Poesias

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 16

A cidade de Água Viva, apesar de maior do que sua cidade natal, não chegava a ser um grande centro. Muito pelo contrário, era uma típica cidade interiorana.
Mas enfim, depois de mais de um mês de estada, queria conhecer um pouco melhor o lugar.
Junto com seu chefe já havia visitado algumas vezes, restaurantes, lanchonetes, alguns cinemas, tudo para conhecer melhor o lugar onde estava vivendo temporariamente. Pois, dada a combinação realizada com seu patrão, dentro em breve, retornaria a sua cidade natal, para por em prática os planos traçados por ele.
Assim, precisava conhecer o trabalho deles, se preparar. Nessa preparação, Raíssa acabou por conhecer um pouco melhor, cada um deles.
Em razão da proximidade, chegaram a ter uma boa convivência.
Chegaram até a fazer alguns passeios juntos. Passeios esses, que eram a alegria de Raíssa.
Realmente, a garota estava adorando viver naquele lugar. Estava adorando poder ter dinheiro. Enfim, finalmente começava a usufruir um pouco do que os mais abastados possuíam. E adorou.
Pensava em voz alta:
-- Finalmente vou me livrar de minha madrasta. Não vou depender mais dela. De sua má vontade. De seu mal humor.
Durante os meses em que ficou trabalhando na cidade, se sentira livre de verdade. Sem ninguém para controlá-la, podia fazer tudo o que queria. E aproveitou. Muito melhor do que esperava.
Aliás, não fosse a proposta de seu chefe, jamais retornaria para Água Branca.
Estava feliz em Água Viva, a cidade rival. Bem melhor. Com uma perspectiva de vida melhor. Estava trabalhando por lá. Sentia-se feliz como nunca.
Tranqüila, já imaginava que sua madrasta já havia desistido de procurá-la. Como já fazia um bom tempo que por ali estava, pensava que, se nunca vieram bater em sua porta para buscá-la, é por que desistiram de encontrá-la. Ou melhor, estava tão bem escondida que não conseguiam encontrá-la. Talvez até, a julgassem morta.
Curiosamente, seu chefe, Marcílio, nunca perguntara sobre seus pais. Muito menos seu comparsa, Reginaldo. Apesar deste não confiar muito nela, nunca levantara suspeitas sobre sua vinda para a cidade. Sequer tivera curiosidade em saber por que ela tinha vindo para Água Viva.
A única coisa que lhes interessava, era que trabalhasse bem e que fosse discreta. Não poderia jamais, revelar a quem quer que fosse, sobre a origem ilícita de seu sustento. Mas, o que interessava a Raíssa este fato?
Só lhe importava continuar ganhando dinheiro para se manter e poder se divertir.
Com o que ganhava comprava roupas e assim, pode finalmente se desfazer de seu coturno surrado, e de suas calças jeans surradas.
Qualquer um de seus amigos se a vissem agora, não a reconheceriam. Estava visivelmente diferente. Com seu dinheiro, podia se vestir melhor, cuidar-se melhor.
Entretanto, nem tudo estava perfeito. Quando voltasse para sua cidade, teria que enfrentar sua madrasta. Como faria para tirá-la do caminho? Sabedora das circunstâncias pelas quais foi aceita por ela, tinha a mais absoluta certeza de que ela faria de tudo para não deixá-la ir.
Como Dona Eulália temia o pai de Raíssa, faria de tudo para impedi-la de seguir sua vida.
Preocupada, ficou a pensar em como faria para viver sem ela por perto. No entanto, por mais que pensasse, não conseguia encontrar uma solução.
Mas sabia que, se quisesse realizar seus planos, teria que encontrar uma saída para isso, até o momento de sua volta para a cidade.
Seu Marcílio contudo, ao perceber a expressão de preocupação no rosto de Raíssa, procurou saber, o que a preocupava.
Apreensivo, chegou até a pensar que a garota havia desistido do combinado, mas, ao perceber que a questão era bem mais simples que isso, ofereceu-se para pessoalmente, resolver o problema com sua madrasta.
Para tanto, combinou com Raíssa que, assim que resolvessem qual seria o dia de sua partida, ele iria junto com ela para conversar com Dona Eulália.
Tal promessa, diante da aflição de Raíssa, foi muito generosa. Agradecida disse-lhe que nunca o decepcionaria.
Assim tranqüilizada, continuou estudando os códigos, e em menos tempo do que o esperado, já os tinha memorizado. Continuou também trabalhando e conhecendo um pouco melhor a organização.
Dedicada, melhorava a cada dia.
Cada vez mais atenta e acostumada com o ritmo de trabalho, adaptou-se muito bem ao trabalho noturno. Seguidas vezes, como já foi dito, chegou a emendar uma noite de trabalho com suas pesquisas sobre o casarão mal assombrado.
Com sua curiosidade cada vez mais aguçada, queria conhecer melhor a lenda da cidade. Entretida com a história, chegou a se perguntar, se havia ligação entre esta, e a estranha aparição de um fantasma na cidade vizinha. Afinal de contas, o corpo da jovem senhorita fora curiosamente enterrado em Água Branca.
