, fez com que os investidores e negociantes não se interessassem em negociar com ele.
Ao saber disso, o homem bem que tentou se explicar. Tentando de todas as formas possíveis convencer a todos de que aquelas notícias era falaciosas, acabou desistindo. Ninguém acreditaria nele.
Como as notícias não eram de todo mentirosas, os negociantes estavam ressabiados.
Diante disso, só coube a Diego suportar o prejuízo. Com o insucesso da venda, voltou para a fazenda.
Ricardo ao tomar ciência de que ele fracassara ao tentar vender o café produzido, ficou preocupado. Pensando no que seria de sua família, encheu-se de coragem e tentando convencer o irmão de que precisavam de ajuda, insistiu para que o mesmo pedisse um empréstimo a Rodrigo.
Qual o quê!
Diego dizendo que só estavam passando por uma má fase passageira, respondeu que já sabia o que faria.
Ricardo, percebendo que não havia nada mais a ser feito, revelou ao irmão que eles não tinham mais dinheiro para continuar investindo em novas colheitas. Se não vendessem logo a fazenda, certamente quando o fizessem só teriam prejuízos.
Irritado ele respondeu que se ele não tomasse uma atitude definitiva quanto a propriedade, ele arrumaria suas malas e iria morar com o irmão. Dizendo que Rodrigo oferecera sua casa para a família, comentou que só permanecia ao lado dele por que acreditava que poderia persuadi-lo. Contudo vendo que Diego não o ouvia, Ricardo resolveu tomar uma atitude definitiva.
Diego, percebendo que não conseguiria reter o irmão, respondeu indignado:
-- É sempre assim! Os ratos são os primeiros a abandonar o navio quando o mesmo está prestes a afundar. Pois bem! Podem ir. Só quero que saibam de uma coisa... Quando tudo estiver caminhando bem na minha fazenda, nem pensem em voltar.
Ricardo ao ouvir isso, respondeu:
-- A despeito de tudo isso, esta fazenda não é só sua. Porém, não vou brigar. Se você faz tanta questão de ser dono de uma propriedade arruinada, faça bom proveito. Eu não faço questão nenhuma de ser proprietário de nada aqui.
Diego, furioso com as palavras do irmão, mandou que ele arrumasse suas malas o quanto antes. Que sumisse o mais depressa possível de sua frente.
Ricardo guardando seus pertences, auxiliado por Dorothéa, arrumou duas malas. Era tudo o que o casal possuía de seu.
Ao colocarem seus pertences em uma charrete, Diego percebendo ambos pretendiam seguir de charrete até a fazenda de Thereza, irritado com o que ele considerava uma ousadia, os proibiu de tocarem nos animais. Dizendo que se eles queriam sair dali deviam fazê-lo por meios próprios, respondeu que não podia se desfazer de seus cavalos.
Dorothéa ao perceber que Diego se divertia em humilhá-los, pediu ao marido, que fossem logo embora dali. Dizendo que nunca fora tão ofendida, comentou com Ricardo que nunca mais voltaria para aquele lugar.
Diego, ao ouvir as palavras da mulher, respondeu:
-- É um favor que a senhora me faz. Cambada de ingratos!
Ricardo, dizendo que ele ainda lamentaria muito o que estava fazendo, ouviu como resposta um sorriso irônico.
Cansado de tentar se entender o irmão, Ricardo e Dorothéa, seguiram a pé.
O casal, caminhando durante boa parte da noite, chegou a fazenda da família de Rodrigo praticamente ao amanhecer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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