Poesias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 15

A viagem de acerto de contas com o passado. A viagem em que resolveria definitivamente suas pendências com os tempos de antanho.
Em razão da longa viagem que empreenderia, Thereza fez questão de providenciar malas e mais malas. Seguida por seus amigos, a moça não viajou só.
De trem, seguiram até a fazenda. A certa altura depois de chegarem na estação, um empregado da fazenda recém adquirida por Thereza, esperava-os para levar todos para a lá.
De acordo com as recomendações, o capataz, sabendo da possibilidade de Thereza vir acompanhada de muitos criados e malas, teve o cuidado de providenciar duas charretes.
Porém ao contrário do que Thereza poderia imaginar, o homem não se espantou ao perceber que ela era negra. Isso por que, advertidos pelo representante de Thereza depois que a moça adquiriu as propriedades, sabiam que se tratava de uma negra livre.
Contudo, num primeiro momento alguns se espantaram. Alguns chegaram a ameaçar até, não trabalhar para ela. Diante disso, em razão da situação tensa que se criara, o representante da moça, tentando convencê-los de que teriam muito a ganhar com isso, prometeu que os mesmos seriam muito bem recompensados.
Os escravos então, na tentativa de ganharem um salário, resolveram ficar. E assim, foi.
Assim, como havia sido combinado, além da liberdade, os mesmos passaram a ser pagos pelo trabalho que faziam. Por esta razão, motivados, trabalharam com afinco para reformarem as propriedades e deixar tudo em ordem.
Alguns, com o passar do tempo, percebendo a demora para a nova dona daquelas propriedades aparecer, começaram a desconfiar que Thereza não seria conhecida por eles.
Contudo, com o passar do tempo, depois de muito esperarem, finalmente a mulher decidiu rumar para lá.
Curiosos os fazendeiros que foram até a recém construída estação, ao verem Thereza ser tratada com toda a atenção que se dedica a uma senhora branca, ficaram indignados. Prestes a se indisporem com a fazendeira, não fosse o aviso de um dos capatazes, e um daqueles homens cometeria o pior erro de sua vida.
O mesmo, ao ouvir do empregado que Thereza ela era sua patroa, ficou estupefato. Seu espanto foi tão grande que ele só pôde pronunciar a frase:
-- Mas ela é negra! Uma sinhá negra!
Por sorte, Thereza, entretida com a liberação da bagagem, nem deu atenção ao homem espantado. Ansiosa em chegar logo a fazenda, nem sequer percebeu a aproximação do fazendeiro arrogante.
Nisso, com as malas colocadas nas charretes, Thereza e seus amigos, acomodando-se, seguiram até a fazenda.
Durante o trajeto o capataz, comentando que fazia muito tempo que não via tanta movimentação na região, ressaltou a importância da recuperação daquele lugar. Disse que o trabalho de Thereza em recuperar a propriedade e tornar aquelas terras novamente produtivas, foi a melhor coisa que ela podia fazer pelos os que ali viviam.
Além disso, dando uma vida digna para os escravos, estavam ensinando a todos os fazendeiros da região, uma lição.
O capataz, animado com a vinda de Thereza para a fazenda, comentou que num primeiro momento, se surpreendeu com o fato de uma mulher se interessar por esse tipo de assunto. Depois, ficou mais espantado ainda, ao saber que além de mulher, Thereza era negra, e mais, ainda muito jovem.
Tudo isso num primeiro momento, gerou uma tremenda comoção entre todos os escravos. Libertados, todos ficaram agradecidos e depois de alguma resistência passaram a se dedicar com afinco em cuidar da fazenda.
Thereza, ao ouvir as palavras do empregado, ficou muito satisfeita em saber que todos estavam gostando da mudança. Enquanto isso, apreciando a natureza exuberante da região, a moça passou a se recordar dos momentos que passou em meio aos cafezais, – presença constante na região.
Quando chegou na sede, Thereza constatou espantada, o primoroso trabalho dos arquitetos e dos ex-escravos. Encantada com o capricho do trabalho, Thereza pediu ao capataz, que agradecesse em seu nome a dedicação dos empregados em cuidar de tudo aquilo, como se fora deles.
Antenor, o capataz, prometeu que o faria.
Thereza então, visitando o interior da casa, apreciou a sala, a sala de jantar, a cozinha, o escritório e os quartos. Ambientes amplos e muito bem decorados, encantaram a moça, que recordando-se do passado, lembrou-se que muitas vezes, limpou pisos de madeira.
Emocionada ao voltar a lembrança para o momento presente, comentou com Cleide, agora tudo seria muito diferente em sua vida.
A mulher, ouvindo as palavras de Thereza, não entendeu claramente o que ela queria dizer com tudo aquilo. Porém curiosa, foi logo perguntando o que ela queria dizer com aquilo.
Thereza, placidamente respondeu que:
-- Nada demais. Só quis dizer que nada será como antes. Aqui eu vou ser feliz como eu nunca fui. Disso eu tenho certeza.
Depois de proferir essas palavras a moça foi até um dos quartos.