Pensou, que talvez fosse isso que o jovem cavalheiro procurava.
Foi então, que uma vontade muito forte de voltar para sua cidade, lhe veio a cabeça.
Sentia que talvez ali estivesse o sentido da história. Mas, por um instante, parou para pensar. Então por que aquele homem ficaria assombrando a mansão, se já era sabedor de que ela ali, não mais se encontrava?
Seria para ter um pouco de sua lembrança?
Assim, continuou a perguntar aos moradores da cidade se a estranha aparição vinha sempre assombrar a casa.
Como resposta estes diziam-lhe que a assombração não era constante. Ás vezes, passavam meses sem ouvir nada de estranho. A mansão parece então, uma simples e decadente moradia da já ofuscada aristocracia. Entretanto, depois de meses silenciosa, eis que irrompe perturbadores ruídos que atravessam os grossos muros de pedra da construção e assustam os transeuntes.
Finalmente, o estranho cavalheiro, homem nobre, retorna a velha mansão. Em vida, nunca morou por lá. Mas depois da morte, vaga por entre os vivos, procurando por lembranças da amada.
Segundo o que até agora pôde apurar, trata-se de uma história de amor estranhamente mal resolvida.
O que, para alguns moradores se deu em razão de o jovem morar em uma das cidades vizinhas.
-- Só isso? – indagou Raíssa, interessada em maiores detalhes da história. -- Como pode?
Foi então que um dos moradores lhe explicou o seguinte:
-- Trata-se de um romance mal resolvido entre este estranho jovem e a Senhorita Morales. Embora não saibamos muito sobre esta história, sabemos que não puderam ficar juntos, por conta de uma rivalidade entre famílias. O chefe da família Morales, não poderia admitir que sua única filha se envolvesse com alguém que ameaçava os seus negócios. Segundo o que se conta por aí, o Senhor Morales perdeu uma grande soma em dinheiro com investimentos realizados em diversos bancos. Entre eles, o banco do qual o jovem rapaz era proprietário.
Nesse momento Raíssa teve uma lembrança:
-- Espere, eu sei o nome dele. Quer dizer então, que o nome deste cavalheiro é Lopes. Frederico Lopes.
No que o homem continuou:
-- Sim, o nome dele era Frederico Lopes. Nasceu na cidade de Água Branca, que se arroga um grande pólo turístico.
-- Foi daí então, que surgiu uma certa rivalidade entre as duas cidades. Não é mesmo?
No que o homem retorquiu:
-- Não se trata de rivalidade. Realmente, Frederico Lopes prejudicou a cidade, já que a família Morales era a maior investidora no que tocavam os projetos do lugar. Ele, Augusto Morales tinha a ambição de ser prefeito, mas também queria que a cidade se modernizasse. Era um homem de visão.
-- Realmente devia ser um homem de visão. Impediu que a filha se unisse a esse homem. Homem esse, que poderia ter trazido seu dinheiro para Água Viva. Poderia melhorar o lugar.
Irritado, o estranho a repreendeu:
-- Mocinha, esse tal de Frederico Lopes, possuía um banco na cidade. O Banco Lopes. Foi exatamente nesse lugar que o Senhor Morales investiu parte de seu dinheiro. Ou seja, o sujeitinho, já possuía um estabelecimento aqui.
-- Então isso explica tais investimentos. Mas, pelo que o senhor mesmo está falando, o Senhor Morales não investiu apenas neste banco. Ele fez algumas aplicações financeiras em outros lugares. Quais?
-- Isso eu já não sei responder-te. O que sei já te contei.
Nisso, Raíssa agradeceu o homem e voltou para o hotel, onde estava hospedada.
Conforme os dias, as semanas foram se seguindo, Raíssa permaneceu no hotel onde inicialmente se hospedou. Agora que podia pagar a estadia, não fazia sentido sair de lá. Afinal, apesar de ficar na periferia da cidade, não lhe incomodava o fato de ter que fazer parte do caminho a pé, para que pudesse realizar o trabalho.
Aliás, passou a gostar de fazer caminhadas. Sempre andou muito. Mas agora, suas caminhadas eram mais freqüentes.
Muito embora trabalhasse a noite, durante o dia tinha que passar na casa de Marcílio, para que este lhe passasse as últimas instruções, sobre como deveria proceder, onde deveria vender as mercadorias, com quem deveria falar. Enfim, os detalhes da operação.
Durante os meses em que esteve sob a supervisão de Marcílio, todos os dias tinha que ir a sua casa e prestar do contas do que tinha feito. Estava sendo avaliada. Portanto, precisa mostrar que estava capacitada para continuar na organização.
Aliás, pelo pouco tempo que ali estava, Raíssa deu-se conta de que tratava de uma organização. De algo extremamente especializado e complexo. Algo que, nos últimos tempos, começava a fazer parte de sua vida.
Raíssa sentia também, que quanto mais se passavam os dias, as horas, mais difícil se tornava para a ela a possibilidade de se arrepender. Sabia que era um caminho sem volta e estava, pelo menos achava que sim, estava disposta a pagar o preço por isso.
Mal sabia ela pelo que ainda, teria que passar.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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