Cleide sozinha, ficou a pensar nas palavras de Thereza.
No entanto, por mais que pensasse, não conseguia compreender o significado daquelas palavras ditas num tom muito tranqüilo. Sentindo porém, que Thereza estava um pouco demudada, chegou a pensar que a moça tencionava morar ali.
Nisso, quando Thereza voltou a sala, depois de pedir aos criados que levassem as malas para os quartos, Cleide perguntou-lhe:
-- Senhora. Vossa Mercê pretende permanecer por aqui?
-- Não propriamente. Mas eu quero passar alguns meses, vivendo neste lugar. – respondeu a moça, sem alterar a expressão.
Depois de dizer isto, a moça se dirigiu ao alpendre. Sequiosa de informações sobre a fazenda vizinha, foi logo perguntando sobre Rodrigo. Um dos empregados, que já fora escravo na fazenda limítrofe a propriedade de Thereza, comentou que já fazia algum tempo, um rapaz negro, passara a viver ali, junto com Diego e Ricardo.
Atencioso, o empregado respondeu que Rodrigo passara maus bocados nas mãos de Diego. O rapaz, ao tomar conhecimento da presença de Rodrigo, passou a tratar Ricardo com mais hostilidade que nunca. Dizendo ser o único dono de todas aquelas terras, Diego não admitia a intervenção de estranhos na administração da propriedade.
Apesar de ter perdido muito do patrimônio amealhado por seus ancestrais, o jovem não admitia que ninguém se intrometesse em seus negócios. Rodrigo contudo, nem um pouco preocupado com a reação de Diego, passou a cuidar por sua conta de certos detalhes da administração da propriedade. E assim, mesmo se indispondo com o rapaz, Rodrigo passou a tomar conta da propriedade.
Facundo, o empregado de Thereza, comentou que não fosse a diligência de Rodrigo e os irmãos teriam perdido tudo em decorrência da má administração de Diego, que arrogante, não sabia conduzir a contento os negócios da fazenda.
Muito embora o rapaz conhecesse como ninguém a vida rural e tivesse sido bem sucedido nos primeiros anos em que administrou a fazenda, já que conseguiu reerguer a propriedade, depois de uma violenta revolta dos negros, o mesmo não vinha tendo sucesso nos últimos tempos. Ousado, tentando diversificar suas atividades, movido por um sentimento atroz de ambição, depois de aproveitar-se da ausência de Ricardo, para espoliá-lo, o rapaz começou a investir em atividades arriscadas.
Em constantes viagens para a Corte, o rapaz encantado com o desenvolvimento da cidade, resolveu investir dinheiro em atividades industriais. Contudo, sua falta de jeito com a burocracia dos empreendimentos industriais, fizeram-no perder vultosas somas em dinheiro.
Thereza, ao tomar conhecimento em detalhes da história, ficou a imaginar o quadro. Diego, tendo que suportar a presença de Rodrigo e financeiramente abalado.
Feliz a moça chegou a comentar que aquela situação era ótima para ela.
O empregado continuando seu relato, comentou que por conta das novas atividades de Diego, várias vezes o rapaz precisou vender bens da família. Nisso vendeu terras, imóveis que a família possuía no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essas propriedades, cuidadas e conservadas por ótimos administradores como também o fazia Thereza, raramente eram utilizadas pela família. Assim, quando o rapaz se viu forçado a se desfazer dessas propriedades, não pensou duas vezes em vendê-las.
Contudo, o que nunca poderia vender, eram as terras onde nasceu e cresceu. Obcecado com aquelas terras, o empregado revelou a Thereza que já ouviu o rapaz dizer que seria capaz de matar ou de morrer.
Thereza entendeu então, a razão de não ter conseguido as terras. Pensando nisso, chegou a conclusão de que enquanto o rapaz não estivesse completamente arruinado, jamais conseguiria obtê-las para si.
Constatando isso, a moça chegou a conclusão de que se queria vê-lo destruído, precisava começar a abalando sua credibilidade. Assim, precisava ganhar a confiança e o respeito dos fazendeiros. Com isso, precisava que Abelardo fosse o quanto antes para lá.
Assim, esperou pacientemente o marido ir até lá.
Abelardo, em razão de suas atividades profissionais, demorou para ir até lá. Porém, quando finalmente pôde se dirigir a fazenda que a esposa adquirira, mal pôde conter o espanto. Impressionado, comentou que certamente quando os outros fazendeiros a vissem em detalhes, ficaram admirados. Alguns certamente sentiriam inveja.
Antes porém, na estação – conforme havia avisado a esposa –, estava ansioso por chegar até lá.
Por isso quando o rapaz informou a data em que viajaria para a região, Thereza igualmente ansiosa e precavida, recomendou ao capataz que providenciasse uma charrete e fosse até a estação buscá-lo.
Antenor atendeu prontamente o pedido da patroa. O homem, um dos poucos brancos que viviam naquelas terras, respeitava muito aquela senhora que, rompendo as barreiras sociais, conseguiu alcançar os mais elevados círculos. Por esta razão, tudo o que a mulher lhe pedia ele executava. Sem questionar as ordens de Thereza, chegou a realizar a atividades além de sua função de capataz.
Prestativo, quando a mesma lhe perguntou se ele conhecia a situação da fazenda vizinha, Antenor respondeu que os mesmos estavam indo de mal a pior. Dizendo que Diego era um péssimo administrador, comentou que não fosse a ajuda de Rodrigo, e já teriam perdido há muito tempo a propriedade.
Thereza constatou que já era hora então, de se fazer apresentar aos fazendeiros.
Por esta razão, aguardando Abelardo, a moça esperou que o marido chegasse a fazenda. Quando então o rapaz chegou e se instalou, a moça, dizendo que precisava conhecer sua vizinhança, comentou com o marido que precisavam participar da vida na comunidade.
Abelardo concordou com a moça. No entanto, sabendo que não seria nada fácil se imporem aos conservadores fazendeiros da região, o rapaz recomendou que os mesmos passassem a fazer doações para a igreja local.
Thereza concordou. Contudo, precisava primeiramente se apresentar ao padre.
Abelardo, ao perceber o interesse da esposa em fazer parte da comunidade, comentou que precisavam ter cuidado.
Mas Thereza, dizendo que estava cansada de ser precavida, comentou que precisava se impôr. Assim, determinada a se fazer conhecida por todos, ciente de que os moradores do lugar talvez já soubessem que ela era negra, colocou sua melhor roupa e acompanhada de Cleide e alguns criados, a mulher entrou na igreja.
O padre quando viu-a adentrar a igreja, pediu a ela que seus criados permanecessem fora da igreja.
Thereza então, recomendou aos mesmos que saíssem do recinto e a aguardassem no lado externo da igreja. Cleide no entanto, branca que era, permaneceu na igreja juntamente com ela.
O sacerdote, temendo que algum família pudesse entrar na igreja e ver Thereza ali, pediu a moça para que fosse com ele até a sacristia.
Thereza ao ouvir o pedido do padre, não ficou nem um pouco satisfeita. Mas como não queria se indispor com o sacerdote, acabou concordando. E assim, os três foram até a sacristia. Thereza então, perguntando qual era a situação da igreja, ouviu do padre, que a mesma necessitava de muitos reparos.
Thereza ouvindo calmamente as reclamações do padre, foi logo perguntando quais eram os reparos que se faziam mais urgentes, já que a igreja visivelmente, estava em péssimo estado.
O padre então dizendo a moça que precisava de muito dinheiro, comentou que o quanto antes começassem a cuidar da igreja, menos coisas teriam que consertar.
Thereza concordou. Generosa, foi logo oferecendo uma farta quantia ao padre.
O homem, ao tomar conhecimento da soma, foi logo dizendo que se a soma chegasse a tempo, seria muito bem aproveitada.
Thereza entendeu o recado. Assim, em menos de uma semana, depois de seguir para São Paulo e disponibilizar o dinheiro, a moça voltou rapidamente para a fazenda.
Durante o tempo em que esteve em São Paulo, aproveitou para ver de perto como estavam sendo conduzidos os seus negócios. Seu administrador, – o homem que tempos antes a representara na compra e reestruturação das duas propriedades que comprara – mostrando-lhe livros contábeis e dizendo-lhe que semanas atrás tinha ido até as fazendas para saber com os administradores das mesmas como tudo estava indo, revelou-lhe que tudo caminhava a contento.
Thereza ao ouvir isso, depois de verificar as escriturações, ficou bastante satisfeita. Recomendando a Assírio que não deixasse de visitar as fazendas, disse-lhe que assim que pudesse também iria visitá-las.
Com isso, ao término de alguns dias, depois de ter o dinheiro liberado, Thereza voltou para a fazenda.
Assim que voltou, foi logo perguntando a Antenor como andavam as coisas. O capataz, executando novas funções, comentou que as coisas fluíram normalmente.
Nisso, assim que teve uma oportunidade Thereza foi conversar com o padre. Levando para ele a quantia prometida, a moça falou para ele começar imediatamente as obras de reparação da igreja.
Agradecido, Lívio, prometeu que no dia seguinte chamaria alguns operários para trabalharem na restauração da igreja. Satisfeito com a contribuição, o padre prometeu que ela seria a primeira pessoa a ver a igreja pronta. Além disso, assim que a reforma acabasse, ele celebraria uma missa em homenagem a ela, para a qual logicamente ela estava convidada.
Thereza ao ouvir a oferta do padre ficou muito lisonjeada, mas dizendo que não queria criar embaraços para ele, achou por bem declinar do convite.
Lívio no entanto, ao ouvir a recusa, não ficou nem um pouco satisfeito. Dizendo que seria uma desfeita se ela não comparecesse, alegou que aquela seria uma ótima oportunidade para que se apresentasse como uma benfeitora da comunidade.
Thereza, ao perceber a intenção do padre, acabou concordando com ele.
Lívio, ao ouvir a concordância da moça, ficou satisfeitíssimo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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